Carta IEDI
Lucratividade das empresas em 2016: recuperação parcial
Esta Carta IEDI analisa os indicadores de rentabilidade das empresas não financeiras no primeiro semestre de 2016, a partir de uma base de dados composta de 307 empresas com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), abarcando os três grandes setores da economia: indústria, comércio e serviços.
Em síntese, o que se constatou foi uma recomposição muito parcial da rentabilidade na primeira metade de 2016, depois do tombo ocorrido no ano passado. No caso da margem líquida, que incorpora as despesas financeiras e as variações monetárias e cambiais, a margem cresceu de 3,5% no primeiro semestre de 2015 para 5,3% no primeiro semestre de 2016. É preciso ressaltar, contudo, que este patamar ainda é bastante inferior à média do período 2010-2015 (8,1%).
Se for considerado apenas o setor industrial, excluídas as duas gigantes do setor extrativo, a saber, a Petrobras e a Vale, a recomposição da margem líquida foi ainda menor. Passou de 2,7% para 3,2% na comparação dos primeiros semestres de 2015 e 2016. Este resultado também ficou aquém da média do período 2010 a 2015 (4,5%).
Os dados acima constituem evidências adicionais do cenário complicado em que a indústria continua inserida. Em outros termos, a atividade industrial parece ter se estabilizado em níveis tanto de produção e como de rentabilidade bem abaixo dos padrões pré-crise, dando sinais de que a crise industrial está longe de ter sido superada.
No caso da margem operacional, que mede a capacidade de gerar lucros antes das despesas financeiras líquidas, para o conjunto das 307 empresas analisadas houve uma elevação muito pequena, de 12,1% no primeiro semestre de 2015 para 13,2% no primeiro semestre de 2016. Isso porque chegou a ser 19,3% em 2010 e 15,3% na média do período 2010-2015. É clara então a dificuldade em melhorar a rentabilidade das atividades operacionais diante de uma conjuntura recessiva como a que vivemos e de incertezas em relação à evolução do emprego e da demanda agregada.
Na indústria exceto Petrobras e Vale, 2016 não trouxe mudança de tendência da margem operacional, que continuou em queda passando de 9,3% no primeiro semestre de 2015 para 8,3%. Muito dessa redução decorreu de setores para os quais o mercado doméstico é fundamental, como vestuário, alimentos, eletrônicos, higiene e limpeza, entre outros.
Mas estes não foram os únicos setores a terem margens operacionais cadentes. Outros de muita importância na geração de empregos e no investimento também apresentaram retração da margem operacional. É o caso da construção civil, siderurgia, metalurgia e autopeças. Na verdade, foram poucos os setores industriais que apresentaram alguma recuperação neste indicador, sendo em geral muito pequena na comparação com 2015, tais como calçados e papel e celulose.
Já no caso da margem bruta de lucro, que reflete a capacidade de as empresas gerarem riqueza nas suas operações stricto sensu, o indicador para o total das empresas analisadas subiu de 26,8% no primeiro semestre de 2015 para 30,1% no primeiro semestre de 2016, devido mais ao desempenho das empresas dos setores de comércio e de serviço do que da indústria.
Tomado sem Petrobras e Vale, o que se verificou foi que o setor industrial apresentou retração de sua margem bruta de lucro, passando de 22,6% para 21,7% nos primeiros semestres de 2015 e 2016, respectivamente. Esse comportamento atingiu um conjunto diversificado de setores, como metalurgia, siderurgia, construção, autopeças, madeira, têxtil e alimentos.
Na indústria (exceto Petrobras e Vale), os recuos das margens operacional e bruta no primeiro semestre de 2016 sugerem que a contração da demanda ainda é um fator inibidor da recuperação do setor bem como do equacionamento dos problemas financeiros das empresas. Um dos efeitos desse quadro é que ele pode postergar as decisões de investimento.
A diferença no comportamento recente das margens operacionais em relação à margem líquida sugere, a seu turno, que as empresas não financeiras não estão conseguindo acomodar o aumento dos custos operacionais em um mercado que continua em forte retração, ainda que estejam tentando reduzir a sua exposição financeira frente à piora dos índices de endividamento e do aumento das despesas financeiras líquidas.
Esse contexto de fragilidade financeira das empresas também indica que é cedo para se falar em recuperação econômica. As empresas estão mais propensas a recuperar seu equilíbrio financeiro do que a realizar novos investimentos, que poderiam acelerar o crescimento econômico.
Introdução
Esta Carta IEDI dá continuação à pesquisa sobre o desempenho econômico-financeiro das empresas não financeiras listadas em bolsa de valores no período de 2010 a 2015, cujos resultados foram publicados na Carta IEDI Nº 738 de junho de 2016. A “saúde” financeira das empresas e a lucratividade operacional dos seus negócios, dado o aprofundamento da crise econômica, são aspectos importantes de serem monitorados para avaliar se as empresas estão conseguindo se recompor do baque sofrido em 2015.
Esta etapa da pesquisa se propõe a acompanhar os indicadores contábeis das empresas para o primeiro semestre de 2016. O período coberto será o mesmo do estudo anterior acrescido do ano de 2016, mas em agregações semestrais. A base de dados, obtida no sistema de informações Economática, é composta de um grande número de Balanços Patrimoniais e Demonstrações Financeiras de empresas com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para todo o período considerado.
O levantamento das informações para os primeiros semestres de cada ano gerou uma amostra de 307 empresas que apresentaram demonstrações contábeis para todos os anos considerados. As companhias foram separadas em 42 segmentos produtivos e reagregadas em três macrossetores: Indústria, Comércio e Serviços. Três subconjuntos dos macrossetores foram criados para isolar o peso das gigantes do setor de petróleo, mineração e de energia elétrica nos totais: (i) Indústria sem Petrobras; (ii) Indústria sem Petrobras e Vale e (iii) Serviços sem energia elétrica. A relação de empresas por setores está listada no anexo estatístico.
Rentabilidade das empresas não financeiras até o primeiro semestre de 2016
Se considerarmos os resultados globais sobre a rentabilidade e os custos das 307 empresas não financeiras listadas na bolsa de valores do primeiro semestre de 2016, poderíamos ter a sensação de que foi acessa uma luz no fim do túnel. Isso porque as margens de lucro das empresas subiram após enorme tombo observado no primeiro semestre de 2015. No caso da rentabilidade líquida, que incorpora as despesas financeiras e as variações monetárias e cambiais, a margem cresceu entre 2015 e 2016, de 3,5% para 5,3%. Esta tendência também se manifestou na margem operacional, que mede a capacidade de gerar lucros antes das despesas financeiras líquidas, com elevação de 12,1% para 13,2% neste período. No caso da margem bruta de lucro, que reflete a capacidade de as empresas gerarem riqueza nas suas operações stricto sensu, o indicador subiu de 26,8% no primeiro semestre de 2015 para 30,1% no primeiro semestre de 2016.
O primeiro comentário a ser feito, que relativiza a alta na rentabilidade no agregado das empresas não-financeiras no primeiro semestre de 2016, diz respeito à evolução da margem líquida. O patamar de 5,3% da margem líquida foi inferior à média do período 2010-2015 (8,1%), ficando 50% abaixo do nível observado nos primeiros seis meses de 2010 (11,8%). Em relação às margens operacional e bruta, os indicadores do primeiro semestre de 2016 também se situaram abaixo da média do período 2010-2015, mas acima do patamar de 2014 (12,7% e 27,9%, respectivamente), isto é, antes do aprofundamento da crise em 2015.
A recuperação apenas parcial da rentabilidade em 2016, que se constata a partir da análise dos resultados do total das 307 empresas não-financeiras não traduz com fidelidade, entretanto, o que aconteceu no período recente nas grandes empresas não financeiras. Isso porque parte significativa da recuperação das margens líquidas foi concentrada em alguns poucos setores e ocorreu em condições bem específicas.
Nota-se que os setores de mineração e papel e celulose juntamente com as empresas de energia elétrica foram os grandes responsáveis pela retomada das margens de lucro no primeiro semestre de 2016. No caso das empresas de energia elétrica esse movimento se deu, sobretudo, em consequência do realinhamento da política de preços praticada no setor.
No agregado da indústria, exceto Petrobras e Vale, a alta da margem líquida foi pequena, de 2,7% para 3,2%, e o seu patamar ficou abaixo de 2014 (4,7%) e da média do período 2010 a 2015 (4,5%). Esta tendência confirma o cenário sugerido por outros indicadores de atividade industrial de que após a grande queda dos indicadores de desempenho no ano de 2015, a atividade industrial parece ter se estabilizado em níveis de produção e rentabilidade bem abaixo dos padrões pré-crise. Em outros termos, depois da queda de 2015 a indústria começou a “andar de lado” tanto em relação ao nível de produção como de rentabilidade, dando sinais de que a crise industrial está longe de ter terminado.
No conjunto da indústria sem a Petrobras, nota-se uma alta mais expressiva da margem líquida de lucro, de 1,2% em 2015 para 5,4% em 2016. Isto se deveu ao desempenho da Petrobras e da Vale do Rio Doce. No primeiro caso, nota-se prejuízo líquido observado no primeiro semestre de 2016 da ordem de R$ 831 milhões. A Petrobras continuou apresentando deterioração financeira em 2016 com expansão das despesas com juros e amortizações, cujo patamar atingiu R$ 16,4 bilhões. Já, a Vale saiu de um prejuízo de R$ 4,6 bilhões, no primeiro semestre de 2015, para um lucro líquido da ordem de R$ 9,9 bilhões no mesmo período de 2016. As despesas financeiras da Vale caíram de R$ 23,5 bilhões para R$ 13,3 bilhões neste período.
No caso do agregado do setor de serviços, excluídas as empresas de energia elétrica, as margens líquidas recuaram entre 2015 e 2016, de 6,4% para 5,9%, especialmente em função do prejuízo observado nos setores de telecomunicação, concessão de rodovias e transporte ferroviário. No setor de comércio, o resultado da margem líquida em 2016 foi o pior registrado ao longo do período, ficando em apenas 0,1%, devido aos prejuízos das empresas do varejo e do comércio eletrônico.
O desempenho das margens operacionais indica que é bastante preocupante a situação das empresas não-financeiras no período recente. Em uma conjuntura de recessão aberta e incertezas em relação à evolução do emprego e da demanda agregada, fica clara a dificuldade em melhorar a rentabilidade das atividades operacionais.
No agregado da indústria sem a Petrobras e a Vale, a queda da margem operacional foi de 9,3% para 8,3% entre 2015 e 2016. No caso do setor de serviços (excluídas as empresas de energia elétrica) o indicador passou de 19,2% para 17,6%, no mesmo período.
Nota-se que em relação à indústria, as atividades para as quais o mercado doméstico é fundamental, como vestuário, alimentos, eletrônicos, higiene e limpeza, entre outros, mantiveram a tendência de retração nas margens de lucro operacional no primeiro semestre de 2016. Outros setores industriais importantes do ponto de vista de sua participação na geração de empregos e no investimento também apresentaram retração da margem operacional. É o caso da construção civil, siderurgia, metalurgia e autopeças. Foram poucos os setores industriais que apresentaram alguma recuperação neste indicador, sendo em geral muito pequena na comparação com 2015. Entre os setores mais importantes, foram os casos apenas de calçados e de papel e celulose.
No que diz respeito à margem bruta, que apresenta uma relação mais direta com os markups praticados, a tendência em muitos setores também foi de recuo frente a 2015. A exceção foram as atividades de comércio e de alguns serviços que apresentaram certa recuperação da margem bruta, os demais setores praticamente estabilizaram suas margens brutas no nível da retração de 2015, isso quando não apresentaram alguma queda. A indústria (exceto Petrobras e Vale) apresentou uma margem bruta de 21,7% em 2016, abaixo do patamar da média do período 2010-2015 (22,2%). No segmento de serviços sem as empresas de energia elétrica esta diferença foi maior, de 43,4% para 39,6%, na mesma base de comparação.
De modo geral, a margem operacional e a margem bruta recuaram ligeiramente no primeiro semestre de 2016 demonstrando que a recessão ainda é um fator que está limitando a recuperação e, assim, dificultando o equacionamento dos problemas financeiros, o que pode postergar as decisões de investimento.
A diferença na evolução das margens operacionais em relação à margem líquida sugere que as empresas não financeiras não estão conseguindo repor o aumento dos custos operacionais em um mercado em retração, mas estão tentando reduzir a sua exposição financeira frente à piora dos índices de endividamento e do aumento das despesas financeiras líquidas. Neste contexto, a tentativa das empresas em diminuir a sua fragilidade financeira também indica que ainda é cedo para se falar em recuperação econômica. As empresas estão mais propensas a recuperar seu equilíbrio financeiro do que a realizar novos investimentos, que poderiam acelerar o crescimento econômico.
Despesas financeiras e custos operacionais
As despesas financeiras líquidas e o peso das variações cambiais sobre os fluxos de caixa voltaram, no primeiro semestre de 2016, para os níveis próximos da média 2010-2015, estabilizando os efeitos dos choques da crise em 2015. Os dados demonstram, ainda, outro ponto importante: as empresas aparentemente encontraram formas de estabilizar o processo de fragilização financeira que havia tomado proporções significativas em 2015, mas a evolução dos ativos sugere uma possível redução nas participações societárias e menor disponibilidades de recursos líquidos.
Os dados sobre as despesas financeiras líquidas da indústria exceto Petrobras e Vale registraram que a estratégia está de certa forma dando certo. As despesas financeiras líquidas como proporção da receita operacional caíram de 5,8% para 3,8%. No setor de serviços exceto as empresas de energia elétrica o ajuste das despesas financeiras foi ainda mais expressivo, de 10,0% para 5,7%. Os efeitos das variações monetárias e cambiais no primeiro semestre de 2016 voltaram ao normal, com um índice de 2,5% em relação à receita operacional, devido, em parte, à valorização da taxa de câmbio ocorrida no período. Com exceção dos setores de óleo e gás, de máquinas e equipamentos e de bebidas, os demais setores reduziram significativamente, na primeira metade de 2016, os efeitos negativos provocados pelo câmbio em 2015.
Durante o primeiro semestre de 2016 também se manteve a tendência de crescimento dos custos dos produtos vendidos. Embora esta tendência tenha se acirrado após o aprofundamento da crise internacional em 2008/2009, a alta dos custos dos produtos vendidos começou a pesar de forma mais significativa na composição da margem bruta de lucro apenas após 2014. Uma das razões da piora da margem bruta foi a elevação da relação dos custos de produtos e serviço sobre a receita operacional, de 77,4% para 78,3% em 2016 no agregado da indústria sem Petrobras e Vale. A alta dos custos reforça a hipótese de que a queda da margem bruta se deve ao fato de que as empresas não estão conseguindo de modo mais efetivo repassar aos preços dos produtos industriais tal elevação de custos. Isso deve ser creditado, inclusive, à política monetária contracionista que tem maiores efeitos de contenção dos preços de produtos industriais, já que sua eficácia é relativamente baixa para aqueles componentes do IPCA de onde vinham as pressões inflacionárias mais fortes, a saber, dos preços administrados (tarifas de energia e combustíveis, sobretudo) e de alimentos, sujeitos a choques de oferta por razões climáticas.
Evolução dos ativos e do endividamento
A evolução dos ativos no primeiro semestre de 2016 também demonstra certo movimento de redução das disponibilidades de caixa (aplicação financeira e caixa) e desinvestimento das empresas, especialmente participações em coligadas. Este último fator pode estar indicando que a liquidação de ativos na atual crise tem sido importante para equilibrar a situação financeira das empresas.
No agregado da indústria exceto Petrobras e a Vale, as disponibilidades de recursos líquidos (aplicações financeiras e caixa) como proporção do ativo caíram de 15,0% para 12,1% nos primeiros seis meses de 2015 e de 2016. No caso dos investimentos societários em coligadas a queda foi de 5,0% para 3,8% no mesmo período.
Uma parte das empresas procurou um rápido ajuste, liquidando ativos e investimentos societários, quitando dívidas ou as renegociando com os bancos, e quando possível, com vistas a diminuir a exposição financeira, especialmente naqueles setores mais sujeitos à variação cambial. Isso indica que o setor privado está procurando em 2016, ainda num contexto de recessão, avançar em seu ajuste em relação ao cenário de 2015, mas o que sobressai até agora é o caráter defensivo, isto é, patrimonial, desse ajuste, nos moldes daquele observado no final dos anos 1990.
Apesar do ajuste, os indicadores de endividamento mantiveram a tendência de crescimento na primeira metade de 2016. A piora do grau de endividamento foi praticamente generalizada para todos os setores, embora na maior parte dos casos tenha uma desaceleração. Percebe-se, então, uma dificuldade na redução do grau de endividamento em uma conjuntura de retração da demanda agregada e de altas taxas de juros, bem como de baixa rentabilidade.
Dois fatores se destacam no sentido de permitir que as empresas não-financeiras consolidem seu ajuste patrimonial, quais sejam, a manutenção de um câmbio competitivo e estável e a reciclagem das dívidas através de empréstimos com taxas de juros menores. Isto equacionado abre-se a possibilidade de as empresas engatarem no ciclo de retomada do mercado interno dos próximos anos por meio do aumento da imobilização de capital (isto é, do investimento) e, consequentemente, da imprescindível modernização da sua capacidade produtiva, com efeitos positivos sobre sua competitividade.