Carta IEDI
Um começo de ano ruim
Dois consensos a respeito do desempenho da economia brasileira parecem estar surgindo entre os analistas econômicos, segundo o que tem sido veiculado pela imprensa nos últimos meses. O primeiro deles é que a recuperação da economia brasileira será lenta, como deve ser de fato o caso. O segundo é que já estaríamos em rota de recuperação, o que, à luz dos indicadores deste início de 2017, é mais questionável.
É bem verdade que o quadro geral é menos dramático do que já foi alguns meses atrás, especialmente para a indústria, e que alguns indicadores já apontam para um início de reversão. Mas nem todos os setores chegaram ao mesmo estágio.
O comércio varejista (no conceito restrito) e os serviços, por exemplo, apresentaram quedas das mais elevadas em janeiro deste ano: respectivamente -7,0% e -7,2% de faturamento real na comparação com mesmo mês do ano anterior. As concessões de crédito continuam em retração e as taxas de juros dos empréstimos têm repassado muito parcialmente a redução da taxa Selic, iniciada em novembro passado.
A situação do emprego também não vem autorizando muito otimismo, segundo os dados do IBGE, já que a taxa de desocupação continua em ascensão, atingindo 13,2% no trimestre formado por dez/16 e janeiro e fevereiro de 2017. E isso a despeito do resultado positivo em fev/17 do Caged, que apura o emprego formal na economia. Ao menos a desaceleração da inflação tem contribuído para melhorar a evolução da massa de rendimentos reais, o que, aliada à liberação das contas inativas do FGTS, pode injetar algum dinamismo no consumo.
Os sinais mais promissores vêm da indústria, cuja produção física apresentou seu primeiro resultado positivo em janeiro de 2017, depois de 34 meses consecutivos de quedas. A alta chegou a 1,4% e foi acompanhada pela maioria dos ramos (16 dos 26) e localidades (12 das 15) pesquisados pelo IBGE. Nada mal para o setor, que suportou perdas inimagináveis nos últimos anos, começar o ano voltando ao azul.
Mas é bem provável que este crescimento em janeiro da indústria não tenha sido tão positivo assim. Isso porque é preciso levar em conta dois efeitos: um efeito calendário, já que jan/17 teve dois dias úteis a mais do que jan/16, e um efeito base de comparação muito baixa, dado que a pior etapa da crise se deu entre o final de 2015 e início de 2016. Dados esses fatores, o estágio em que a indústria nacional se encontrava no início do ano devia estar mais próximo da estabilidade do que de uma efetiva recuperação.
Feitas essas ponderações e a despeito do desempenho geral dos três grandes setores da economia – indústria, comércio e serviços – existem movimentos internos a cada um deles que merecem ser destacados.
Do lado da indústria, a alta de janeiro resultou de um dinamismo maior nos principais centros industriais do país – notadamente São Paulo (+1,2% frente a jan/16), Minas Gerais (+4,8%) e Rio de Janeiro (+4,6%) –, que em função do seu maior número de interações setoriais são mais capazes de irradiar seu crescimento para o restante da economia. Nestes casos, assim como em outros estados, como Paraná (+4,1%) e Santa Catarina (+5,6%), variações positivas vêm pontuando suas trajetórias.
Ademais, todos os macrossetores industriais apresentaram crescimento da produção em janeiro de 2017, com destaque para bens de capital (+3,3% frente a jan/16) e bens de consumo duráveis (+3,2%), que, por três meses seguidos, têm apresentado resultados positivos. Bens intermediários (+0,8%) e bens de consumo semi e não duráveis (+2,1%), por sua vez, apresentaram suas primeiras altas depois de pelo menos 26 meses seguidos de retração.
No varejo, embora o resultado geral no conceito restrito tenha sido muito ruim, alguns dos seus segmentos vêm conseguindo reduzir perdas, o que têm possibilitado quedas menos intensas do comércio varejista em seu conceito ampliado (-4,8% em jan/17 contra -8,1% no segundo semestre de 2016). Dentre eles estão móveis e eletrodomésticos, veículos e autopeças, além de tecidos, vestuário e calçados e material de construção.
Em grande medida, esses segmentos do varejo comercializam bens de consumo duráveis, justamente os itens da cesta de consumo das famílias que mais sofreram cortes nos últimos anos. Por essa razão, também pode estar em operação, aqui, um efeito base de comparação. Para que a trajetória favorável nestes segmentos avance será de grande valia uma melhora das condições do crédito do país, já que muitos consumidores necessitam de algum financiamento para consumir esse tipo de bens.
Já no setor de serviços, os desempenhos mais promissores vieram de apenas dois segmentos, o de serviços de informação e comunicação (-1,1% frente a jan/16) e de transporte e seus auxiliares e de correios (-5,3%), que seguiram amenizando perdas do faturamento real inclusive em janeiro de 2017. A tendência foi mais pronunciada no primeiro caso, derivo à alta de 0,6% dos serviços de telecomunicações, depois de 18 meses consecutivos de queda.
Indústria
O crescimento da produção industrial brasileira em janeiro de 2017 (+1,4% frente a jan/16) foi relativamente difundido entre os ramos industriais acompanhados pelo IBGE (16 dos 26) e ainda mais disseminado em termos regionais. Houve alta em 12 das 15 localidades pesquisadas.
Em função de uma base de comparação muito baixa – que também ajudou o resultado geral – os resultados mais promissores vieram de bens de capital (+3,3% frente a jan/16) e de bens de consumo duráveis (+3,2%), que, por três meses seguidos, têm apresentado resultados positivos. Cabe lembrar que no final de 2015 e no início de 2016 chegaram a ocorrer quedas da ordem de -30% nestes macrossetores.
Bens intermediários e bens de consumo semi e não duráveis, por sua vez, apresentaram suas primeiras altas em janeiro do presente ano: +0,8% e +2,1% frente a igual mês do ano anterior, respectivamente. Estes resultados positivos vieram depois de pelo menos 26 meses seguidos de retração.
Já em termos regionais, devemos nos lembrar que, não muito tempo atrás, era uma raridade encontrar na indústria do país alguma localidade com resultado positivo. Em outubro de 2016, por exemplo, apenas duas delas apresentavam crescimento, mas a situação foi progressivamente melhorando até atingir a grande maioria das localidades em janeiro de 2017.
Foram as localidades do centro-sul do país que alavancaram o desempenho positivo do setor industrial no primeiro mês deste ano, com exceção apenas do Rio Grande do Sul (-4,1% frente a jan/16), que sentiu o declínio da produção de veículos automotores, reboques e carrocerias (-20,0%) e de máquinas e equipamentos (-15,3%). As demais localidades obtiveram altas expressivas, o que em alguns casos não foi a primeira vez, como Paraná (+4,1%) e Santa Catarina (+5,6%), ou, então, mantiveram-se em uma trajetória favorável.
Esta última situação caracteriza bem o desempenho de São Paulo, que, apesar de ter ficado abaixo do resultado geral da indústria nacional em jan/17 (+1,2% contra +1,4%), passa de uma etapa de redução de perdas para outra em que intercala meses de alta e de queda desde nov/16.
Ao lado de São Paulo, também integram o núcleo duro da indústria brasileira os estados de Minas Gerais (+4,8% frente a jan/16) e Rio de Janeiro (+4,6%), por apresentarem parques industriais mais diversificados e modernos. Em ambos os casos, sob influência de suas indústrias extrativas, suas altas em janeiro foram expressivas. Já são dois meses seguidos de crescimento da produção mineira e, se ignorarmos a queda de dez/16, a produção industrial do Rio de Janeiro já cresce desde set/16.
Mas não é apenas a indústria do centro-sul que dá sinal de vida. O Amazonas (+7,5% frente a jan/16) por três meses consecutivos vem obtendo resultados positivos, com direito a uma aceleração em janeiro último. Com isso a indústria do estado volta a acompanhar o Pará, que nem nos piores momentos da crise presenciou o declínio de sua produção industrial.
Por fim, é digno de nota que quem não sabe o que é uma taxa positiva há algum tempo é a região Nordeste (-2,9% frente a jan/16). À exceção da quase estabilidade de maio de 2016 (+0,3%), cai continuadamente desde o último trimestre de 2015 e não tem mostrado sinais de nenhuma reação. Nos últimos meses sua retração se deve unicamente à indústria baiana, cujo destaque negativo vem principalmente de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis.
Comércio
Quem esperava para o varejo um quadro semelhante ao da indústria neste início de ano deve ter se frustrado com os dados divulgados pelo IBGE. Passado o efeito das promoções do final de 2016, o desempenho das vendas reais do comércio varejista voltou, em janeiro de 2017, a um patamar de queda próximo ao do ano passado. No seu conceito restrito, o varejo não esboça reação (-0,7% frente a dez/16 com ajuste e -7,0% frente a jan/16). Já em seu conceito ampliado, a situação ficou um pouco menos dramática (-0,2% e -4,8%, respectivamente).
Tomada a evolução na margem, isto é, frente ao mês anterior com ajuste sazonal, o declínio das vendas reais do varejo restrito em janeiro de 2017 (-0,7%), se somou ao rol de sucessivas variações negativas que marcou o segundo semestre de 2016. A única exceção aqui foi nov/16 (+0,9%), mês da liquidação da Black Friday, cuja alta foi largamente compensada pela queda de dez/16 (-1,9%). No caso do comércio ampliado, graças às vendas ora de automóveis e autopeças, ora de material de construção, o que temos visto desde set/16 são resultados muito próximos de zero, como agora em janeiro de 2017 (-0,2%).
O cenário não é muito melhor se avaliarmos os resultados do varejo em comparação com o ano anterior, com janeiro de 2017 apontando nova deterioração, a despeito de ter tido dois dias úteis a mais do que igual mês de 2016. O declínio das vendas no conceito restrito de 7,1% está entre os piores resultados dos últimos meses.
Mas destaca-se o fato de que nem todos os segmentos do varejo seguiram essa mesma tendência. Alguns deles vêm reduzindo perdas, o que têm possibilitado quedas menos intensas do comércio varejista em seu conceito ampliado (-4,8% em jan/17 contra -8,1% no segundo semestre de 2016).
Dentre aqueles que têm conseguido se manter em uma trajetória de amenização da crise estão móveis e eletrodomésticos (-3,5% frente a jan/16), veículos e autopeças (-4,6%), além de tecidos, vestuário e calçados (-6,3%) e material de construção (-0,3%). Compreendem, em grande medida, bens de consumo duráveis, justamente os itens da cesta de consumo das famílias que mais sofreram cortes nos últimos anos.
Por essa razão, contribui muito para o desempenho recente desses segmentos a existência de bases de comparação muito baixas. Mas é preciso considerar que a continuidade dessa trajetória pode se complicar se as condições do crédito do país não melhorarem substancialmente, já que muitos consumidores necessitam de algum financiamento para consumir esse tipo de bens.
Em sentido oposto, alguns segmentos importantes do comércio varejista tiveram um começo de ano bastante ruim, contribuindo para o resultado negativo do setor como um todo. É notadamente o caso das vendas de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, cuja retração de 7,0% frente a jan/16 foi a mais intensa desde fevereiro de 2015, quando suas vendas começaram a cair sistematicamente.
Artigos farmacêuticos, médicos e ortopédicos, que entraram em crise muito depois que os demais segmentos, também apresentaram um recuo dos mais fortes em suas vendas reais em janeiro de 2017 (-6,0% frente a jan/16). Combustíveis e lubrificantes, por sua vez, depois de um declínio menos agudo no último bimestre de 2016, “voltaram ao passado”, retomando em jan/17 (-9,0%) o ritmo de queda que imperava desde mar/16.
Serviços
A julgar pelos dados divulgados pelo IBGE, o primeiro mês de 2017 registrou resultados bastante negativos para o setor de serviços, interrompendo um movimento que apontava para uma estabilidade do seu faturamento real. Em relação a dezembro do ano passado, o recuo de janeiro foi de -2,2%, já descontados os efeitos sazonais, o que anulou a pequena alta do derradeiro mês de 2016 (+0,7%). Frente ao mesmo mês do ano anterior, o declínio chegou a -7,3%.
De todos os cinco grandes segmentos do setor, apenas dois continuaram apresentando redução de perdas na passagem de 2016 para 2017. Esta tendência foi mais pronunciada para os serviços de informação e comunicação, cujo faturamento real caiu apenas 1,1% frente a jan/16. Isso se deu, em grande medida, devido à alta de 0,6% dos serviços de telecomunicações, depois de 18 meses consecutivos de queda.
Embora mais lentamente, os serviços de transporte e seus auxiliares e de correios também se mantiveram na trilha da amenização das quedas que marcou o último trimestre do ano passado. Agora em janeiro de 2017, o resultado foi de -5,3% frente a igual mês do ano anterior, só não sendo melhor devido a certa deterioração de transportes terrestres (-11,5%) e forte declínio do transporte aéreo (-19,8%).
Os demais segmentos pioraram dramaticamente seus resultados, o que é um indicador de todo ruim para os serviços. Tanto os serviços prestados às famílias como aqueles prestados às empresas voltaram para um patamar de retração de dois dígitos. É possível que estejamos diante de um resultado pontual, mas sabe-se que há um ambiente de grande apreensão de famílias e empresas em relação à sua situação financeira, o que pode estar levando novamente a um corte mais intenso na contratação de serviços.
Em relação aos serviços prestados às famílias, o resultado de -11,4% frente a jan/16 foi puxado especialmente pelos serviços de alojamento e alimentação (-13,0%), tradicionalmente vistos como alvo de corte para o ajustamento dos orçamentos familiares. Não à toa, as atividades turísticas também levaram um tombo de -12,5% em janeiro último, após uma alta de 0,7% em dez/16. Neste caso, também é possível que a apreciação do câmbio ao longo de 2016 também tenha redirecionado, em certa medida, o fluxo de turismo para o exterior.
Quanto aos serviços profissionais, administrativos e complementares, a preocupante queda de 15,2% frente a jan/16 foi ensejada tanto por aqueles serviços de maior qualificação, isto é, os técnicos-profissionais (-23,9%), como por aqueles que reúnem atividades geralmente terceirizadas, que requerem menor qualificação, ou seja, os serviços administrativos e complementares (-15,2%).
Por fim, o segmento de outros serviços, que agrega atividades de naturezas bastante distintas demandadas pela agropecuária, setor imobiliário, financeiro e assistências técnicas, depois de ter conseguido voltar a crescer em dez/16 (+0,6% frente a dez/15), apresentou queda de 4,9% em janeiro de 2017.