Carta IEDI
O financiamento de longo prazo no Brasil: análise e propostas para melhorias
Em um momento em que se revela como absolutamente fundamental para a reativação da economia a retomada dos investimentos em geral e, em particular, na infraestrutura, ganha destacada importância a identificação das fontes de financiamento de longo para os projetos de investimento. Como se sabe, não é de hoje que o Brasil enfrenta uma aguda carência de fontes de mercado adequadas ao financiamento de longo prazo.
Com o objetivo de contribuir para esta discussão, esta Carta IEDI discute as principais características da evolução recente do financiamento de longo prazo no Brasil e algumas sugestões para fortalecer e diversificar suas fontes.
O trabalho de base foi desenvolvido para o IEDI pelo economista Ernani Teixeira Torres Filho, profundo conhecedor das condições de financiamento do país. A versão integral de seu relatório de pesquisa, com maiores detalhes, está disponível no site do IEDI.
O diagnóstico geral é que atualmente o mercado de crédito corporativo de longo prazo se encontra em uma encruzilhada. Isso porque todos os segmentos dominados pelos bancos estão em forte retração e a capacidade de empréstimo do BNDES, sob a égide do ajustamento das finanças públicas, encontra-se cada vez mais restringida.
Além disso, a dominância da agenda fiscal sobre as ações do governo quase eliminou, no início de 2016, os incentivos relacionados às debêntures de infraestrutura, que foram essenciais para o desenvolvimento deste mecanismo de financiamento. Entretanto, ao menos por ora, o governo parece ter descartado essa medida, evitando assim um grave equívoco.
O crédito corporativo, que avançou muito ao longo dos últimos 15 anos, acompanhando o mercado de crédito total, não chegou a ser muito comprometido pelo impacto da crise global em 2008, graças à atuação dos bancos oficiais, em destaque do BNDES.
A partir de 2014, no entanto, tal expansão chegou ao fim. Assim como o restante do mercado de crédito, os segmentos voltados para o setor corporativo começaram a se contrair. Inicialmente, esse fenômeno ficou restrito aos bancos comerciais, mas em pouco tempo se estendeu ao BNDES.
O mercado de debêntures, por sua vez, não apresenta musculatura suficiente para fazer frente a essa retração do financiamento bancário, seja do BNDES, seja dos demais bancos. Isso, inclusive, porque a maior parte deste mercado (quase 2/3 em 2015) é detida por empresas de leasing dos conglomerados bancários, cujo objetivo principal é permitir que os bancos evitem exigências de depósitos compulsórios impostas a outros mecanismos de captação e incorram em menor pagamento de impostos. É, então, um instrumento de arbitragem regulatória e de elisão fiscal dos bancos.
Mesmo as demais debêntures (não emitidas por empresas de leasing) não representam, de fato, uma fonte alterativa de financiamento, funcionando mais como um substituto de linhas bancárias de curto prazo quando o volume das operações ultrapassa determinados limites.
A contração do financiamento bancário de longo prazo e as limitações dos mercados de debêntures fazem com que o único segmento que apresenta condições expansivas para os próximos anos seja o das debêntures incentivadas. A demanda por esses papéis se mantém elevada e pode ajudar no financiamento dos projetos de infraestrutura.
Por esse motivo, foram sugeridas algumas medidas para alavancar o financiamento de longo prazo corporativo no país, o que passa, sobretudo, pela aceleração das emissões de debêntures incentivadas como forma de ampliar o mercado de títulos de dívida corporativa como um todo. Decorre do estudo realizado, a sugestão de implantação das seguintes medidas:
• Eliminação de obstáculos à colocação de títulos corporativos em ofertas registradas, com base na antiga Instrução 400 da CVM, possibilitando que a base de investidores domésticos pudesse ser a mais ampla possível. Empresas com tradição de lançamento no mercado de capitais deveriam obter uma licença ainda mais ampla, como emissores qualificados, com autorizações ainda mais flexíveis para irem a mercado a qualquer tempo.
• Maior utilização dos recursos do BNDES em operações de reestruturação empresarial por meio do uso de debêntures conversíveis em ações em troca da exigência de a empresa ir a mercado buscar novos recursos ou investidores em prazos previamente fixados.
• Fixação de uma meta de aumento do estoque de debêntures incentivadas para R$ 50 bilhões até o final de 2018, algo como 20% do mercado, descontadas as emissões de empresas de leasing.
• Disponibilização pelos bancos estatais – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica – de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas não cobertas pelos bancos privados. Esse tipo de garantia só seria exercido se as emissões não fossem totalmente distribuídas ao público. A medida promoveria o aumento da escala das debêntures incentivadas, facilitando o financiamento de novos projetos de investimento.
• Estabelecimento de leilões periódicos para as carteiras dos bancos públicos formadas por debêntures incentivadas, através de plataformas eletrônicas, a exemplo do Tesouro Direto, permitindo uma variedade maior de investidores.
• Isenção do imposto de renda para os cotistas Pessoas Físicas de fundos financeiros voltados exclusivamente para a aquisição de ativos isentos de imposto de renda, em qualquer proporção. Atualmente, há uma exigência legal de que tais fundos tenham uma percentagem muito alta de títulos do governo ou, alternativamente, de papéis privados incentivados de um mesmo tipo.
• Consolidar, em um único marco de condições, todas as emissões de títulos corporativos incentivados, independente do setor ou do destino do projeto de investimento do emissor. Este novo regulamento deve se basear nas regras de debêntures de infraestrutura. Ao mesmo tempo, os bancos não seriam mais autorizados a emitir obrigações com benefícios fiscais.
As Transformações Recentes do Crédito Corporativo de Longo Prazo
O crédito corporativo de longo prazo no Brasil é formado por quatro segmentos, que se distinguem conforme o originador do empréstimo e a fonte do financiamento. O mais importante deles é formado pelas operações diretas do BNDES. Estes créditos são mantidos na carteira própria da instituição e são, em sua maioria, associadas a investimentos de maior valor absoluto e de mais longo prazo.
O segundo segmento em tamanho é constituído pelos repasses realizados pelos bancos comerciais com recursos do BNDES. Nesse caso, é o intermediário financeiro que estende um empréstimo para seus clientes para aplicação apenas nas finalidades admitidas pelo banco de desenvolvimento, por exemplo a aquisição de um bem de capital. Em seguida, esse agente mantém o crédito em seu próprio balanço e repassa ao devedor os recursos que lhe forem liberados pelo BNDES nas mesmas condições em que captou, mais uma margem de risco livremente negociada. Essas operações indiretas geralmente se destinam a projetos de investimento de menor valor unitário, de baixa complexidade e de prazo mais curto.
Historicamente, as operações diretas e indiretas representaram, cada uma, metade dos saldos empréstimos do BNDES. A partir de 2014, contudo, a participação das operações indiretas começou a cair, refletindo a queda acentuada nas vendas de máquinas e equipamentos. Entre 2014 e 2016, por exemplo, a produção de ônibus acumulada em 12 meses, por exemplo, caiu de 43.899 para 18.705 unidades e a de caminhões, de 203.330 para 60.482 unidades, segundo a ANFAVEA. Esses dois itens respondem pela maior parte das operações de repasse. Em dezembro de 2016, o estoque das operações indiretas havia recuado para 43% dos créditos do BNDES.
O terceiro segmento do crédito corporativo de longo prazo no país reúne, a seu turno, as operações com debêntures que são adquiridas pelos bancos para serem mantidas em sua tesouraria (recursos próprios) ou para serem colocadas nos fundos de investimento que administram (recursos de terceiros).
Finalmente, o quarto segmento é o menor e o mais recente de todos. É formado pelas Pessoas Físicas que detêm patrimônio elevado e que buscam diversificar o risco e o retorno de suas carteiras. Dominam basicamente as operações com as "debêntures de infraestrutura", que gozam de isenção de imposto de renda. Trata-se de um segmento relativamente novo, que se iniciou em 2012.
Apesar de, na prática, apresentarem interfaces, cada um desses quatro segmentos obedece a uma racionalidade própria, respondendo a vantagens competitivas específicas. No caso dos recursos do BNDES, o baixo custo dos seus créditos e o apetite de longo prazo da instituição são os principais atrativos. No caso dos bancos comerciais, existem vantagens fiscais, regulatórias, de liquidez e de flexibilidade gerencial, que tornam as operações de longo prazo através dos mercados de capitais mais eficientes do que as intermediadas por meio de seus balanços. Já no caso das Pessoas Físicas de alta renda, o incentivo fiscal lhes permite competir com os bancos ao mesmo tempo em que as empresas acessam um crédito de menor custo.
BNDES: de agente anticíclico a instrumento de ajuste fiscal
O BNDES, englobando-se as operações diretas e indiretas, é o principal financiador de longo prazo das empresas não-financeiras, atuando em quase todos os principais setores. Seus empréstimos estão vinculados a gastos com finalidades específicas (investimento, capital de giro para exportação etc), uma vez que suas principais fontes de recursos são de origem parafiscal. Em 2009, o banco de desenvolvimento respondeu por mais de dois terços de todos os empréstimos bancários com mais de 5 anos realizados no país.
A participação do BNDES no sistema financeiro nacional tem sido expressiva. Em dezembro de 2016, por exemplo, 19,4% de todos os empréstimos bancários no Brasil foram financiados com recursos do BNDES. No entanto, esse nível de participação variou bastante ao longo do tempo, como entre o final de 2004 e meados de 2008, um período de rápido crescimento do mercado de crédito total, quando caiu de 21,9% para 15,7%.
Mas é preciso considerar que a menor participação do BNDES no mercado de crédito na segunda metade de 2000 não implicou uma perda de relevância de suas operações no segmento corporativo. Refletiu, na verdade, o rápido aumento dos empréstimos para Pessoas Físicas, área em que o banco de desenvolvimento não atua. Foi este movimento, liderado pelos bancos comerciais, que iniciou a trajetória de ascensão do crédito do país a partir de 2003.
Foi só a partir de 2008, que o crescimento do crédito do BNDES se acelera para além do restante do mercado, à medida que o Banco assumiu o papel central de agente das políticas anticíclicas do governo. Durante a crise de 2008, o BNDES ajudou a sustentar o financiamento dos projetos de investimento e a compensar o encolhimento defensivo dos bancos comerciais. Em consequência, sua participação no crédito total aumentou de 15,6% em agosto de 2008 para 21% em igual mês de 2010. Nesse período, o volume de crédito do BNDES se tornou o principal fator de expansão do mercado. O saldo de suas operações saltou de 5,3% para 9,2% do PIB.
A desaceleração da economia, a partir de 2010, levou o governo a prorrogar até 2015 os programas anticíclicos de crédito que cobravam taxas de juros subsidiadas, entre os quais estava o Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Esses créditos eram concedidos a taxas de juros fixas inferiores ao custo do funding do BNDES – que já era inferior à taxa básica de juros (SELIC), graças a um subsídio explícito do Tesouro Nacional.
Essa atratividade excessiva do crédito do BNDES pressionou a demanda muito além da capacidade de suprimento dos fundos parafiscais, que tradicionalmente financiam a instituição, principalmente o FAT e o PIS-PASEP. Diante desse fato, o governo, para sustentar sua política de juros baixos, emitiu um volume elevado de títulos públicos, levando a um aumento exponencial da participação direta do Tesouro Nacional na estrutura de funding do BNDES.
Em 2007, o BNDES tinha um ativo total de R$ 202,6 bilhões, dos quais R$ 13,9 bilhões eram recursos do Tesouro, isto é, menos de 7%. Em 2015, esses números eram respectivamente, R$ 930,6 bilhões e R$ 523,7 bilhões, ou seja 56,1%. Isso significa dizer que o Tesouro respondeu por 70% de todo o aumento dos créditos do BNDES no período. Como essa captação era feita através do lançamento de títulos públicos a custos de mercado, a diferença entre a taxa SELIC e a taxa TJLP praticada pelo Banco, mais baixa, foi automaticamente absorvida pela União.
Os programas anticíclicos com elevado subsídio começaram a ser desmontados já em 2015. Todos esses programas deixaram de existir, motivados pelo ajuste fiscal então iniciado. O novo governo, que tomou posse em 2016, aprofundou a descontinuidade dessas políticas. Além de manter o fim dos programas anticíclicos, reduziu as participações do BNDES e adicionalmente promoveu a antecipação do vencimento dos empréstimos concedidos pelo Tesouro ao Banco. Foi inicialmente estabelecido que o BNDES aceleraria a amortização desses créditos no valor global de R$ 100 bilhões em três anos. Posteriormente, optou-se por realizar o pagamento da soma total em dezembro de 2016. Trata-se de um montante equivalente a cerca de 20% do saldo dos aportes realizadas pela União no BNDES desde 2007. Em termos de fluxo, no entanto, o impacto é ainda maior, pois chegou a superar o volume de desembolsos realizados ao longo de todo o ano de 2016 (R$ 88 bilhões).
A decisão de fazer o BNDES amortizar antecipadamente R$ 100 bilhões revela a dominância fiscal na estratégia do governo, por preferir utilizar os recursos à disposição do crédito corporativo para apoiar a política de ajuste fiscal, em lugar de promover os investimentos, acelerar a reestruturação financeira das empresas e apoiar a geração de renda e emprego. Outra consequência foi o efeito ao longo do tempo que esse pagamento terá sobre o saldo de recursos de longo prazo disponível para a economia brasileira. A profundidade da recessão em curso justificaria, por si só, a adoção de medidas emergenciais para sustentar o nível de atividade, a exemplo do que foi feito no Brasil e nas principais economias do mundo como resposta à crise de 2008. Entretanto, o BNDES só viria anunciar a adoção de medidas expansionistas nas últimas semanas de 2016.
Tradicionalmente, o BNDES se torna muito líquido em momentos de desaceleração econômica. Isso acontece por que mais de 80% do seu fluxo de caixa corrente advém do retorno dos créditos concedidos no passado. Esse resultado reflete ainda a qualidade elevada de seus créditos, ainda que a provisão para devedores duvidosos da instituição tenha aumentado de 0,06% em 2015 para 1,38% em julho de 2016. Nesta data, a média do mercado financeiro nacional foi superior a 3,5% das carteiras dos bancos.
Cabe observar que a redução dos desembolsos do BNDES em 2016 foi marcada por características que problematizaram em muito esse movimento geral da atuação do Banco: foi um fenômeno muito intenso, rápido, e setorialmente concentrado. Dos R$ 47,6 bilhões de queda observados nos desembolsos frente ao ano anterior, R$ 29 bilhões (61%) foram decorrentes da retração dos investimentos na área de infraestrutura, que é o setor mais importante da economia em termos de aumento da produtividade no longo prazo. Em seguida se destacou o segmento de comércio e serviços, com R$ 12,1 bilhões (25%). Os investimentos na indústria foram menos afetados e a agricultura não acusou queda (BNDES, 2017). A forte retração no financiamento para infraestrutura indica que esse fato já seria facilmente previsto pela instituição com alguma antecedência, uma vez que a contratação e a liberação de empréstimos para projetos desse setor, inclusive as vendas de equipamentos de transporte, normalmente requerem prazos muito elevados para serem efetivados.
Esses dados indicam que o principal determinante da retração nos desembolsos do BNDES foi o colapso na demanda por novos investimentos. Entretanto, o fato de essa retração já ser esperada aponta também para a presença de fatores de natureza político-operacional. Em um momento em que as taxas de juros do crédito não direcionado encontravam-se especialmente elevadas e a recessão era severa, a atitude passiva do BNDES permitiu que o quadro recessivo encontrasse nenhuma resistência vinda do crédito corporativo.
O Mercado de Crédito Privado de Longo Prazo: as Debêntures
O financiamento corporativo de longo prazo com recursos livres é realizado no Brasil, em sua maior parte, por meio da emissão de debêntures. Esse mercado, a exemplo do BNDES, se expandiu rapidamente a partir de 2004. Com isso, o saldo das operações com esses títulos corporativos aumentou de 2,3% do PIB em 2004 para 12,5% em 2016.
Os dados agregados tendem, no entanto, a superestimar o papel que as debêntures tiveram na expansão do crédito de longo prazo. Na prática, os conglomerados bancários têm sido, por meio de suas empresas de leasing, os principais emissores desses títulos. Essas operações tiraram proveito da existência de vantagens fiscais e regulatórias na captação de recursos através do mercado de capitais em detrimento da intermediação bancária. Em março de 2016, 55% todas as debêntures em mercado tinham sido emitidas por empresas de arrendamento mercantil, segundo noticiou o jornal Valor Econômico em 17/10/2016 (“BC fecha porta para que bancos captem com debênture de leasing”).
As emissões de suas empresas de leasing tornaram-se um mecanismo que permite aos bancos contornarem o impedimento legal de acessarem diretamente o mercado de debêntures. A captação através de uma debênture de sua empresa de arrendamento mercantil é financeiramente mais atrativa do que aquela realizada por meio de um Certificado de Depósito Bancário (CDB), por ser isenta de depósitos compulsórios junto ao Banco Central e do pagamento de impostos.
Por esses motivos, os conglomerados bancários determinaram que suas empresas de leasing realizassem emissões em montantes muito superiores a suas necessidades financeiras correntes. Esses títulos eram colocados junto a seus controladores e, em seguida, as empresas de leasing transferiam de volta os fundos recebidos ao seu banco controlador via mercado interbancário.
Ao final, o resultado era uma operação contábil realizada entre empresas de um mesmo conglomerado financeiro com o único propósito de originar para os bancos comerciais um título para ser usado como instrumento de captação mais barata junto a seus clientes. As debêntures da empresa de leasing acopladas a um contrato de recompra pelo banco substituíam os CDBs com vantagens.
Portanto, a maior parte do crescimento do mercado de títulos corporativos no Brasil até 2007 não configura um real desenvolvimento do mercado de títulos corporativos de longo prazo, mas uma forma de se permitir uma captação de recursos relativamente mais barata por parte dos conglomerados bancários.
A partir de 2008, a emissão de debêntures de leasing desacelerou. O motivo foi a tentativa do governo de eliminar esse tipo de arbitragem. Assim, os acordos de recompra desses títulos passaram a ser sujeitos a reservas mínimas no Banco Central. O objetivo era fazer com que os bancos parassem de usar o mercado de debêntures como forma de se financiarem, optando pelo lançamento de títulos próprios, inicialmente CDB e, posteriormente, Letras Financeiras.
Mesmo assim, o estoque de debêntures de empresas de leasing continuou crescendo, embora em ritmo menor. Os montantes envolvidos continuaram a ser significativos. Em março de 2016, atingiram R$ 434 bilhões, enquanto o saldo dos CDB era de R$ 533 bilhões e o das Letras de Crédito Agrícola e Imobiliário (LCA e LCI) juntas, de R$ 406 bilhões. Os dois principais bancos comerciais, o Bradesco e o Itaú, tinham obtido, em junho de 2016, mais recursos por meio da venda de debêntures de leasing com acordo de recompra a seus clientes do que com a emissão de CDBs, segundo levantamento do Valor Econômico de 25/03/2016 (“Imposto tira vantagem de banco captar via debênture de leasing”). Uma das principais formas de os bancos evitarem as limitações impostas pelas autoridades em 2008 foi, simplesmente, prorrogarem o vencimento das debêntures já emitidas.
Em maio de 2016, as autoridades voltaram a reduzir as vantagens da emissão de debêntures pelas empresas de leasings dos bancos. Foi instituída uma alíquota de 1% ao dia sobre o rendimento da aplicação compromissada em caso de resgate em prazo inferior a 30 dias. Finalmente, em outubro seguinte, houve nova tentativa de se eliminar esse tipo de arbitragem. Por determinação regulatória (Resolução nº 4527 de 29/09/2016 do Conselho Monetário Nacional), todos os bancos foram obrigados a reduzir em 50% o estoque de operações compromissadas com lastro em debêntures até maio de 2017. O restante terá que ser eliminado até o final deste mesmo ano. Com isso, até 2018, o mercado de debêntures como um todo, deverá se reduzir a cerca de um terço do porte atual. Entretanto, isso não deverá trazer qualquer impacto sobre o crédito corporativo de longo prazo propriamente dito.
Além das empresas de leasing, há um amplo conjunto de empresas não-financeiras que regularmente lançam debêntures no mercado. A partir de 2007, o estoque desse tipo de títulos teve uma grande expansão, passando de 2% para 4,1% do PIB em 2015, apesar de acusar uma desaceleração para 3,7% em 2016. Essas operações, como no resto do mundo, são estruturadas e distribuídas pelos bancos locais. Entretanto, uma particularidade do mercado brasileiro é que, aqui, os maiores investidores nesses papéis são as próprias instituições estruturadoras. Nos grandes centros financeiros, a maior parte das colocações é feita junto a investidores institucionais e Pessoas Físicas.
Na prática, os bancos recomendam a seus clientes corporativos de maior porte emitir debêntures como forma de reduzirem o custo de operações de grande monta (acima de R$ 200 milhões), sempre que os limites de suas linhas de curto prazo junto à instituição se esgotam. Essa operação, como já foi mencionado, paga menos impostos e tem custos menores que o crédito bancário tradicional. Para atraí-las, os bancos oferecem garantia firme de colocação, além dos serviços tradicionais de estruturação e distribuição. Com a garantia firme, os bancos se comprometem a adquirir todos os títulos ofertados, que não tenham colocação abaixo de uma taxa de juros mínima, previamente pactuada.
Os recursos assim obtidos são utilizados para liquidar os saldos de empréstimos de mais curto prazo que a empresa mantém com o banco, aumentando assim os limites de crédito para operações rotineiras de capital de giro. Os títulos adquiridos são, por sua vez, alocados dentro do conglomerado financeiro nas mais diversas carteiras sob sua administração, desde a tesouraria até os fundos de investimento dos clientes. Trata-se, na prática, de uma variante do modelo de originação e distribuição de títulos securitizados, que passou a ser intensamente adotado no mercado internacional a partir da década de 2000.
Para reduzir o custo e o tempo dessas emissões, os lançamentos são geralmente feitos através de um procedimento simplificado, a chamada Oferta Restrita ou do tipo 476. Nesse caso, a operação só pode ser apresentada a um público de até 75 investidores, que precisam aportar valores mínimos elevados. Em compensação, a emissão não precisa de autorização prévia da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A alternativa é seguir o caminho mais demorado e custoso da Oferta Registrada ou do tipo 400, com distribuição para um público irrestrito, com valor mínimo de R$ 1.000, e sujeita à anuência prévia da CVM. As emissões do tipo 476 dominaram o mercado desde que começaram a ser autorizadas em 2009.
A importância dos bancos no mercado de debêntures também se reflete na composição da demanda por esse tipo de ativo. No Brasil, diferentemente de outros países, os bancos são os principais detentores de títulos privados de longo prazo. Em agosto de 2013, respondiam por 79% de todo o saldo de debêntures existente. No resto do mundo, esta posição é detida por investidores institucionais, como fundos de pensão e companhias de seguros.
Por esses motivos, a expansão do mercado de debêntures corporativas no Brasil não deve ser vista, a exemplo do que ocorre em outros centros financeiros internacionais, como um efetivo processo de desintermediação bancária. Trata-se, na prática, de uma maneira mais eficiente para alargar os prazos e reduzir os custos dos empréstimos bancários de curto prazo, usando as vantagens proporcionados por títulos corporativos transacionados em mercados de capitais, em vez de contratos bancários. Trata-se, portanto, de uma forma de “reintermediação” dos bancos.
As debêntures de infraestrutura
Entre 2010 e 2011, o governo tentou mais uma vez reformar o mercado de debêntures. Seu objetivo era estimular a entrada de Pessoas Físicas e de estrangeiros no financiamento a projetos de investimento em infraestrutura. Assim, a Lei nº 12.431 criou as "debêntures de infraestrutura".
Esse novo título garante isenção do imposto de renda às Pessoas Físicas e aos investidores estrangeiros. Para ser elegível ao benefício fiscal, o título deve ter características financeiras diferentes das demais debêntures vendidas em mercado: suas taxas de juros não podem ser indexadas à taxa do mercado interbancário (DI); o prazo médio mínimo é de quatro anos; e os acordos de recompra são proibidos no prazo de 24 meses após o lançamento. Além disso, o emitente tem de alocar esses fundos em projetos de investimento em infraestrutura (energia, transporte, comunicações ou aviação), previamente aprovados pelo governo. Até dezembro de 2016, haviam sido emitidas 112 séries de debêntures de infraestrutura, totalizando R$ 25,4 bilhões. Desse montante, R$ 19,4 bilhões foram destinados a investidores domésticos.
Esses títulos passaram imediatamente a ser responsáveis por uma parcela relevante de mercado. Em 2016, responderam por quase 16,3% do total ofertado em número e a 7,4% em valor . Quase dois terços dos títulos ofertados referem-se a projetos nas áreas de energia e transportes, tanto em termos de números de emissões como de valor.
As debêntures incentivadas formaram um segmento próprio, que apresenta características distintas do restante do mercado. Seus valores e prazos médios por emissão são quase duas vezes maiores. O percentual adquirido por Pessoas Físicas, principais beneficiários da legislação, foi 9 vezes maior no caso das incentivada (45% do total frente a 5%). As instituições ligadas à oferta ficaram com pouco menos de 20% dos lançamentos, contra 63% no restante do mercado. Isso possibilitou a criação de uma base ampla de investidores, criando condições para o florescimento de um mercado secundário ativo, algo que até então não se havia conseguido desenvolver no país.
Apesar de os principais objetivos pretendidos pelo governo terem sido alcançados, a existência das debêntures incentivadas tem estado sob ameaça. Seus opositores chegaram a fazer com que o governo propusesse uma medida legislativa para eliminar o benefício fiscal. Esse fato ocorreu em janeiro de 2016 no bojo de uma iniciativa do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação por meio da eliminação dos benefícios tributários existentes para letras (títulos bancários) e certificados (títulos bancários) associados a investimentos nos setores agrícola e imobiliário (Letras de Crédito Imobiliário – LCI e Letras de Crédito do Agronegócio – LCA emitidas pelos bancos e os Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI e Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, emitidos pelas empresas, além das debêntures incentivadas).
Originalmente, as debêntures incentivadas deveriam estar excluídas dessa mudança uma vez que seu "benefício estimula o uso do mercado de capitais", como reconheceu o então Ministro da Fazenda Joaquim Levy ao jornal Valor Econômico de 10/12/2015 (“Levy volta a estudar tributação para letras de crédito”). Entretanto, na proposta final apresentada ao Congresso Nacional, mas que não chegou a ser apreciada, as alíquotas de imposto de renda para as debêntures 12.431 seriam fixadas em percentuais superiores às das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), títulos emitidos pelos bancos.
A aprovação dessa medida teria levado ao fim de novas emissões das debêntures de infraestrutura, por falta de atratividade, e ao rápido desaparecimento desse segmento de mercado. A desproporcionalidade da iniciativa fica patente quando se compara a evolução dos saldos dos títulos isentos dos bancos e das debêntures incentivadas. Esses títulos corporativos correspondem a 5% do estoque dos títulos bancários isentos de imposto de renda, as LCA e as LCI, em 2016.
As debêntures incentivadas representam, assim, uma tentativa bem sucedida de se criar no Brasil uma configuração de mercado semelhante ao padrão dominante nos principais mercados de capitais do mundo. Nesse tipo de ambiente, cria-se uma relação direta entre emissores e investidores. Isso permite que as empresas estabeleçam estruturas a termo de taxas de juros para seus papéis e que se desenvolvam mercados secundários relevantes, criando-se um canal de financiamento corporativo autônomo e concorrente à intermediação bancária. No Brasil, isso só se tornou possível na medida em que se criou um benefício fiscal direcionado para a aquisição de debêntures pelas Pessoas Físicas. Isso não configura uma novidade no mercado, uma vez que suas concorrentes - tanto as debêntures das empresas de leasing como as demais - devem seu porte às vantagens regulatórias e fiscais que oferecem.
O aspecto novo, no caso das debêntures de infraestrutura, está no fato de os incentivos serem direcionados às famílias e não aos emissores ou aos intermediários. Essa vantagem gera efeitos competitivos e, portanto, reações políticas negativas. A tentativa de extinguir o benefício em janeiro de 2016, em um mês de baixa visibilidade para a opinião pública, mostra a força que possuem seus opositores.
Uma Visão Global do Mercado de Crédito Corporativo de Longo Prazo
O segmento corporativo de longo prazo acompanhou a evolução global do mercado de crédito. O saldo dessas operações respondia por 7,6% do PIB em 2003. Esse tamanho foi mantido até o início da crise financeira internacional de 2008. Desde então, o volume de empréstimos diretos e indiretos do BNDES e das debêntures corporativas (não consideram aquelas emitidas por empresas de leasing, inclusive as incentivadas pela Lei 12.431) aumentou até atingir o máximo de 15,4% do PIB em 2015. No ano seguinte, houve forte retração para 13,7%, decorrente do baixo desempenho do crédito do BNDES, particularmente das operações diretas.
Observa-se, pelos dados acima, que o crédito de longo prazo no Brasil é liderado pelos bancos – BNDES e os bancos comerciais – o que não chega a configurar uma singularidade frente à experiência internacional. Nesse sentido, o mercado brasileiro se assemelha aos modelos adotados na Europa e no Japão.
O elemento específico da experiência brasileira é a forte presença do banco de desenvolvimento, que é mais intensa do que em países que possuem importantes instituições dessa natureza, com a Alemanha e a China. Por outro lado, a fatia diminuta e tardia dos investidores Pessoas Físicas é uma diferença marcante frente aos países anglo-saxônicos.
A divisão do trabalho entre o BNDES e os bancos comerciais é um tema que merece uma reflexão mais profunda. Essas instituições dividem duas atividades relevantes, a provisão de recursos de longo prazo e a originação dessas operações. A identificação dessas funções requer o conhecimento detalhado do perfil dos detentores das debêntures. Esse dado só está disponível para agosto de 2013 e mostra que 79% do estoque desses títulos era, naquela data, mantido pelos bancos enquanto os investidores institucionais e fundos de investimento dividiam o restante.
Eliminou-se, portanto, dessa amostra, as debêntures das empresas de leasing existentes à época, que correspondiam por 66% do estoque. Além disso admitiu-se que 70% dos recursos administrados pelos fundos de investimento eram gerido pelos bancos e os 30% restantes por gestores independentes. Com essas mudanças, torna-se possível identificar o papel dos principais atores do mercado de crédito corporativo de longo prazo, como supridores de recursos e como originadores de operações.
Em 2013, o mercado de crédito de longo prazo no Brasil atingiu 15,1% do PIB. Deste total, 69 % foi financiado pelo BNDES e o restante foi igualmente dividido entre os bancos comerciais o resto do mercado. Portanto, do ponto de vista das fontes de recursos que sustentam o crédito de longo, o BNDES, como era de se esperar, é o pilar central do mercado.
No entanto, sua posição quase monopolista do passado vem sendo pouco a pouco desafiada por dois novos grupos de investidores, os bancos comerciais e os grandes investidores, como fundos de investimento, investidores institucionais e, mais recentemente, as Pessoas Físicas com grande patrimônio. A dimensão desse terceiro grupo de supridores de recursos é um aspecto novo nesse mercado. Trata-se de um investidor que não é tradicional, mas que tem posição dominante nos principais mercados de capitais no exterior. Desse ponto de vista, é um sinal de amadurecimento do mercado nacional.
Esses mesmos dados podem ser reorganizados de modo a explicitar a estrutura do mercado de longo prazo a partir da ótica da originação desses créditos, ou seja, do comando sobre a decisão de financiamento. Nota-se que, embora o BNDES seja o maior provedor de fundos de longo prazo, os bancos comerciais são atores muito mais importantes na originação desses créditos, respondendo por metade de todas as operações. Essas instituições financeiras detêm um papel central pelo fato de gerirem não só seus próprios fundos, mas também os recursos terceiros sob sua gestão, assim como a metade das operações financiadas com recursos do BNDES.
Esses resultados também indicam que a liderança no mercado corporativo de longo prazo no Brasil é exercida por um condomínio entre o BNDES e os bancos comerciais. Esses dois grupos dominam, no entanto, áreas diferentes e têm uma longa tradição de partilhar risco e informação. BNDES tem a última palavra na decisão dos grandes projetos de investimento para a indústria e infraestrutura. Isto se deve ao porte do seu balanço e ao fato de seus recursos serem de muito longo prazo e de custo baixo.
O crédito de longo prazo dos bancos comerciais para as empresas atende a dois tipos de demanda. A primeira tem origem na necessidade corrente de se repor periodicamente as linhas de empréstimos de curto prazo (até 2 anos) das empresas. Como vimos, quando seus limites são atingidos, os bancos orientam seus clientes a emitir debêntures, como uma forma mais eficiente e menos onerosa de consolidar grandes volumes de crédito através do mercado de capitais. É um caminho mais eficiente em termos fiscais e regulatórios.
O segundo tipo de demanda refere-se à empresa que está realizando um investimento de menor porte. Pode ser a compra de uma máquina ou equipamento ou a expansão de um negócio. Os bancos realizam um trabalho de originação desses créditos para fins de repasse de recursos do BNDES, complementado a operação, quando necessário, com seus próprios fundos.
Esses dois modelos de negócio –¬ empréstimos do BNDES e dos bancos comerciais – não competem entre si. Pelo contrário, se complementam. Os bancos comerciais lidam com o "capital de giro de longo prazo" das empresas e com seus investimentos de menor porte. O BNDES foca os grandes projetos de investimento dessas corporações. Quando as operações se afastam desse modelo, os conflitos, no entanto, emergem. Um exemplo disso foi durante 2008-2009, quando o BNDES concedeu um grande empréstimo corporativo à Petrobras, que sofria de problemas de fluxo de caixa gerados pela crise internacional. Nessa oportunidade, os bancos comerciais se queixaram de que tinham interesse em participar dessa operação, dado o bom risco de crédito da empresa.
Apesar dessa divisão do trabalho, esses dois subsistemas, como fontes de recursos, concorrem pela demanda global de crédito das empresas. Há, na prática, uma estrutura de preços que se complementam. A fonte BNDES normalmente oferece os empréstimos mais baratos. Portanto, as empresas procuram maximizar, inicialmente, os empréstimos do BNDES, diretos ou indiretos, e só então usar os recursos dos bancos comerciais como complemento. Assim, há alguma concorrência entre os dois subsistemas, dependendo principalmente do diferencial entre as taxas praticadas pelo BNDES (TJLP) e pelo resto do mercado (SELIC).
Um segundo tipo de competição emergiu recentemente entre os bancos comerciais e os outros supridores privados de fundos de longo prazo. A maior presença destes investidores vem fazendo com que empresas, principalmente aquelas com maior experiência em emissões no exterior, busquem maior independência frente aos bancos e tentem criar uma relação direta com os investidores, a exemplo do que ocorre nos grandes centros financeiros. A estratégia dessas corporações é construir uma estrutura a termo da taxa de juros e um mercado secundário próprio para seus títulos.
A barreira mais importante que essas empresas enfrentam atualmente é regulatória. Como vimos anteriormente, há duas maneiras de se fazer uma oferta pública no Brasil, a registrada e a restrita. Para desenvolver uma relação direta com investidores, as empresas precisam realizar ofertas registradas (400) de forma recorrente. Esse caminho, no entanto, não foi atualizado pela autoridade regulatória (CVM) de forma a eliminar os obstáculos de custo e da regulação para atender esse perfil de empresas.
Finalmente, as famílias e os investidores institucionais são atores novos nesse mercado. A maior parte deles ainda prefere operar por meio de fundos de investimento geridos por bancos e concentrar suas operações diretas em títulos públicos. No entanto, sempre que o Banco Central traz a taxa SELIC nominal a patamares inferior a 10% ao ano, eles se veem incentivados a se expor mais ao risco das debêntures, atraídos pela rentabilidade dessas operações. Este foi um fenômeno claro em 2012, quando a taxa SELIC caiu para seu nível mais baixo, 7,5% ao ano. Houve uma corrida para o rendimento por parte dos fundos de pensão fechados e as famílias ricas. Ao mesmo tempo, algumas empresas bem avaliadas passaram a emitir no mercado doméstico e tentaram acessar esses investidores não-bancários.
O atraso relativo do Brasil no desenvolvimento de um mercado de títulos corporativos, bem como o ritmo de sua expansão, está, em grande medida, associado à política monetária restritiva que há décadas vem sendo posta em prática. O Brasil tem um histórico longo de convivência com taxas de juros básicas (SELIC) muito elevadas e com uma taxa menor utilizada pelo BNDES (TJLP), que segue regras próprias de formação.
A diferença entre, de um lado, a taxa Selic e a expectativa de inflação e, de outro, entre a TJLP e da taxa Selic têm um papel relevante nesse processo. Quanto maior a taxa real paga pelos títulos públicos (SELIC) menos as famílias ricas e os fundos de pensão estarão dispostos a diversificar suas carteiras na direção dos títulos privados. Ao mesmo tempo, quanto maior a taxa SELIC, menos estimuladas as empresas serão a emitir no mercado doméstico. Além disso, se a TJLP é muito mais baixa do que a taxa SELIC e se o BNDES dispõe de um volume elevado de recursos, as empresas tentarão maximizar os empréstimos com o banco de desenvolvimento em detrimento das demais fontes de recursos.
Sugestões para o Aperfeiçoamento do Mercado de Crédito Corporativo
Uma forte crise econômica, como a que se abateu sobre o Brasil a partir de 2015 e sobre a indústria brasileira já a partir de 2014, abre grandes oportunidades em termos de ganhos associados a operações de reestruturação de capital das empresas. A redução do risco de crédito soberano do Brasil e a redução da taxa de juros doméstica criam um ambiente particularmente favorável a iniciativas dessa natureza. A presença do Estado nesse processo como agente coordenador, regulador e financiador pode ter um grande significado, a exemplo do que se viu na experiência dos Estados Unidos e de vários outros países avançados após a Crise Financeira Internacional de 2008.
Como base nesse cenário, as sugestões apresentadas a seguir – decorrentes do estudo realizado pelo economista Ernani Teixeira Torres, como observado anteriormente – têm como objetivo fortalecer o mercado de crédito corporativo doméstico para que venha a servir como um dos mecanismos de ajustamento da estrutura de capital das empresas e de retomada dos investimentos, com isso, abreviando a recuperação da economia e do emprego.
O cenário financeiro da economia brasileira no médio prazo deverá ser caracterizado por três elementos. O primeiro é a redução consistente da taxa de juros para níveis inferiores a dois dígitos. O segundo, que já está em curso, é a reestruturação da base de capital das empresas, em um ambiente de valorização dos ativos. O terceiro é a tendência à acumulação de um volume relativamente grande de recursos líquidos no âmbito do BNDES. A combinação desses elementos contribuiria para promover uma aceleração da retomada dos mercados de crédito corporativo e dos investimentos das empresas, auxiliando a retomada da economia do país.
As medidas sugeridas são:
1. Eliminação das restrições, hoje existentes, à colocação de títulos corporativos em ofertas registradas, com base na antiga Instrução 400 da CVM. Atualmente, os volumes emitidos através dessa instrução da CVM passaram a ser irrisórios quando comparados aos realizados na forma de “esforços restritos”, com base na Instrução 476. Apesar de esse entrave não impedir o avanço do mercado de títulos corporativos, ganhos relevantes seriam obtidos a longo prazo, na medida em que a base de investidores domésticos pudesse ser a mais ampla possível. Empresas com tradição de lançamento no mercado de capitais deveriam obter uma licença ainda mais ampla, como emissores qualificados, com autorizações ainda mais flexíveis para irem a mercado a qualquer tempo. Em compensação, as autoridades estabeleceriam penas severas para as empresas que não cumprissem com suas obrigações de informação para com o público e com as autoridades regulatórias.
2. Maior utilização dos recursos do BNDES em operações de reestruturação empresarial por meio do uso de debêntures conversíveis em ações. Esse instrumento seria utilizado em associação com a exigência de a empresa ir a mercado buscar novos recursos ou investidores em prazos previamente fixados. Seria uma forma de permitir que as empresas conseguissem tirar proveito dos ganhos potenciais associados à redução das taxas de juros e da recuperação da bolsa de valores.
3. Fixação de uma meta de aumento do estoque de debêntures incentivadas para R$ 50 bilhões até o final de 2018, algo como 20% do mercado, descontadas as emissões de empresas de leasing.
4. Disponibilização pelos bancos estatais – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica – de garantias firmes para a parcela das ofertas de debêntures incentivadas não cobertas pelos bancos privados. Esse tipo de garantia só seria exercido se as emissões não fossem totalmente distribuídas ao público. A medida promoveria o aumento da escala das debêntures incentivadas, facilitando o financiamento de novos projetos de investimento. Adicionalmente, todas as instituições financeiras que garantissem essas ofertas teriam até 2018 um benefício fiscal de 10 pontos percentuais no imposto de renda, limitado em até 24 meses, caso tivessem que manter esses papéis em carteira. As debêntures de infraestrutura adquiridas pelas instituições financeiras públicas deveriam ser financiadas por meio de empréstimos do mercado, através dos instrumentos já disponíveis, tais como as Letras Financeiras.
5. Estabelecimento de leilões periódicos para as carteiras dos bancos públicos formadas por debêntures incentivadas, através de plataformas eletrônicas, a exemplo do Tesouro Direto. Este mecanismo permitiria que uma variedade maior de investidores pudessem comprar esses papéis com alguma regularidade, independentemente dos lançamentos primários e, portanto, ajudaria a estabelecer estratégias de vendas aos seus clientes.
6. Isenção do imposto de renda para os cotistas Pessoas Físicas de fundos financeiros voltados exclusivamente para a aquisição de ativos isentos de imposto de renda, em qualquer proporção. Atualmente, há uma exigência legal de que tais fundos, para serem livres de impostos, precisam ter uma percentagem muito alta de títulos do governo ou, alternativamente, de papéis privados incentivados de um mesmo tipo.
7. Consolidar, em um único marco de condições, todas as emissões de títulos corporativos incentivados, independente do setor ou do destino do projeto de investimento do emissor. Este novo regulamento deve se basear nas regras de debêntures de infraestrutura. Ao mesmo tempo, os bancos não seriam mais autorizados a emitir obrigações com benefícios fiscais.
No futuro próximo, o mais provável é que o processo de desalavancagem do crédito corporativo de longo prazo se mantenha. Os bancos comerciais continuarão a ter posturas restritivas e, se não houver uma mudança nas políticas em curso, o mesmo deverá ser observado nos empréstimos do BNDES.
O único segmento que apresenta condições claramente expansivas é o das debêntures incentivadas, que, no entanto, ainda apresenta um porte relativamente pequeno, a despeito do rápido crescimento nos últimos quatro anos.
A demanda por debêntures incentivadas permanece elevada, o que mostra que esse segmento poderá continuar a crescer rapidamente. Contudo, trata-se de um instrumento muito vulnerável a mudanças de natureza regulatória. As debêntures de infraestrutura são uma experiência de sucesso, que deve ser ampliada. Sua atual dimensão reflete basicamente limitações de oferta, associadas à dificuldade regulatória para se promover ofertas para um público mais amplo (registrada) e ao elevado nível dos juros domésticos, o que limita o interesse das empresas em emitir dívida de longo prazo nessas condições.
A aceleração do desenvolvimento do mercado de debêntures corporativas, incentivadas ou não, requer taxas de juros baixas por um período razoavelmente prolongado. Enquanto a economia não retomar o crescimento sustentado, o excedente de recursos à disposição do BNDES deveria, adicionalmente, ser utilizado para fortalecer a estrutura de capital das empresas. Esses novos empréstimos ou participações deveriam estar vinculados a uma busca em momento posterior de recursos de mercado, por meio da colocação de ações e de dívida corporativa pulverizada.
As limitações estruturais do mercado de crédito corporativo de longo prazo que ainda se apresentam não recomendam, portanto, a desativação do BNDES. Pelo contrário, deveria contar com sua participação para auxiliar o fortalecimento do mercado privado. Esse objetivo seria alcançado quanto mais rápido e de forma mais duradoura se se conseguir chegar a um regime macroeconômico de baixas taxas de juros.
Nesse cenário, a participação do BNDES no crédito total tenderia naturalmente a se reduzir e novas formas de direcionamento de créditos surgiriam, como mostram as experiências internacionais, a exemplo dos Estado Unidos, Alemanha, Japão, e entre os BRICS, da China e da Rússia, onde o direcionamento do crédito também está presente.