Carta IEDI
Em diferentes velocidades
A economia brasileira ensaia seus primeiros passos rumo à compensação de tudo aquilo perdeu nos últimos anos. Entretanto, ao que parece, este processo não será fácil nem rápido. Os dados conhecidos até o momento, que cobrem os cinco primeiros meses do ano, mostram os principais setores da economia operando em velocidades bastante distintas, o que pode ser visto como um elemento de fragilidade do presente momento econômico.
O quadro menos adverso dos últimos meses tem origem, em primeiro lugar, em uma extraordinária evolução do agronegócio que resultou em aumento do PIB setorial para o primeiro trimestre de 2017 de 15,2% ante 1º trim./16. Segundo dados mais atuais, a estimativa para a safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas de 2017, realizada pelo IBGE no mês de junho, representava um aumento de nada menos que 30,1% em relação à safra de 2016.
Em segundo lugar, o comércio exterior tem funcionado como uma forma de contornar parcialmente a crise dos mercados domésticos para muitas empresas e setores. A expansão das exportações poderia contribuir muito mais não fossem aspectos sistêmicos que, de longa data, corroem nossa competitividade. Também desfavoreceu nossas exportações a apreciação da taxa de câmbio ao longo do ano passado. O destaque, neste caso, cabe à indústria automobilística, cujas exportações de 2017 em quantum avançaram 32,1% frente a jan-mai/16, segundo a Funcex.
Essa evolução da agricultura e das exportações geraram efeitos dinamizadores sobre outras áreas. Podemos citar, como exemplo, o avanço da produção industrial nos segmentos de bens de capital para a agricultura e de automóveis, bem como a elevação do faturamento real de serviços de transportes e de armazenagem.
Mas estes não são os únicos fatores em operação. Há também estímulos vindos da desaceleração da inflação, que tem permitido uma relativa recomposição do rendimento real das famílias, assim como uma redução mais acentuada da taxa básica de juros (Selic). A isso somam-se condições menos adversas no crédito às pessoas físicas (cujas concessões reais voltaram a crescer) e fatores pontuais, como a liberação das contas inativas do FGTS.
Assim, a demanda restringida nos últimos anos tem visto nestes fatores uma oportunidade toda especial de se efetivar. Com isso, as vendas de alguns ramos do comércio varejista vêm se recuperando – principalmente em tecidos, vestuário e calçados, eletrodomésticos e material de construção –, puxando a produção industrial de bens equivalentes – com destaque para eletrodomésticos da linha marrom, calçados, vestuário e têxteis.
Como a reação não é uma realidade para todos os segmentos industriais, ocorrendo em apenas 12 dos 25 segmentos acompanhados pelos IBGE no acumulado de 2017, a indústria de São Paulo, que é sabidamente a mais diversificada do país, além da mais moderna, encontra dificuldades para sair do vermelho (-0,6% ante jan-mai/16), contrastando com o resultado de outros estados, como Rio de Janeiro (+4,6%), Santa Catarina (+4,3%), Minas Gerais (+2,1%), etc. Ao todo, 10 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE já mostram alta na produção industrial no acumulado do ano até maio.
Apesar do aquecimento em alguns segmentos e localidades, o desempenho geral dos grandes setores da economia continua muito fraco. Na série com ajuste sazonal, as vendas reais do varejo e serviços ficaram praticamente estagnadas em maio (-0,1% e +0,1% ante abr/17, respectivamente). A indústria cresceu um pouco mais (+0,8%), mas menos que no mês anterior. O indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, apontou declínio de 0,5% frente a abril, já descontados os efeitos sazonais.
Em relação ao mesmo período do ano passado, baixas bases de comparação têm ajudado na obtenção de variações positivas na indústria (+4,0% frente a mai/16) e no varejo restrito e ampliado (+2,4% e +4,5%, respetivamente) – que inclui as vendas de veículos autopeças e material de construção –, mas não no caso do setor de serviços (-1,9%),
A situação a que esses dados endereçam fica mais clara ao se tomar o resultado acumulado nos cinco primeiros meses de 2017. A incipiente recuperação da economia brasileira tem sido marcada por velocidades distintas: em primeiro lugar a indústria (+0,6%), cuja crise foi mais longa e aguda do que nos demais setores, seguida pelo comércio varejista (-0,8%) e pelos serviços (-4,4%). Mais dependente da evolução do emprego e da renda, o setor de serviços, que foi o último a entrar em crise, parece que também será o último a sair dela.
Indústria
O desempenho da indústria, depois de um longo período de retração aguda, entrou em uma nova fase em 2017. Nos últimos meses, voltaram em cena resultados positivos, embora muito fracos e, em geral, entremeados por novas quedas. No acumulado do ano até maio, o crescimento do setor como um todo chegou a apenas 0,5%, devido ao resultado muito favorável de não muitos setores.
Vale notar que a indústria de transformação continua no vermelho no acumulado do ano (-0,2% frente a jan-mai/16) e seu placar setorial continua muito dividido: 12 setores já passaram da estabilidade e começaram a recuperar perdas, enquanto outros 13 permanecem no negativo. A situação não é muito diferente para cada um dos macrossetores industriais.
A produção de bens de capital (+3,5% ante jan-mai/16) e de bens de consumo duráveis (+11,0%) vem apresentando um ritmo mais intenso de crescimento que a indústria geral, qualquer que seja a comparação. Este é um aspecto favorável do quadro atual, já que estes macrossetores foram os que mais sofreram na crise. Entretanto, o ponto fraco desse desempenho é sua grande dependência de alguns poucos setores (bens de capital para agricultura e transporte, no primeiro caso, e veículos de eletroeletrônicos no segundo).
Bens de consumo semi e não duráveis (-1,2%) e bens intermediários (-0,3%) ainda sequer saíram do vermelho no acumulado do ano, mas ao menos este último macrossetor tem se aproximado muito da estabilidade, devido aos resultados de setores exportadores, como celulose e metalurgia básica.
Em termos regionais, a alta da produção industrial no país em maio de 2017, tanto em relação a abril (+0,8%, livre de efeitos sazonais) como frente a maio de 2016 (+4,0%), foi acompanhada pela maior parte das localidades acompanhadas pelo IBGE: 10 dos 14 locais na série com ajuste sazonal e 10 dos 15 locais na comparação interanual. Isto é, o crescimento foi bem distribuído pelo país e atingiu localidades importantes para a indústria, como São Paulo (+2,5 ante abr/17 e +4,3% ante mai/16).
Mas, se ainda é preciso relativa boa vontade para qualificar o atual momento da indústria geral como uma recuperação – compreendida esta como a obtenção de resultados positivos robustos e por uma trajetória favorável, que aponte para uma paulatina compensação das perdas anteriores – o quadro para algumas localidades parece ser melhor.
Despontam positivamente os estados de Minas Gerais (+2,1% frente a jan-mai/16), Rio de Janeiro (+4,6%), Espírito Santo (+3,4%), Paraná (+3,1%) e Santa Catarina (+4,3%), todos com alta no resultado acumulado do ano e com sucessivos aumentos de produção desde o final de 2016 na comparação mensal relativamente ao mesmo mês do ano anterior. Cabe observar que as trajetórias de crescimento nesses estados só foram momentaneamente interrompidas em abr/17 devido a dois dias úteis a menos que abr/16.
Rio Grande do Sul (+1,9% ante jan-mai/16) e Amazonas (+1,9%) também vêm caminhando favoravelmente, mas a trajetória interanual se tornou mais claramente positiva no primeiro caso há menos meses (depois de fevereiro) e, no caso da indústria amazonense, assumiu um comportamento volátil nos últimos três meses, com altas e quedas se intercalando (-8,0%, +7,4% e -0,1% de março a maio).
Em todos esses estados, algumas ponderações merecem ser feitas. A primeira delas é a existência de bases muito baixas de comparação, que favorecem a obtenção de variações positivas. A segunda é que as maiores contribuições ao crescimento vêm principalmente de poucos setores: indústria automobilística, extrativa, metalurgia e produtos de metal e máquinas e equipamentos.
Um fato a ser destacado é que duas localidades importantes ainda não saíram do vermelho no acumulado de 2017: Nordeste (-1,6%) e São Paulo (-0,6%). Como atenuante, existe o fato de que ambas lograram crescer em maio tanto na comparação interanual (+1,4% e +4,3%, respectivamente) – o que no caso do Nordeste foi a primeira vez desde mai/16 – como na série com ajuste sazonal (+1,3% e +2,5%), onde já acumulam duas altas sucessivas. São esses dois casos os grandes responsáveis pelo crescimento de apenas 0,5% da indústria brasileira nesses primeiros cinco meses de 2017.
Um último comentário sobre São Paulo, que, como se sabe, é o parque industrial mais moderno e diversificado do país. Tem havido na indústria paulista uma forte assimetria de desempenho setorial: equipamentos de informática e eletrônicos (+23,7%), veículos (+14%) e têxteis (+8,8%) registram crescimento expressivo no acumulado do ano, enquanto outros estão praticamente em queda livre, como alimentos (-12,2%, sobretudo devido a açúcar e carne bovina), outros equipamentos de transporte (-12,8%), além de máquinas e aparelhos elétricos (-9,7%) e farmacêuticos (-9,3%).
Comércio
Em 2017, enquanto a produção industrial mostra alguma reação, mesmo que muito incipiente, as vendas do comércio varejista continuam apenas registrando uma moderação do ritmo de suas perdas. Em outras palavras, o comércio está hoje onde a indústria estava no ano passado. Uma pedra no caminho do varejo tem sido claramente o nível elevado de desemprego ainda vigente no país.
Segundo o IBGE, as vendas reais do varejo ficaram praticamente estáveis em maio deste ano (-0,1%) frente abril, já descontados os efeitos sazonais. Em seu conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, houve retração de 0,7% nesta mesma comparação.
Frente a maio de 2016, o desempenho do varejo foi positivo tanto em seu conceito restrito como no ampliado (em +2,4% e +4,5% respectivamente), ajudado por um dia útil a mais em 2017. É este comportamento que vem garantindo uma redução do patamar de queda do setor, de -6,3% em 2016 como um todo para -0,8% no acumulado de 2017 até maio, frente igual período do ano anterior (-8,7% e -0,6%, respectivamente no caso do varejo ampliado).
Entretanto, é preciso chamar atenção para o fato de que nem todos os segmentos do comércio estão em rota consistente de arrefecimento de queda e, muito menos, já voltaram ao terreno positivo no acumulado desses cinco primeiros meses de 2017.
Os segmentos que parecem estar mais firmes na compensação das perdas anteriores são: tecidos, vestuário e calçados e eletrodomésticos, que não só voltaram ao azul no acumulado do ano (+6,0% e +3,8%, respectivamente), como vem apresentando uma série de resultados positivos nos últimos meses na comparação interanual (desde fev/17 no primeiro caso e desde mar/17 no segundo caso). Também poderíamos incluir neste grupo as vendas de material de construção, que acumulam alta de 4,2% no ano, mas que vêm tendo uma trajetória claudicante desde dez/16.
Todos esses segmentos receberam estímulo importante dos saques do FGTS, da recomposição das concessões de crédito à pessoa física, bem como da redução dos juros de algumas de suas modalidades, além da desaceleração da inflação que recompôs uma parte do poder de compra da população. O consumo restringido nos últimos anos desses bens tem visto nestes fatores uma oportunidade toda especial de se efetivar.
Outros segmentos que também foram favorecidos pelos fatores acima mencionados encontram-se em uma situação intermediária (queda no ano e crescimento muito recente em poucos meses). É o caso de: veículos e autopeças e móveis (-6,2% ante jan-mai/16), que voltaram a crescer só agora no mês de maio (+4,6%), e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-4,6%) e outros artigos de uso pessoal (-2,0%) – que incluem as lojas de departamento – que já acumulam dois meses consecutivos de alta na comparação interanual.
Mas nem todas as trajetórias asseguram uma visão otimista. As vendas reais de combustíveis, por exemplo, que têm uma forte aderência com o nível de atividade da economia, continua em declínio desde jan/15, acumulando em 2017 resultado de -4,3%. Supermercado, alimentos e bebidas, que depende mais das condições do emprego e renda real das famílias, não está muito melhor. Neste caso tem havido volatilidade na trajetória e queda no acumulado de 2017 (-0,9%). Artigos farmacêuticos (-1,6% no ano) e livros, jornais e papelaria (-4,3%) também estão no vermelho.
Um sinal de alerta: na série com ajuste sazonal, as vendas de tecidos, vestuário e calçados tiveram queda intensa frente a abril (-7,8%), já descontados os efeitos sazonais. Este é um dado importante porque, como vimos, tal segmento é aquele que melhor vinha se saindo.
Serviços
O setor de serviços, em comparação com a indústria e o comércio varejista, é quem pior tem se saído ao longo desses cinco primeiros meses de 2017. No ano, seu faturamento real acumula perdas de 4,4% e não registra nenhuma variação interanual positiva desde março de 2015, muito embora o resultado de maio de 2017 frente a maio de 2016 (-1,9%) tenha sido a queda mais branda desde o início da crise do setor.
Considerada a trajetória na margem, isto é, frente ao mês imediatamente anterior já descontados os efeitos sazonais, o quadro tampouco sugere um progresso. Dos cinco meses de 2017 dos quais já temos informação, três apresentaram crescimento desprezível de +0,1%, inclusive em maio último. Apenas abril teve uma alta considerável (+1,0%), mas isso porque a base de comparação foi baixa, com março caindo mais intensamente (-2,6%).
Desemprego elevado e tanto famílias como empresas ainda envoltas em processos de ajustamento de seus balanços têm procrastinado a reação do setor. A despeito disso, há alguns movimentos acontecendo de modo a evitar uma situação ainda mais desfavorável.
Dois exemplos desses movimentos: o recuo da inflação, sobretudo a de alimentos, e o bom desempenho do agronegócio e das exportações podem estar alavancando os serviços de alojamento e alimentação às famílias e os serviços de transporte (terrestre e aquaviário) e armazenagem. Com isso, os segmentos de serviços prestados às famílias e de serviços de transporte, auxiliares e correios vêm reduzindo perdas ao longo de 2017 (-3,3% e -1,2% ante jan-mai/16, respectivamente) e apontaram crescimento em maio (+1,0% e +4,9% ante mai/16).
Assim, alguns segmentos estão melhores que outros. Mas é bom enfatizar que nenhum deles já saiu do vermelho no acumulado de 2017, ilustrando as dificuldades impostas à recuperação do setor de serviços, que foi o último a entrar em crise e, ao que parece, será o último a sair dela.
Causa apreensão o desempenho em dois segmentos: o de serviços profissionais, administrativos e complementares, prestados às empresas, e de outros serviços – que reúne um conjunto amplo de atividades, como serviços imobiliários, financeiros, de assistência técnica, etc. Em ambos os casos, as quedas estão mais intensas em 2017 (até maio) do que em 2016 como um todo: -9,0% contra -5,6% no primeiro caso e -10,3% contra -2,8% no segundo caso. Isso sugere agravamento da recessão nesses casos. O mesmo ocorre com as atividades turísticas (-6,7% contra -2,6%).
Há, contudo, algum alento para esses dois segmentos vindo do fato de que os resultados de maio de 2017 ante maio de 2016 não foram tão negativos como nos três meses anteriores, quando as quedas foram de dois dígitos, e de na série com ajuste sazonal temos visto algumas variações positivas, ainda que pouco frequentes. Em contrapartida, esses aspectos não se verificam no caso das atividades turísticas.
Já o segmento de serviços de informação e comunicação, à primeira vista, parece estar em uma situação não tão desfavorável, dado que no acumulado de 2017 até maio (-1,5%) tem caído menos do que em 2016 (-3,3%). Mas vale observar que esse arrefecimento se deve ao primeiro bimestre de 2017, dado que as quedas entre março e maio foram se aprofundando: -2,0%, -2,6% e -2,9%.