Carta IEDI
Lucratividade e endividamento das empresas em 2016 e no primeiro trimestre de 2017: o ajuste incompleto
A economia brasileira vem dando os primeiros sinais de uma recuperação do nível de atividade econômica. O retorno do lucro líquido das empresas em 2016 e certo aumento, ainda que tímido, do investimento das empresas industriais no final do ano passado contribuíram para fortalecer a crença de que o pior momento da crise econômica pode estar passando para a indústria.
As informações contábeis de 296 empresas não financeiras tabuladas pelo IEDI com dados relativos à rentabilidade, endividamento e composição dos ativos para 2016 e para o primeiro trimestre de 2017 mostram, contudo, que ainda há um longo caminho a ser percorrido para a retomada sustentada da economia brasileira.
Lembremos que o ano de 2015 marcou o pior momento para as grandes empresas de capital aberto no período recente: o grau de endividamento líquido em relação ao patrimônio líquido atingiu 113,7%, mais que o dobro do observado em 2010; o prejuízo líquido foi de 3,5% frente a uma margem líquida lucro de 12,7% em 2010 e a capacidade de gerar recursos para pagar as despesas financeiras caiu para apenas 0,3 (Ebtida/despesa financeira), isto é, a geração de caixa obtida através do lucro operacional (Ebtida) só cobriu 30% das despesas financeiras em 2015.
A estratégia das empresas para recuperar o equilíbrio econômico-financeiro perdido no biênio 2014-2015 se deu via redução do grau de endividamento e das despesas financeiras, seja pela renegociação de dívidas, seja pela venda de ativos. A continuidade da recessão e os efeitos da crise política sobre a confiança empresarial definiram um cenário desafiador para a recuperação da saúde financeira das empresas.
Os resultados de 2016, por sua vez, mostraram avanços, mas também indicaram que o processo de recuperação poderá ser moroso. A margem líquida de lucro do agregado das 296 empresas não financeiras analisadas saiu de um patamar negativo de 3,5%, em 2015, para um índice positivo de 2,9%, em 2016. O endividamento líquido sobre o capital próprio recuou para a faixa de 104,1%, mas ainda permaneceu duas vezes superior ao patamar de 2010. Por sua vez, a geração de caixa via Ebtida melhorou, passando a garantir 90% do pagamento das despesas financeiras.
Para o núcleo da indústria, excluídas a Petrobras e a Vale, cabe destacar importantes diferenças na evolução dos indicadores:
• Após atingir o pico em 2015, o grau de endividamento líquido sobre o patrimônio líquido não recuou mantendo-se estável em 2016 (na faixa de 80%), embora tenha havido melhora no fluxo de despesas financeiras. No primeiro trimestre de 2017 a tendência de estabilidade do grau de endividamento se manteve, mas com alguma redução do endividamento de curto prazo.
• A margem de lucro líquida, passou de 2,1% para 2,4% entre 2015 e 2016, refletindo em parte a redução do peso das despesas financeiras e o menor efeito da variação cambial. No primeiro trimestre de 2017, a margem de lucro líquida chegou a 4,6% (3,1% no 1º Trim./16).
• A margem operacional de lucro manteve-se estável em 8,5% entre o primeiro trimestre de 2016 e o primeiro trimestre de 2017, mas houve recuperação em alguns setores, notadamente: siderurgia, têxteis, vestuário, calçados, higiene e limpeza e máquinas e equipamentos.
A recuperação da margem de lucro líquido para o núcleo da indústria, embora pequena, recompôs a retração da margem operacional medida pela relação entre o Ebtida e a Receita Operacional Líquida. O fato central em 2016 foi a continuidade da queda da margem operacional e a dificuldade, nesta conjuntura, de acelerar o ritmo de redução do endividamento das empresas industriais. Entre 2013 e 2016, a margem operacional diminuiu de 10,0% para 6,7% para este conjunto de empresas. Os dados do início de 2017, a seu turno, sugerem que esse movimento pode ter chegado ao fim, dada a estabilidade da margem operacional frente ao primeiro trimestre de 2016.
A dívida acumulada nas empresas industriais (exceto Petrobras e Vale) alcançou o pico da série em 2015 com o montante de R$ 322 bilhões, em termos nominais – um acréscimo de R$ 90 bilhões em relação ao patamar de 2013. Em 2016, o total das dívidas recuou para o montante de R$ 298 bilhões com diminuição de R$ 23 bilhões, frente ao ano anterior.
A redução da fragilidade financeira das empresas deve ser qualificada, dado que ocorreu a capacidade de cobrir os custos financeiros e monetários das dívidas com a geração de lucros operacionais ainda não foi recomposta. Excluídas a Petrobras e a Vale do agregado da indústria, a relação entre Ebitda/despesa financeira, que havia sido de 2,2, em 2010, caiu para 0,7 em 2015. Este indicador ficou em 0,8 em 2016, influenciado pela valorização do real verificada em 2016 e pela estabilização da taxa básica de juros (Selic), apesar do seu nível ter se mantido elevado (em 14,25% a.a. até nov/16).
Cabe observar que, entre 2010 e 2016, a diferença entre a participação do lucro operacional e do lucro líquido das empresas no PIB indica que o setor produtivo transferiu via o pagamento de juros e encargos das dívidas para o setor financeiro algo na ordem de 13,9% do PIB nestes últimos sete anos.
Dado este cenário adverso, não foi surpresa o recuo da taxa de investimento das empresas nos últimos anos. As despesas de capital (Capex) sobre a depreciação, tomada como base o ano de 2010, apresentaram oscilação com tendência de crescimento até 2013, quando passaram a declinar de forma contínua para o conjunto das empresas analisadas até 2016. Os sinais de recuperação, nesse caso, encontram-se concentrados somente em alguns setores da indústria.
Dados para o primeiro trimestre de 2017, mostram que a tendência de declínio das margens de lucro foi interrompida. Além disso, apesar do patamar elevado, o endividamento das empresas parou de crescer e a capacidade de gerar recursos internos nas empresas para honrar os compromissos financeiros apresentou melhora relativa.
Introdução
Este estudo faz uma avaliação do desempenho econômico-financeiro das empresas não financeiras listadas em bolsa de valores entre 2010 e 2016, com especial atenção para este último ano. A base de dados, obtida no sistema de informações Economática, é composta de Balanços Patrimoniais e Demonstrações Financeiras de empresas com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para todo o período considerado.
O objetivo principal é avaliar a “saúde financeira” das empresas em 2016 e no primeiro trimestre de 2017, por meio de seus balanços patrimoniais e demonstrativos de resultados. Três anos consecutivos de recessão na indústria de transformação (2014, 2015 e 2016) colapsaram o investimento produtivo e reduziram a rentabilidade das grandes empresas que operam no Brasil.
O levantamento das informações entre os anos de 2010 e 2016 gerou uma amostra de 296 empresas, com dados contábeis para todo o período. As companhias foram separadas em 41 segmentos produtivos e reagregadas em três macrossetores: Indústria, Comércio, Serviços e Agropecuária. Três subconjuntos dos macrossetores foram criados para isolar o peso das gigantes do setor de petróleo, mineração e de energia elétrica nos totais: (i) Indústria sem Petrobras; (ii) Indústria sem Petrobras e Vale e (iii) Serviços sem energia elétrica. Os indicadores utilizados neste estudo estão separados em dois grandes grupos: estrutura patrimonial (endividamento e distribuição dos ativos) e indicadores de rentabilidade. A lista completa das empresas e os indicadores encontram-se no anexo extatístico.
O peso da amostra de empresas no conjunto da economia é medido na tabela abaixo, que mostra a relação entre a Receita Líquida, Lucro Operacional (EBIT) e Lucro Líquido com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A Receita Líquida das grandes empresas de capital aberto representou, em média, um valor próximo a um terço do PIB entre 2010 e 2016. Ao longo do período, essa participação oscilou entre 28,9% em 2013 e 27,1% em 2016. A evolução da participação do Lucro Operacional (EBIT) e do Lucro Líquido deste conjunto de empresas no PIB foi decrescente ao longo período. De uma média de, respectivamente, 5,2% e 3,3% como proporção do PIB, entre 2010 e 2011, para um patamar de 1,3% (Lucro Operacional) e -1,0% (Lucro Líquido) em 2015. Em 2016, estes percentuais mostraram certa recomposição (para 3,1% e 0,8%, respectivamente) mas mantiveram-se abaixo dos patamares de 2010-2011. As causas desta recuperação da rentabilidade das empresas não financeiras e os desempenhos dos macrossetores serão exploradas ao longo deste estudo.
Cabe destacar que a diferença entre a participação do lucro operacional e do lucro líquido no PIB entre 2010 e 2016 indica que o setor produtivo transferiu para o setor financeiro, via o pagamento de juros e encargos das dívidas, algo na ordem de 13,9% do PIB nestes últimos sete anos.
Frente a este quadro de preocupação em relação a capacidade de a indústria brasileira reagir ao cenário de três anos consecutivos de recessão e de crise política, foram tabulados os resultados dos balanços patrimoniais e demonstrações de resultados das grandes empresas de capital aberto no primeiro trimestre de 2017. O período tabulado das informações englobou os primeiros trimestres de 2012 a 2017 para as mesmas empresas não financeiras de capital aberto da amostra utilizada na análise anual (2010-2016). O penúltimo item do estudo traz um resumo dos resultados com foco na evolução das margens de lucro e do endividamento.
Rentabilidade e Endividamento
A economia brasileira após 2010 entrou em trajetória de desaceleração econômica e perda de rentabilidade das empresas não financeiras. A Carta IEDI nº 754 apontou que, embora a alta dos custos de produção tenha afetado as margens de lucro, foi a expansão mais que proporcional das despesas financeiras que gerou um quadro de crescente comprometimento das receitas operacionais com pagamentos de juros e outros custos financeiros.
O ano de 2015 marcou um ponto de inflexão. As empresas não financeiras haviam elevado a tomada de recursos no mercado financeiro nacional e internacional para financiar projetos de investimento e/ou aquisições de empresas, bem como para enfrentar as dificuldades financeiras advindas da crise financeira global de 2008. Entre 2013 e 2015, o custo financeiro dos empréstimos em moeda nacional para as pessoas jurídicas se elevou nas principais modalidades – de 20,6% a.a. para 27,6% a.a. nos empréstimos com recursos livres para pessoas jurídicas e de 6,9% a.a. para 9,4% a.a. nas taxas médias de juros do BNDES, por exemplo, segundo as estatísticas do Banco Central. Esta alta nos custos financeiros domésticos combinou-se com a forte desvalorização do real ocorrida entre 2013 e 2015. Neste período, a taxa de câmbio de final de período acusou variação nominal de 66,7%.
Neste contexto, o balanço patrimonial e as demonstrações financeiras das empresas não financeiras foram gravemente afetados. Elevaram-se o grau de endividamento, o volume de despesas financeiras e as perdas com as variações cambiais, que afetam tanto o estoque das dívidas em moeda estrangeira, como o fluxo de pagamentos de encargos em reais dos empréstimos externos. O aprofundamento da crise econômica com maior retração da demanda agregada em 2015 e a piora da situação política amplificaram tais tendências na medida em que os negócios das empresas não financeiras também foram afetados no seu lado real, ou seja, na capacidade de gerar lucros operacionais em proporção compatível com o crescimento dos custos financeiros.
Assim, as empresas não financeiras terminaram o ano de 2015 com um grau de endividamento líquido em relação ao patrimônio líquido de 113,7%, mais que o dobro do observado em 2010; um prejuízo líquido de 3,5% – em contraste com uma margem líquida de lucro de 12,7% em 2010 – e uma capacidade de gerar recursos para pagar as despesas financeiras de 0,3 (Ebtida/despesa financeira), isto é, com uma geração de caixa obtida através do lucro operacional (Ebtida) que só cobriu, em 2015, 30% das despesas financeiras.
Dado este quadro bastante perturbador para as empresas não financeiras, a estratégia das empresas foi procurar a restituição do equilíbrio econômico-financeiro por meio da redução do grau de endividamento e das despesas financeiras, seja pela renegociação de dívidas ou pela venda de ativos. Ademais, esta busca de um reequilíbrio financeiro encontrou um cenário econômico bastante adverso, caracterizado pela continuidade da recessão, com nova queda da demanda agregada e incertezas decorrentes da crise política.
Quais foram os resultados deste processo? Para o total da amostra, a margem líquida de lucro saiu de um patamar negativo de 3,5%, em 2015, para um índice positivo de 2,9%, em 2016. O endividamento líquido sobre o capital próprio recuou para a faixa de 104,1%, permanecendo ainda duas vezes superior ao patamar de 2010, enquanto a geração de caixa via Ebtida melhorou, passando a garantir 90% do pagamento das despesas financeiras.
Para o núcleo da indústria (excluídas a Petrobras e a Vale), a evolução dos indicadores mostra um ajuste compatível com a média das empresas não financeiras de capital aberto. Todavia, cabe destacar importantes nuances do comportamento deste conjunto de empresas. Em primeiro lugar, o grau de endividamento se manteve bem-comportado até 2014 demonstrando que, na média, a grande empresa industrial não buscou nos endividamentos bancários fundos adicionais para financiar as suas operações correntes e de investimento produtivo.
O acréscimo do endividamento acompanhou exatamente o período de intensificação da desaceleração econômico no biênio 2015/2016. Após atingir o pico em 2015, o grau de endividamento manteve-se estável, embora tenha havido uma melhora nas despesas financeiras. Apesar da piora do perfil das dívidas das empresas em termos de prazo, o efeito combinado da apreciação cambial e da redução da taxa básica de juros, em 2016, permitiu uma renegociação das dívidas em melhores condições. A recuperação da margem de lucro líquida, de 2,1% para 2,4% entre 2015 e 2016, excluídas a Petrobras e a Vale, reflete em parte a redução do peso das despesas financeiras e o menor efeito da variação cambial.
A leve recuperação da margem de lucro líquido para o núcleo da indústria serviu para recompor a persistente queda da margem operacional, isto é, embora a lucratividade operacional continue caindo, a redução das despesas financeiras serviu, pelo menos, para evitar o acúmulo de prejuízos em 2016. Entretanto, o fato central continua sendo a queda da margem operacional e a dificuldade, nesta conjuntura, de acelerar o ritmo de redução do endividamento das empresas industriais. Entre 2013 e 2016, a margem operacional diminuiu de 10% para 6,7% para este conjunto de empresas.
Quanto à evolução da Margem de Lucro Bruto, o aprofundamento da recessão dificultou que as empresas repassassem aos preços o aumento dos custos dos insumos industriais, com o que a margem bruta caiu de 23,6% em 2014 para 21,6% em 2016 no conjunto das empresas industriais (exceto a Petrobras e a Vale).
Para vários setores industriais, no entanto, o cenário é ainda menos positivo. Uma parte considerável apresentou queda na Margem Líquida em 2016, o que implica em uma menor propensão a realizar novos investimentos, que garantiriam uma maior taxa de crescimento para a economia como um todo. Setores importantes da indústria de transformação como alimentos, vestuários e máquinas e equipamentos seguiram apresentando tendência de encolhimento da Margem de Lucro Líquida. Para outros segmentos, 2016 se encerrou como mais um ano de prejuízo líquido, como é o caso dos setores de têxteis, metalurgia, siderurgia e dos setores de construção (ver anexo).
A composição das margens demonstra a dificuldade em que ainda se encontram as empresas da indústria de transformação. A conjuntura de baixo crescimento acompanhada do acréscimo do custo de alguns produtos primários tem comprometido a formação da margem bruta de lucro e da margem operacional. O peso dos Custos dos Produtos Vendidos (CPV) na receita operacional neste conjunto de empresas subiu em 2016, atingindo 78,4%, o maior patamar desde 2010. A resposta das empresas tem sido geralmente optar por estratégias de redução da exposição financeira, através da amortização e ampliação do prazo das dívidas. Esse cenário deixa pouco espaço para um aumento do investimento industrial, dificultando um processo sustentado de retomada do crescimento.
O baixo patamar em que se estabilizou a margem de lucro operacional é um indicativo da dificuldade que se apresenta para a redução consistente do grau de endividamento. Apesar do esforço em reduzir as dívidas e seus custos e do comportamento da margem líquida indicar que houve alguma melhora nesse sentido, os indicadores de endividamento líquido sobre o capital próprio das empresas industriais, excluídas a Petrobras e a Vale, permaneceram praticamente inalterados na passagem de 2015 para 2016 em um nível significativamente alto (80%).
Em termos nominais, a dívida acumulada deste conjunto de companhias atingiu o pico da série em 2015 com o montante de R$ 322 bilhões – um acréscimo de R$ 90 bilhões em relação ao patamar de 2013. Em 2016, o total das dívidas das empresas industriais recuou para o montante de R$ 298 bilhões com diminuição de R$ 23 bilhões, em relação ao ano anterior.
Neste contexto, nota-se que a relação entre o capital de terceiros e o capital próprio para as empresas industriais (exceto Petrobras e Vale), apresentou pequena alta entre 2015 e 2016, de 1,8 para 1,9. Os setores da Construção civil e incorporação, Construção pesada, Química e Têxtil influenciaram este movimento. Nestes setores a elevação do grau de endividamento refletiu a queda da rentabilidade e prejuízos acumulados, que impactaram negativamente o patrimônio líquido, especialmente na Construção Civil, e o crescimento do endividamento em várias empresas. O indicador que compara o estoque da dívida em relação ao lucro operacional aumentou de 6,4% para 7,5%, em função da diminuição das dívidas ter sido menos intensa.
De modo geral, apesar da melhoria da fragilidade financeira das empresas, o resultado deve ser relativizado na medida em que a capacidade de cobrir os custos financeiros e monetários das dívidas com a geração de lucros operacionais se deteriorou fortemente entre 2010 e 2016. Excluídas a Petrobras e a Vale do agregado da indústria, a relação entre as despesas financeiras líquidas e o lucro operacional em 2010 foi de 17,1% subindo para o percentual de 63,8% em 2015. Este indicador recuou para o patamar de 47,9% em 2016 influenciado pela valorização cambial verificada ao longo do ano (na faixa de 20% em termos nominais) e pela estabilização da taxa de juros, apesar do seu nível ter se mantido elevado (em 14,25% a.a. até nov/16).
O principal problema desse tipo de conjuntura reside no fato de que, no momento em que todos agentes econômicos buscam reduzir seu endividamento de forma simultânea, em detrimento da realização de novos investimentos, o resultado tende a ser adverso. A tentativa de restaurar o equilíbrio financeiro de forma conjunta tende a manter o baixo dinamismo da economia, o que, por sua vez, retarda ainda mais a tentativa de reduzir o grau de endividamento. O ano de 2016, de certa forma, demonstra a dificuldade do setor privado, especialmente o industrial, em reduzir o desequilíbrio financeiro com rentabilidade em queda e com a economia em recessão.
Ainda que o endividamento seja de certa forma concentrado, o grupo de setores com os piores indicadores de endividamento é ilustrativo da crise econômica atual: Petróleo e Gás, Construção Pesada, Química, Material de Transportes, Logística, Transporte Ferroviário e Concessões Públicas, além de alguns segmentos de bens não duráveis (ver anexo). Os setores que concentram a deterioração do grau de endividamento são aqueles que, grosso modo, vinham ampliando seus investimentos após 2013. Foram, de modo geral, os setores que estavam fortemente atrelados aos planos de investimentos públicos, de empresas estatais ou a projetos de infraestrutura.
Como esses projetos de investimentos possuíam também significativa capacidade de encadeamentos nos setores de insumos básicos e bens de capital, embora o endividamento seja setorialmente concentrado, também é digno de nota que a sustentação de um ciclo de crescimento dependerá da recuperação da capacidade de investimento desses setores. Em uma situação de elevada taxa de desemprego, de capacidade ociosa e de lenta retomada do crescimento da demanda interna e/ou do investimento em infraestrutura, esses setores tornam-se dependentes principalmente do rumo que irá tomar os novos planos de concessão e os investimentos a eles atrelados.
O desequilíbrio econômico-financeiro em boa parte dos setores que são responsáveis pelos investimentos de maior escala acaba por se traduzir no baixo patamar em que se encontra a rentabilidade dos setores de insumos básicos. Além disso, a recente elevação dos preços de algumas commodities minerais cria mais uma pressão para a rentabilidade dos setores de insumos básicos. De modo geral, seja por conta da interrupção dos investimentos das empresas estatais e concessionárias ou pela elevação dos preços das matérias primas, os setores de insumos básicos acumularam prejuízos para o ano de 2016.
Tendo em vista o cenário adverso, não foi surpresa o recuo significativo da taxa de investimento das empresas. As despesas de capital (Capex) sobre a depreciação, tomado como base o ano de 2010, apresentaram oscilação com tendência de alta até 2013, quando passaram a declinar de forma contínua para o conjunto das empresas analisadas. Os sinais de recuperação, nesse caso, encontram-se concentrados em certos setores da indústria (ver anexo).
O Gráfico acima demonstra que após a redução abrupta dos investimentos das empresas industriais em 2014, tem havido certa reversão. O que chama atenção é que o acréscimo dos investimentos ocorre em um grupo pequeno de atividades, tais como Mineração, Material Aeronáutico, Têxtil, Eletroeletrônicos e Bebidas. Para a maioria das empresas analisadas fora destes setores, a taxa de investimento tem apresentado grandes oscilações e mantido um patamar modesto em relação a 2010. O desempenho dos investimentos de certa forma reforça a ideia de que para além da indústria extrativa, poucas atividades demonstraram sinal de uma melhora significativa.
A estratégia das empresas não financeiras para enfrentar este quadro de perda de rentabilidade operacional, redução das margens de lucro e elevado grau de endividamento foi conservar recursos líquidos. Ao longo dos anos em tela, as disponibilidades de caixa e aplicações financeiras somadas sempre permaneceram próximas de 10% na composição dos ativos. Em 2016, este percentual recuou um pouco, para a faixa de 9,4% no total das empresas. Já no conjunto de empresas industriais (exceto Petrobras e Vale), o nível é superior, na marca de 14,5%, e percebe-se manutenção deste patamar em 2016. As empresas também procuraram se voltar para os seus negócios principais e diminuíram os investimentos em controladas ou coligadas. Isto ficou bastante evidente no agregado de empresas industriais (exceto Petrobras e Vale). Estes investimentos que representaram neste conjunto de companhias, 3,9% dos seus ativos, em 2013, caíram para 3,1%, em 2016.
Resultados do 1º trimestre de 2017
No primeiro trimestre de 2017, as grandes empresas não financeiras de capital aberto deram continuidade ao ajuste do desequilíbrio financeiro presente nos seus balanços patrimoniais e demonstrativos de resultados. Embora não tenha havido grandes alterações nas tendências já apontadas para o ano de 2016, o início de 2017 revela que o ajuste do setor privado vem adquirindo maior consistência.
Ainda que o cenário de crise persista, as empresas industriais detiveram a tendência de queda persistente das margens de lucro dos últimos anos. O cenário demonstra que o esforço de melhorar o perfil dos passivos, associado a alguma recuperação da demanda, possibilitou que os efeitos do crescimento da fragilidade financeira não se convertessem em uma crise generalizada do setor produtivo. Ainda que o endividamento tenha se encontre em um nível alto para padrões brasileiros, ao menos parou de crescer a partir de 2016. Além disso, a capacidade de gerar recursos internos nas empresas para honrar os compromissos financeiros também apresentou melhora.
Os indicadores econômicos que confirmam este quadro um pouco mais benigno foram compilados dos balanços patrimoniais e demonstrativos de resultados para o primeiro trimestre de 2017, tomando como base a mesma amostra de empresas não financeiras cujos dados de 2016 foram analisados anteriormente. Para o total das empresas da amostra, a margem líquida de lucro no primeiro trimestre de 2017 mais que dobrou em relação ao primeiro trimestre de 2016 passando de 2,8% para 7,2%. O grau de endividamento líquido, neste período, seguiu a tendência observada na comparação anual de 2016, registrando declínio para 99,7, com o que voltou ao patamar – elevado, diga-se de passagem – do início de 2015.
A recuperação da margem líquida no primeiro trimestre de 2017 se deu com a continuação das tendências observadas em 2016, porém a principal diferença em relação aos resultados do ano fechado de 2016 foi a expansão da lucratividade operacional. A geração de caixa via crescimento da margem operacional para quitar os encargos financeiros, medida pela relação entre o Ebtida e as despesas financeiras, dobrou de 0,7 para 1,5 entre os primeiros trimestres de 2016 e de 2017, ampliando-se também em relação à média de 2016 (0,9). Este fator foi a principal causa para a recuperação da margem líquida de lucro para o total de empresas da amostra.
Para este conjunto, a margem operacional calculada pela relação entre o Ebtida e a receita líquida subiu de 10,3% para 16,3% entre os primeiros trimestres de 2016 e de 2017 e praticamente recuperou o patamar observado do início de 2012. Parte desta alta deveu-se ao crescimento das margens brutas de 27,1% para 30,7% neste período. Estes ganhos se concentraram nas empresas do setor extrativo – especialmente na Petrobras e na Vale, no contexto de recuperação dos preços das commodities – e no setor de serviços.
Cabe destacar que apesar de terem conseguido diminuir o seu grau de endividamento e melhorado as suas margens operacionais, a Petrobras e a Vale ainda se encontram constrangidas pelo peso de suas despesas financeiras, que atingiram no primeiro trimestre de 2017 o montante de R$ 13,5 bilhões. Desse modo, a relação entre as despesas financeiras líquidas e a receita operacional para o total da indústria subiu de 4,3% para 5,4%.
O desempenho das empresas não financeiras industriais (exceto a Petrobras e a Vale) seguiu as tendências do agregado, porém com algumas diferenças como já havia sido detectado na análise anual até 2016, a saber:
• Entre os primeiros trimestres de 2016 e 2017, a margem líquida de lucro subiu de 3,1% para 4,6% sendo que esta recuperação foi menos intensa na comparação com o resultado do total da amostra.
• Em relação à lucratividade operacional, notam-se no núcleo da indústria também comportamentos com diferentes intensidades. A margem operacional do primeiro trimestre de 2017 alcançou 8,5%, abaixo da média da amostra total de empresas, e permaneceu estável em relação ao mesmo trimestre de 2016 indicando a possibilidade de interrupção da trajetória de quedas consecutivas observadas deste 2013 no fechamento anual das demonstrações de resultados.
Ainda que a margem operacional no conjunto de empresas industriais, excluídas a Petrobras e a Vale, tenha permanecido no mesmo patamar, em alguns setores, que registraram quedas no primeiro trimestre de 2016, nota-se recuperação na lucratividade operacional nos primeiros três meses de 2017. Estes são os casos das empresas dos setores de siderurgia, têxtil, vestuário, calçados, higiene e limpeza e máquinas e equipamentos. Outros setores importantes, como química, autopeças, alimentos, bebidas, papel e celulose e material de transporte mantiveram, entretanto, a tendência de queda, o que acabou contribuindo para que no agregado a lucratividade operacional tenha se mantido constante. Neste sentido, a manutenção do patamar da lucratividade operacional significou também uma alteração dos setores com melhores e piores desempenhos, provavelmente provocada pela alteração dos preços de alguns insumos frente a outros e/ou pela evolução setorial da demanda interna e externa (ver anexo).
Apesar da melhora sensível da margem de lucro líquida (excluídas Vale e Petrobras), nota-se no gráfico abaixo certa estabilização do endividamento entre 2016 e 2017, embora tenha ocorrido pequena redução no seu nível. O que chama atenção no processo de redução do endividamento é que ele vem sendo acompanhado por uma mudança do perfil da dívida. O total de financiamentos de curto prazo que no primeiro trimestre de 2014 chegou a representar cerca de 32,5% do total de financiamentos de longo prazo, alcançou no primeiro trimestre de 2016 aproximadamente 40,9%, recuando um pouco para 38,3% no primeiro trimestre de 2017.
A tentativa de reduzir a exposição financeira das empresas ao longo de 2016 foi acompanhada por um aumento da participação dos financiamentos de curto prazo em relação ao financiamento de longo prazo. Em 2017 esta tendência parece ter se revertido sendo que, em termos nominais, houve pequena queda do total de financiamento de curto prazo para o núcleo da indústria (excluídas Vale e Petrobras) em relação ao primeiro trimestre de 2016, de R$ 89 bilhões para R$ 84 bilhões.
Este dado sugere de que as condições financeiras das empresas estão relativamente melhores no começo de 2017 em comparação à situação do primeiro trimestre de 2016, inclusive em relação às disponibilidades de caixa. Entre o primeiro trimestre de 2016 e o mesmo período de 2017, o montante de ativos líquidos (aplicações financeiras e caixa disponível) como proporção do ativo total subiu de 13,1% para 15,0%.
O processo de renegociação das dívidas e a continuidade da valorização cambial no primeiro trimestre de 2017 afetaram positivamente o indicador de fragilidade financeira, que mede a relação entre os lucros operacionais (Ebtida) a e as despesas financeiras. Entre os primeiros trimestres de 2016 e 2017, este indicador para o conjunto das indústrias (exceto a Petrobras e a Vale) passou de 0,7 para 1,2, mas ainda permaneceu abaixo no patamar de 2012 (1,9). Isto demonstra que o esforço de recuperar o equilíbrio financeiro das empresas industriais vem produzindo resultados, porém o ritmo de melhora é muito lento.
Por outro lado, a recuperação dos preços das commodities já repercute na recuperação dos indicadores de rentabilidades líquida e operacional das empresas da indústria extrativa. Como esse conjunto de empresas possui especial protagonismo e encadeamento dos investimentos de grande volume no Brasil, a possibilidade de disseminação dos efeitos positivos do crescimento desses setores pode, no médio prazo, significar uma maior capacidade de recuperação para o restante da indústria brasileira.
Quando considerados os resultados da Petrobras e da Vale, a margem operacional apresenta uma recuperação significativa, de 10,3% no primeiro trimestre de 2016 para 16,3% no começo de 2017, contra uma tendência de estagnação da indústria como um todo. A questão central é que possivelmente apenas um ambiente de crescimento econômico terá condições para transformar a melhoria dos resultados dos setores agropecuários e extrativos em efeitos de encadeamento para o total da indústria, caso contrário, o aumento dos preços das commodities pode significar maior pressão de custos e redução da margem de lucro bruta.
Outro fator que provavelmente contribuiu para a recuperação do lucro líquido foi o peso das variações cambiais sobre os fluxos de caixa. A apreciação cambial ao longo de 2016 resultou em menores despesas relativas à flutuação da taxa de câmbio, contribuindo também para melhorar o desempenho do conjunto de empresas analisadas. No total, as perdas relativas à taxa de câmbio recuaram de 3,3% no primeiro trimestre de 2016 para 2,3% das receitas no primeiro trimestre de 2017 para as empresas industriais (excluídas Vale e Petrobras).
Esse quadro demonstra que, embora a recuperação mais consistente da atividade econômica é o que deverá produzir uma efetiva redução do nível de endividamento, as empresas encontravam-se, no primeiro trimestre de 2017, de modo geral, em uma situação financeira menos desconfortável que no início do ano passado. Entretanto, os dados do começo do ano de 2017 ainda apontam as dificuldades impostas pelo ambiente de estagnação econômica. Ademais, a elevação dos preços de algumas commodities pode significar, no curto e no médio prazo, uma pressão de custos e, consequentemente, uma redução da rentabilidade de alguns setores industriais.
Considerações finais
O desempenho das empresas indica que o setor privado buscou ao longo de 2016 e início de 2017 reduzir a sua exposição financeira, mitigando os prejuízos provocados pelos serviços das dívidas. Cabe ressaltar que as empresas sofreram impacto financeiro positivo - da apreciação do real e da estabilização da taxa de juros em 2016 - sobre o estoque das dívidas em moeda estrangeira e nos fluxos de pagamentos dos encargos financeiros. Apesar de o ajuste realizado ter produzido alguma folga na rentabilidade líquida no período, prosseguiu a tendência de queda da lucratividade das atividades operacionais em 2016, especialmente nas empresas industriais, em consonância com retração do mercado interno. Em 2017, com a melhora relativa do dinamismo econômico, as margens operacionais se recompuseram parcialmente.
Embora essa estratégia tenha efeitos positivos na confiança das empresas, a redução dos investimentos produtivos ainda compromete uma recuperação mais substancial da lucratividade operacional da indústria como um todo e, assim, a retomada da atividade econômica de forma sustentada. Enquanto houve alguma recuperação da margem líquida em grande parte dos setores industriais, a lucratividade operacional ainda apresenta retração para um conjunto vasto de setores importantes da indústria brasileira.
A conjuntura atual continua impondo dificuldades à recuperação do equilíbrio financeiro das empresas. O aumento dos investimentos, pelos menos até 2016, ainda vem se dando em um conjunto pequeno de setores e, por enquanto, com baixa capacidade de se converter em uma ampliação significativa da demanda em outros setores industriais, em especial aqueles relacionados à produção de insumos básicos e bens de capital. A exceção fica por conta das empresas da indústria extrativa, que devido à melhora dos preços internacionais em 2016, houve avanço em seus indicadores de desempenho, refletindo-se também em uma maior taxa de investimento.
A contar pelo que é verificado até o início de 2017, a estratégia que vem sendo seguida pelas empresas não financeiras é mais um elemento que indica uma lenta e gradual retomada do crescimento econômico, o qual dependerá justamente da capacidade das empresas em permanecer reduzindo a sua fragilidade financeira. Seria de grande valia que a atual trajetória de redução da taxa básica de juros (Selic) alcançasse mais rapidamente os juros dos empréstimos, e que houvesse alguma restauração da disposição de o sistema bancário privado e público retomar as concessões para as empresas, pavimentando de modo mais efetivo a retomada dos investimentos produtivos.