Carta IEDI
Uma consolidação gradual
No início do segundo semestre, surgiram indicações adicionais de que, embora lentamente, está se consolidando um processo de reativação da atividade econômica. A maior parte desses sinais veio da indústria, mas o resultado do comércio varejista também não foi de todo mal. Ao que parece, são as atividades de serviços que enfrentam os maiores obstáculos para retomar o crescimento.
Como ressaltamos em outras oportunidades, a recuperação econômica é um processo de várias dimensões e não apenas a obtenção de um ou outro resultado positivo. Um quadro consistente de recuperação envolve, por exemplo, a obtenção de uma sequência de altas, em níveis relativamente robustos e, de preferência, contando com alguma aceleração. Também são muito bem-vindos graus cada vez maiores de disseminação, em termos setoriais, bem como regionais.
Em julho deste ano, alguns desses critérios já podiam ser vistos no caso da indústria. Seu resultado foi de +0,8% frente a junho, com ajuste sazonal, e de +2,5% frente a julho de 2016, o que, em ambas as comparações, estão dentre as maiores variações positivas do ano. A sequência de alta já atinge quatro meses na série com ajuste sazonal e três meses na comparação interanual.
É este o resultado que alavancou o índice IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do crescimento do PIB, no mês de julho. Frente ao mês imediatamente anterior e já descontados os efeitos sazonais, o indicador registrou variação de +0,41%, depois de um mês de junho também no positivo (+0,55%).
O crescimento industrial também se mostrou relativamente disseminado, tanto do ponto de vista setorial, como do ponto de vista regional. Na série com ajuste, registraram alta em julho todos os macrossetores da indústria, 14 dos 24 ramos pesquisados pelo IBGE, assim como metade das localidades. Já na comparação interanual, além dos quatro macrossetores, foram 17 dos 26 ramos e 11 das 15 localidades com resultados positivos.
O principal aspecto negativo do desempenho da indústria é que não existe sinal de aceleração do crescimento recente, fazendo com que o resultado no acumulado dos sete meses de 2017 seja ainda muito fraco – apenas +0,8%. Este é um elemento que não deve ser ignorado, sobretudo, porque a primeira metade do ano concentrou diversos efeitos favoráveis de caráter relativamente pontual, como a excelente safra agrícola e a liberação dos recursos do FGTS.
Tais fatores se associaram a outros mais duradouros, como a melhora relativa das condições de crédito às famílias, a expressiva desaceleração da inflação e a redução dos juros, de modo a favorecer não apenas a indústria, mas também o comércio varejista. Por isso, a despeito do crescimento nulo das vendas reais do varejo na passagem de junho para julho de 2017, parece se consolidar uma mudança de rota também neste setor.
Em seu conceito restrito, o varejo vinha crescendo por três meses consecutivos até a estabilidade em julho. Ante o mesmo período do ano anterior, o saldo é um pouco melhor: quatro meses de alta em aceleração – chegou a +3,1% ante jul/16. Em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e materiais de construção, julho foi um mês de resultado positivo, tanto na série com ajuste (+0,2%) como na comparação interanual (+5,7%).
Os segmentos do varejo com as trajetórias mais favoráveis em 2017 compreendem tecidos, vestuário e calçados (+15,5% ante jul/16), móveis e eletrodomésticos (+12,7%), equipamentos de escritório, informática e comunicação (+11,6%) e material de construção (+11,0%). O resultado do setor como um todo só não foi melhor devido a um de seus principais segmentos, o de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, que vem mostrando um desempenho fraco e em desaceleração.
O setor em que a recuperação parece mais distante é o de serviços. No máximo, o que os serviços conseguiram em 2017 foi parar de aprofundar suas perdas. Neste caso, a segunda metade do ano começou no negativo: -0,8% na comparação com junho, já descontados os efeitos sazonais, e -3,2% frente a julho de 2016.
A grande maioria dos segmentos deste setor não tem apresentado sinais claros de reação; alguns, inclusive, estão em uma situação pior em 2017 do que em 2016, como os serviços profissionais, administrativos e complementares, que são prestados às empresas. As únicas exceções têm sido os serviços prestados às famílias (+1,5% ante jul/16) e os de transportes e correios (+3,0%).
As performances divergentes entre indústria, comércio e serviços e a necessidade de se compensar a perda de força de fatores positivos, porém pontuais que estiveram em operação na primeira metade do ano sugerem alguma cautela frente aos primeiros indícios de recuperação da economia. Nesta etapa inicial, há uma boa dose de fragilidade, isto é, do risco de recaídas adicionais.
Indústria
A indústria iniciou bem o segundo semestre deste ano. O crescimento da indústria geral foi de 0,8% frente a junho, com ajuste sazonal, e de 2,5% frente a julho de 2016. Estes resultados, em ambas as comparações, estão dentre as maiores variações positivas do ano. A despeito disso, seu dinamismo ainda pode ser considerado baixo, como evidencia o crescimento acumulado nos primeiros sete meses do ano, de apenas 0,8%.
O crescimento de julho também se mostrou relativamente disseminado, tanto do ponto de vista setorial, como do ponto de vista regional. Na série com ajuste, registraram crescimento em julho todos os macrossetores da indústria, 14 dos 24 ramos pesquisados pelo IBGE, assim como metade das localidades. Já na comparação interanual, além dos quatro macrossetores, foram 17 dos 26 ramos e 11 das 15 localidades com resultados positivos.
Dentre os macrossetores, os melhores desempenhos vêm sendo obtidos por bens de consumo duráveis e bens de capital. Isso cabe tanto aos resultados na margem, como na comparação interanual: +2,7% e +8,1%, respectivamente, para bens de consumo duráveis e +1,9% e +8,7% para bens de capital, em julho último.
Bens de consumo semi e não duráveis também conseguiram obter uma expansão expressiva na série com ajuste sazonal, de +2,0% frente a junho, e nada desprezível em relação ao mesmo período do ano anterior: +4,2%. A maior contribuição positiva para esta evolução veio do ramo alimentício, especialmente da produção de açúcar cristal e concentrado de suco de laranja, muito provavelmente sob influência do bom resultado da safra agrícola deste ano.
Quem menos tem avançado é a produção de bens intermediários que, em julho, cresceu apenas 0,9% frente a junho, já descontados os efeitos sazonais, e 0,6% em relação ao mesmo período do ano passado. Neste caso, houve perda de dinamismo nos dois últimos meses de que temos notícias.
Além da disseminação de resultados positivos do ponto de vista regional, que é, sem dúvida, mais um aspecto bastante favorável do quadro da indústria neste começo de segundo semestre, há também outros fatores que reforçam a percepção de que a reação industrial vai aos poucos se consolidando.
O principal fator a ser destacado é que São Paulo, o maior e mais moderno parque industrial do país, parece ter entrado em uma trajetória mais firme de crescimento, depois de uma etapa de acentuada oscilação entre resultados positivos e negativos no primeiro quadrimestre de 2017. Ao que tudo indica, a indústria paulista, que vinha jogando contra o desempenho industrial do país como um todo, começa a jogar a favor.
Já há quatro meses a indústria de São Paulo registra taxas positivas na série com ajuste sazonal: +1,2% em abril, +2,6% em maio, +1,1% em junho e +1,7% em julho, sempre em relação ao mês imediatamente anterior.
Na comparação interanual, por sua vez, a trajetória da indústria paulista também passou a mostrar bons sinais. Após um declínio acentuado em abril (-8,9% ante abr/16), altas foram obtidas sucessivamente: +4,2% em mai/17; +3,1% em jun/17 e +4,0% agora em julho. Cabe ainda ressaltar que nestes dois últimos meses, o crescimento de São Paulo superou a média do Brasil, algo que não ocorria até então.
Outro fator positivo que merece ser mencionado é o desempenho do Nordeste, que até pouco tempo atrás não dava sinais de reação. O resultado de +3,6% de julho deste ano frente a julho de 2016 foi a melhor marca desde jun/15 nesta comparação e sugere uma mudança relevante de trajetória.
A indústria da região, que caia sistematicamente pelo menos desde jun/16, pode estar entrando em uma trajetória em que altas e quedas se intercalam: +2,0% em maio, -4,8% em junho e +3,6% em julho, sempre em relação a igual período do ano anterior. Poderia ser melhor, mas claramente se trata de um avanço.
Nota-se também que o Nordeste não está sozinho nesta mudança de trajetória. Santa Catarina também entrou em uma etapa de oscilação acentuada. A questão desfavorável aqui é que a indústria catarinense vinha de uma sucessão de resultados positivos entre dez/16 e mar/17, na comparação interanual.
Para as demais localidades pesquisadas pelo IBGE o quadro é de atenção, já que na maioria delas há sinais de desaceleração, quando consideradas as variações frente a igual período do ano anterior. Este é o caso, por exemplo, das indústrias de Minas Gerais (+2,6%, +2,8% e +1,1% entre maio e julho), Paraná (+9,1%, +1,3% e +2,8%, respectivamente) e Rio Grande do Sul (+7,3%, +1,1% e +0,7%).
Em alguns casos, o mês de julho significou o retorno ao vermelho, como no Amazonas: +0,2% em maio, +0,2% em junho e -0,9% em julho, em relação aos mesmos meses de 2016. No Rio de Janeiro a situação é ainda pior, por apresentar forte desaceleração depois da alta de 7,1% em mar/17. Em junho sua produção industrial caiu -0,3% e agora em julho, -5,0%, devido, sobretudo, a coque e derivados de petróleo, metalurgia e veículos.
Comércio
O crescimento nulo das vendas reais do comércio varejista na passagem de junho para julho de 2017, já descontados os efeitos sazonais, é um exemplo do baixo dinamismo que vem marcando o desempenho da economia. Mesmo assim, o varejo parece consolidar uma mudança de rota.
Em seu conceito restrito, a estabilidade de julho foi precedida por três meses consecutivos de crescimento nas vendas reais, ainda que em baixo patamar. Frente ao mesmo período do ano anterior, o saldo é um pouco melhor: quatro meses de alta em aceleração – chegou a +3,1% ante jul/16.
Em seu conceito ampliado, que inclui as vendas de veículos, autopeças e materiais de construção, julho foi um mês de resultado positivo, tanto na série com ajuste (+0,2%) como na comparação interanual (+5,7%). Quanto à sua trajetória, houve alguma oscilação na margem devido a retrações em março e maio, mas os demais meses foram de crescimento. Na comparação interanual, por sua vez, já são três meses de altas consideráveis.
Na origem desta mudança de rota encontram-se dois destacados fatores. Em primeiro lugar, a moderação da inflação, que vem assegurando um aumento real da massa de salários em 2017. Em segundo lugar, a liberação dos recursos do FGTS, que significou uma injeção de gasto autônomo na economia bem como ajudou as famílias no abatimento de dívidas antigas.
O quadro geral do varejo só não foi melhor porque um de seus principais segmentos, o de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, vem mostrando um desempenho fraco e em desaceleração. Isso é percebido na comparação interanual (0%; +0,8% e +0,3%; entre maio e julho de 2017) ou na série com ajuste sazonal (+1,3%, +1,1%, -0,3% e +0,7% entre abril e julho).
Os segmentos do varejo com as trajetórias mais favoráveis em 2017, isto é, para quem os resultados positivos têm predominado ao longo do ano, compreendem sobretudo produtos duráveis e semiduráveis, cujas compras envolvem, em maior ou menor medida, algum financiamento. Por isso, além da menor inflação e dos recursos do FGTS, a melhora das condições de crédito às famílias também tem sido importante para reativar o comércio.
Juntos, esses fatores vêm permitindo efetivar o consumo reprimido e alavancar as vendas de segmentos do varejo, tais como tecidos, vestuário e calçados (+15,5% ante jul/16), móveis e eletrodomésticos (+12,7%), equipamentos de escritório, informática e comunicação (+11,6%) e material de construção (+11,0%). Em todos eles, o nível de crescimento já atinge dois dígitos (com a ajuda de bases muito baixas de comparação) na comparação interanual.
Vale mencionar que em algum destes casos, o desempenho de julho frente ao mês anterior livre dos efeitos sazonais sugere uma desaceleração, a exemplo de tecidos, vestuário e calçados (+0,3%) e móveis e eletrodomésticos (0%), podendo ser um primeiro sinal de que o impacto positivo dos recursos do FGTS perdeu força. Se este for o caso, a situação do crédito às famílias deverá melhorar ainda mais para que não haja uma deterioração nestes segmentos do varejo.
Outros segmentos apresentam um dinamismo menos expressivo, mas já se encontram no terreno positivo, como veículos (+6,5% ante jul/16) e outros artigos de uso pessoal (+4,0%), que incluem as lojas de departamento. Em oposição, quem tem mostrado muita oscilação e pouca evidência de trilhar um percurso de recuperação são as vendas de livros, jornais e papelaria, artigos farmacêuticos, ortopédicos e de perfumaria e combustíveis e lubrificantes. Aqui, a mudança de rota demorará um pouco mais, ao que parece.
Serviços
Enquanto a indústria e o varejo vão consolidando seus processos de recuperação, embora em um ritmo ainda fraco, o setor de serviços não tem tido o mesmo sucesso em virar a página da crise. À exceção de alguns poucos segmentos, como veremos a frente, os dados divulgados pelo IBGE não mostram melhora. No máximo, o que os serviços conseguiram em 2017 foi parar de aprofundar suas perdas.
A segunda metade do ano começou no negativo. O faturamento real do total do setor encolheu 0,8% na comparação com junho, já descontados os efeitos sazonais, interrompendo uma sequência de três altas sucessivas. Frente a julho de 2016, o resultado foi de -3,2%, um patamar de declínio mais acentuado do que nos dois meses anteriores.
Diante dessas trajetórias, a queda no acumulado dos sete meses de 2017 chegou a 4%. Ou seja, o quadro geral não fica muito longe daquele de 2016, quando a perda de faturamento real dos serviços chegou a -5,0% no ano como um todo.
Apenas um ou talvez dois segmentos dos serviços se salvam desse quadro geral. A recuperação parece mais consistente no caso dos serviços prestados às famílias, cujo faturamento vem crescendo há três meses na comparação interanual (+1,6%, +4,1% e +1,5%, entre maio e julho) e a quatro meses na série com ajuste sazonal (+0,2%, +0,8%, +1,1% e +0,9% entre abril e julho). Neste último caso, verifica-se ainda uma certa aceleração.
Os dados mostram que o desempenho dos serviços prestados às famílias no acumulado do ano aproxima-se cada vez mais do terreno positivo. Por ora, contudo, o acumulado até julho registra queda de 1,5%, mas este é um patamar sensivelmente diferente do resultado de -4,4% de 2016 como um todo. O principal responsável por este comportamento, por sua vez, tem sido o componente de serviços de alojamento e alimentação (-0,7% no acumulado até jul/17).
Outro segmento onde há sinais de recuperação é o de transportes e correios. São três meses de crescimento na comparação interanual (+4,4%, +2,1% e +3,0% entre maio e julho), enquanto no acumulado de janeiro a julho de 2017 já se encontra em uma virtual estabilidade (-0,2% ante igual acumulado de 2016). Na série com ajuste sazonal, a trajetória também seria positiva (+0,6%, 0% e +1,0% entre abril e junho), não fosse a retração de julho (-0,9% ante jun/17).
As principais contribuições positivas em transportes e correios vem de serviços de armazenagem, auxiliares e correios e transporte aquaviário, ambos com alta expressiva no acumulado do ano (+6,0% e +9,6%, respectivamente). O segmento de transporte terrestre, a despeito de uma trajetória menos consistente, vem reduzindo de forma importante suas perdas (-2,0% no acumulado jan-jul/17 contra -10,4% em 2016 como um todo).
Como cabe notar, o melhor desempenho desses dois segmentos - serviços prestados às famílias e transportes e correios – responde, de um lado, à melhora da renda pessoal em função da baixa inflação vivida pelo país nos últimos meses, o que reforça o orçamento familiar; de outro, acompanha o maior nível de atividade e o boom agrícola, o que amplia a demanda por serviços de transporte e armazenagem.
Em compensação, praticamente todos os demais segmentos de serviços não tem apresentado sinais claros de reação; alguns, inclusive, estão em uma situação pior em 2017 do que em 2016, como os serviços profissionais, adm., e complementares (-8,5% em jan-jul/17 contra -5,6% em 2016) e o segmento de outros serviços (-10,3% contra -2,8%), que inclui um conjunto amplo de atividades (imobiliárias, financeiras, de assistência técnica etc). As atividades turísticas também não estão reagindo (-6,2% contra -2,6%).
Em todos estes casos, as trajetórias constituídas pelos resultados mês após mês tampouco são muito promissoras. Isso também se aplica aos serviços de informação e comunicação, que embora tenham registrado certa moderação no acumulado de 2017 (-2,0% contra -3,3% em 2016 como um todo), possui trajetórias marcadas predominantemente por quedas, tanto na série com ajuste como na comparação interanual. Não fossem algumas altas pontuais no começo do ano, 2017 poderia estar tão ruim quanto 2016.