Carta IEDI
O quadro das empresas no primeiro semestre de 2017: o ajuste interrompido
A desaceleração da economia na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017, como mostraram os dados do PIB (de +1,0% para +0,2%, com ajuste sazonal), não ocorreu sem consequências negativas sobre o quadro econômico-financeiro das empresas.
As informações contábeis de 339 empresas não financeiras de capital aberto de diferentes setores econômicos foram analisadas pelo IEDI. Esta Carta apresenta as principais tendências nos primeiros seis meses de 2017.
Em síntese, o período de maio a junho não trouxe boas notícias. O quadro de recuperação da lucratividade, estabilização do nível de endividamento e alívio nas despesas financeiras que vigorou no primeiro trimestre do ano não se sustentou no segundo trimestre. Neste período, houve retração da margem de lucro líquida e aumento do grau de endividamento das empresas, em um contexto de significativa deterioração do resultado financeiro líquido.
Além da perda de dinamismo entre maio e junho, outros fatores contribuíram para essa piora relativa da situação patrimonial das empresas, sobretudo a volatilidade e depreciação da taxa de câmbio, ou ajudaram pouco, como o repasse muito lento para os juros cobrados nos empréstimos da queda da taxa básica de juros (Selic), promovida pelo Banco Central. Cabe ressaltar ainda que além de caro o crédito para as empresas continua muito escasso.
Para a maior parte das empresas, o lucro operacional, que havia apresentado uma tímida recuperação no primeiro trimestre, bastante concentrada em setores ligados às commodities, voltou a cair no segundo trimestre de 2017. A margem operacional para o total da amostra de empresas recuou de 16,1% para 14,7% no período.
Já o lucro líquido, em função da expansão das despesas financeiras líquidas, registrou retração ainda mais expressiva, condicionando, para o total das empresas da amostra, um declínio da margem líquida de 7,0% no primeiro trimestre de 2017 para 4,3% no agregado da primeira metade do ano.
Outro indicador a apontar um movimento descendente foram as receitas financeiras brutas. Dentre os fatores explicativos, encontram-se menores rendimentos das aplicações financeiras e, no caso das grandes empresas, a redução também dos juros dos empréstimos realizados a outras empresas, além de descontos a fornecedores e mesmo variações monetárias referentes aos ganhos/perdas com a taxa de câmbio.
A evolução desfavorável dos indicadores para o total da amostra de empresas também se verifica se considerarmos apenas aquelas do setor industrial.
Na indústria (exceto Petrobras e Vale), o lucro operacional permaneceu praticamente estagnado no segundo trimestre de 2017, fazendo com que a margem operacional da primeira metade (8,6%) do ano ficasse no mesmo patamar daquela do mesmo período de 2016 (8,5%). Em outros termos, não se viu avanços do lado operacional.
Para a margem líquida de lucro, o segundo trimestre de 2017 representou uma piora ainda mais substancial, levando o resultado de 4,9% janeiro a março para 3,0% no primeiro semestre do ano como um todo. Este patamar é inferior, inclusive, à do primeiro semestre de 2016 (3,7%).
O grau de endividamento líquido, por sua vez, apresentou elevação em maio-junho. Com isso, a marca de 93,1% no primeiro trimestre de 2017 avançou para 96,6% no total dos seis primeiros meses de 2017. Este movimento foi acompanhado de elevação das despesas financeiras.
O indicador que mede a capacidade das empresas de honrar tais despesas (Ebtida/despesa financeira), embora tenha permanecido acima de 1 (o que implica plenas condições de cobrir essas despesas), recuou, no caso da indústria (exceto Petrobras e Vale), de 1,2 no primeiro trimestre de 2017 para 1,1 no total da primeira metade do ano.
Indicadores de lucratividade
O IEDI compilou os balanços patrimoniais e as demonstrações de resultados trimestrais de 339 empresas não financeiras de capital aberto para 2016 e 2017. Para que a amostra pudesse ser a maior possível, optou-se por utilizar as informações acumuladas, trimestre a trimestre, ao longo do ano. O segundo trimestre de 2017 é, assim, analisado a partir dos resultados agregados nos primeiros seis meses do ano.
As empresas foram classificadas em 42 setores econômicos e reagrupadas em quatro macrossetores: Indústria, Comércio, Serviços e Agropecuária. Para separar a influências das companhias “gigantes” dos segmentos petróleo, mineração e de energia elétrica, foram criados três subconjuntos dentro dos macrossetores: (i) Indústria sem Petrobras; (ii) Indústria sem Petrobras e Vale e (iii) Serviços sem energia elétrica. Para a agregação do total das empresas também excluímos a Petrobras, Vale e a Eletrobrás para conseguir isolar o peso destas empresas nos resultados do total das empresas.
As informações coletadas até o primeiro trimestre de 2017 mostraram certo alívio na “saúde financeira” das grandes empresas do conjunto da amostra pesquisada. Alguns indicadores ilustram essa evolução:
• As margens líquidas e operacionais (Ebitda) subiram na comparação com o mesmo período de 2016;
• O grau de endividamento apresentou trajetória descendente, e;
• O indicador que mede a capacidade de honrar as despesas financeiras (Ebtida/despesa financeira) subiu para o patamar de 1,4 nos três primeiros meses de 2017 evoluindo de um nível extremamente baixo (0,3) em 2015, quando apenas 30% destes dispêndios foram cobertos pelo lucro operacional.
O segundo trimestre de 2017 é marcado pela reversão de algumas tendências de recuperação que vinham se apresentando desde final do ano passado. A recuperação, que parecia tímida e com pouca sustentação pelo lado operacional, demonstrou baixa capacidade de ganhar maior fôlego. O resultado financeiro, por sua vez, contribuiu significativamente para a queda dos resultados líquidos das empresas analisadas.
A lucratividade líquida auferida pelo total da amostra de empresas não financeiras no segundo trimestre de 2017 desacelerou a trajetória que vinha se desenhando nos primeiros três meses do ano. Com isso, a margem líquida de lucro, que havia atingido 7,0% no 1º trim/17, recuou para 4,3% no acumulado do 1º semestre. Este patamar é, inclusive, inferior àquele observado no mesmo período de 2016 (5,2%).
Quanto ao volume de lucro líquido, a evolução foi semelhante, isto é, o segundo trimestre do ano puxou o resultado para baixo. Para o total das 339 empresas não financeiras de capital aberto, o volume de lucro líquido no primeiro semestre de 2017 (R$ 37,4 bilhões) registrou queda nominal de 22,3% - equivalente a R$ 10,7 bilhões a menos – em relação ao mesmo período do ano anterior. Vale lembrar que no primeiro trimestre de 2017, o lucro líquido havia crescido R$ 17,7 bilhões na mesma base de comparação. A evolução recente demonstra, então, uma expressiva redução da capacidade de gerar lucro após as despesas financeiras e variações cambiais nos meses de abril a junho.
A margem de lucro operacional também não passou ilesa pelo segundo trimestre do ano. Medida pela relação Ebtida/Receita Líquida, atingiu o patamar de 14,7% no acumulado para os primeiros seis meses de 2017 para o total da amostra; isso porque tinha sido de 16,1% se considerarmos apenas o primeiro trimestre de 2017 (+5,5 p.p. ante igual período do ano anterior).
Em termos de volume de lucro operacional, o total para o conjunto de empresas da amostra chegou a R$ 128,0 bilhões com crescimento de 6,1% frente ao 1º semestre de 2016. Todavia, se excluirmos as “gigantes” Petrobras, Vale e Eletrobrás, o lucro operacional obtido pelas demais empresas (R$ 74,4 bilhões) caiu 5,1% ante os primeiros seis meses de 2016.
As causas dessa deterioração dos indicadores de rentabilidade na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2017 estão associadas à fraca evolução da atividade econômica no período. Exemplo disso, foi a produção física da indústria, que praticamente permaneceu estagnada (+0,2%) em relação ao mesmo período de 2016. Este quadro pode ter dificultado a ampliação da escala de produção das empresas, restringindo os ganhos advindos do esforço de redução de custos operacionais.
Certas condições macroeconômicas vigentes nos três primeiros meses do ano, como o real valorizado em relação ao dólar (cerca de 20% em relação ao mesmo período de 2016) e a redução da taxa de juros, haviam garantido espaço de recuperação da rentabilidade, mas sofreram alteração e impactaram a lucratividade das grandes empresas no segundo trimestre.
Os juros mantiveram a tendência de desaceleração – as taxas com recursos livres para pessoa jurídica caíram de 27,5% para 24,8% entre o 1º e o 2º trimestre de 2017 –, porém não foram suficientes para compensar os efeitos negativos da desvalorização cambial observada no período (cerca de 6,0%, entre 03/04/2017 e 30/06/2017).
Como as empresas não financeiras assumiram compromissos externos com dívidas, sofreram os efeitos da volatilidade cambial, apesar dos esforços de proteção (hedge). Neste contexto, o ajuste cambial das dívidas se materializa no acréscimo dos custos financeiros e nos efeitos das variações monetárias e cambiais no fluxo de recursos das empresas.
Despesas financeiras líquidas
No primeiro semestre de 2017, as despesas financeiras líquidas do total de empresas da amostra (R$ 67,9 bilhões) subiram 79% em relação ao mesmo período do ano anterior, impactando negativamente o lucro líquido do período. Acoplado a este movimento, nota-se que o peso das variações monetárias e cambiais no fluxo de recursos das empresas também subiu. Seu montante em relação à receita operacional passou de 3,4% para 6,6%, entre os primeiros semestres de 2016 e 2017 para o total da amostra.
Os efeitos das variações cambiais sobre as receitas foram expressivos para a grande maioria dos setores analisados. Pelos valores apresentados nos balanços trimestrais pode-se concluir que o câmbio contribuiu para a piora do resultado líquido das grandes empresas.
Também foi importante na composição do resultado do 2º trimestre a queda significativa da receita financeira bruta quando comparada ao ano anterior. A receita financeira acumulada nos primeiros seis meses em 2017 representou apenas 40% do valor de igual período de 2016.
Isto significou uma redução da ordem de R$ 52 bilhões de receitas financeiras brutas nos primeiros seis meses de 2017, produzindo, consequentemente, uma despesa financeira líquida superior neste período. Destaca-se que os setores de maior intensidade de capital – mineração, papel e celulose, energia elétrica, entre outros – foram os que apresentaram maiores reduções nas receitas financeiras.
Embora as despesas financeiras brutas no segundo trimestre de 2017 para a maioria das empresas tenham ficado em um patamar inferior ao do mesmo período de 2016, alguns setores não viram a mesma evolução. Este foi particularmente o caso de alimentos, papel e celulose, telecomunicações, transporte ferroviário e petróleo e gás.
A queda das receitas financeiras pode refletir uma série de fatores. Embora boa parte das receitas financeiras no total seja relacionada aos rendimentos provenientes de aplicações financeiras, no caso das grandes empresas, as receitas financeiras também incorporam os juros dos empréstimos realizados a outras empresas, desconto de fornecedores e mesmo variações monetárias referentes aos ganhos com a taxa de câmbio.
Nesse sentido, a queda das receitas financeiras tanto pode refletir os efeitos do câmbio, como pode representar fatores também relacionados à inadimplência ao longo das cadeias produtivas. Dependendo da evolução do comportamento do resultado financeiro das empresas, a deterioração atual do equilíbrio financeiro pode representar mais um desdobramento do processo de fragilização financeira iniciado em 2015.
O patamar de despesa financeira bruta no primeiro semestre de 2017 permaneceu abaixo do registrado no mesmo período de 2016, sugerindo que a piora do indicador que mede a capacidade de honrar os juros e amortizações das dívidas (Ebtida/despesa financeira), que passou de 1,4 para 1,2 entre o 1º e 2º trimestres de 2017, não teve implicações tão negativas.
Neste contexto, os lucros operacionais permaneceram cobrindo a totalidade dos custos financeiros demonstrando que, embora tenha havido constrangimento nas margens de lucro, a fragilidade financeira das grandes empresas não se igualou aos acontecimentos observados em 2015.
Endividamento
O endividamento e o perfil da dívida das empresas, que haviam apresentado melhoras no primeiro trimestre do ano, voltaram a se deteriorar no segundo trimestre. Para o total da amostra, o indicador de endividamento líquido subiu de 103,4% para 105,8% do primeiro trimestre para o primeiro semestre de 2017 como um todo. O total da dívida bancária no acumulado dos seis primeiros meses de 2017 alcançou o montante de R$ 1,5 trilhão, representando uma alta de R$ 28,7 bilhões em relação ao mesmo período de 2016. Deste total de acréscimo, 89% foram de empréstimos de curto prazo.
Além do crescimento das dívidas e do aumento da participação do endividamento bancário de curto prazo, que via de regra é mais oneroso, outros fatores tiveram impactos negativos ainda mais expressivos nos resultados financeiros. É notadamente o caso da alta volatilidade da taxa de câmbio no estoque da dívida e da queda das receitas financeira brutas.
As empresas industriais
As tendências assinaladas acima são confirmadas para o agregado das empresas industriais (excluídas a Petrobras e a Vale). Nota-se, no primeiro semestre de 2017, um recuo da margem líquida de lucro, para a faixa de 3,0%. Este patamar é inferior ao registrado no mesmo período de 2016 (3,7%). A margem operacional (8,6%) também apresentou declínio no período, mas permaneceu próxima ao registrado no 1º semestre de 2016.
Já a cobertura das despesas financeiras pelo lucro operacional foi outro indicador a regredir no caso das companhias industriais. Devido ao desempenho do segundo trimestre, a marca de 1,2 registrada nos primeiros três meses do ano caiu para 1,1 quando considerado o primeiro semestre de 2017 como um todo. O grau de endividamento líquido, por sua vez, subiu, passando de 93,1% no 1º trimestre de 2017 para 96,6% no acumulado do primeiro semestre de 2017.
O que é importante destacar é a interrupção do ajuste das empresas. Tanto a queda da rentabilidade operacional como o aumento das despesas financeiras líquidas levaram a uma piora do equilíbrio econômico-financeiro das empresas. O principal fator de reversão, contudo, parece ter sido o aumento das despesas financeiras líquidas.
A questão central a ser observado é que a situação das empresas industriais na primeira metade de 2017 aproxima-se daquela do final de 2015, quando o peso das despesas financeiras acabou por criar um cenário de elevação generalizada do grau de endividamento. Nesse sentido, é importante lembrar que o grau elevado de endividamento das empresas pode desencadear uma ampliação dos processos de recuperação judicial, algo que, na verdade, já vem ocorrendo desde o ano passado.