Carta IEDI
Indústria 4.0: Políticas e estratégias nacionais face à nova revolução produtiva
Uma nova revolução produtiva já está em marcha no mundo, combinando transformações tecnológicas em um conjunto amplo de áreas, materializadas em três grandes dimensões: digitalização, novos materiais e novos processos. Diferentemente do que muitos imaginam, não é em um futuro longínquo que sentiremos os efeitos dessa revolução, mas em um horizonte muito mais curto. A OCDE estima que a maior parte dos impactos ocorrerá entre 10 e 15 anos. Ou seja, um novo mundo bate à nossa porta.
Esta Carta IEDI volta, assim, ao tema da Indústria 4.0 a partir da análise de dois trabalhos da OCDE. O primeiro trabalho, intitulado “A próxima revolução produtiva: questões-chave e propostas de políticas”, de autoria de Alistair Nolan, diretor da OCDE para Ciência, Inovação e Tecnologia, apresenta os conceitos e as tecnologias que estão fazendo emergir a indústria do futuro e enfatiza o esforço de política pública que os países desenvolvidos, mas também alguns emergentes, estão realizando para incentivar este processo, de modo a criar ou renovar suas vantagens competitivas.
O segundo trabalho, intitulado “Uma revisão internacional das prioridades e políticas emergentes de P&D industrial para a próxima revolução produtiva” e elaborado por Eoin O’Sullivan e Carlos López-Gómez, ambos do Institute for Manufacturing da Universidade de Cambridge, analisa com maiores detalhes as políticas governamentais relativas a pesquisa, desenvolvimento e inovação industrial em países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, China, além do Reino Unido.
Os conceitos de Indústria 4.0 ou Manufatura Avançada derivam de um agudo processo de digitalização da produção, tendo por base tecnologias como a impressão em 3D (cujas projeções apontam para um crescimento de mercado de 20% a.a. até 2020), robótica avançada e internet das coisas (IoT). Destacam-se também a incorporação de novos materiais, sobretudo, a partir dos avanços na biotecnologia e na nanotecnologia, e de novos processos construídos a partir da utilização de Inteligência Artificial e da gestão baseada na análise crítica de uma enorme quantidade de dados (Big Data).
Um aspecto importante destacado pela OCDE é que seus países, que estão entre os mais desenvolvidos e industrializados do mundo, não estão assistindo de braços cruzados o surgimento dessa nova revolução produtiva. Ao contrário, têm direcionado esforços para fomentar o desenvolvimento das tecnologias que estão no centro da revolução, de forma a aumentar a produtividade e a competitividade internacional de sua estrutura produtiva e, assim, viabilizar o crescimento de longo prazo de suas economias.
Segundo Eoin O’Sullivan e Carlos López-Gómez, três grandes temas têm recebido crescente atenção nas estratégias de governos e de agências governamentais:
• Convergência, entendida de maneira ampla como a integração entre áreas de pesquisa, tecnologias e sistemas, já que as inovações da revolução produtiva que se avizinha são marcadas por elevada complexidade e por um conjunto de conhecimentos e capacidades multidisciplinares;
• Escala e amadurecimento de novas tecnologias (scale-up), que compreendem desde o surgimento de uma inovação, criação de protótipos, realização de testes-piloto e estudos de viabilidade econômica para sua introdução no mercado até sua difusão, produção em massa e consolidação de uma cadeia de valor;
• Captura de valor pelos sistemas industriais nacionais a partir da inovação industrial, particularmente em economias de salários elevados – o que faz deste ponto uma nítida preocupação dos países da OCDE.
Ainda que estes temas se manifestem de formas variadas nas respostas de política dos diferentes países, o trabalho da OCDE identifica as seguintes tendências principais nas atuais políticas de apoio à pesquisa e desenvolvimento e à inovação:
• Escopo ampliado da missão de inovação dos institutos de P&D industrial, de modo a incluir atividades inovadoras para além de pesquisa tecnológica básica;
• Maior ênfase em parcerias de pesquisa em busca de sinergias entre os diversos atores do sistema de inovação e produção;
• Crescente atenção para novas infraestruturas de inovação industrial que combinem ferramentas, equipamentos e tecnologias adequados para efetuar P&D industrial diante da escala e dos níveis de complexidade cada vez maiores exigidos pelo novo modelo de produção.
Neste sentido, os policy makers de grandes economias mundiais, ao adotarem estratégias de P&D industrial voltadas à revolução produtiva, não estão apenas priorizando setores tecnológicos específicos, mas também procurando implementar programas e instituições que garantam o desenvolvimento e a aplicação dos resultados de pesquisa tecnológica em sistemas industriais cada vez mais complexos.
Por essa razão, países como o Brasil devem assumir uma postura ativa de modo a não ficar para trás nas transformações que já estão em processo. A fim de se manterem competitivos, a OCDE sugere que as políticas públicas em economias emergentes devam também incentivar a absorção das novas tecnologias em seus parques produtivos como forma de complementar os demais diferenciais de custos locais, como os baixos salários.
Vale lembrar, entretanto, que quanto mais complexas as tecnologias, mais a capacidade de absorção depende fundamentalmente do desenvolvimento de capacitações prévias – dentro das firmas e na estrutura de capital humano disponível – e do esforço contínuo em atividades de P&D. É neste sentido que não há tempo a se perder, ainda mais para aqueles países que, como o Brasil, se distanciaram de muitas das fronteiras tecnológicas nas últimas décadas.
A nova revolução produtiva
Segundo a OCDE, em seu trabalho intitulado The next production revolution: key issues and policy proposals, de autoria de Alistair Nolan, diretor da OCDE para Ciência, Inovação e Tecnologia (estudo que faz parte de uma extensa publicação sobre o tema: The Next Production Revolution – Implications for Governments and Business), a nova revolução produtiva será resultado da combinação de um conjunto de tecnologias que afetará de maneira substancial as características da indústria mundial em um horizonte de 10 a 15 anos.
Em consequência, tais transformações influenciarão inúmeras outras dimensões da economia como emprego, distribuição de renda, produtividade, comércio internacional, cadeias globais de produção, habilidades e conhecimentos, bem-estar e meio ambiente.
As principais transformações viabilizadoras desta revolução estendem-se por um conjunto de tecnologias com caráter altamente transversal, ou seja, potencialmente presentes em um número elevado de etapas dos processos produtivos de diversos setores. São elas: inteligência artificial, impressão em 3D, robótica avançada, internet das coisas (IoT), big data, desenvolvimento de novos materiais, avanços na nanotecnologia, na biotecnologia e na manipulação genética, entre outros. Ou seja, a próxima revolução na produção concentra-se em um conjunto de áreas muito amplas, indo além, inclusive, daquelas relacionadas ao estabelecimento da Manufatura Avançada, ou Indústria 4.0.
Sendo assim, espera-se que a sinergia no desenvolvimento destas tecnologias e sua incorporação nas estruturas produtivas tenham impactos bastante positivos no incremento da produtividade. Uma vez que este é compreendido como o determinante de longo prazo do crescimento econômico, diversos países, principalmente os pertencentes à OCDE, destacam a centralidade do fomento à nova revolução produtiva como instrumento para a superação de seus desafios internos, dentre os quais a relativa estagnação econômica, a persistência de elevadas taxas desemprego e a redução sistemática da capacidade produtiva manufatureira, decorrente de seu deslocamento em direção aos países asiáticos.
Neste sentido, o relatório da OCDE apresenta vários estudos que mostram que a adoção destas novas tecnologias pode incrementar a produtividade de diversas maneiras como a redução de erros nos processos de produção e o aumento da eficiência nas atividades de montagem (via utilização de robôs industriais e de sistemas inteligentes), a otimização dos processos de design e de prototipagem (via digitalização), a maior eficiência nas decisões estratégicas (via utilização processos baseados em big data), entre outras. Nesta mesma linha, o relatório sugere uma redução de 18% dos custos industriais de empresas cujos processos utilizam internet das coisas (IoT).
Entretanto, a OCDE ressalta que são esperados impactos importantes na redução de empregos industriais em atividades passíveis de serem automatizadas, notadamente aquelas mais rotineiras e menos intensivas em inteligência criativa e social. Tal fato, por sua vez, poderia trazer novos desafios no que diz respeito à concentração de renda dado que a eliminação destas tarefas ocorreria em paralelo a um crescimento menos que proporcional de empregos em atividades de serviços de alto valor agregado.
Ilustrando tal preocupação o relatório cita que nos EUA apenas 0,5% dos trabalhadores encontram-se atualmente alocados em setores baseados em tecnologias criadas nos anos 2000. Ou seja, apesar dos esperados efeitos positivos de longo prazo da nova revolução produtiva o período de ajustamento traz desafios também com relação a seus impactos no mercado de trabalho, principalmente para empregos de salário de nível médio.
O trabalho da OCDE também descreve as principais características das tecnologias que envolvem a nova revolução produtiva e ilustra alguns de seus atuais avanços. Na área de digitalização, por exemplo, mostra que o Big Data (termo que se refere à geração de volume substancial de dados por meio de processos estruturados e não estruturados, dados estes que são acessados, processados e analisados em grande velocidade) combinado com as estratégias de armazenamento, gestão e utilização de ferramentas de TI nas nuvens (cloud computing) e as estratégias de sensorização de utensílios e integração destes à internet (internet das coisas, IoT) pode transformar os processos de gestão, produção e distribuição industriais, entre outros.
Estas transformações seriam potencializadas a partir da sinergia destas tecnologias com os avanços em inteligência artificial – que permitiria, entre outros avanços, o aprendizado das máquinas de acordo com as contingências dos processos produtivos e decisórios –, a robotização e a utilização de impressão em 3D.
A revolução se complementaria, prossegue o relatório, na medida em que os avanços em biotecnologia e nanotecnologia permitissem a criação de novos materiais. Ao serem em geral mais resistentes, mais leves, com propriedades que seriam adaptáveis aos produtos e processos nos quais se inserem, os novos materiais tornariam possível uma infinidade de reconfigurações de produtos e processos. Apenas como ilustração dos efeitos (ainda bastante iniciais) da nova revolução na produção, a OCDE cita dentre muitas outras possibilidades:
• A substituição de semicondutores de silício por outros substratos, permitindo assim incrementar exponencialmente a capacidade de processamento dos utensílios eletrônicos e o desenvolvimento de novas e mais poderosas soluções de software.
• A redefinição das escalas de produção necessárias para o estabelecimento de uma unidade produtiva comercialmente viável em determinados setores a partir da introdução de técnicas de manufatura baseadas em impressão em 3D.
• O desenvolvimento de novos materiais capazes de potencializar a capacidade de armazenamento das baterias (transformação fundamental para os setores de eletrônica, equipamentos elétricos e automobilística).
• A utilização de utensílios em nano escala para diagnósticos e terapias médicas.
• A viabilização comercial de bio-refinarias, capazes de transformar biomassa em produtos comercializáveis (alimentos, produtos químicos etc) e energia (combustíveis, energia, calor).
Não obstante a grande potencialidade de impactos positivos, como os listados anteriormente, a consolidação da nova revolução produtiva exige esforços importantes de políticas públicas que fomentem um ambiente de aprendizado cooperativo entre governo, empresas, universidades e institutos de pesquisa.
De maneira geral estas políticas deverão contemplar os seguintes objetivos:
• Incentivar esforços de P&D multidisciplinares de longo prazo em um ambiente colaborativo entre empresas, universidades e institutos de pesquisa.
• Impulsionar a formação de recursos humanos qualificados principalmente em áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
• Estabelecer marcos regulatórios adequados à segurança dos diversos agentes do sistema (consumidores, desenvolvedores de tecnologias, empresas), seja com relação ao acesso às informações quanto ao retorno dos investimentos.
• Utilizar incentivos e o poder de compra pública para fomentar a difusão das tecnologias em áreas com retornos sociais maiores que retornos privados (como aquelas voltadas à bioeconomia, por exemplo).
As ações de políticas públicas diante da nova revolução produtiva
A partir da percepção dos desafios colocados pela revolução produtiva em gestação, diversos países têm organizado iniciativas a fim de incrementarem sua competitividade.
De maneira geral os países da OCDE têm se defrontado com problemas internos associados ao baixo crescimento econômico, à redução da competitividade das empresas locais perante concorrentes em outras partes do globo (principalmente asiáticas), taxas de desemprego persistentes e redução sistemática dos empregos manufatureiros. Como resultado destes desafios, em alguns destes países, principalmente nos EUA, tem-se observado um aumento da concentração de renda em prol de ocupações relacionadas a serviços de alta intensidade tecnológica em detrimento das tradicionais ocupações rotineiras de chão de fábrica.
Além dos importantes impactos sociais deste problema, a transferência das atividades produtivas para o exterior tem sido compreendida cada vez mais nestes países como um dos fatores para o baixo crescimento da renda e do investimento.
É em reação a este quadro que surgiram iniciativas como a Plattform Industrie 4.0 da Alemanha, a Japan´s Robot Strategy, o Manufacturing USA, entre outros. Apesar de suas especificidades, de maneira geral todas estas iniciativas têm como objetivo central incrementar a competitividade local em um cenário de revolução produtiva.
Neste sentido, as políticas públicas alemãs têm como driver principal de ação promover a digitalização, incorporando sistemas embarcados em máquinas e equipamentos de modo a criar fábricas inteligentes. De maneira similar, as políticas públicas japonesas têm como eixos centrais da transformação industrial a robotização e a incorporação da inteligência artificial nos processos.
Também merece destaque a iniciativa dos EUA de estabelecer uma extensa rede de 14 institutos de manufatura avançada financiados primordialmente pelos Departamentos de Defesa (8 institutos) e de Estado (5 institutos).
Neste último caso, os referidos institutos recebem individualmente e apenas do Governo Federal recursos entre US$ 70 milhões e US$ 120 milhões para um horizonte de atuação de cinco anos. Esses repasses são condicionados a contrapartidas de empresas, universidades e entidades governamentais estaduais que totalizam, no mínimo, montantes de igual valor daqueles repassados pelo Governo Federal.
Desse modo, conseguem atuar em um amplo leque de tecnologias essenciais para a viabilização da nova revolução produtiva, como aquelas relacionadas à digitalização, à manufatura em 3D, à robotização, à utilização de tecnologias redutoras de emissões, etc. A partir da busca de interação entre empresas, governo e universidades, tais institutos têm o objetivo de serem os vetores do desenvolvimento e da adoção de um conjunto de tecnologias que são vistas como responsáveis por reafirmar a competitividade industrial americana no mundo.
As políticas em economias emergentes
Em paralelo a estas iniciativas de países desenvolvidos, o relatório da OCDE também destaca as diretrizes da política pública chinesa no sentido de garantir a sustentabilidade de sua competitividade industrial em escala global. Por meio de um esforço de planejamento estratégico do qual fazem parte importantes programas como o Made in China 2025 e o Internet Plus estruturam-se um conjunto de ações que se estendem em áreas com o forte incentivo à robotização, ao avanço no desenvolvimento da internet das coisas (IoT), entre outras.
Com relação à primeira área, potencializada por programas como Robots Replace Humans a China já se tornou, em 2013, o maior mercado mundial para robôs industriais, com a expectativa de ter atingido 428 mil unidades destes em operação em 2017. Com relação à área de internet das coisas (bem como cloud computing e big data), vislumbram-se inúmeros avanços tecnológicos em diversos programas desenvolvidos pelas três gigantes chinesas do setor de tecnologia de informação e comunicação: Baidu, Alibaba e Tencent.
Esses esforços, por sua vez, têm como objetivo preparar a estrutura produtiva chinesa para transitar de uma inserção nas redes globais baseada na produção a baixo custo para uma outra inserção alicerçada em atividades de alto valor agregado. O motivo disso é que se espera que setores nos quais a China apresenta elevada competitividade global, como em equipamentos eletrônicos e elétricos, por exemplo, sejam completamente transformados pela revolução produtiva em curso.
Adicionalmente, com o avanço nas técnicas de manufatura avançada em atividades rotineiras, admite-se que as vantagens de custo associadas a baixos salários sejam cada vez menos importantes para determinar a localização da manufatura.
Entretanto, a OCDE destaca que, apesar destes esforços por parte da China, a incorporação das transformações tecnológicas em curso nas estruturas produtivas domésticas traz importantes desafios para os países em desenvolvimento. Esses desafios referem-se fundamentalmente à baixa capacidade de absorção das tecnologias complexas por parte de agentes locais devido aos seguintes aspectos:
• À dificuldade de se financiar investimentos que viabilizem a incorporação destas tecnologias a um parque manufatureiro já estabelecido.
• À debilidade das infraestruturas de TIC e de energia elétrica disponíveis. E
• À menor disponibilidade de capital humano apto a utilizar e desenvolver tais tecnologias.
Eis aqui, então, áreas centrais em que a adoção de políticas públicas pode e deve se concentrar para que a nova revolução produtiva também seja uma realidade em países emergentes, com todas as suas potencialidades na promoção da produtividade e da competitividade de suas estruturas produtivas, notadamente de seus parques industriais.
Estratégias e Políticas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação face à nova revolução produtiva
A projeção em âmbito mundial do debate sobre a nova revolução produtiva tem levado a distintas estratégias e políticas governamentais de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovação industrial para fazer frente aos desafios e oportunidades postos no contexto de maior complexidade tecnológica da manufatura moderna.
Este é o tema do capítulo intitulado “Uma revisão internacional das prioridades e políticas emergentes de P&D industrial para a próxima revolução produtiva”, de autoria de Eoin O’Sullivan e Carlos López-Gómez, publicado no relatório The Next Production Revolution: Implications for Governments and Business, em 2017, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O conjunto de tecnologias potencialmente transformadoras da manufatura na chamada nova revolução produtiva é amplo e seus efeitos ainda incertos. Porém, há razoável consenso internacional sobre algumas das principais tecnologias que devem liderar esse processo de transformação industrial. Tais tecnologias incluem: biomanufatura, nanomanufatura, tecnologia de informação e comunicação industrial avançada, materiais avançados e novas tecnologias de produção (a exemplo da impressão 3D).
Neste contexto, estabelecer prioridades nos programas e iniciativas de pesquisa governamentais ainda é desafiador, devido ao elevado grau de convergência das tecnologias e à crescente complexidade dos sistemas industriais modernos. As áreas de pesquisa industrial são intrinsecamente multidisciplinares, isto é, exigem uma combinação de conhecimentos de diversas disciplinas, como física, química, biologia e engenharia, muitas vezes ainda fragmentados. Além disso, as descobertas científicas e tecnológicas apresentam um potencial de aplicação e de alteração da dinâmica competitiva não somente dentro de uma indústria em particular, como também entre os diversos setores econômicos.
Isso demanda das políticas de governo uma perspectiva ampliada da integração entre áreas de conhecimento para geração de novas tecnologias, bem como para compreensão de seus efeitos, múltiplos e complexos, sobre o sistema econômico. A revisão de relatórios governamentais realizada pelos autores indica que as prioridades de pesquisa industrial variam nos diferentes países e em suas agências nacionais de fomento a P&D, refletindo suas distintas prioridades e capacidades científicas e industriais.
As diretrizes acerca da manufatura avançada nos Estados Unidos, por exemplo, frequentemente enfatizam a importância dos sistemas de tecnologia de informação industriais ou das novas tecnologias baseadas em avanços científicos. Biotecnologia e materiais avançados são algumas das áreas em destaque. Existem áreas também de interesse no âmbito dos Institutos de Inovação Industrial, do Departamento de Defesa e do Departamento de Energia americanos que conformam uma tentativa de coordenação federal.
No Reino Unido, por sua vez, os esforços se concentram em tecnologias de produto (como eletrônica, robótica, fotônica e energia); materiais; gerenciamento e operacionalização de cadeias de fornecimento; tecnologias habilitantes (como Big Data, autonomização e “Internet das Coisas”); tecnologias de produção (como impressão 3D e outros avanços produtivos); e integração e engenharia dos sistemas (com crescente interface homem-máquina, simulações e modelagem).
No Japão, documentos governamentais têm destacado a integração entre robótica avançada e inteligência artificial, identificando oportunidades estratégicas em um mundo com crescente participação de robôs na era da “Internet das Coisas”. As prioridades de P&D industrial compreendem manufatura e design otimizados, materiais inovadores e moldes 3D, além de modelagem inovadora complexa, tecnologia de máquinas inteligentes e P&D direcionada.
Já no caso da China, a estratégia do plano nacional Made in China 2025, largamente influenciado pela iniciativa alemã da Indústria 4.0, consiste em estabelecer dez áreas tecnológicas prioritárias que promovam maior eficiência energética, proteção ambiental e utilização de recursos. As áreas incluem: a nova geração de tecnologia da informação; máquinas e robôs computadorizados de ponta; espaço e aviação; equipamentos marítimos e navios de alta tecnologia; transporte ferroviário avançado; veículos baseados em novas fontes de energia; equipamentos de energia; máquinas agrícolas; novos materiais; e instrumentos médicos e biofarmacêuticos de alta tecnologia.
Principais temáticas em P&D&I industrial
São três os temas comuns que moldam as políticas nacionais de P&D em um contexto de sistemas industriais modernos crescentemente complexos: (1) a convergência de áreas de pesquisa, tecnologias e sistemas; (2) a escala e amadurecimento de novas tecnologias (scale-up); e (3) a captura de valor e produção em economias de salários elevados.
O termo convergência tem recebido particular atenção nas estratégias e políticas de pesquisa e inovação industrial. Refere-se, usualmente, a uma variedade de elementos, como convergência de áreas de pesquisa, convergência de tecnologias e convergência de sistemas. Um dos principais exemplos de convergência consiste na integração entre sistemas ciber-físicos (software, sensores e sistemas de medida e controle integrados) e a “Internet das Coisas” para operações de produção, configurando sistemas industriais inteligentes coordenados via Internet ao longo de toda a cadeia de valor, o que possibilita rápido desenvolvimento de novos produtos, maior eficiência logística e produtos e serviços mais customizados.
O termo scale-up também abrange múltiplas dimensões dos processos de desenvolvimento e comercialização de novas tecnologias. São, ao menos, quatro dimensões em que o conceito pode ser empregado: (1) desenvolvimento tecnológico; (2) produção e processo; (3) modelo de negócios; e (4) cadeia de valor. De modo geral, o processo de scale-up pode ser entendido como a transformação de uma inovação em um mercado diante de riscos e custos elevados, isto é, um amplo processo de amadurecimento e ganho de escala de uma inovação, desde sua concepção, desenvolvimento e implementação até sua produção em larga escala, com mercados e cadeias de valor integradas que a inovação possa originar ou transformar. Trata-se de traduzir o conhecimento e as inovações gerados em laboratório referentes às novas tecnologias (como materiais avançados, biotecnologia e nanotecnologia) em possíveis aplicações comerciais avançadas de produto e processo industrial.
Outra temática importante nos relatórios governamentais acerca da nova revolução produtiva refere-se à identificação nos sistemas industriais modernos de elementos com potencial de capturar parcela significativa do valor criado ao longo do processo produtivo pela economia doméstica. Essa preocupação é particularmente destacada em países da OCDE, em que se discutem características dos sistemas e tecnologias de produção necessárias à manutenção competitiva da manufatura em economias de salários elevados. A redução do tempo de produção e o aumento de produtividade que as novas tecnologias devem ensejar tornam possíveis que parte dos processos produtivos de elevado valor agregado seja mantida em algumas dessas economias, a exemplo da Alemanha.
Logo, os sistemas industriais em que as novas tecnologias têm sido desenvolvidas e aplicadas envolvem múltiplas interdependências entre atividades, firmas, tecnologias, componentes e subsistemas em permanente interação para gerar produtos e serviços. Tal fato dificulta delimitar as fronteiras da manufatura e amplia o escopo da inovação industrial. Torna-se cada vez mais necessário que as firmas se adaptem a sistemas de produção flexíveis capazes de suprir uma demanda global crescente por produtos manufaturados customizados. Paralelamente, os formuladores de política precisam implementar programas e iniciativas que não apenas aproveitem as oportunidades de alto valor agregado geradas pela convergência de tecnologias e sistemas, mas que também garantam o amadurecimento de resultados de pesquisa e a aplicação e captura de valor das inovações nos sistemas industriais domésticos.
Respostas de política de P&D&I à nova revolução produtiva
Destacam-se algumas tendências no desenho de programas, instituições e iniciativas nacionais para lidar com os desafios de P&D industrial. Tais tendências incluem: (1) o escopo ampliado da missão de inovação, a fim de incluir atividades inovadoras para além de pesquisa tecnológica básica; (2) a ênfase em novas parcerias e encadeamentos de pesquisa em busca de sinergias entre os diversos atores e partícipes do sistema de inovação e produção; e (3) a crescente atenção às novas infraestruturas de inovação que assegurem a combinação necessária de ferramentas, equipamentos e tecnologias diante da complexidade envolvida na nova revolução produtiva.
Essas tendências se manifestam de distintas formas e graus nas estratégias e iniciativas de política voltadas à P&D industrial implementadas por diferentes países. Muitas dessas estratégias e iniciativas incluem programas e instituições cujas funções não se limitam à pesquisa básica, mas que apresentam um escopo ampliado de atividades relacionadas à missão de inovação, como desenvolvimento de capacitações avançadas, acesso a equipamentos e aconselhamento especializados (particularmente, no caso de pequenas e médias empresas), bem como provisão de bancos de ensaio para novos produtos e processos produtivos. Tais funções são oferecidas por algumas instituições dos Estados Unidos e do Reino Unido com vistas ao desenvolvimento industrial.
Além disso, observa-se uma ênfase crescente dos programas governamentais de P&D industrial no estabelecimento de parcerias e maior integração entre os diversos atores dos sistemas industriais, para além das parcerias público-privadas bastante enfatizadas nos últimos anos. Reconhece-se que, dada a escala e a complexidade dos desafios de inovação para a nova revolução produtiva, é necessária uma rede de conhecimentos formada por contribuições de partícipes diversos, não apenas engenheiros de produção e pesquisadores industriais, mas também designers, fornecedores, técnicos do chão de fábrica, usuários, entre outros. Os desafios de inovação que se apresentam exigem um mix de tecnologias e capacidades, que pode ser obtido a partir de uma perspectiva colaborativa e interdisciplinar de pesquisa que integre áreas de pesquisa, os diversos agentes do processo de inovação, e também universidades, centros especializados, laboratórios e demais institutos de pesquisa e tecnologia. Esforços conjuntos dessa natureza podem ser verificados, por exemplo, em iniciativas no Japão, no Reino Unido e na Alemanha.
Particular atenção também tem sido dada no âmbito dos programas governamentais de P&D industrial às novas infraestruturas de inovação, ou seja, às combinações de ferramentas, equipamentos e tecnologias que permitam lidar com os desafios e as oportunidades apresentadas pelas temáticas de convergência, desenvolvimento e comercialização das inovações nesta nova revolução produtiva. No Reino Unido, por exemplo, um dos esforços de política se concentra no fomento à pesquisa sobre tecnologias habilitantes. Tais tecnologias contribuem, por meio de medição avançada e em tempo real, bases de dados abertas, instrumentos de teste e simulação, na própria melhoria das ferramentas necessárias para que as novas tecnologias de materiais, biologia sintética e sistemas industriais inteligentes se desenvolvam. Esta também é uma preocupação da iniciativa “Fábricas do Futuro”, apoiada pela Comissão Europeia, que busca promover inovações e testes de implementação daquelas tecnologias que possibilitem às fábricas se adequarem à nova revolução produtiva.
Alguns estudos de caso sobre instituições, programas e iniciativas governamentais de P&D industrial implementados como resposta às tendências da nova revolução produtiva indicam a diversidade de contextos e de formas assumidas entre os países, cada qual fortemente condicionado pelo ambiente institucional doméstico. Destacam-se os seguintes estudos de caso:
• Cluster of Excellence Integrative Production Technology for High-wage Countries (na Alemanha): iniciativa com projetos de pesquisa cujo foco reside no potencial de integração de múltiplas tecnologias de produção em sistemas industriais híbridos que produzam bens customizados a custos próximos aos de produção em massa, manifestando a preocupação, bastante relevante no contexto alemão, em manter a liderança de tecnologia de produção em uma economia de salários elevados;
• High Value Manufacturing Catapult Centres (no Reino Unido): rede de centros de P&D aplicada com distintas, porém complementares, capacidades e equipamentos, a fim de promover pesquisa e inovação de forma colaborativa entre cientistas, engenheiros e industriais, além de conceder suporte técnico e treinamento especializado, dada a necessidade de parcerias e conhecimentos ampliados para lidar com os complexos desafios da nova revolução produtiva;
• Singapore Institute of Manufacturing Technology (SIMTech, em Cingapura): importante instituto de promoção de tecnologia industrial avançada e capital humano com vistas a ampliar a competitividade da indústria de Cingapura, ao colaborar com empresas de diversos setores de ponta no país, além de oferecer treinamentos especializados, serviços de apoio às empresas, especialmente às de menor porte, frente à adoção de novas tecnologias e estabelecer laboratórios de pesquisa conjuntos com universidades;
• Intelligent Technical Systems OstWestfalenLippe initiative (It’s OWL, na Alemanha): aliança entre mais de 170 empresas, universidades e institutos, financiada pelo programa de clusters de ponta do Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha e um dos pilares da chamada Indústria 4.0, com foco no desenvolvimento de sistemas tecnológicos inteligentes derivados da interação entre engenharia e tecnologia de informação, cujos impactos atingem tanto novos como também tradicionais setores industriais, além do oferecimento de programas de treinamento contínuos;
• Cross-Ministerial Strategic Innovation Promotion Program (no Japão): projeto nacional interministerial para ciência, tecnologia e inovação com o objetivo de revitalizar a economia e a sociedade japonesa, bem como ampliar a competitividade global das indústrias do país, a partir de diversas linhas de pesquisa industrial, a exemplo de tecnologias de produção e design inovadoras, que combinem os esforços de inovação dos distintos atores ao longo das cadeias de produção e resultem em aplicações práticas e comercialização das inovações;
• Pilot Lines for Key Enabling Technologies initiative (na União Europeia, incluindo casos da Suécia e de um consórcio liderado pela Bélgica): importante iniciativa para desenvolvimento de linhas-piloto que propiciem viabilidade econômica e comercial para inovações/protótipos baseados em tecnologias habilitantes em seis áreas-chave (micro e nanoeletrônica, nanotecnologia, biotecnologia industrial, materiais avançados, fotônica e tecnologias de produção avançadas), além de explorar a convergência tecnológica por meio de aplicações de tecnologias integradas.
Em suma, os temas de convergência de tecnologias e de sistemas, de escala, amadurecimento e comercialização de novas tecnologias, e de captura de valor pelas economias domésticas permeiam as tentativas de lidar com a nova revolução produtiva. Neste contexto, as políticas e estratégias nacionais de pesquisa industrial têm enfatizado, ainda que de diferentes maneiras entre os países, programas e instituições que adotem um escopo ampliado de funções de pesquisa e inovação, promovam maior integração entre os principais atores do sistema de inovação e ofereçam novos tipos de infraestruturas de inovação compatíveis com o nível de complexidade para o desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias.
Tais elementos apontam para o caráter sistêmico e multidisciplinar das inovações na nova revolução produtiva e a consequente necessidade do estabelecimento de prioridades por parte dos governos que considerem essa multiplicidade de conhecimentos, atores, interações e efeitos na formulação de políticas para inovação industrial. Isso também exige novas métricas e indicadores de desempenho para avaliação dos programas diante dos desafios cada vez mais complexos. Essas discussões tendem a se aprofundar, com particular atenção sendo dada ao papel do governo em apoiar a inovação por meio de P&D industrial.