Carta IEDI
Disparidades da recuperação
Ao longo de 2017, o processo recessivo da economia brasileira foi estancado e foram feitos os primeiros movimentos em direção à recuperação de uma das piores crises que o país passou. Novembro foi mais um mês em que todos os grandes setores da economia registraram crescimento.
O setor de serviços compensou a retração de outubro e cresceu 1%, já descontados os efeitos sazonais. O comércio varejista, por sua vez, impulsionado pelas promoções de novembro teve aumento das vendas reais de 0,7% (+2,5% no conceito ampliado), enquanto a produção industrial registou +0,2%, o terceiro resultado positivo consecutivo. Com isso, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, subiu 0,49% frente a outubro com ajuste.
Os avanços obtidos em 2017, contudo, foram modestos e o nível geral de atividade econômica continua muito deprimido. Setores mais dependentes da demanda interna, como o comércio varejista e os serviços, mas também a indústria, cujas exportações vêm dando uma contribuição importante para seu restabelecimento, continuam todos em níveis muito próximos do fundo do poço.
Mesmo a indústria, que apresentou uma das melhores evoluções no ano passado, operava, em novembro, em um patamar correspondente a outubro de 2015 – isto é, um período de crise intensa. A situação é semelhante no comércio varejista, tomado em seu conceito amplo (inclui automóveis, autopeças e materiais de construção), cujas vendas reais em nov/17 encontravam-se em patamar próximo ao de ago/15.
Para os serviços, entretanto, nem é caso de falarmos em recuperação. Enquanto no acumulado de 2017 até novembro, a indústria e o varejo acumularam alta de 2,3% e de 1,9% (+3,7% no conceito ampliado), respectivamente, o faturamento real do setor de serviços permaneceu em declínio, de 3,2%.
Além do nível de atividade relativamente baixo em que opera a economia, outro aspecto a marcar o ano de 2017 foi a disparidade, não só entre os grandes setores da economia, como visto anteriormente, mas também entre os diferentes ramos que os compõem. Por ora, a recuperação não é para todos e contempla uns mais do que outros.
Na indústria, todos os macrossetores apontaram crescimento no acumulado de 2017 até novembro, mas apenas os bens de consumo duráveis têm alguma chance de, pelo menos, compensar as perdas sofridas em 2016, em muito devido à reação da indústria automobilística. Entre os 26 ramos acompanhados pelo IBGE, 7 continuaram em crise no ano passado. Dos que conseguiram recuperar alguma coisa, 11 não chegaram a fazer frente sequer às perdas de 2016. Isto ocorreu somente em 5 ramos. Outros 3 já haviam saído do vermelho em 2016 e progrediram ainda mais em 2017.
Regionalmente, a evolução industrial também é cheia de contrastes. O desempenho de Paraná e Santa Catarina em 2017 já compensa o declínio de 2016. Rio de Janeiro e São Paulo não chegam a tanto, mas caminham nesta direção. Em contrapartida, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, depois de esboçar alguma reação, parecem ter descarrilhado na segunda metade do ano.
Já no varejo, enquanto as vendas de combustíveis e lubrificantes e de equipamentos de escritório, informática e comunicação ainda apresentam retração em jan-nov/17, o segmento de eletrodoméstico já conseguiu recompor parte das vendas perdidas na crise, mais do que compensando a queda de 2016 (+10,4% contra -5,0%). Este foi o único caso deste tipo, todos os demais segmentos ficaram no positivo, mas devem crescer menos do que caíram em 2016, inclusive material de construção e tecidos, vestuário e calçados, que tiveram uma boa evolução em 2017.
Nos serviços, onde a crise continua, apenas um segmento parece estar, de fato, em vias de recuperação: transporte, seus serviços auxiliares e correios (+2,0% em jan-nov/17), impulsionado pela supersafra agrícola, aumento das exportações e a melhora relativa do mercado interno. Outro segmento com sinais positivos, porém muito recentes, foi o de serviços prestados às famílias, em queda no acumulado do ano (-0,8%), mas com alta no trimestre findo em nov/17 (+2,1% frente a igual período de 2016). Os demais ramos permanecem no vermelho.
Indústria
A indústria teve um ano diferente em 2017. Depois de um longo período de quedas expressivas e reincidentes, o setor se levantou e recompôs parte da produção que havia perdido. Transcorridos onze meses, os dados divulgados hoje pelo IBGE já dão o tom para 2017 como um todo: o crescimento chegou 2,3% no acumulado até novembro. Apenas no mês de novembro, a alta foi de +0,2% frente a outubro, já descontados os efeitos sazonais, e de +4,7% ante nov/16.
Este é um resultado claramente favorável, ainda mais porque veio acompanhado de alta em todos os macrossetores da indústria, na maioria de seus ramos (19 de 26) bem como na maior parte das localidades (12 das 15) acompanhadas pelo IBGE. A despeito disso, a trajetória da indústria, pelo menos por ora, carece de certa dose de consistência, seja pela ausência de uma boa sequência de resultados positivos em muitos de seus ramos, seja pelo fato de que um crescimento mais forte contempla a produção de apenas alguns poucos bens.
Na série com ajuste sazonal, por exemplo, o macrossetor de bens de consumo semi e não duráveis, em 2017, registrou queda de produção em 7 dos 11 meses de que temos notícias; em contrapartida foram apenas 2 meses de resultado negativo no caso de bens de capital. Só na comparação de novembro contra outubro, dois macrossetores cresceram: bens de consumo duráveis (+2,5%) e bens intermediários (+1,4%), enquanto um deles ficou estável (bens de capital) e outro apontou retração (bens de consumo semi e não duráveis, com -1,6%).
Os dados do IBGE também mostram que o quadro é bastante assimétrico entre as diferentes indústrias regionais. Em novembro, o crescimento com ajuste sazonal da produção atingiu 8 das 14 localidades acompanhadas pelo IBGE. Ao longo de 2017, contudo, há casos de resultados positivos sistemáticos, como em São Paulo, com 8 dos 11 meses do ano em crescimento, mas há também quem não tem se saído bem. Estados como Rio Grande do Sul e Ceará registram avanço de produção em apenas 3 meses na série com ajuste.
Tomado o desempenho dos últimos anos e do que já conhecemos de 2017, as situações podem ser ainda mais díspares. Em alguns estados mal podemos falar que houve crise. Enquanto muitos amargavam perdas históricas, a indústria do Pará continuou crescendo entre 2014 e 2016, chegando a um resultado de nada menos que +10,5% no acumulado jan-nov/2017 ante igual período do ano anterior. Para o Mato Grosso, o pior ano foi 2016 devido a uma virtual estabilidade (apenas -0,1% ante 2015), revertida em expansão de 4,5% em 2017 até o mês de novembro.
Para aqueles que não escaparam de pesadas perdas nos últimos anos, 2017 também trouxe trajetórias distintas no que diz respeito tanto à sequência de meses de crescimento como à sua magnitude. Os melhores casos sob estes dois parâmetros cabem principalmente a estados do Sul e do Sudeste do país.
Mês após mês, Paraná e Santa Catarina ficaram no azul na maior parte do ano. Foram, respectivamente, 7 e 8 meses positivos entre janeiro e novembro de 2017, na série com ajuste sazonal. Além disso, na maioria das vezes que cresceram, cresceram a um ritmo satisfatório, isto é, acima de 0,5% frente ao mês anterior com ajuste sazonal. Com isso, devem terminar o ano pelo menos compensando as perdas que tiveram em 2016: Paraná caiu 4,4% em 2016 como um todo, mas em 2017 até novembro já avançou 4,8%; Santa Catarina, por sua vez, registrou -3,3% e +4,5% nos mesmos períodos.
A indústria de Goiás também seguiu o mesmo comportamento: apresentou uma boa sequência de crescimento, com 9 dos 11 meses de 2017 de alta na série com ajuste sazonal, sendo quase todos eles com relativa força. No acumulado do ano até novembro, 2017 já faz frente à queda de 2016 (+4,6% contra -4,7%, respectivamente).
São, contudo, os sinais de maior dinamismo em São Paulo, que possui uma indústria mais completa, que abrem a possibilidade de levar a uma recuperação industrial mais sólida para o país como um todo, já que suas relações intersetoriais favorecem o espraiamento do crescimento a outras localidades.
Ao longo dos últimos onze meses, a indústria paulista registrou declínio apenas três vezes na série com ajuste sazonal, embora o segundo semestre tenha tido desempenho mais volátil. Além de majoritários, os meses positivos geralmente atingiram um ritmo razoável de crescimento (a única exceção foi fev/17, com +0,2%). Em 2017, a produção já acumula alta de 3,0% até novembro, ainda não sendo capaz de compensar a perda de 2016 (-5,2%), mas está caminhando para isso (+6,5% no trimestre móvel findo em nov/17).
Junto com São Paulo está o Rio de Janeiro, cujo placar na série com ajuste foi de 7 meses de alta, sempre em um ritmo confortável, e de 4 meses de queda. Ademais, indústria carioca tem boas chances de ter compensado o declínio de 2016 (-4,1%) em 2017 (+3,9% até nov.).
Em contraste com todos esses casos, há quem não esteja se saindo muito bem. Minas Gerais e Rio Grande do Sul, depois de esboçar alguma reação na primeira metade do ano, parecem ter descarrilhado no segundo semestre: em ambos os casos praticamente só houve variações negativas na série com ajuste sazonal, exceto no mês de novembro (+2,4% e +1,4%). Devido a isso, 2017 deve ajudar pouco na redução das perdas da crise.
Nordeste e Amazonas, por sua vez, mostram certa hesitação, especialmente na segunda metade do ano, com resultados ora positivos ora negativos na série com ajuste sazonal. Para a indústria nordestina, 2017 continua significando declínio: -0,5% no acumulado até novembro; enquanto que para o Amazonas ficará longe de aplacar o retrocesso de 2016: -11,0% contra +3,2% em jan-nov/17.
Em boa medida devido à evolução destas localidades que não têm ido muito bem, a indústria brasileira como um todo ainda está longe de compensar as perdas de 2016, isto é, somente um dos anos de sua crise, que se revelou já em 2014. O desempenho no acumulado jan-nov/14, que, como vimos, foi de +2,3%, fica muito aquém da queda de 6,4% de 2016.
Comércio
Assim como a produção industrial, as vendas do comércio varejista voltaram a crescer em novembro. A reação veio com considerável força para os padrões de 2017, mas isso deve ter refletido uma boa dose de adiamento das compras dos meses anteriores à espera das promoções que ocorrem no mês de novembro.
Em seu conceito restrito, o varejo registou alta de 0,7% frente ao mês anterior, isto é, apenas o suficiente para compensar o declínio de suas vendas reais em outubro. Na verdade, não há nada de novo nisso, já que na série com ajuste sazonal, desde agosto, aquilo que o setor cresce em um mês só consegue anular a queda do mês anterior. Por essa razão, o nível de vendas em nov/17 encontra-se no mesmo patamar de jul/17.
O quadro é um pouco mais favorável para o varejo ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção. Suas vendas reais em novembro avançaram 2,5%, já descontados os efeitos sazonais, sobrepujando o declínio de outubro (-1,7% ante set/17) e restaurando o sinal positivo que vinha marcando seu desempenho desde o mês de junho.
Contribuíram para que o comércio retornasse ao crescimento em novembro justamente aqueles segmentos que costumam chamar mais atenção neste período de promoções. Foi o caso de móveis e eletrodomésticos (+6,1% ante out/17) e de outros artigos de uso pessoal e doméstico, que inclui lojas de departamento, (+8,0%), respondendo pelos melhores resultados na série com ajuste sazonal.
Outros segmentos também se saíram bem, como o de hipermercados, alimentos, bebidas e fumo (+0,8% ante out/17), que voltou a um patamar de crescimento próximo ao de setembro (+1,1% ante ago/17), e material de construção (+2,3% ante out/17). Com isso, no primeiro caso já são oito meses consecutivos de resultados favoráveis, a despeito da estabilidade de outubro. No segundo caso, a sequência de altas a partir de maio só foi momentaneamente interrompida em outubro.
O varejo vai, assim, saindo lentamente da crise. No acumulado de janeiro a novembro de 2017, que prenuncia o resultado anual, a expansão das vendas reais chegou a 1,9% (3,7% no conceito ampliado), mas isso não reflete inteiramente o nível de dinamismo presente. É preciso levar em conta que no último trimestre sobre o qual há informação, isto é, set-out-nov/17 a alta já é de 4,9% ante igual período do ano anterior (+8,5% no conceito ampliado).
Em 2017, contudo, a reativação das vendas do varejo ainda não configura inteiramente um processo de recuperação, mas decorre principalmente de avanços tópicos, ou seja, de melhoras concentradas em alguns meses, como em janeiro, em que pesaram mudanças metodológicas na pesquisa do IBGE, e no final do primeiro semestre – no mês de junho.
Ainda há um longo caminho pela frente para que o comércio volte ao nível de vendas anterior à crise, mas determinados segmentos, ao menos, vêm conseguindo compensar as quedas sofridas em 2016. Isso claramente não basta, mas já dá algum fôlego ao setor.
Três segmentos do varejo devem ter encerrado 2017 nesta situação: eletrodomésticos (-5,0% em 2016 e +10,4% em jan-nov/2017), artigos farmacêuticos, perfumaria e cosméticos (-2,1% e +2,0%, respectivamente) e material de construção (-10,7% e +9,2%). Em todos estes casos, o desempenho mais recente, captado pela variação interanual da média móvel finda em nov/17, aponta para um final de ano ainda melhor: +15%, +7,1% e +16,2%, respectivamente.
Alguns devem apenas chegar perto de um resultado que anule a retração de 2016, como tecidos, vestuário e calçados (-10,9% em 2016 e +7,7% em jan-nov/17), e outros estão despontando, com um trimestre findo em novembro muito mais favorável do que sugere o desempenho no acumulado de 2017, a exemplo de veículos, motos e autopeças (+2,4% em jan-nov/17 e +11,2% em set-nov/17); supermercados, alimentos, bebidas e fumo (+1,0% e +4,1%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (+2,6% e +7,2%, respectivamente).
Serviços
O setor de serviços até chegou a recuperar o fôlego em novembro, mas isso depois de quatro meses de declínio consecutivo. A bem da verdade, encontrar sinais de recuperação neste setor não tem sido uma tarefa fácil e se algum mês bom vem a ocorrer, geralmente se perde em meio a resultados desfavoráveis. Ao contrário da indústria e do comercio varejista, o setor de serviços ainda está em recessão.
A alta do faturamento real de 1% frente a outubro foi o primeiro resultado positivo do segundo semestre de 2017 na série com ajuste sazonal e foi acompanhada por todos os segmentos do setor. Apesar de relativamente substancial, este crescimento pode não se sustentar nos meses que seguem, dada a existência de trajetórias não muito consistentes em diversos segmentos.
Exemplificando: no caso dos serviços prestados às famílias, a série com ajuste sazonal tem sido marcada por resultados muito voláteis na segunda metade do ano. Já para os serviços profissionais, administrativos e complementares, desde jun/17, quando ocorre alguma variação positiva, ela é muito modesta, enquanto as quedas são intensas. O segmento de outros serviços, por sua vez, ficou praticamente estável no trimestre set-nov/17.
De modo geral, o setor de serviços tem tido grande dificuldade em evitar o terreno negativo. Frente ao mesmo período do ano anterior, completou em novembro último 32 meses seguidos de declínio. Com isso, 2017 terminará como seu terceiro ano de crise. No acumulado até novembro, a queda é de -3,2%, depois de ter atingido -5,0% em 2016 e -3,6% em 2015 como um todo.
Se a recuperação ainda não é uma realidade neste importante setor, que é o mais destacado empregador na economia, o ano de 2017 ao menos trouxe alguma moderação em suas perdas. Cabe observar, entretanto, que este resultado tem sido produzido por pouquíssimos segmentos, indicando o quão localizados são os sinais de melhora.
O único segmento a realmente mostrar um comportamento mais consistente de crescimento são os serviços de transporte, seus auxiliares e correios, puxados por seus componentes de transporte terrestre, aquaviário e de armazenagem. Na série com ajuste sazonal, as altas predominam em 7 dos 11 meses de que temos notícias. Na comparação interanual, seu faturamento cresce desde maio, com direito a aceleração. Assim, em jan-nov/17 acumula resultado de +2,0%, chegando a +6,1% no trimestre findo em novembro.
Além de certa reativação do nível de atividade econômica, foram importantes para essa performance superior dos serviços de transporte e afins, a supersafra agrícola de 2017 bem como o avanço das exportações brasileiras, tanto de bens primários como de bens manufaturados.
Outro segmento a dar sinais de reação, embora só mais recentemente, foi o de serviços prestados às famílias. Também foram 7 meses de alta na série com ajuste sazonal, ainda que quedas tenham voltado a ocorrer no segundo semestre. No acumulado de 2017, o quadro ainda é de declínio (-0,8%), porém cada vez menor. Considerado apenas o último trimestre, isto é, set-out-nov/17, já há crescimento de 2,1% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
A exemplo do setor de serviços como um todo, o segmento de informação e comunicação deve encerrar 2017 (-2,4% até nov/17) em uma situação menos complicada do que a de 2016 (-3,3%). Os dados do trimestre findo em novembro (-2,9%), contudo, sugerem que esse movimento perdeu força. Vale lembrar que a crise demorou a chegar para esses serviços, mas chegou e, ao que parece, não deve ser superada muito rapidamente.
Para quem a recuperação não passa de uma miragem no horizonte é o segmento de serviços profissionais, administrativos e complementares. Até nov/17, as perdas acumuladas chegavam a -7,7%, isto é, mais intensas do que aquelas de 2016 (-5,6%). Isso se deve ao agravamento da crise no segmento de serviços administrativos e complementares, correspondentes às atividades terceirizadas das empresas, sem que houvesse alívio em seu outro subsegmento, o de serviços técnicos-profissionais.
Por fim, a categoria de outros serviços, que inclui um conjunto amplo de atividades, tais como serviços financeiros, imobiliários, de reparos etc., encontra-se em um quadro mais negativo. Em 2017, a queda de seu faturamento real é cerca de três vezes mais intensa do que a de 2016 (-9,0% até nov/17 contra -2,8% em 2016 como um todo). Algo não muito diferente ocorre com o grupamento especial de atividades turísticas: -6,6% em jan-nov/17 contra -2,6% em jan-dez/16.