Carta IEDI
Indústria 4.0 – A iniciativa Made in China 2025
Em sequência aos estudos do IEDI a respeito da Indústria 4.0, este trabalho analisa o plano estratégico Made in China 2025, lançado pelo Conselho de Estado da China em maio de 2015. O leitor interessado no tema pode encontrar informações adicionais sobre a Indústria 4.0 e o que diferentes países estão fazendo para desenvolvê-la nas Cartas IEDI n. 797 “Indústria 4.0: Desafios e Oportunidades para o Brasil” de 21/07/17, n. 803 “Indústria 4.0: O Futuro da Indústria” de 01/09/17, n. 807 “Indústria 4.0: A Política Industrial da Alemanha para o Futuro” de 29/9/17, n. 820 “Indústria 4.0: O Plano Estratégico da Manufatura Avançada nos EUA” de 11/12/17 e n. 823 “Indústria 4.0: Políticas e estratégias nacionais face à nova revolução produtiva” de 29/12/17, entre outros trabalhos.
Na China, o lançamento do programa Made in China 2025 trata-se de uma resposta do governo à perda potencial de competitividade da indústria chinesa, dado que o país enfrenta concorrência crescente tanto de países em desenvolvimento, com custos de mão de obra igualmente competitivos, como de países desenvolvidos, que se beneficiam de ganhos de eficiência baseados em tecnologias inovadoras.
Parcialmente inspirado na iniciativa da Indústria 4.0 da Alemanha, a estratégia Made in China 2025 (MIC 2025) busca permitir à China escapar da “armadilha da renda média” e atingir o topo da cadeia de valor da indústria de transformação. Esse plano nacional abrangente e de longo prazo, previsto para se desenvolver em três etapas, tem o propósito final de transformar a China em uma potência industrial mundial, baseada em tecnologia avançada, até 2049.
Sua primeira etapa, em que metas quantitativas deverão ser atingidas até 2020/2025, compreende objetivos tais como: modernizar, de forma abrangente, os setores industriais; fortalecer a posição da China como uma grande nação industrial; promover a produção de qualidade e em tecnologias de manufatura inteligente; melhorar a eficiência de energia, de mão de obra e do consumo material; tornar as empresas chinesas líderes nas cadeias de valor da indústria de transformação; alcançar o domínio das tecnologias-chave nas principais indústrias ao invés de importá-las.
A segunda etapa, que deve ser alcançada até 2035, representa, por sua vez, um esforço ainda maior no incentivo à inovação autóctone, especialmente em setores-chave. Na terceira e última etapa, a ser atingida até 2049, os objetivos fixados visam tornar a China um líder mundial nos principais setores industriais de alta tecnologia, impulsionando as atividades inovadores desenvolvidas internamente e mantendo vantagens competitivas do país.
A execução da iniciativa MIC 2025 está sendo liderada pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, com foco em nove tarefas estratégicas, entre as quais, a promoção do uso de produção integrada e digital, especialmente em tecnologia de manufatura inteligente; o fortalecimento da base da indústria chinesa, concentrando-se nos “quatro básicos” (componentes básicos, tecnologias básicas de processamento, materiais básicos e serviços industriais básicos); a aplicação de métodos “verde” de produção, a melhora dos serviços destinados ao setor industrial e a produção de serviço orientada aos serviços; e a internacionalização das empresas industriais chinesas.
São dez os setores definidos como prioritários no MIC 2025, sendo que aqueles de alta e média alta intensidade tecnológica respondem por mais de 40% de valor agregado industrial chinês. Os setores estratégicos para os chineses incluem equipamento marítimo avançado e embarcações de alta tecnologia; ferrovia e equipamento avançado; maquinaria e tecnologia agrícola; equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais; produtos biofarmacêuticos e equipamentos médicos de ponta; circuitos integrados e novas tecnologias de informação; tecnologia e equipamentos de geração de energia elétrica; máquinas de controle de produção de alta gama e robótica; veículos de baixa e nova energia; materiais novos e avançados.
Em sua essência, a estratégia do Made in China 2025 almeja a transformação da China em um líder global na fabricação de produtos de alta qualidade e de alta tecnologia até a primeira metade do século XXI, com a substituição gradual da tecnologia importada do estrangeiro pela tecnologia chinesa, desenvolvida e produzida em casa.
Alcançar este objetivo, bem sabem os chineses, depende da capacidade de desenvolver produtos inovadores, de criar marcas internacionalmente conhecidas e de construir instalações modernas de produção industrial. Além de canalizar enormes recursos financeiros para apoiar a modernização tecnológica de suas empresas industriais, tanto as estatais como as privadas, a China adotou um conjunto de medidas e políticas complementares à política industrial, que inclui, entre outras: medidas fiscais e tributárias, reorganização institucional, política de propriedade intelectual e política de recursos humanos. O MIC 2025 é, assim, apenas a parte mais visível do grande esforço chinês em permanecer galgando as fases do desenvolvimento em um mundo em transformação.
Existem, contudo, dúvidas e preocupações quanto à estratégia chinesa entre os analistas de think tanks, consultorias e entidades empresariais ligadas ao setor industrial dos países desenvolvidos. De um lado, há certo grau de ceticismo quanto ao sucesso desta política industrial, que pretende desafiar o primado das economias industriais líderes e de suas corporações internacionais. A posição inicial da China na corrida global para a manufatura inteligente não seria favorável, dada a defasagem atual da indústria chinesa em termos de automação e digitalização em comparação com os países industrializados.
De outro lado, é grande a preocupação com os impactos da estratégia chinesa que visa praticamente todas as indústrias de alta tecnologia que contribuem fortemente para o crescimento econômico nas economias industrializadas. Teme-se que o governo chinês intervenha sistematicamente nos mercados domésticos, de modo a beneficiar e facilitar o domínio econômico das empresas chinesas e a prejudicar os concorrentes estrangeiros, acelerando a aquisição de empresas internacionais de alta tecnologia por parte de empresas e fundos chineses.
Panorama Atual da Indústria Chinesa
A indústria mundial está à beira da próxima revolução tecnológica. A combinação de máquinas inteligentes, comunicação moderna, big data e computação em nuvem está criando uma mudança disruptiva na produção industrial. As expressões “Manufatura Inteligente”, “Indústria 4.0” e “Internet Industrial” são rótulos diferentes para a próxima transformação. Governos e indústrias em todo o mundo reconhecem que este novo paradigma tecnológico irá reformular a dinâmica e as regras da concorrência mundial. A corrida para a produção industrial avançada poderá decidir o destino das grandes corporações e até mesmo o desenvolvimento global de economias inteiras.
Este trabalho analisa a estratégia da China neste ambiente de disrupção tecnológica que, para o governo chinês, surge como uma excelente oportunidade para equiparar o país tecnologicamente e economicamente aos países industrializados. Para isso, foi utilizada a versão em inglês do documento oficial Made in China 2025, publicada em julho de 2015, pelo Conselho de Estado da China. Essas informações oficiais foram complementadas pelas análises produzidas pelos pesquisadores do think tank alemão Merics - (WÜBBEKE, Jost e outros. Made in China 2025: The making of a high-tech superpower and consequences for industrial countries), pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos (Made in China 2025: Global ambitions build on local protection) e pela OCDE (QIAN Dai. China and the next production revolution. In: OECD – The Next Production Revolution: Implications for governments and business.
Na avaliação do Conselho de Estado chinês, após décadas de rápido crescimento, a escala de produção industrial da China tornou-se a maior do mundo. O sistema de produção industrial, abrangente e independente, da China tornou-se a pedra angular do desenvolvimento econômico e social do país, e uma força importante da economia mundial. Em 2014, a produção industrial da China representou 19% do valor adicionado da indústria mundial e 35,9% do Produto Interno Bruto (PIB), liderando o mundo pelo quinto ano consecutivo. Além disso, as últimas décadas, os principais setores de exportação da China registraram aumento no valor agregado doméstico nas exportações brutas.
Sob a estratégia governamental de desenvolvimento orientada à inovação, a China também está tentando ganhar terreno na produção de alta tecnologia. Os voos espaciais tripulados, os submersíveis tripulados de água profunda, o trem de alta velocidade, lançamento do sistema de satélites de navegação e o supercomputador mais rápido do mundo, a construção de trilhos de alta velocidade e a instalação de equipamentos de perfuração de petróleo de dez mil metros de profundidade são exemplos de conquistas relacionadas à indústria da China. Todas essas conquistas estão associadas ao progresso do país em pesquisa, educação e infraestrutura.
Segundo o funcionário do Ministério de Tecnologia da China e consultor da OCDE, Qian Dai, os gastos brutos da China em pesquisa e desenvolvimento foram ligeiramente superiores a 2% do PIB em 2014, superando a média da União Europeia e bem acima dos países com um nível similar de PIB per capita. E em 2014, o setor industrial chinês liderou os pedidos de patente de invenção.
A atividade de patenteamento (incluindo patentes, desenhos industriais e modelos de utilidade) mostra que a China contribuirá com inovações importantes nas tecnologias mais avançadas para a fabricação inteligente nos próximos anos. De acordo com Wübbeke e outros (2016), o número de patentes chinesas para tecnologias relacionadas com Indústria 4.0 cresceu muito rapidamente desde 2006. Em 2011, as aplicações de patentes chinesas nessas tecnologias já haviam ultrapassado as dos EUA.
As atividades de inovação chinesas são, segundo os autores, particularmente fortes em campos tecnológicos com alto suporte político: robôs industriais tradicionais, redes de sensores sem fio e sensores inteligentes. Em contrapartida, as atividades de inovação chinesas são mais fracas em computação em nuvem e grandes dados, robôs avançados e segurança da informação.
Todavia, mesmo nesses domínios, a capacidades de P&D e inovação na China também estão avançando rapidamente. Esse é o caso, por exemplo, das tecnologias de informação e inovação (ICT, na sigla em inglês), como Internet das coisas (IoT), computação em nuvem e big data. Dados da OCDE apresentados por Qian (2017) mostram que tanto em IoT como em big data, a China está alcançando os líderes globais nas atividades de patenteamento.
A impressão em 3D vem, também, se desenvolvendo rapidamente na China. De 1988 a 2014, 79.602 impressoras industriais 3D foram instaladas em todo o mundo. Durante esse período, a China ficou em 3º lugar, representando 9,2% do total de unidades em uso, atrás dos Estados Unidos (38,1%) e do Japão (9,3%). Na fabricação de produtos de consumo, a utilização da impressão em 3D tem crescido em design de joias e aplicações personalizadas, como impressão em 3D para retratos pessoais e brinquedos.
De acordo com Qian, em abril de 2015, a China ocupou o terceiro lugar no número global de patentes de impressão em 3D, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. A impressão 3D industrial na China está avançando em setores como espaço e aviação, biomedicina e indústria automotiva. No setor aeroespacial, a empresa Commercial Aircraft Corporation (COMAC) usou a impressão 3D para fazer o jato regional ARJ 21. Em 2015, a primeira prótese de quadril impressa em 3D da China foi disponibilizada ao público. Esta prótese do quadril oferece alta personalização, a um custo de apenas metade a um terço das próteses anteriormente importadas.
Outra área de fronteira tecnológica na qual a China tem logrado significativo avanço é a de biotecnologia. De 2010 a 2013, a China ficou em sétimo lugar na participação mundial de patentes de biotecnologia. A produção de bioindústria na China atingiu CNY 3,16 trilhões (US$ 497 bilhões) em 2014, o equivalente a 4,6% do PIB.
Também na área de nanotecnologia, os progressos da China são significativos. De acordo com Qian, o país iniciou pesquisas em nanotecnologia em meados da década de 1980. E em 2010, final do 11º plano quinquenal (2006-10), a China já havia alcançado o primeiro lugar nas publicações do Science Citation Index em nanotecnologia e em segundo lugar nas citações. Durante 2010-13, a China ocupou o quarto lugar na participação global das patentes de nanotecnologia e aumentou sua vantagem tecnológica revelada nas nanotecnologias. Com suas conquistas na pesquisa, a China agora pretende traduzir pesquisa para uso comercial. As aplicações industriais bem sucedidas da nanotecnologia na China têm visto colaborações frequentes entre institutos de pesquisa, universidades e indústria.
A despeito dos notáveis avanços tecnológicos em algumas áreas da indústria de alta tecnologia, a indústria chinesa também enfrenta múltiplos desafios. O próprio governo chinês reconhece que o setor industrial da China ainda está atrasado em comparação com os países industrializados. Como aponta Qian, grande parte da indústria de transformação da China não usa tecnologia de ponta e opera com processos industriais típico da Indústria 2.0 e 3.0.
A maioria das fábricas chinesas possui também um nível de automação rudimentar e quase nenhuma digitalização. Segundo os pesquisadores do Merics, em 2015, por exemplo, as empresas chinesas utilizavam uma média de apenas 19 robôs industriais por 10.000 funcionários da indústria. Isso se compara a 531 na Coréia do Sul, 301 na Alemanha e 176 nos Estados Unidos. Na indústria automotiva chinesa, a densidade de robôs industriais foi de 305 em 2014, enquanto a densidade em países-chave de produção automotiva (como Japão, Alemanha, Estados Unidos e Coréia) é superior a 1.000.
A indústria chinesa atualmente está experimentando um rápido aumento da demanda por tecnologia de automação e digitalização. As empresas chinesas em sua maioria exigem tecnologias básicas que estão em uso em países industrializados há muito tempo. De acordo com Wübbeke e outros, o crescimento do mercado para as tecnologias típicas da Indústria 3.0, como software industrial, robôs industriais tradicionais e sensores industriais, foi entre 10% e 25% em 2015. Mas os números do mercado também demonstram que a indústria chinesa já começou a investir em tecnologia relevante para a próxima geração industrial produção (Indústria 4.0). Por exemplo, a demanda por big data, computação em nuvem, redes de sensores sem fio (WSN) e sistemas microeletromecânicos (MEMS) cresceu 20% a 25 % em 2015.
Apesar do aumento significativo da pesquisa e desenvolvimento (P&D), a China ainda depende muito das importações de tecnologia e materiais para manufatura avançada. Segundo Qian, em 2013, por exemplo, os semicondutores importados excederam o petróleo como o maior item de importação da China.
O governo e as empresas chinesas veem a transferência de tecnologia do exterior como uma maneira importante de acelerar o progresso tecnológico. Existem muitos mecanismos e processos que facilitam a transferência de tecnologia. Estes incluem, por exemplo, a difusão de tecnologia a partir dos investimentos diretos realizados por empresas estrangeiras na China, a cooperação com empresas estrangeiras e o recrutamento de pessoal estrangeiro de P&D. Segundo Wübbeke e outros, uma tendência que está emergindo cada vez mais é um investimento em busca de tecnologia dos países industrializados pelos investidores chineses. A construção de centros de P&D em países industrializados e a aquisição de líderes de tecnologia estrangeiros podem levar à absorção de conhecimento e tecnologia essenciais do exterior. Como será visto na última seção dessa Carta, os investimentos chineses nas indústrias de alta tecnologia da Europa e na indústria de fabricação inteligente cresceram rapidamente nos últimos anos.
No que se refere à produtividade, embora a produtividade do trabalho da China tenha aumentado na última década, ainda é muito menor do que nos Estados Unidos e em outros países industrializados e até em alguns países em desenvolvimento. Líderes de tecnologia como a Alemanha e o Japão, em contraste, fazem uso intensivo de linhas de produção e processos de gerenciamento baseados em tecnologia de informação moderna e máquinas altamente automatizadas.
Na avaliação de Wübbeke e outros, a competitividade da China nas cadeias globais de valor (CGVs) ainda está concentrada no processamento e montagem, com base em muitos casos no baixo custo de mão-de-obra e matérias-primas. No entanto, entre 2006 e 2014 os salários dos empregados na indústria de transformação aumentaram 66%. Isso excedeu o aumento médio da economia de 54%. Porém, os custos da mão-de-obra industrial chinesa ainda são moderados e os salários mínimos no país são apenas ligeiramente superiores aos dos países vizinhos do Sudeste Asiático.
Vários fatores, segundo os autores, estão começando a mudar gradualmente o cálculo custo-benefício das empresas chinesas, que estão se movendo lentamente em direção a mais investimentos em alta automação. Para algumas indústrias de mão-de-obra intensiva, como a produção de vestuário e em algumas localidades, como a cidade cantonesa de Dongguan, a pressão salarial já é relativamente elevada. Esta pressão proporciona um incentivo para que as empresas gastem mais em máquinas automatizadas. Além disso, os planejadores de fábrica substituem cada vez mais por robôs os trabalhadores que não estão mais dispostos a realizar tarefas estressantes, tais como envernizamento, soldagem e polimento, mesmo que sejam bem pagos. Porém, no setor industrial chinês em seu conjunto, essas tendências não são suficientemente espalhadas para levar a uma melhoria decisiva e ampla da tecnologia de produção chinesa.
O Plano Made in China 2025
O plano estratégico Made in China 2025 (MIC 2025), lançado pelo Conselho de Estado da China em maio de 2015 é a resposta do governo à perda potencial de competitividade da indústria chinesa. Conforme expresso no documento oficial do Conselho de Estado, “a indústria de transformação da China enfrenta o sério desafio de uma” dupla pressão “entre países industrializados e outros países em desenvolvimento”. A manufatura avançada deve ajudar a China a enfrentar esta dupla pressão.
O país enfrenta concorrência crescente tanto de países em desenvolvimento com custos de mão de obra igualmente competitivos como de países desenvolvidos que se beneficiam de ganhos de eficiência baseados em tecnologias inovadoras de produção. Parcialmente inspirado na iniciativa da Indústria 4.0 da Alemanha, MIC 2025 deverá permitir à China escapar da “armadilha da renda média” e atingir o topo da cadeia de valor da indústria de transformação.
Para evitar a armadilha de renda média, a China está buscando avançar para se tornar uma "Superpotência industrial" e "Superpotência na Internet". O objetivo é essencialmente construir uma estrutura econômica e capacidades semelhantes à da Alemanha e do Japão: um país industrial forte baseado em uma indústria de transformação robusta e inovadora. Instalações modernas de produção são consideradas chave para alcançar o mesmo nível de produtividade e qualidade do produto que se encontra nos países industrializados.
Simultaneamente, os líderes da China procuram defender o status do país como a “fábrica do mundo” para indústrias de baixo valor contra países em desenvolvimento. Os aumentos salariais ainda não causaram deslocalização em larga escala, mas a liderança chinesa vê a transferência de fábricas para os vizinhos do Sudeste Asiático como uma grave ameaça em médio prazo. Com a automação e digitalização da indústria, o governo chinês quer manter a vantagem de baixos custos de produção em setores industriais tradicionais como o de têxteis.
A iniciativa MIC 2025 vai muito além do alcance de estratégias comparáveis para a automação e digitalização da indústria em outros países. O plano incorpora um conjunto abrangente e estrategicamente interligado de políticas industriais, orientadas ao objetivo geral de transformar a China em uma "Superpotência industrial", título do estudo elaborado pela Academia Chinesa de Engenharia em 2013, que serviu como base científica para a formulação do plano estratégico MIC 2025. Este objetivo aplica-se em particular a dez indústrias de alta tecnologia, como a indústria automotiva e equipamentos de energia.
Além da manufatura inteligente, MIC 2025 também inclui provisões sobre inovação na produção, gerenciamento de qualidade de produto e produção sustentável. Além da abrangência e alcance maiores, a iniciativa é respaldada com recursos muito mais expressivos do que as políticas industriais anteriores.
Quanto à manufatura inteligente, o plano é atualizar a tecnologia de produção em toda a indústria: grandes e pequenas empresas, estatais e privadas. As tarefas importantes são a comercialização de tecnologias de produção inteligentes, a aplicação de fabricação inteligente em empresas-chave, a construção de fábricas inteligentes e o desenvolvimento de fabricação orientada para serviços. Em particular, as máquinas-ferramentas de controle numérico computadorizadas de alta gama, robôs industriais e TI avançada são o foco do plano.
O objetivo do progresso tecnológico e da substituição de importação norteia a MIC 2025. As indústrias chinesas de alta tecnologia, em particular os campeões nacionais, devem adquirir as capacidades para criar soluções tecnológicas inovadoras independentes e substituir seus concorrentes estrangeiros no mercado interno e cada vez mais nos mercados globais. A iniciativa enfatiza a necessidade de “esforçar-se para controlar as tecnologias essenciais de base, melhorar as cadeias de suprimentos industriais e desenvolver capacidades de desenvolvimento independentes em áreas básicas, estratégicas e abrangentes relacionadas para a economia nacional e para a segurança industrial”.
Como aponta Wübbeke e outros, palavras como “inovações nativas” e “autossuficiência” são omnipresentes no documento, que afirma a necessidade de desenvolver e usar produtos nacionais em áreas como ferramentas de design assistido por computador, software de plataforma industrial, tecnologia de fabricação inteligente e veículos elétricos. Segundo esses autores, com esse plano estratégico, a liderança política chinesa impõe suas prioridades e visão estratégica para a atualização industrial em uma indústria de transformação que até agora tem sido bastante hesitante sobre a modernização industrial. Este forte papel da política como motor do desenvolvimento da manufatura inteligente na China contrasta radicalmente com o papel fundamental da iniciativa empresarial no processo ascendente na Alemanha, Estados Unidos e muitos outros países.
A alta relevância política do plano estratégico MIC 2025 também se reflete no poderoso apoio institucional para a manufatura inteligente. O Grupo Interministerial líder para a Construção de uma Superpotência Industrial, liderado pelo vice-primeiro ministro, é responsável pelo planejamento e coordenação macro-estratégica. O Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT), órgão responsável pela política industrial, é encarregado da execução das políticas.
Todos os distritos e departamentos foram orientados a seguir as diretrizes para o rejuvenescimento da indústria de transformação chinesa. No documento MIC 2025, os governos locais foram instados a fortalecer a organização e a liderança, melhorando as sinergias dos serviços e a coordenação em todos os níveis governamentais.
Princípios orientadores. “A fim de seguir um novo caminho de industrialização com características chinesas”, na formulação da estratégia MIC 2025, o Conselho de Estado seguiu os seguintes princípios orientadores:
• Desenvolvimento impulsionado pela inovação:
o Fazer da inovação o tema orientador da indústria com avanços nas tecnologias-chave.
o Adaptar as instituições à inovação.
o Promover a inovação colaborativa, transindustrial e interdisciplinar, a digitalização, as tecnologias de rede e tecnologias inteligentes na produção industrial.
o Seguir o caminho orientado à inovação.
• Qualidade em primeiro lugar:
o Colocar a qualidade como o núcleo da liderança industrial, incentivar as empresas a assumir a responsabilidade pela qualidade do produto e apoiar pesquisas relacionadas à qualidade e marcas domésticas.
o Desenvolver leis e regulamentos padronizados, sistemas de supervisão de qualidade e uma cultura de qualidade em primeiro lugar.
o Seguir o caminho da competição com alta qualidade.
• Desenvolvimento verde:
o Continuar a considerar o desenvolvimento sustentável como o foco do poder industrial.
o Promover a aplicação de tecnologias, processos e equipamentos de proteção e economia de energia para permitir uma produção mais limpa.
o Seguir o caminho do desenvolvimento ecológico, desenvolvendo a economia da reciclagem, melhorando a eficiência da reciclagem de recursos e estabelecendo um sistema de produção industrial sustentável.
• Otimização da estrutura industrial:
o Perseguir o ajuste estrutural como o principal facilitador do poder industrial.
o Apoiar o desenvolvimento da manufatura avançada, atualizar indústrias tradicionais, e transformar a fabricação orientada à produção em produção orientada aos serviços.
o Otimizar a estrutura industrial, cultivar clusters industriais e seguir o caminho de melhorar o desempenho do sistema e da organização.
• Desenvolvimento orientado ao talento
o Continuar a desenvolver o talento como base da influência da indústria.
o Desenvolver mecanismos pragmáticos para contratação, colocação e treinamento de pessoal, e cultivar pessoal profissional, técnico, gerencial e administrativo para atender às demandas da industrial fabricação moderna.
o Criar uma atmosfera que respalde uma mentalidade empresarial, desenvolver um pool de talentos qualificado e especializados na fabricação e criar estruturas de organização racionais.
o Seguir o caminho do desenvolvimento orientado ao talento.
• Desenvolvimento orientado ao mercado e liderado pelo governo:
o Aprofundar de forma abrangente a reforma, dar aos mercados o papel decisivo na alocação de recursos, fortalecer a posição dominante das empresas e estimular a vitalidade e criatividade da empresa.
o Transformar ativamente as funções governamentais, fortalecer a pesquisa estratégica, melhorar as políticas relevantes e criar um ambiente estável para as empresas.
• Planejamento pragmático com perspectivas de longo prazo
o Acelerar a transformação estrutural, melhorar a qualidade e o desempenho e desenvolva capacidades de produção sustentáveis em relação a estrangulamentos e links fracos que restringem a fabricação.
o Compreender a nova rodada de tecnologia e revolução industrial e fazer planos estratégicos e políticas avançadas para consolidar as atuais vantagens e captar o alto terreno para gerenciar a concorrência futura
• Avanços holísticos e progressos em áreas-chave
o Continuar a integrar considerações holísticas.
o Elaboração de planos abrangentes e definição das direções de inovação.
o Promover a plena integração das manufaturas militar e civil para melhorar o nível de capacidade total.
o Integrar recursos, concentrar-se em áreas-chave, implementar projetos importantes em áreas focadas e buscar avanços aguerridos para atender às demandas de desenvolvimento econômico e social e segurança nacional.
• Desenvolvimento independente, aberto à cooperação mundial
o Domínio das principais tecnologias básicas, aperfeiçoamento da cadeia de suprimentos industrial e cultivo das capacidades domésticas em áreas estratégicas relacionadas ao bem-estar nacional, ao sustento das pessoas e à segurança da indústria.
o Expandir ainda mais a estratégia de "Abertura" para se envolver ativamente com recursos e mercados mundiais, fortalecer a distribuição global, promover a comunicação e cooperação internacionais e desenvolver novas vantagens comparativas para melhorar o nível geral de produção.
Objetivos e tarefas estratégicas. Essa abrangente iniciativa nacional de longo prazo, prevista para se desenvolver em três etapas, tem o objetivo final de transformar a China em uma potência industrial mundial, baseada em tecnologia avançada até 2049, ocasião do 100º aniversário da fundação da República Popular da China. Os objetivos da primeira etapa a ser alcançada até 2025 são:
• Modernizar, de forma abrangente, os setores industriais da China;
• Fortalecer a posição da China como uma grande nação industrial;
• Foco na produção de qualidade e em tecnologias de manufatura inteligente;
• Melhorar a eficiência de energia, mão de obra e do consumo material;
• Tornar as empresas chinesas líderes nas cadeias de valor da indústria de transformação;
• Alcançar o domínio das tecnologias-chave nas principais indústrias (ao invés de importá-las).
A segunda etapa, a ser alcançada até 2035, tem como metas:
• Elevar a China ao nível de uma nação industrial de nível médio;
• Aumentar a inovação autóctone;
• Aumentar a propriedade intelectual;
• Alcançar avanços inovadores à escala mundial em setores-chave.
Na terceira e última etapa, a ser atingida até 2049, os objetivos fixados são:
• Tornar-se um líder mundial nos principais setores industriais de alta tecnologia;
• Impulsionar a inovação autóctone e manter vantagens competitivas.
A execução da iniciativa MIC 2025 está sendo liderada pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação (MIIT), com foco em nove tarefas estratégicas e cinco iniciativas nacionais em dez setores prioritários. As nove tarefas estratégicas são:
• Incentivar e fortalecer a capacidade de inovação nativa;
• Promover o uso de produção integrada, digital, com foco em tecnologia de manufatura inteligente;
• Fortalecer a base da indústria chinesa, concentrando-se nos “quatro básicos” (componentes básicos, tecnologias básicas de processamento, materiais básicos e serviços industriais básicos);
• Melhorar a qualidade do produto e construir nomes de marca chineses mundiais;
• Concentrar-se na aplicação de métodos “verde” de produção, de modo a tornar a produção industrial mais ecológica;
• Fazer avanços tecnológicos inovadores nos 10 setores-chave selecionados;
• Reestruturar indústrias para melhorar a eficiência da produção e resolver o problema de excesso de capacidade;
• Melhorar os serviços destinados ao setor industrial e a produção de serviço orientada aos serviços; e
• Internacionalização das empresas industriais chinesas e direcionamento para a cooperação internacional.
O plano prioriza cinco iniciativas de âmbito nacional: estabelecer novos centros de inovação; promoção da pesquisa nas tecnologias básicas (“Quatro básicos”); implementar projetos focados em manufatura inteligente; implementar projetos focados em produção verde; priorizar a produção de equipamentos de ponta nos dez setores-chaves. Para cada uma dessas iniciativas foram definidos objetivos claros, sintetizados no quadro a seguir.
O documento oficial do Made in China 2025 definiu alguns indicadores para a indústria em inovação, qualidade, digitalização e desenvolvimento “verde”, que serão monitorados ao longo da execução da política. Por exemplo, até 2025, a porcentagem de gastos de P&D em relação às vendas de manufatura é direcionada para atingir 1,68%; espera-se que a produtividade do trabalho aumente 7,5% anualmente até 2020 e, posteriormente, 6,5% até 2025; a cobertura de banda larga deve aumentar de 50% em 2015 para 82% em 2025; e o consumo de energia por unidade de valor agregado deve cair 34% até 2025.
Setores prioritários. Os setores definidos como prioritários no MIC 2025 são: equipamento marítimo avançado e embarcações de alta tecnologia; ferrovia e equipamento avançado; maquinaria e tecnologia agrícola; equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais; produtos biofarmacêuticos e equipamentos médicos de ponta; circuitos integrados e novas tecnologias de informação; tecnologia e equipamentos de geração de energia elétrica; máquinas de controle de produção de alta gama e robótica; veículos de baixa e nova energia; materiais novos e avançados. Essas indústrias de alta e média tecnologia que MIC 2025 identifica como estrategicamente importantes respondem por mais de 40% de valor agregado industrial chinês.
• Equipamento marítimo avançado e embarcações de alta tecnologia. Ao longo dos últimos cinco anos, a China aumentou sua participação mundial na produção de equipamentos e embarcações marítimas avançadas - particularmente equipamentos de exploração de petróleo e gás, embarcações de suporte e plataformas de perfuração. No entanto, ainda se encontra no extremo de menor valor do mercado, e a desaceleração na construção naval e no setor de petróleo e gás está criando desafios substanciais de volume. A China continua dependente de projetos estrangeiros e tem desvantagens competitivas em gerenciamento e capacidades técnicas. A China está agora se concentrando em avançar a cadeia de valor - aprimorando sua capacidade de construir navios portadores de GLP e GNL de alta qualidade e também cruzeiros de luxo, embarcações de rotas do Ártico e novos navios inteligentes e poupadores de energia. Na exploração de petróleo e gás, está priorizando a exploração em alto mar, equipamentos de apoio a operações offshore e equipamentos de teste e inspeção. A China pretende tomar medidas para se tornar uma potência mundial de construção naval, com uma cadeia de fornecimento integrada que incorpora design, construção, fornecimento de equipamentos e serviços técnicos.
• Ferrovia e equipamento avançado. Nos últimos 10 anos, a China investiu fortemente em sua nova infraestrutura ferroviária e em trens de alta velocidade mediante parcerias internacionais com Alstom, Siemens, Bombardier, Hitachi e Kawasaki, e agora o país conta com 18 mil quilômetros de ferrovias de alta velocidade em operação. Por meio de investimento interno em P&D, a China agora detém IP nas principais tecnologias e tem uma tecnologia de produção de trem de alta velocidade de classe mundial. As duas principais empresas ferroviárias da China, o China South Rail Group (CSR) e o China North Rail Group (CNR), recentemente se fundiram para formar o CRRC, e agora estão conquistando projetos internacionais. No plano interno, a China se voltou para os Sistemas de Transporte Inteligentes (ITS) para tornar o transporte ferroviário mais seguro, mais eficiente em termos energético, e mais amigável do ponto de vista ambiental.
• Maquinaria e tecnologia agrícola. A China produz mais tratores e ceifeiro-debulhadoras que qualquer outro país, e sua produção doméstica de máquinas agrícolas cresceu dramaticamente nos últimos 10 anos. Porém, ainda carece de muitas tecnologias avançadas, sendo fortemente dependente das importações de lata gama, e o processo, a velocidade e a escala da mecanização agrícola variam significativamente em todo o país. Em muitas áreas, a agricultura em pequena escala ainda é a norma, mas a China está agora concentrada na consolidação e adoção de novas tecnologias - a eficiência de custos está sendo buscada através da grande integração industrial de cultivo, criação, processamento e reciclagem de resíduos, o que exigirá avanço de técnicas agrícolas e uso de máquinas agrícolas de alta qualidade e com multifunções. A iniciativa MIC 2025 visa elevar a capacidade da China na produção doméstica e na produção de equipamentos agrícolas de ponta, de modo que as empresas locais possam dominar o mercado interno e o país pode desenvolver seu potencial de exportação.
• Equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais. A indústria de aviação da China cresceu rapidamente nos últimos 20 anos em toda a cadeia de suprimentos, desde pesquisas até projetos, testes, manufaturas, reparos e manutenção. Tem bases de fabricação bem estabelecidas nas cidades de Harbin, Shenyang, Xi'an e Chengdu, e novas bases em Xangai, Tianjin e Zhuhai. Muitas empresas internacionais, como a Airbus, a Boeing, a Rolls-Royce e a Bombardier, têm parcerias de longa data na China para produção subcontratada. Até 2020, a China pretende ter uma indústria de fabricação de aeronaves mundialmente competitiva e relativamente completa e ser uma base regional líder para a modernização e reparação de aeronaves. O objetivo é competir através da entrega de seus próprios aviões e motores de classe C, e competir em helicópteros de médio porte, jatos comerciais de alto nível e aeronaves de uso especial e de emergência.
• Produtos biofarmacêuticos e equipamentos médicos de ponta. A iniciativa MIC 2025 visa desenvolver a capacidade doméstica em muitas áreas, incluindo equipamentos de imagem e robôs médicos, dispositivos portáteis e telemedicina, e técnicas biológicas de impressão 3D e células-tronco. Há planos para melhorar as instalações de saúde nas áreas rurais, construindo ou atualizando 3.700 hospitais comunitários e 11.000 clínicas. Os cuidados de saúde nas áreas rurais e remotas serão especialmente dependentes da tecnologia, incluindo o diagnóstico remoto, dispositivos médicos e medicamentos biológicos, e os prestadores de cuidados de saúde estão sendo encorajados a adotar tecnologia de diagnóstico de alto desempenho, e os produtores a fabricar com tecnologia verde e a se aventurar no exterior para P&D, produção e desenvolvimento de mercado.
• Circuitos integrados e novas tecnologias de informação. A indústria chinesa de tecnologia de comunicação e informação registrou um desenvolvimento significativo nos últimos anos, e gigantes domésticos chineses, como Baidu, Alibaba, Tencent e Huawei, tornaram-se forças dominantes em suas respectivas indústrias. O celular é uma área de crescimento particularmente impressionante: a China possui mais de 674 milhões de usuários de banda larga móvel, incluindo 230 milhões em redes 4G. O desenvolvimento da capacidade doméstica em circuitos integrados, 5G e sistemas industriais e sistemas operacionais, além de novos desenvolvimentos na Internet de Coisas, hiperconectividade e comunicação comercial segura são todos importantes objetivos da MIC 2025.
• Tecnologias e equipamento de geração de energia elétrica. A China possui atualmente a maior capacidade de geração de eletricidade instalada no mundo (1505 GW gerando 5583 TWh em 2014) e a maior capacidade instalada do mundo para energia térmica, hidrelétrica, energia eólica, e, em 2016, também em energia solar (com capacidade instalada de 43GW). No entanto, apesar de toda a nova capacidade, a indústria de energia enfrenta um grande desafio na distribuição. A geração de energia à base de carvão é tradicional na região Norte, a energia hidrelétrica na região Oeste e grande parte da nova energia eólica é gerada nas regiões Norte e Oeste, enquanto a maior demanda ainda está concentrada no Sul e no Leste do país. O MIC 2025 inclui objetivos visando melhorar a capacidade em equipamentos de geração de energia, equipamentos de transmissão e transformação e componentes-chave, incluindo válvulas de segurança, disjuntores e retificadores. Em algumas áreas, a intenção é que até 95% dos equipamentos sejam produzidos no mercado interno.
• Máquinas de controle de produção de alta gama e robótica. Na China, há mais de 5.000 empresas envolvidas na indústria de máquinas-ferramentas com um valor de produção combinado de 800 bilhões de RMB. Desde 2002, a China tem sido o maior fabricante de máquinas-ferramentas do mundo, mas ainda não dispõe de muitas tecnologias de produção avançadas e sistemas avançados de controle de computadores - apenas 30% das ferramentas de máquinas do país são controladas numericamente, com apenas 10% sendo exportados. A maioria dos principais componentes ainda é importada de países desenvolvidos, como Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Japão ou Coréia do Sul. A iniciativa MIC 2025 delineia alguns objetivos ambiciosos em toda a gama de sistemas de controle além da robótica avançada, impressão em 3D e máquinas-ferramentas para melhorar a situação.
• Veículos de baixa e nova energia. As vendas domésticas da China de veículos com novas energias começaram a crescer nos últimos dois anos, com subsídios ao consumidor para novos veículos produzidos localmente até 2020 e outros incentivos, tais como redução do imposto sobre compras e registro gratuito de matrícula. Compras governamentais também estão estimulando a produção, uma vez que mínimo de 30% de todos os carros do Governo comprados a cada ano devem ser veículos elétricos ou híbridos. Grandes cidades, como Pequim, Xangai, Shenzhen e Guangzhou, estão executando planos para construção de infraestrutura relacionada de recarga e distribuição. O MIC 2025 visa impulsionar a produção doméstica de veículos elétricos e encorajar o mercado de veículos com novas energias e infraestrutura associada, com destaca para os veículos elétricos híbridos plug-in (PHEV, na sigla em inglês), veículos elétricos de célula de combustível de hidrogênio (FCEV, na sigla em inglês), veículos públicos e comerciais e veículos inteligentes e conectados.
• Materiais novos e avançados. Em 2010, o governo chinês priorizou o desenvolvimento de certos setores de novos materiais, como: metais finais de desempenho estrutural e funcional, polímeros de alta resolução artificialmente sintetizados, materiais inorgânicos não metálicos e compósitos de alto desempenho. Atualmente, a China depende fortemente de novos materiais importados, mas está correndo para desenvolver mais capacidade doméstica, e há oportunidades em uma ampla gama de setores da indústria, como aeroespacial, ferroviário, automotivo, especialidade de aço e plásticos e circuitos integrados. O MIC 2025 procura se apoiar nos progressos já alcançados e enfatiza padrões internacionais avançados, processos de fabricação verde, alta eficiência e desempenho, e reciclagem e reutilização, produtos químicos finos, materiais para condições extremas e materiais ultrafinos.
Em agosto de 2015 foi instituído, sob a liderança do vice-primeiro-ministro, o Comitê Consultivo Nacional para a Construção de uma Estratégia de Poder Industrial. Esse Comitê, cuja criação foi determinada no documento MIC 2025, tem como missão configurar mecanismos de avaliação de desempenho, monitorar a execução da política e aperfeiçoar mecanismos de monitoramento estatístico, estabelecer mecanismos de avaliação intermediária para Made in China 2025 e realizar ajustes para os objetivos conforme necessário.
Com contribuição de 48 acadêmicos e de mais 400 especialistas e representantes de empresas-líderes chinesas, esse Comitê conduziu os trabalhos de definição das metas de políticas industriais para os setores e tecnologias estratégicos, as quais foram publicadas no chamado “Livro Verde”, em outubro de 2015.
Para cada área industrial principal e subsetor, o Livro Verde fornece informações e estabelece diretrizes para os alvos de desenvolvimento e localização para 2020 e 2025, produtos-chave e tecnologias críticas, projetos de aplicação e demonstração, suporte estratégico e garantias, entre outros. Segundo a Câmara de Comércio dos Estados Unidos (2017), “embora o governo chinês afirme que as metas quantitativas não são mandatórias, o vice primeiro ministro endossou publicamente a abordagem adotada no Livro Verde”. Portanto, mais que um documento normativo, o Livro Verde sinaliza as prioridades e objetivos do governo central chinês. Ou seja, “as empresas chinesas muito provavelmente irão se guiar pela mão visível do Livro Verde ao invés de operar de acordo com a mão invisível do mercado”.
Medidas e políticas complementares. Para transformar a China em superpotência industrial, o Conselho de Estado afirma ser necessário fazer um bom uso do sistema socialista e mobilizar todas as forças sociais. Essa transformação exige igualmente mecanismos de aplicação flexíveis e eficientes e cultivo de uma cultura de inovação industrial com características chinesas Nesse sentido, o governo irá aprofundar a reforma e aperfeiçoar políticas e medidas complementares.
O documento oficial faz referência, entre outras, à reforma do mecanismo institucional, ao ambiente equitativo de mercado, à política de suporte financeiro; a política fiscal e tributária, à politica para micro, pequenas e médias empresas; à política de propriedade intelectual, à política de desenvolvimento e recrutamento de talentos.
• Reforma institucional sistêmica. No documento, o Conselho de Estado anuncia que irá promover de forma a abrangente a administração governamental baseada em leis e acelerar a transformação das funções governamentais. Também irá promover inovações na gestão governamental para apoiar a implementação de estratégias, planos, políticas e normas da indústria e fortalecer a autorregulação da indústria, a capacidade de prestar serviços públicos bem como melhorar os níveis de governança industrial. Irá igualmente permitir que o mercado determine os preços dos fatores de produção e aloque os recursos públicos. Serão aperfeiçoados os mecanismos de pesquisa colaborativa envolvendo governo, indústria, universidades e institutos de pesquisa bem como os sistemas de gerenciamento de inovação tecnológica, distribuição de despesas do projeto, avaliação de resultados e transformação de modo a promover a capitalização dos resultados tecnológicos e estimular a vitalidade da inovação na indústria.
• Mercado equitativo e ambiente de negócios. O governo chinês pretende avançar com reforma do acesso ao mercado mediante a revisão da "lista negativa da indústria", fortalecendo a supervisão e abolindo políticas e medidas que limitam um mercado nacional unificado. Também irá reforçar a supervisão para evitar a fabricação e venda de produtos falsificados e defeituosos, e punir severamente o monopólio e a concorrência desleal para criar um ambiente operacional positivo para as empresas. Pretende igualmente fortalecer a responsabilidade social das empresas e promover sistemas de autodeclaração e supervisão para padrões, qualidade e segurança de produtos. Outro objetivo anunciado é o aperfeiçoamento de políticas e medidas para reassentamento de pessoal, resgate de dívidas e transformação de empresas relacionadas à eliminação da capacidade desatualizada e aperfeiçoamento de mecanismos de saída dos mercados.
• Política de suporte financeiro. Na esfera financeira, o MIC 2025 define diversas iniciativas, como: aprofundar a reforma financeira, ampliando os canais de financiamento da indústria e reduzindo os custos de financiamento; incentivar o financiamento orientado ao desenvolvimento para apoiar grandes áreas como a tecnologia de última geração, equipamentos de ponta e novos materiais; apoiar grandes empresas industriais e grupos para realizar projetos-piloto integrando produção e finanças; aperfeiçoar os mercados de capitais de múltiplos níveis mediante o suporte ao desenvolvimento de mercados regionais de ações para que apoiem as empresas industriais elegíveis para buscar financiamento de mercados de ações nacionais e internacionais e emitir várias ferramentas de financiamento da dívida; promover capital de risco e private equity para apoiar a inovação no setor de manufatura inteligente. O documento também orienta às instituições financeiras chinesas a aumentar o apoio às empresas industriais para realizar a exploração de recursos no exterior, criar centros de pesquisa e executar fusões e aquisições usando financiamento offshore contra garantias nacionais, empréstimos em divisas e em RMB, financiamento de dívida e financiamento de capital sob os pré-requisitos de riscos controláveis e negócios sustentáveis.
• Política Fiscal. O apoio financeiro e os impostos são utilizados para orientar os investimentos privados e encorajar o P&D em áreas prioritárias. O financiamento do governo central é cada vez mais usado para ajudar a mobilizar recursos de governos regionais e atores privado. Incentivos fiscais variados são concedidos para as empresas que investem em P&D e inovação. Em 2015, esta política foi ampliada, para ser mais acessível às PMEs. O imposto sobre importação é isentos para artigos utilizados em pesquisa e desenvolvimento em C&T. O imposto de importação também é reembolsado para os principais componentes e materiais utilizados na fabricação de equipamentos críticos. Os incentivos também incluem isenção do imposto sobre o valor agregado para transferência de tecnologia (introduzido em 2010) e depreciação acelerada de ativos fixos em indústrias, incluindo biomedicina e ICT (em 2014). Laboratórios industriais e centros tecnológicos são elegíveis para incentivos fiscais e isenções.
• Propriedade Intelectual. Desde a divulgação da Made in China 2025, projetos piloto para consultoria em patentes industriais foram iniciados pelo Escritório Estatal de Propriedade Intelectual. Esses projetos fornecem análises de IP e recomendações estratégicas em certas indústrias. Igualmente foram tomadas medidas para implementar uma proteção mais rigorosa dos direitos de propriedade intelectual através da criação de um sistema nacional de serviços de gestão e aplicação de IP mais racional e melhor coordenado. A proteção de IP reforçada está sendo planejada em novos domínios, como Big data, crowd sourcing e financiamento coletivo.
• Política para micro, pequenas e médias empresas. A iniciativa MIC 2025 apoia o capital privado elegível para criar instituições financeiras como bancos pequenos e médios e incentivar os bancos comerciais a desenvolver serviços financeiros especializados para pequenas e microempresas, como sistemas de garantia de locação e produtos financeiros inovadores.
• Política de desenvolvimento e recrutamento de talentos. A iniciativa MIC 2025 enfatizou a importância de um sistema abrangente de habilidades em áreas que vão de P&D, tradução e aplicação de pesquisa para produção e gerenciamento. Inúmeras faculdades de graduação genéricas estão sendo transformadas em faculdades vocacionais para fortalecer a educação profissional e contínua. Projetos-piloto para estágios modernos também estão sendo desenvolvidos. O Catálogo Nacional de Disciplinas e Especialidades para a Formação Profissional e Técnica (que serve como diretriz para a configuração dos cursos) deverá ser modificado para incluir novas disciplinas, como robótica industrial, engenharia de IoT, impressão em 3D para aviação, computação em nuvem e grandes dados. Além da educação básica, serão tomadas medidas para proporcionar mais oportunidades de treinamento no exterior e atrair pessoas experientes do exterior.
Concorrentemente como o MIC 2025, a China está implementando o 13º Plano Quinquenal (2016-2020) e o plano quinquenal específico para o setor industrial. Como salienta a Câmara de Comércio dos Estados Unidos (2017), esses planos quinquenais complementam o MIC 2025, destacando a importância crítica que as autoridades governamentais chinesas atribuem ao avanço da inovação autóctone e a obtenção de autossuficiência tecnológica, alcançando um seguro e controlável padrão e expandindo o papel do Estado no mercado.
Vantagens e Debilidades da Política Industrial Chinesa
O documento Made in China 2025 apresenta uma impressionante visão para o futuro industrial da China. Trata-se de um plano inteligente e abrangente para promover o progresso tecnológico na indústria de transformação. Porém, como salienta Wübbeke e outros, o programa político, no entanto, ainda terá que provar se pode ser efetivo na prática.
Uma das grandes vantagens da China reside na capacidade substancial de mobilização da campanha política. A força particular das políticas de cima para baixo é que elas atraem atenção generalizada de todo o país em pouco tempo. Desde o início de da formulação do plano estratégico MIC 2025, a discussão sobre a manufatura inteligente se espalhou pela indústria chinesa e pelo público em geral. Segundo os pesquisadores do Merics, as expressões Indústria 4.0 e a manufatura inteligente rapidamente se transformaram em palavras-chave populares para descrever o percurso da China rumo à modernização tecnológica. O número de artigos científicos e de especialistas que menciona “Indústria 4.0” aumentou cinco vezes entre 2014 e 2015.
O planejamento de longo prazo é, de acordo com os autores, um ponto forte do design de alto nível da China. Os líderes chineses são nomeados por dois períodos de cinco anos e estão menos expostos às pressões da opinião pública do que os líderes nas democracias ocidentais. Isso lhes permite, em tempos de crescimento econômico suave, prestar menos atenção às pressões de curto prazo e concentrar-se em metas de longo prazo. A visão de longo prazo da MIC 2025 para uma "Superpotência industrial" permite que o governo inicie hoje as medidas necessárias e trabalhe no roteiro para a modernização industrial passo a passo.
Na avaliação desses autores, outras vantagens da política industrial chinesa incluem grandes fundos governamentais e subsídios e a capacidade de canalizá-los para áreas prioritárias. Ademais, como país não signatário da OCDE, a China pode oferecer termos de financiamento altamente competitivos em comparação com os países industrializados. No mesmo mês em que o Made in China 2025 foi lançado, a Corporação Estatal de Desenvolvimento e Investimento (SDIC, na sigla em inglês) criou uma empresa de responsabilidade limitada para administrar o Fundo de Investimento de Manufatura Avançada. Esse Fundo de Manufatura Avançada conta com recursos da ordem de CNY 20 bilhões (2,7 bilhões de euros). O governo central aportou CNY 6 bilhões diretamente, enquanto a SDIC e o Banco Industrial e Comercial da China contribuíram com CNY 4 bilhões e CNY 5 bilhões, respectivamente. Os recursos adicionais foram aportados por algumas províncias.
Além disso, outros fundos do governo também forneceram somas substanciais para o desenvolvimento de tecnologias de fabricação inteligente. Entre eles estão o National IC Fund e o Emerging Industries Investment Fund, com capital de CNY 139 bilhões (19 bilhões de euros) e CNY 40 bilhões (5,4 bilhões de euros), respectivamente, à sua disposição. A título de comparação, Wübbeke e outros mencionam que o governo alemão forneceu até então cerca de 200 milhões de euros para pesquisa e inovação para tecnologias da Indústria 4.0.
Na avalição de Wübbeke e outros, a China demonstrou, por meio de sua política industrial, que é muito boa em experimentar novos modelos de negócios e novas tecnologias. O governo central muitas vezes testa novas abordagens através de projetos-piloto para demonstração. Estes projetos servem posteriormente como modelos para a implantação nacional de novas tecnologias. Em 2015 e 2016, o MIIT iniciou mais de 200 projetos para fabricação inteligente a nível empresarial. Além disso, o MIIT está estabelecendo centros de inovação de fabricação e cidades-piloto para MIC 2025, como a cidade costeira de Ningbo e várias cidades do Delta do Rio das Pérolas. Os projetos de demonstração focam, por exemplo, na execução ou integração de planejamento de recursos empresariais complexos (ERP), sistemas de execução de produção e gerenciamento das relações com os clientes (CRM); sobre o uso de RFID em componentes e fluxos de materiais; a penetração profunda da produção com monitoramento em tempo real; ou plataformas de nuvem para gerenciamento de clientes e cadeias de suprimentos.
A campanha do governo central em torno da MIC 2025 causou entusiasmo pela manufatura inteligente entre os governos locais. Wübbeke e outros afirmam que os governos locais se apressaram na construção da nova base industrial líder da China para tecnologias emergentes, o que promete grandes benefícios econômicos e apoio do governo central. Porém, em sua busca por superar os seus rivais locais, os quadros políticos locais mobilizam recursos financeiros maciços e muitas vezes excedem os objetivos nacionais por uma margem considerável. Embora seja o governo central quem defina as prioridades políticas, são os governos locais que realmente determinam o ritmo e a direção do crescimento da manufatura inteligente.
De acordo com Wübbeke e outros, o intenso impulso das atividades locais é especialmente visível na robótica. Os governos locais abriram ou estão planejando abrir cerca de 40 parques para o desenvolvimento da indústria de robótica. Em outubro de 2016, pelo menos 70 províncias, cidades e administrações distritais já haviam divulgado as estratégias locais para o MIC 2025 com prioridades locais específicas. O Merics identificou compromissos de subsídio de robótica em 21 cidades e 5 províncias para promover a robótica industrial com um valor total de cerca de CNY 40 bilhões de (5,4 bilhões de euros). Esses subsídios locais contribuirão mais para o uso de robôs industriais do que os gastos do governo central, porque são duas vezes maiores do que o novo Fundo Nacional de Manufatura Avançada.
Modernizar o setor industrial na China enfrenta, contudo, desafios complexos. Como ressalta o consultor da OCDE, Qian Dian, o processo de modernização industrial não se refere apenas sobre o desenvolvimento das últimas tecnologias. Também requer um uso muito maior dessas tecnologias, além de atualizar e reestruturar uma vasta capacidade produtiva que ainda opera ao nível da indústria 2.0 (ou mesmo, em muitos casos, 1.0).
Como destaca Qian, os principais desafios residem não só no aumento do investimento público em ciência, pesquisa e inovação, mas também na comercialização de pesquisas e incentivo à inovação proativa do setor privado. O hardware deve ser aprimorado, como a infraestrutura de TIC, juntamente com softwares e habilidades. O desafio também abrange os governos centrais e locais, bem como institutos de pesquisa e universidades, empresas públicas e PMEs. Enquanto políticas e programas estão promovendo as tecnologias necessárias para modernizar a indústria, a política também precisa lidar com uma série de desenvolvimentos e impactos relacionados, como a crescente importância da segurança cibernética e a interrupção no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, deve-se prestar atenção às questões de governança, como a coordenação entre os departamentos governamentais e entre os governos central e regional.
O fato do boom da manufatura inteligente na China não ser impulsionado principalmente por iniciativas empresariais, de baixo para cima é visto como uma debilidade por Wübbeke e outros. Segundo os autores, a maioria das empresas chinesas está relutante e avessa ao risco quando se trata de investir em equipamentos de alta tecnologia para produção. Os gerentes das empresas preferem optar por soluções de baixo custo e de bom desempenho com baixo investimento inicial. Empregar uma grande força de trabalho muitas vezes ainda representa a opção mais barata em comparação com o grande investimento em novos equipamentos. Mas a mudança tecnológica também está aumentando a demanda por gerentes, pesquisadores e técnicos qualificados, o que não é facilmente encontrado.
A indústria de transformação chinesa é altamente polarizada. Embora tenha ocorrido inegável avanço no desenvolvimento e uso tecnológico de ponta entre empresas chinesas, em muitos setores existem lacunas importantes nas capacidades básicas de produção, como o domínio das principais tecnologias de processamento e a capacidade de produzir materiais necessários. Como já mencionado anteriormente, a maioria das empresas industriais chinesas registra atrasos em termos de gerenciamento e capacidades digitais. Esse desenvolvimento desigual, combinado com uma estrutura da indústria em que os setores intensivos em recursos e intensiva em mão de obra ainda são grandes, cria desafios complexos.
Segundo Qain, no extremo superior da indústria de transformação, os desafios incluem uma forte dependência das importações de recursos essenciais, como equipamentos avançados, software de sistema e componentes críticos, como servomotores para robôs industriais e certos produtos de aço de alta qualidade; investimento insuficiente de institutos de pesquisa em pesquisa básica e baixa intensidade de gastos das empresas em P&D (em relação às vendas, por exemplo); e, falta de sinergia entre institutos de pesquisa e indústria, resultando em comercialização ineficiente de tecnologia. No meio termo das capacidades industriais de produção, os desafios incluem a necessidade de aumentar a qualidade do produto; ineficiência geral; marcas fracas; e a necessidade de novas inovações tecnológicas para escalar cadeias de valor. Os desafios são particularmente grandes e complexos para a atualização em setores intensivos em recursos e energia, que se encontram no extremo inferior da cadeia de valor da indústria de transformação, nos quais também se entrelaçam problemas como o excesso de capacidade, baixos níveis de sofisticação industrial e poluição ambiental.
Na avaliação de Wübbeke e outros, abordagem de catch-up da política industrial chinesa ignora o papel de um ambiente empreendedor desenvolvido e práticas de gestão na implementação da manufatura inteligente. Segundo os autores, o governo chinês impõe a prioridade da manufatura inteligente em empresas sem considerar suas circunstâncias reais. Muitas empresas apenas automatizadas não estão preparadas para usar tecnologias avançadas. Concentrar-se nas tecnologias mais avançadas, ignorando a necessidade de atualizar a automação básica e a tecnologia de digitalização levará a resultados decepcionantes ou prejudiciais. Por exemplo, dificilmente se espera que empresas com sistemas de software bastante simples e automação não informatizada lidem com a integração de software e máquinas inteligentes.
Segundo os autores, apenas um pequeno grupo de empresas, que denominam Pioneiras, conseguirá fechar a lacuna em relação ao nível internacional mais avançado de tecnologia de produção em suas respectivas indústrias. Esse grupo de empresas já está executando pesquisa, desenvolvimento e demonstração para a aplicação da tecnologia da Indústria 4.0, como RFID, redes de sensores sem fio e realidade virtual e utilizando, máquinas de controle digital, ERP, MES, robôs industriais e tecnologias similares.
Na interpretação desses autores, o governo chinês tende a ver a atualização industrial como uma tarefa puramente técnica de instalar novos equipamentos. O motivo dessa abordagem é simples: o foco na tecnologia oferece resultados rápidos, impressionantes e quantificáveis - como a crescente demanda por robôs. No entanto, essa fixação em hardware negligencia o fato de que o progresso na produção industrial é, em grande medida, uma questão de organização de processos de gestão e fabricação. A chave para a atualização industrial é o aperfeiçoamento de processos industriais mediante a melhoria contínua, a implementação de gerenciamento enxuto e a utilização de consultores especializados.
Em relação aos fornecedores chineses de tecnologia industrial, Wübbeke e outros avaliam que são basicamente bem adaptados para o mercado chinês: seus focos e pontos fortes são produtos de baixa tecnologia e baixo preço. A funcionalidade do software industrial chinês, por exemplo, não é tão ampla ou complexa quanto as soluções de software estrangeiras comparáveis. Isso se adapta bem às necessidades das pequenas e médias empresas chinesas, que não podem pagar os produtos internacionais caros e estão satisfeitos com um software simples. Além disso, os fornecedores chineses de tecnologia têm uma compreensão aprofundada das necessidades específicas dos consumidores chineses e desenvolvem soluções adaptadas especificamente para o mercado chinês. No entanto, os fornecedores chineses não possuem as habilidades tecnológicas para realizar as ambições da Made in China 2025 para catapultar a indústria na era da manufatura inteligente em muito pouco tempo.
Desse modo, a China não tem escolha senão confiar em tecnologia estrangeira para atualizar sua indústria. O fosso tecnológico entre fornecedores estrangeiros e chineses é vasto. Em muitos casos, não há uma alternativa chinesa séria à tecnologia de produção avançada estrangeira em setores de alta tecnologia. Mesmo que as empresas chinesas ofereçam produtos nesses setores, elas dependem em grande parte de componentes estrangeiros. As fatias de mercado dos fornecedores chineses de tecnologias de manufatura inteligente ainda são pequenas.
Para Qian, as políticas governamentais chinesas variaram, às vezes, de acordo com a propriedade e o tamanho da empresa, prejudicando a concorrência. No período recente, a significativa redução dos encargos administrativos nas novas empresas e a simplificação dos procedimentos reduziram os obstáculos globais ao empreendedorismo. No entanto, ainda há barreiras à criação de empresas com alcance significativo para inibir o empreendedorismo. Na avaliação do pesquisador da OCDE, na China há um amplo espaço para tornar o ambiente de negócios mais amigável ao empreendedorismo.
Segundo Qian, “empresas zumbis” é um termo usado para descrever empresas chinesas, muitas vezes em setores com excesso de capacidade, com grandes dívidas, histórico de perdas e que apenas são sustentadas por empréstimos bancários ou apoio governamental. Tais empresas produzem continuamente, independentemente dos custos crescentes e da queda dos preços. Essas empresas não só não conseguem se modernizar por si só, mas também absorvem recursos escassos e criam uma concorrência feroz para as empresas que investem em novas tecnologias.
Em fevereiro de 2016, o Conselho de Estado se manifestou, de acordo com Qain, sobre a resolução do problema do excesso de capacidade da indústria do carvão e da indústria siderúrgica. Além de medidas para fechar ou reduzir a produção, o governo está encorajando a adoção de tecnologias de manufatura inteligente para a modernização da indústria siderúrgica de modo a criar um novo modo de produção mais flexível e personalizado. Nesta reforma, os desafios emergentes incluem a aplicação de políticas e a forma de lidar com as perdas de postos de trabalho (cerca de 1,8 milhão de empregos estão em risco nesse processo).
Iniciativas duplicadas também são fonte de graves problemas na China. Os esforços dos governos locais geralmente não são coordenados e podem ser redundantes. Uma corrida em um tipo particular de tecnologia geralmente leva fabricantes a produzirem apenas soluções de baixo valor. Os riscos de um excesso de subsídio e de capacidades na manufatura inteligente são altamente iminentes, semelhante aos problemas existentes em indústrias como o aço, o carvão e os produtos químicos e também no setor fotovoltaico.
Segundo Qian, até o final de 2012, em 31 províncias chinesas, cidades e regiões autônomas, foi concedido um apoio preferencial ao desenvolvimento do setor fotovoltaico. Cerca de 300 cidades formularam planos para desenvolver a indústria fotovoltaica e mais de 100 construíram infraestrutura para esse fim. A indústria fotovoltaica recebeu acesso preferencial ao crédito, aos terrenos e outros insumos de produção. Esses incentivos atraíram investimento de capital para a indústria, que se traduziu em excesso de capacidade. A capacidade em excesso resultou em declínio maciço nos preços e das margens.
Da mesma forma, após a introdução da Made in China 2025, províncias e cidades divulgaram seus próprios programas de ação e planos para desenvolver as dez indústrias estratégicas. Em toda a China, cidades de fronteira e megacidades lançaram projetos de robótica, de big data e outros e construíram parques industriais similares. Isso pode conduzir ao excesso de capacidade e à concorrência inútil. No passado, as ações duplicadas levaram ao desperdício de terrenos, recursos humanos e outros. A construção redundante também trouxe grandes perdas para o desenvolvimento de longo prazo das economias e empresas locais.
Qian aponta que outro importante desafio que a China enfrenta é a falta de trabalhadores com habilidades adequadas às necessidades da indústria moderna e inovadora. Processos complexos de TI e máquinas computadorizadas, como tecnologias cruzadas, exigem conhecimentos detalhados em vários campos de automação, engenharia e software.
Para Wübbeke e outros, a escassez de trabalhadores qualificados para a manufatura inteligente é um problema em muitos países, mas é ainda mais grave na China. As empresas chinesas percebem a escassez de habilidades como um dos principais problemas para a atualização industrial tanto para a automação simples quanto para processos altamente sofisticados baseados em TI. O sistema de educação da China e as universidades chinesas lutam para fornecer um número suficiente de especialistas qualificados para tarefas sofisticadas no setor de alta tecnologia.
Segundo Qian, o número de trabalhadores migrantes na China atingiu 166 milhões em 2013, dos quais 60% são menores de 30 anos e têm uma escolaridade média de 9,8 anos (é preciso nove anos de estudos para concluir o ensino médio). À medida que as TIC e outras tecnologias se tornarem mais integradas na indústria de transformação, a demanda por recursos humanos com capacidades e habilidades interdisciplinares deverá aumentar. A atualização industrial também cria novas demandas na compreensão da tecnologia da alta administração e suas implicações para o desenvolvimento de negócios. A educação e a formação contínuas são importantes para atualizar esse segmento de gerenciamento.
Os dados do Programa para a Avaliação Internacional de Estudantes (PISA) da OCDE de 2015 mostram que os estudantes da China se classificam entre as dez melhores do mundo em ciência e matemática. Mas em termos de competências, se constatou que a programação, bem como a gestão e outras habilidades não técnicas eram escassas. O autor assinala que há um amplo espaço para aumentar os níveis gerais de educação na China.
Impactos da Iniciativa Made in China 2025 nas Economias Industrializadas
A iniciativa MIC 2025 coloca uma série de desafios fundamentais para os países industrializados e para as empresas internacionais. A política industrial da China visa à liderança tecnológica em indústrias que atualmente representam a base do crescimento econômico desses países. No futuro próximo, usuários e fornecedores chineses de manufatura inteligente contestarão as posições de mercado das empresas internacionais.
Como destacam Wübbeke e outros (2016), a política industrial da China terá um enorme impacto em todas as economias nacionais de muitos países industrializados. Esses impactos irão além da manufatura inteligente. A política industrial da China tem como alvos indústrias de fundamental importância para o crescimento econômico de muitos países industrializados. Se a política industrial da China for bem sucedida, esses países terão taxas de crescimento do PIB menores, perdas de emprego e uma diminuição da produção industrial.
Os países em que as indústrias de alta tecnologia contribuem com uma grande parcela para a produção industrial são mais expostos à estratégia MIC 2025. Países como a Alemanha, Coréia do Sul, Irlanda, República Checa, a Hungria, o Japão, Dinamarca, Eslováquia e Áustria serão mais vulneráveis se a iniciativa MIC 2025 for bem-sucedida. Também serão afetados pelo sucesso da estratégia chinesa, mas em menor grau, França, Estados Unidos, Suécia, Itália, Holanda entre outros. As indústrias de alta e média tecnologia que a estratégia MIC 2025 identifica como estrategicamente importantes respondem por mais de 40% de valor agregado industrial desses países.
As maiores indústrias que serão afetadas pela política industrial da China são a automotivas e de máquinas e equipamentos. A maquinaria é a indústria de alta tecnologia mais importante para nove países europeus, enquanto a indústria automotiva é a maior indústria de alta tecnologia em sete países. Outras indústrias importantes, como produtos químicos, também sentirão o impacto da política industrial chinesa.
Na avaliação de Wübbeke e outros (2016), para os países que serão potencialmente mais afetados, uma resposta rápida e coordenada à política industrial estratégica da China relacionada à MIC 2025 é de extrema importância. O sucesso da MIC 2025 ainda é incerto à medida que sua aplicação enfrenta uma série de dificuldades e muitas medidas de políticas ainda não foram estabelecidas. Uma reação tempestiva ainda pode influenciar algumas medidas e reduzir os impactos negativos nos países industrializados e suas empresas.
Uma das principais preocupações dos analistas dos países industrializados é que campo de jogo competitivo global será efetivamente desnivelado pela política industrial chinesa. O Estado chinês procurará proteger suas atividades da concorrência internacional em casa e apoiar o seu envolvimento nos mercados mundiais tanto no plano político como financeiro.
Para alcançar os objetivos definidos na iniciativa MIC 2025, as entidades governamentais de todos os níveis canalizam grandes volumes de recursos para o futuro industrial da China. Como já mencionado, o Fundo de Manufatura Avançado conta com CNY 20 bilhões (2,7 bilhões de euros), enquanto o Fundo Nacional de Circuito Integrado recebeu CNY 139 bilhões (19 bilhões de euros). Estes fundos de âmbito nacional são complementados por uma infinidade de veículos de financiamento no âmbito das províncias chinesas. De acordo com a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, cerca de 800 fundos com valor total de CNY 2,2 trilhões (300 bilhões de euros) já foram criados no período recente para apoiar inúmeras iniciativas e indústrias específicas, várias das quais contempladas no MIC 2025.
Além de expressivo apoio financeiro, a política industrial chinesa utiliza, como aponta Wübbeke e outros (2016), uma ampla combinação de instrumentos tradicionais para proteger as empresas chinesas da concorrência internacional. Isso inclui restrições de acesso ao mercado para empresas internacionais, bem como subsídios e regulamentos de contratos públicos que favorecem as empresas chinesas. Esses instrumentos são cada vez mais complementados por um conjunto de medidas políticas matizadas, adaptadas às especificidades técnicas e regulamentares da manufatura inteligente.
Enquanto as empresas chinesas de alta tecnologia gozam de um apoio massivo do estado, seus concorrentes estrangeiros na China enfrentam todo um conjunto de barreiras ao acesso ao mercado e obstáculos para suas atividades comerciais: o fechamento do mercado de tecnologia da informação, a exclusão dos esquemas locais de subsídios, o baixo nível de segurança de dados e a coleta intensiva de dados digitais pelo estado chinês. À medida que as capacidades próprias de manufatura inteligente da China amadureçam, é provável que o Estado chinês intensifique ainda mais suas práticas discriminatórias e restrições de acesso de empresas estrangeiras ao mercado doméstico de manufatura inteligente.
Na avaliação dos pesquisadores do Merics, quatro tipos de intervenções políticas apresentarão um desafio particular para as empresas e governos estrangeiros: investimento direto no exterior, estimulado pelo Estado, nas indústrias de alta tecnologia; fluxos de dados controlados pelo Estado; restrições de acesso ao mercado doméstico para os fornecedores de tecnologia; uso estratégico da padronização pela China.
Investimento direto chinês em alta tecnologia. A dimensão externa do Made in China 2025 configurada na aceleração da aquisição de empresas internacionais de alta tecnologia por parte dos investidores chineses tem sido vista como séria ameaça à atual liderança tecnológica dos países industrializados. Para acelerar o catch-up tecnológico da China e para saltar etapas do desenvolvimento tecnológico, as empresas chinesas estão adquirindo tecnologias essenciais através de investimentos diretos no exterior. Desde 2015, o investimento direto chinês em fornecedores europeus de manufatura inteligente por empresas estatais, bem como por empresas privadas parcialmente apoiadas com capital do Estado, aumentou rapidamente. De acordo com Wübbeke e outros, a procura de tecnologia estrangeira às vezes se destina a indústrias inteiras: por exemplo, quase todas as grandes empresas de semicondutores nos Estados Unidos receberam ofertas de investimentos de atores estatais chineses.
Os fundos de investimento soberanos e as empresas governamentais de gestão de investimentos desempenham um papel crescente no IDE chinês em alta tecnologia. Segundo os autores, embora esses fundos e sua administração se apresentem frequentemente como empresas privadas, o papel ativo do Estado está oculto por detrás de uma rede opaca de estruturas de propriedade e financiamento. Um exemplo de um investimento de uma corporação de investimento estatal chinesa é a aquisição do negócio de energia de radiofrequência da empresa holandesa de semicondutores NXP pela JAC Capital Ltd., dos quais um veículo de investimento do Conselho de Estado possui 51% A China Investment Corporation também contribuiu com 550 milhões de dólares para o Fundo de Promoção Industrial Ásia-Alemanha (AGIC), um fundo de investimento privado de origem chinesa, com sede na Alemanha, visando o investimento nas empresas da indústria europeia 4.0.
O fato de as aquisições de tecnologia da China serem parcialmente apoiadas e orientadas pelo Estado incomoda sobremaneira os analistas dos países industrializados. Na avaliação tanto dos pesquisadores da Merics como da Câmara de Comércio dos Estados Unido, a China prossegue uma política industrial de saída externa com capital do governo e redes de investidores altamente opacas para facilitar aquisições de alta tecnologia no exterior. “Essa estratégia chinesa prejudica os princípios da concorrência leal: o sistema econômico liderado pelo Estado da China está explorando a abertura das economias de mercado na Europa e nos Estados Unidos”.
Na opinião de Wübbeke e outros (2016), os países industrializados precisam interpretar os investimentos chineses de alta tecnologia como peças de um programa político abrangente. O objetivo é adquirir sistematicamente tecnologia de ponta e gerar transferência de tecnologia em larga escala. A longo prazo, a China pretende obter controle sobre os segmentos mais rentáveis de cadeias de fornecimento e redes de produção globais. Segundo os autores, as discussões em torno de recentes aquisições chinesas de alta tecnologia, indicam que os governos da Europa e dos Estados Unidos percebem cada vez mais essa dimensão da busca da China pela modernização tecnológica como um desafio crucial e urgente.
A duplicação e transferência de tecnologia da Europa ou dos Estados Unidos para a China é um cenário realista. Um exemplo dessa ameaça potencial é a aquisição do fabricante de ímã permanente americano Magnequench, no final da década de 1990, pelas empresas estatais China National Non-Ferrous Metals Import and Export Corporation e San Huan New Material, uma subsidiária da Academia Chinesa de Ciências. Depois que os investidores chineses assumiram a Magnequench, duplicaram a instalação de produção na China e fecharam a planta nos Estados Unidos. Em parte devido a essa aquisição, a China emergiu como o maior fabricante de ímãs permanentes em todo o mundo, enquanto que já não há mais nenhuma produção significativa desses componentes críticos de alta tecnologia nos Estados Unidos.
Fluxos de dados controlados pelo Estado. A manufatura inteligente depende fortemente da geração, transmissão e armazenamento de dados comerciais e de produção sensíveis. Desta forma, a integridade e a segurança dos fluxos de dados são fundamentais para a operação de processos de fabricação inteligentes. A este respeito, a China fornece um ambiente digital muito desfavorável para empresas estrangeiras. O controle rigoroso do governo chinês sobre o ciberespaço afeta o uso de aplicativos de negócios digitais, dificulta a transferência de dados e expõe informações corporativas sensíveis ao alcance do Estado.
A China tem rígidas regras escritas e não escritas e medidas para a governança cibernética. O governo vê o controle de dados como um instrumento fundamental para proteger o papel político predominante do partido. O enorme sistema de censura filtra extensivamente toda a comunicação digital. O governo procura controlar rigorosamente os métodos de criptografia e forçar as empresas a revelarem códigos de criptografia às autoridades. As vendas ou o uso comercial de dispositivos de criptografia por empresas estrangeiras devem ser autorizados pelo Escritório de Administração Estatal de Criptografia Comercial (OSCCA). Hoje, as restrições ao uso de dispositivos de criptografia já são altamente problemáticas para empresas estrangeiras. Na prática, é muito difícil para as empresas estrangeiras obter essas licenças.
Com o desenvolvimento da Internet das Coisas e o amplo uso de smartphones, o rastreamento de informações privadas pelo Estado está prestes a penetrar todos os aspectos da vida social e econômica. Por exemplo, todos os veículos elétricos na China já têm que transmitir informações de posição às agências do governo chinês a cada poucos segundos. A intensificação da penetração da indústria por aplicativos digitais e o correspondente aumento nos dados disponíveis também é altamente provável para estimular um aumento na coleta de diferentes tipos de dados de produção por instituições estatais.
As empresas estrangeiras devem ter em conta que o Estado chinês pode ter acesso sistemático a dados empresariais sensíveis, uma vez que as empresas podem ser obrigadas a abrir seus sistemas. Segundo os autores, é possível que as instituições governamentais também usem os dados obtidos para informar as empresas chinesas sobre o conhecimento e segredos de concorrentes estrangeiros. As restrições sobre o uso de dispositivos de criptografia forçam algumas empresas estrangeiras a contornar ilegalmente esses regulamentos para garantir que seus dados estejam protegidos.
Uso estratégico da padronização pela China. De modo geral, a China está disposta a harmonizar seus padrões nacionais com os padrões internacionais, o que facilitaria o acesso ao mercado para empresas estrangeiras. A reforma em curso do seu sistema de padronização aponta para uma liberalização e internacionalização. De um lado, os atores privados são incentivados a estabelecer padrões da indústria e, de outro lado, os reguladores são encorajados a colaborar com seus homólogos internacionais.
Semelhante a outros países, a China está atuando para influenciar e estabelecer padrões internacionais para apoiar a exportação de tecnologias chinesas e reduzir o ônus do pagamento de taxas de royalties para patentes internacionais. Embora isso aumente a concorrência com a China na padronização, isso ocorre dentro das organizações internacionais estabelecidas. Devido ao grande mercado chinês de manufatura inteligente, é provável que a China se torne uma força influente em comitês internacionais relevantes. No caso da manufatura inteligente, a China já obteve um sucesso ao introduzir seus padrões de processo e automação de fábrica (WIA-PA e WIA-FA) sob a International Electrotechnical Commission.
Ao mesmo tempo, contudo, a China, às vezes, formula padrões nacionais em indústrias estratégicas que diferem deliberadamente dos padrões internacionais para impedir o acesso ao mercado de tecnologia estrangeira e favorecer a tecnologia chinesa no mercado interno. Exemplos de normas nacionais chinesas são o padrão FDD-LTE para redes móveis 4G, o padrão WAPI para redes sem fio e padrões independentes para estações de carregamento de veículos elétricos. Se tal caminho nacional de padronização também se manifesta na manufatura inteligente, o acesso ao mercado para fornecedores de tecnologia estrangeiros poderia ser consideravelmente restrito. A reforma da padronização dá mais peso aos comitês liderados por empresas na definição de padrões. No entanto, é possível que empresas estatais e associações dominadas pelo Estado usem sua influência para introduzir padrões que dificultem as atividades de mercado para empresas estrangeiras.
Restrições de acesso ao mercado doméstico para os fornecedores de tecnologia. No momento, a China ainda é um mercado relativamente aberto para os investimentos greenfield de fornecedores estrangeiros de tecnologia nas áreas relacionadas à manufatura inteligente. O Estado incentiva explicitamente o investimento estrangeiro em áreas como robôs industriais ou máquinas-ferramentas de ponta. No entanto, a regulamentação do acesso ao mercado chinês geralmente segue os objetivos estratégicos da política industrial: os mercados estão inicialmente abertos para atrair tecnologia estrangeira, para ajudar o progresso tecnológico e para facilitar o aprendizado com as empresas estrangeiras.
O empenho político para a modernização industrial na China cria uma enorme demanda por produtos de fabricação inteligente, como robôs industriais, sensores inteligentes, redes de sensores sem fio e chips de identificação por radiofrequência. Para muitas empresas estrangeiras, isso proporciona inicialmente oportunidades de negócios altamente atraentes: a transformação da base de fabricação da China requer tecnologias avançadas que os fornecedores chineses não conseguem fornecer em seu nível tecnológico atual. A melhoria industrial da China, no curto prazo, pode significar enormes lucros para empresas internacionais. Para os parceiros econômicos da China na Europa e nos Estados Unidos, ele poderia mesmo abrir oportunidades para um aprofundamento mutuamente benéfico da cooperação econômica, tecnológica e política. Em princípio, a economia global tem boas razões para acolher a busca da China por uma maior capacidade de inovação, desde que a China respeite os princípios e regras dos mercados abertos e da concorrência leal.
No entanto, tanto na avaliação dos pesquisadores do Merics como da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, MIC 2025, na sua forma atual, representa exatamente o oposto: a liderança da China intervém sistematicamente nos mercados domésticos de modo a beneficiar e facilitar o domínio econômico das empresas chinesas e a desvantagem de concorrentes estrangeiros. Isso é visível na manufatura inteligente, bem como em muitas outras indústrias de alta tecnologia almejadas pela estratégia. Em essência, MIC2025 visa a substituição: a China busca substituir gradualmente o estrangeiro pela tecnologia chinesa em casa - e preparar o terreno para as empresas de tecnologia chinesas entrem nos mercados internacionais.
As indicações desta intenção são onipresentes no documento da iniciativa MIC 2025. A estratégia enfatiza termos como “inovações indígenas” e “autossuficiência”. Pretende aumentar a participação de mercado doméstico dos fornecedores chineses para “componentes básicos essenciais e materiais básicos importantes” para 70% no ano de 2025. Como salientam Wübbeke e outros, documentos semioficiais relacionados à estratégia estabelecem benchmarks muito concretos para certos segmentos: 40% dos chips de telefone celular no mercado chinês devem ser produzidas na China até 2025, bem como 70% de robôs industriais e 80% de equipamentos de energia renovável.
De acordo com Wübbeke e outros, embora o MIIT insista que o MIC 2025 não resultará na adoção de um novo sistema de conteúdo local, há evidências em contrário. Para evitar uma violação aberta das obrigações com a Organização Mundial de Comércio, os ministérios responsáveis e os institutos de políticas estatais estão usando documentos internos ou semioficiais para comunicar metas de conteúdo local às empresas chinesas em setores como aviação e veículos elétricos.
Para alcançar esses objetivos, as entidades governamentais de todos os níveis canalizam grandes quantidades de dinheiro para o futuro industrial da China. O Fundo de Fabricação Avançado recentemente estabelecido, por si só, representa CNY 20 bilhões (2,7 bilhões de euros). O Fundo Nacional de Circuito Integrado recebeu até CNY 139 bilhões (19 bilhões de euros). Estes fundos de nível nacional são complementados por uma infinidade de veículos de financiamento a nível provincial. Os recursos financeiros são enormes em comparação, por exemplo, com os 200 milhões de euros de financiamento federal que, segundo Wübbeke e outro, o governo alemão forneceu para pesquisa nas tecnologias da Indústria 4.0 até agora.
Na avaliação dos pesquisadores do Merics, o objetivo mais ambicioso da China de uma atualização ampla e econômica em grande escala da indústria na próxima década provavelmente não será alcançado devido a deficiências na concepção e aplicação da política. Sua ampla abordagem global não atende às necessidades específicas de muitas empresas, a alocação de financiamento é ineficiente e os governos locais estão gastando demais. Além disso, os fatores contextuais, incluindo a pressão descendente sobre a economia global da China, o impacto latente da automação no mercado de trabalho e a escassez de habilidades diminuem significativamente a capacidade e a vontade da maioria das empresas chinesas de investir em uma modernização dispendiosa do equipamento de produção.
Apesar de seus pontos fracos, MIC 2025 é um reflexo da política industrial sofisticada e estratégica da China. Para os autores, a estratégia aumentará rapidamente a competitividade global das principais empresas chinesas, direcionando seletivamente as mais importantes indústrias do futuro. Embora a estratégia política seja susceptível de perder o seu objetivo de melhoria industrial em larga escala, será marcadamente bem sucedido na elevação das partes essenciais da indústria chinesa, criando um grupo pequeno, mas impactante, de líderes globais na manufatura inteligente.
Mesmo com um sucesso mitigado, a política industrial e tecnologia da iniciativa Made in China 2025 criará, portanto, enormes desafios para corporações internacionais e economias inteiras de países industrializados. Os tomadores de decisão europeus e norte-americanos na política e nas empresas terão de fornecer respostas igualmente inteligentes para esse desafio.