Carta IEDI
2017: um ano de reação, mas não para todos
O ano de 2017 significou o início da reativação da economia. A aguda crise pela qual o país passou parece ter terminado, ao menos do ponto de vista conjuntural, embora estejamos longe de uma trajetória de crescimento sustentado capaz de superar o declínio dos últimos anos. A recuperação é incipiente e modesta, além de, por ora, não abarcar todos os setores e áreas da economia. Ademais, 2018 também precisa dar provas de resiliência a potenciais instabilidades advindas do cenário político para que o crescimento ganhe maior consistência e robustez.
Registraram resultados positivos em 2017 a indústria (+2,5%) e comércio varejista (+2,0% no conceito restrito e +4,0% no ampliado), puxados sobretudo pelos ramos de bens duráveis, isto é, justamente por aqueles onde a crise havia se mostrado mais grave. Além do desempenho exportador excepcionalmente positivo a estimular a produção industrial de alguns desses bens (notadamente automóveis), contribuíram muito para isso a volta do crédito às famílias em um contexto de juros cadentes e a liberação dos recursos do FGTS e do PIS-Pasep.
Também não deve ser subestimada a expressiva desaceleração da inflação (de 6,29% em 2016 para 2,95% em 2017), na esteira de uma safra agrícola recorde que derrubou os preços dos alimentos. O ganho de renda real daí decorrente ajudou a recompor parcialmente o nível de consumo das famílias, injetando um pouco mais de dinamismo no comércio e na indústria. Os serviços consumidos pelas famílias não foram igualmente beneficiados, já que encerraram 2017 novamente no negativo (-1,1%).
De fato, 2017 não trouxe recuperação para o setor de serviços como um todo. Seu faturamento real registrou mais um ano de queda (-2,8%), embora mais branda do que nos anos anteriores. O único segmento de serviços a reagir foi o de transportes, seus auxiliares e correios (+2,3%), cujo comportamento tende a ser mais influenciado pelo dinamismo da indústria e varejo bem como pelo comércio exterior. O escoamento da excepcional safra agrícola também contribuiu positivamente.
Um resultado melhor para o setor de serviços deve vir apenas com um avanço mais substancial do emprego e, consequentemente, do mercado doméstico. Só na segunda metade de 2017 a população ocupada voltou a crescer, a partir da criação de postos sem carteira assinada ou por conta própria, cujos rendimentos tendem a ser menores e mais irregulares. De todo modo, a taxa de desemprego permanece bastante elevada (11,8%).
Também ajudaria o desempenho dos serviços se o quadro das empresas ficasse menos grave. Isso porque os serviços profissionais, administrativos e complementares, cuja demanda é corporativa, registrou uma piora não desprezível em 2017 (-7,3% contra -5,6% em 2016). A normalização do financiamento das empresas, que continuou declinando no ano passado, poderia ajudar nesta direção.
Mesmo que sinais em direções opostas ainda tenham marcado 2017, o PIB brasileiro deve registrar um crescimento moderado no ano. O indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma prévia do PIB aponta para alta de 1,04%. Vale observar ainda que, ao menos nas comparações interanuais, o último trimestre do ano também trouxe indícios favoráveis para o início de 2018. Indústria, comércio, crédito (inclusive para as empresas) e emprego tiveram um final de ano melhor do que seus resultados anuais sugerem. O mesmo ocorreu no setor de serviços, embora neste caso o máximo que se obteve foi um estancamento das perdas.
Dito isso, para colocar a situação em perspectiva é importante ter em mente o caminho que ainda falta trilhar. Tome-se, por exemplo, o caso da indústria. Após este primeiro ano de recuperação, o nível da produção física industrial em dezembro de 2017 ainda se encontrava quase 14% abaixo do pico atingido em junho de 2013. No caso do comércio varejista, outro setor a mostrar reação em 2017, o patamar do faturamento real das vendas em dezembro último era 15% inferior ao pico de agosto de 2012, consideradas também as vendas de automóveis, autopeças e material de construção.
Indústria
Em dezembro de 2017, a indústria obteve um resultado excepcional de +2,8% frente a novembro, a maior alta desde junho de 2013 na série com ajuste sazonal. Em grande medida, a magnitude dessa alta se deveu a poucos setores e somente a alguns parques industriais regionais.
Setorialmente, a expansão de dezembro na série com ajuste foi condicionada pelo desempenho de veículos automotores, reboques e carrocerias (+7,4%) e produtos alimentícios (+3,3%). Regionalmente, embora cerca de metade das localidades pesquisadas pelo IBGE, isto é, 8 das 15 localidades, tenha registrado variação positiva, foram raros os casos de crescimento mais intenso, como Rio Grande do Sul (+6,8%) e Amazonas (+6,2%). São Paulo, por seu peso no parque industrial do país, também contribuiu muito para o resultado agregado ao atingir sua melhor marca do ano na série com ajuste sazonal (+3,0%).
Com o auxílio do impulso vindo no mês de dezembro, o dinamismo industrial nos últimos meses de 2017 se mostrou vais vigoroso do que aquele do acumulado do ano como um todo. Para a indústria geral, o aumento de produção no 4º trimestre chegou a 4,9%, isto é, duas vezes maior do que os 2,5% no acumulado janeiro-dezembro de 2017. Este foi um padrão repetido por todos os macrossetores industriais e pela maior parte dos parques regionais da indústria, inclusive aqueles mais completos e diversificados, como São Paulo.
Bens de consumo duráveis, cuja produção cresceu 13,3% no acumulado de 2017, chegou a registrar alta de 17,8% no 4º trimestre do ano, sob influência principal da indústria automobilística, mas também de outros produtos. Bens de capital, por sua vez, obtiveram variação de +6,0% em 2017 e de +10,7% no último trimestre.
No macrossetor de bens intermediários, que manteve uma trajetória de resultados trimestrais positivos e cada vez maiores, o aumento de produção chegou a +3,9% no quarto trimestre garantindo uma alta de +1,6% em 2017 como um todo. Já bens de consumo semi e não duráveis cresceram apenas 0,9% em 2017, mas avançaram +2,8% no quarto trimestre.
Em termos regionais, 11 das 15 localidades pesquisadas pelo IBGE apontaram um final de ano melhor do que o agregado de janeiro a dezembro. Entre elas estão parques industriais importantes, que, inclusive, conseguiram crescer acima da média nacional no ano passado, como São Paulo (+3,4% em 2017 e +8,1% no 4º trim/17) e Rio de Janeiro (+4,2% e +7,2%, respectivamente), mas também Amazonas (+3,7% e +7,5%), Santa Catarina (+4,5% e +7,2%), Mato Grosso (+3,9% e +10,6%), Goiás (+3,7% e +5,8%), etc. Paraná foi o único estado com aumento superior à indústria geral (+4,4%) que registrou desaceleração no 4º trimestre de 2017 (+2,4%).
Para aquelas localidades que conseguiram apenas ter um aumento modesto de produção em 2017, como foram os casos de Rio Grande do Sul (+0,1%), Espírito Santo (+1,7%) e Minas Gerais (+1,5%), a tendência sugerida pelo último trimestre do ano foi de retorno ao negativo para os dois primeiros casos (-1,0% e -2,2%, respectivamente) e de estabilidade do ritmo no caso mineiro (+1,5%).
A única região a continuar registrando perdas em 2017 foi o Nordeste, com -0,5% no acumulado do ano. Vale observar que a região como um todo não só entrou em crise mais tarde do que outras localidades, como suas quedas foram mais brandas. De todo modo, no ano passado quase não deu sinais de reação. Depois de novos declínios no primeiro semestre de 2017, registrou crescimento de 1,6% no 3º trimestre do ano, mas que não se sustentou. No 4º trimestre, houve apenas estabilidade.
O quadro resumo de 2017 não foi, assim, nada mal: das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, 12 fecharam o ano no positivo, sendo 8 delas em um ritmo superior à média nacional, e 11 com um viés favorável no último trimestre do ano, o que traz boas perspectivas para o desempenho do setor na entrada de 2018.
Um aspecto importante que não se pode perder de vista é, entretanto, o fato de que há muito a se recuperar pela frente. Mesmo os estados com os melhores desempenhos em 2017 pouco fizeram frente às perdas acumuladas durante a crise. A indústria paulista, por exemplo, encolheu 21% de 2014 a 2016, o que faz da alta de 3,4% em 2017 algo muito insuficiente. No total nacional, ocorre a mesma desproporção de resultados: -17% no triênio de crise contra apenas +2,5% em 2017.
Comércio
Diferentemente do que ocorreu na indústria, dezembro passado não foi um bom mês para o comércio varejista, cujas vendas reais, já descontados os efeitos sazonais, declinaram 1,5% frente a novembro. Este, que foi o pior resultado de 2017 nesta comparação, decorreu ainda de quedas na maioria dos segmentos do setor (6 dos 8 acompanhados). Consideradas as vendas de automóveis e material de construção, o quadro não foi muito melhor: retração de 0,8%.
Visto pelo resultado mais de curto prazo, isto é, pelas variações com ajuste sazonal, o desempenho do varejo tem mostrado fraquezas desde meados de 2017, o que sugere que, a despeito da melhora do poder aquisitivo da população com a queda da inflação e do retorno do crédito a juros cadentes para as famílias, ainda falta mais consistência à reação do setor. Maior progresso na recuperação do emprego é um dos fatores positivos ainda ausentes.
São sinais de fraqueza a alternância de variações positivas e negativas, na série com ajuste sazonal, desde julho do ano passado no varejo restrito, período em que as quedas predominaram. O nível de vendas em dezembro era 1,3% menor do que o de junho. No caso do varejo ampliado, uma trajetória de 6 meses seguidos sem decréscimos (de abr/17 a set/17) deu lugar a uma acentuada oscilação no último trimestre do ano, cujo significado final foi de estabilidade.
De todo modo, a despeito dessas observações que sugerem cautela à evolução recente do comércio varejista, bases muito baixas de comparação garantiram que o setor concluísse 2017 com um retorno ao azul. No acumulado do ano a alta das vendas reais chegou a 2,0% no varejo restrito e a 4,0% no varejo ampliado. Além dos segmentos de automóveis e de material de construção, outros 5 dos 8 segmentos que compõem o varejo restrito conseguiram crescer no ano passado.
Entre as melhores performances no ano, encontram-se alguns dos segmentos que mais sofreram ao longo da crise por serem bens duráveis ou semiduráveis, cujo consumo funciona como válvula de ajuste em períodos de restrição do orçamento das famílias e de piora da confiança dos consumidores. Conseguiram reagir em 2017 as vendas de móveis e eletrodomésticos (+9,5%), devido a estes últimos (+10,2%), material de construção (+9,2%) e tecidos, vestuário e calçados (+7,6%). Veículos, motos e autopeças também cresceram, mas em ritmo mais modesto (+2,7%).
Na comparação interanual, o quarto trimestre de 2017 conseguiu ser melhor do que o desempenho agregado dos 12 meses do ano, em boa medida porque nos primeiros três meses do ano as vendas ainda declinavam. Vale observar, contudo, que o quarto trimestre também na comparação com o mesmo período do ano anterior foi acompanhado de certa desaceleração frente ao resultado do terceiro trimestre, ao menos nas vendas do varejo restrito (+4,3% contra +3,9%, respectivamente).
Ao todo, 4 dos 8 segmentos do varejo restrito tiveram um final de 2017 crescendo mais do que no ano como um todo: hipermercados, alimentos, bebidas e fumo (+1,4% no ano e +3,9% no 4º trim.); móveis e eletrodomésticos (+9,5% e +11,2%, respectivamente), artigos farmacêuticos, ortopédicos, perfumaria e cosméticos (+2,5% e +7,1%) e outros artigos de uso pessoal (+2,1% e +3,0%). Este também foi o caso das vendas de automóveis e autopeças (+2,7% e +9,5%) e material de construção (+9,2% e +14,0%).
Estre os segmentos que seguiram em direção oposta, dois sequer conseguiram evitar a região negativa em 2017, isto é, já não estavam bem e deram sinal de piora na passagem do ano. São os casos de livros, jornais, revistas e papelaria (-4,2% em 2017 e -5,6%no 4º trim./17) e de equipamentos e material de escritório, informática e comunicação (-3,2% e -8,4%, respectivamente). Tecidos, vestuário e calçados, por sua vez, também apresentaram perda de tração nos últimos meses, mas ainda avançam em ritmo razoável: +7,6% em 2017 e +7,0% no 4º trim./2017.
Por fim, as vendas reais de combustíveis e lubrificantes, que não evitaram mais um ano de declínio, ao menos terminaram 2017 sem um aprofundamento de sua crise. No acumulado de janeiro-dezembro o resultado foi de -3,3% e nos últimos três meses do ano, de -3,6%.
Serviços
O setor de serviços trilhou um caminho bastante particular nesses anos de crise em comparação com outros setores da economia. Suas perdas começaram depois e foram menos agudas do que aquelas sofridas pela indústria e pelo comércio varejista – mesmo em 2016, seu pior ano. Em 2017, os serviços seguiram destoando ao permanecer no vermelho (-2,8%), enquanto os demais setores voltavam ao azul.
Na origem deste comportamento está o fato de os serviços estarem menos sob influência do crédito, que entrou em colapso na crise. No ano passado, porém, juros em declínio e o retorno do financiamento, sobretudo para as famílias, ajudaram mais a indústria e o comércio do que os serviços.
Há também outros fatores a serem considerados. Certos serviços se tornaram essenciais para a sociedade, como os de comunicação, que resistiram por mais tempo à crise. Outros, a exemplo dos serviços terceirizados – que não estão tão diretamente relacionados à atividade principal das empresas – também desempenham, em um primeiro momento, um papel amortecedor à queda do faturamento do setor de serviços. Porém, com o passar do tempo, todos tiveram sua situação agravada.
Assim, em 2017 a recuperação dos serviços não veio. À exceção do segmento de transportes, seus auxiliares e correios, todos os demais quatro segmentos acompanhados pelo IBGE terminaram o ano em queda. O grupamento especial de atividades turística também não escapou do sinal negativo.
Nem mesmo o quarto trimestre trouxe reação ao variar -0,2% frente a igual período do ano anterior, muito embora tenha apresentado um resultado melhor do que o acumulado do ano, à semelhança do que se verificou na indústria e no comércio. A contar pelo mês de dezembro, contudo, é possível que o quadro melhore em 2018 para o setor como um todo: depois de 32 meses consecutivos de queda na comparação interanual, houve alta de 0,5% no faturamento real de serviços.
A despeito disso, para alguns segmentos do setor 2017 foi um ano de piora adicional. Este foi o caso dos serviços profissionais, administrativos e complementares, cujo faturamento real encolheu 7,3% no ano passado (contra -5,6% em 2016). A queda do 4º trim./17 não ficou muito longe: -5,3%. Como esses serviços são demandados por empresas, este é mais um indício que o quadro corporativo no país ainda está em um mau momento. As concessões de crédito para as empresas em contração (-2,4% em termos reais) é outro indício.
Outros casos de aprofundamento da crise em 2017 foram os de outros serviços (-2,8% em 2016 e -8,9% em 2017), que congregam um conjunto diversificado de atividades, e do grupamento especial de turismo (-2,6% e -6,5%, respectivamente). Em ambos o patamar de queda avançou muito no ano passado e o último trimestre não sugere uma rápida reversão de sua situação (-6,9% no primeiro caso e -6,7% no segundo caso).
Em direção oposta a esses segmentos anteriores estão os serviços de serviços de informação e comunicação (-3,3% em 2016 e -2,0% em 2017) e os serviços prestados às famílias (-4,4% em 2016 e -1,1% em 2017), ambos com amenização das perdas no acumulado do ano e uma virtual estabilidade no último trimestre (-0,2% e -0,8%, respectivamente). Em 2017, a demanda por serviços pelas famílias pode se recompor um pouco graças à liberação de renda devido à redução do seu endividamento, com a liberação dos recursos do FGTS e pela melhora das condições do crédito, e à menor inflação.
O único segmento a registrar alguma reação foi o de transporte, seus auxiliares e correios, cujo dinamismo está mais estreitamente vinculado ao nível geral de atividade econômica e que foi favorecido pela safra agrícola recorde no ano passado. Sua trajetória parece promissora para 2018: +2,3% no acumulado de 2017 e +6,6% no último trimestre do ano. O mês de dezembro também foi positivo e em um ritmo satisfatório: +4,8% frente a dez/16.