Carta IEDI
A combinação excepcional de fatores para o ajuste das contas externas
Em 2017, as contas externas do Brasil registraram um desempenho bastante favorável devido a uma combinação excepcional de fatores tanto externos como internos. No âmbito das transações correntes, o processo de ajuste externo iniciado em 2015 teve continuidade em 2017 numa intensidade muito próxima à observada em 2016, e isso apesar da saída da recessão após dois anos de retração do PIB, o que tende a estimular nossas importações.
O déficit nas transações correntes (TC) caiu expressivos 58,4% frente a 2016, atingindo a menor cifra desde 2008. O recuo como porcentagem do PIB também tem sido intenso: passou de 3,3% em 2015 para somente 0,5% em 2017. Deste modo, o investimento direto externo (IDE), modalidade mais estável de capital estrangeiro, foi mais que suficiente para financiar esse déficit.
Por trás dessa evolução recente das TC está, principalmente, o avanço do superávit da balança comercial de bens, embora numa intensidade menor do que a de 2016 (42,2% contra 155%). Esse menor ritmo não surpreende, dado que o pequeno crescimento da economia brasileira em 2017 já foi suficiente para que as importações reagissem, depois de dois anos seguidos de retração. Assim, o superávit comercial só melhorou porque a alta das importações ficou abaixo da alta das exportações: 9% contra 17,8%, respectivamente. Vale lembrar que nossas exportações foram muito beneficiadas pela super safra agrícola, bem como pela recuperação dos preços internacionais das commodities e pelo dinamismo da demanda externa, que contribuiu para sustentar os embarques de bens manufaturados.
A saída da recessão também impulsionou outras rubricas das transações correntes em 2017, como: as viagens internacionais, favorecidas pelos mesmos fatores subjacentes à reação do consumo das famílias, dentre os quais a liberação dos recursos do FGTS e do PIS-Pasep, o retorno do crédito às pessoas físicas e a queda da inflação; e, as remessas liquidas de “Lucros e dividendos”, que têm um comportamento pro-cíclico (ou seja, aumentam quando a economia brasileira está crescendo e vice-versa). Todavia, o aumento desses gastos foi bem menor que o registrado na balança comercial, o que explica a continuidade do ajuste nas TC.
Do lado da conta financeira, o déficit de 2017 foi menor do que o registrado em 2016. Na atual metodologia do Balanço de Pagamentos adotada pelo Banco Central do Brasil (BCB), o saldo dessa conta não equivale ao ingresso líquido de capitais externos (como na metodologia anterior), mas à diferença entre a variação dos ativos e dos passivos externos frente ao ano anterior. Assim, um valor negativo na conta financeira significa que o crescimento da posição de não-residentes no país (passivo externo) foi maior do que da posição de residentes no exterior e vice-versa (ativo externo).
Em 2017, a conta financeira foi deficitária em US$ 4.880 milhões (contra um saldo negativo de US$ 16.141 milhões em 2016), sendo o segundo menor déficit da nova série histórica do BCB iniciada em 1995. A análise da sua composição revela que a maior parte do passivo externo absorvido decorreu do ingresso de IDE, de US$ 70.332 milhões. Esse valor foi 10% inferior ao registrado em 2016 em função do menor ingresso líquido de empréstimos intercompanhia, associado, provavelmente, à redução da taxa básica de juros do Brasil (Selic) e, consequentemente, do diferencial entre os juros externos e internos que estimula operações de arbitragem pelas empresas transnacionais.
No caso dos investimentos em carteira, apesar do aumento do apetite por riscos no mercado financeiro internacional, essa redução dos juros no Brasil estimulou as aplicações de residentes no exterior e desestimulou os investimentos de não-residentes no mercado de renda fixa brasileiro; o efeito líquido foi um pequeno déficit. A menor rentabilidade de aplicações nesse mercado deve ter contribuído, igualmente, para o crescimento dos depósitos dos exportadores no exterior, contabilizados na rubrica “Créditos comerciais e adiantamentos”, principal determinante do maior superávit nos outros investimentos.
Em 2018, contudo, a combinação de bons resultados na conta de transações correntes não deve persistir, em função, sobretudo, de um fator interno: o maior ritmo de crescimento da economia brasileira (2,8% é a expectastiva segundo o relatório Focus divulgado em 19/03/2018). Neste contexto, as importações serão impulsionadas dada a sua elevada elasticidade-renda e, simultaneamente, as exportações devem perder fôlego, já que em economias de dimensão continental como a brasileira há um trade-off entre mercado interno e externo no caso de produtos manufaturados. Ademais, a super safra agrícola não deve ocorrer novamente.
Ou seja, a balança comercial e as transações correntes não repetirão os desempenhos observados no triênio 2015-2017. Essas suposições são coerentes com as projeções atuais do BCB, que apontam para um déficit de US$ 18,4 bilhões em 2018, mas que podem se revelar otimistas. No último relatório Focus, a expectativa do mercado era de um DTC de US$ 26,6 bilhões.
Já o crescimento mundial deve mostrar vigor, mas sem conseguir reverter a tendência de deterioração das TC. O FMI, em janeiro deste ano, revisou seu cenário básico apontando para uma expansão global em 2018 ligeiramente maior do que aquele esperando no final de 2017: passou de 3,7%, na projeção de em out/17, para 3,9% agora em jan/18.
A retomada do dinamismo internacional estimula tanto os fluxos de IDE para as economias emergentes, os quais também são pró-cíclicos em relação ao desempenho global, como os fluxos financeiros (investimentos em carteira e outros investimentos) mediante seu impacto positivo sobre as expectativas dos investidores globais (supondo que não ocorra nenhuma surpresa negativa seja no processo de normalização da política monetária dos Estados Unidos, seja em âmbito geopolítico). Assim, no caso da conta financeira, é coerente com esse contexto a estimativa do BCB de crescimento do seu déficit para US$ 18 bilhões associado, sobretudo, ao aumento em torno de 36% do IDE, que será estimulado, igualmente, pelo melhor desempenho da economia brasileira.
Panorama Geral
Esta Carta IEDI apresenta os principais resultados das contas externas brasileiras em 2017. Os dados foram extraídos da nova série histórica do Balanço de Pagamentos (BOP) divulgada pelo Banco Central do Brasil (BCB) a partir de abril de 2015. Esta série se baseia na 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos (BOP) e Posição de Investimento Internacional (BPM6) do Fundo Monetário Internacional (FMI) que procurou tornar as estatísticas do balanço de pagamentos mais adequadas à dinâmica atual da economia internacional marcada pela globalização financeira e produtiva. Para maiores detalhes sobre a BPM6, consultar a Carta Iedi n. 718 e o link: http://www.bcb.gov.br/?6MANBALPGTO.
Em 2017, o déficit nas transações correntes (DTC) da economia brasileira somou US$ 9.762 milhões (contra US$ 23.546 milhões em 2016), a menor cifra registrada desde que essa subconta do Balanço de Pagamentos (BOP) voltou ao terreno negativo em 2008. O recuo de 58,4% é ligeiramente inferior ao registrado na passagem de 2015 para 2016, quando esse déficit diminuiu 60,4%. Assim, considerando os valores absolutos, o processo de ajuste externo iniciado em 2015 teve continuidade em 2017 numa intensidade muito próxima à observada em 2016, apesar da saída da recessão após dois anos de retração do PIB.
Todavia, o indicador mais adequado para dimensionar o ajuste externo no triênio 2015-2017 é a razão entre o DTC e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, o DTC recuou de 3,3% do PIB em 2015 para 1,3% em 2016 e somente 0,5% em 2017, ou seja, entre 2015 e 2017 a redução foi de 2,8 pontos percentuais (p.p).
Outro indicador utilizado para a avaliação da situação externa de uma economia é a razão entre a Necessidade de Financiamento Externo (NFE) e o PIB, obtida a partir da diferença entre o DTC/PIB e a razão entre o investimento direto externo (IDE) e o PIB. Sempre considerando as variáveis em percentagem do PIB, se a diferença é positiva, o IDE, modalidade mais estável de capital externo, não é suficiente para financiar o DTC, o que resulta num indicador NFE/PIB positivo. Em contrapartida, se o IDE/PIB for maior que o DTC/PIB, as NFE/PIB são negativas, como observado no biênio recessivo e em 2017. Embora o IDE/PIB tenha diminuído em 2017 frente a 2016, a NFE/PIB manteve-se praticamente constante em função do forte recuo do DTC/PIB, associado ao desempenho da atividade econômica doméstica (recessão de 2015 e 2016 e recuperação lenta e modesta de 2017), bem como da economia mundial, como detalhado na próxima seção.
Para a análise da conta financeira, é importante lembrar as mudanças que ocorreram na nova metodologia: (i) uma nova convenção de sinais foi adotada, sendo as captações líquidas registradas com sinais negativos (pois refletem o aumento do passivo externo) e as concessões líquidas com sinais positivos (significando aumento do ativo externo); (ii) a forma de contabilização do seu resultado também foi alterada, sendo obtido agora pela diferença entre a variação dos ativos e a variação dos passivos. Assim, a conta financeira também melhorou em 2017, quando essa diferença foi negativa em somente US$ 4.501 milhões, cifra 68% inferior à registrada em 2016. Notar que este foi o terceiro recuo consecutivo: na mesma base de comparação, 45,2% em 2015 e 70,2% em 2016. Na comparação de 2017 com 2014, o ajuste da conta financeira foi de 96%.
A seguir, detalha-se o desempenho das transações correntes e da conta financeira em 2017.
Transações Correntes
Na nova metodologia do BOP, as transações correntes são desagregadas em quatro subcontas: (i) balança comercial; (ii) serviços; (iii) renda primária, que corresponde às “rendas” da metodologia anterior; (iv) renda secundária, que equivale às “transferências unilaterais” da metodologia anterior.
Assim como em 2016, a redução do DTC em 2017 ancorou-se, sobretudo, no desempenho da balança comercial de bens, que foi superavitária em US$ 64.028, cifra 42,2% aos US$ 45.038 milhões registrados em 2016. Todavia, o avanço observado em 2016 frente a 2015 (US$ 17.670 milhões) foi bem mais expressivo, de 155%. Se considerarmos o triênio 2015-2017, o comércio exterior brasileiro passou de um déficit de US$ 6.284 milhões em 2014 para o maior superavit da nova série histórica do BCB que se inicia em 1995.
O aumento menos expressivo do superávit em 2017 em relação ao ano anterior não surpreende, já que a economia brasileira voltou a crescer, mesmo que em baixa velocidade. Como detalhado na Carta IEDI n. 830, o maior avanço das exportações do que aquele das importações (17,8% e 9,9%, respectivamente) decorreu da combinação de fatores que contribuíram para sustentar o crescimento das exportações. Entre esses fatores, se destacam, do lado interno, a super safra agrícola e a manutenção do crescimento das vendas externas de bens manufaturados, sobretudo da indústria automobilística, embora num ritmo menor do que em 2016; e, do lado externo, a recuperação dos preços das commodities e o dinamismo da demanda externa associados à aceleração da economia mundial em 2017. Na atualização do cenário do FMI para essa economia em 2017, divulgado em janeiro, as estimativas do desempenho do volume do comércio mundial e do preço do petróleo foram revistas para cima na comparação com as divulgadas em outubro: respectivamente, de +4,2% para +4,7% e de 17,4% para 23,1%; somente no caso do preço das commodities não-energéticas, houve uma pequena piora na projeção (de +7,1% para +6,5%). Em contrapartida, no biênio recessivo a melhora da balança comercial decorreu do menor recuo das vendas externas relativamente ao das compras do exterior. Consequentemente, a corrente de comércio aumentou 14,4% em 2017 frente a 2016, após três anos consecutivos de recuo (2014 a 2016).
A saída da recessão também influenciou o desempenho das demais subcontas das transações correntes. No caso da conta de serviços, o déficit voltou a crescer (+11,2%) após dois anos consecutivos de recuo. Todavia, seu valor continuou inferior ao registrado no período 2011- 2015. O principal responsável por esse resultado foi o aumento de 55,7% frente ao ano anterior dos gastos com viagens internacionais (que responderam por 39% desse déficit), que, contudo, continuou igualmente inferior aos patamares observados nesse período. Esse tipo de gasto tem uma alta elasticidade a variações tanto da taxa de câmbio nominal como da renda. No caso de 2017, como essa taxa oscilou muito pouco ao longo do ano (se considerarmos os valores de final de período, houve uma depreciação de 1,5% em 2017), esse aumento esteve associado, sobretudo, aos mesmos fatores subjacentes à reação do consumo das famílias já apontados pelo IEDI, dentre os quais a liberação dos recursos do FGTS e do PIS-Pasep e a queda da inflação. Os gastos com transportes também aumentaram, mas em menor intensidade (33,4% na mesma base de comparação), como reflexo, sobretudo, da maior corrente de comércio. Nesse caso, o valor de US$ 4.975 milhões é inferior aos registrados entre 2009 e 2015. Em contrapartida, os gastos com aluguel de equipamentos (em função, sobretudo, dos aluguéis da Petrobras), que responderam por 50% do total do deficit em serviços em 2017, recuaram 13,7%; esta foi a terceira queda consecutiva, decorrente do desempenho da produção da Petrobras.
A “Renda primária de investimentos” é estruturalmente negativa devido ao elevado passivo externo líquido da economia brasileira e seus deficits são historicamente superiores àqueles da subconta “Serviços”. Esse padrão manteve-se em 2017, mas o crescimento do saldo negativo das rendas primárias foi de apenas 3,6%, associado ao aumento das remessas liquidas de recursos na rubrica “Lucros e dividendos” (de IDE e de investimento em carteira), que tem um comportamento pro-cíclico (ou seja, aumenta quando a economia brasileira está crescendo e vice-versa). Como a economia ainda andava em passos lentos em 2017, esse resultado também não surpreende. Além disso, o comportamento da taxa de câmbio não estimulou essas remessas, que se tornam mais vantajosas quando a moeda brasileira aprecia.
Conta Financeira
O déficit da conta financeira de US$ 4.880 milhões em 2017 foi o segundo menor da nova série histórica do BCB, superando somente o registrado em 2007, de US$ 2.495 milhões. Como já mencionado, na atual metodologia do Balanço de Pagamentos, o saldo dessa conta não equivale ao ingresso líquido de capitais externos, mas à diferença entre a variação dos ativos e dos passivos externos frente ao ano anterior (ou ao mês anterior para os dados mensais). Assim, um valor negativo significa que o crescimento dos passivos de não-residentes no país foi maior que dos ativos de residentes no exterior e vice-versa. Isso quer dizer que o resultado de 2017 foi pior somente aos registrados nos anos de superávit (2003 a 2006) e em 2007.
Na metodologia atual, também é possível obter o total de passivos (ingresso líquido de recursos) e de ativos (saída liquida de recursos) a partir da soma das três principais modalidades de capitais (investimento direto - ID, investimento em carteira – IC e outros investimentos - OI). Em 2017, a economia brasileira absorveu US$ 75.776 do exterior e remeteu US$ 64.747 para o exterior, cifras 8% e 42% superiores às registradas em 2016. É exatamente a maior taxa de crescimento da saída de capitais relativamente às entradas que explica a redução do deficit da conta financeira.
Contudo, no contexto atual, vários fatores tornaram a composição da conta financeira ainda mais importante na avaliação da situação externa das economias periféricas, como a brasileira, dentre os quais: (i) a forte integração financeira externa, que também envolveu aumento expressivo de ativos de residentes no exterior em função não somente dos investimentos direto e em carteira, mas também da extinção em 2008 da cobertura cambial das exportações, que permitiu aos exportadores deixarem em contas correntes no exterior suas receitas em moeda estrangeira; consequentemente, a redução do ingresso líquido de capitais no país pode decorrer do aumento dos ativos no exterior, que resulta numa menor vulnerabilidade externa (ii) o regime cambial de flutuação suja e o elevado volume de reservas internacionais, que reduzem o risco de eclosão de uma crise cambial clássica, associada à insuficiência de recursos externos para fechar o balanço de pagamentos; (iii) a mudança da composição do passivo externo, com a redução das participação da divida externa e, consequentemente, do descasamento de moedas.
A análise dessa composição revela que a maior parte do passivo externo absorvido decorreu do ingresso de investimento no país (que corresponde ao IDE), de US$ 70.332 milhões, que, contudo, foi cerca de 10% inferior ao registrado em 2016. Esse desempenho foi na direção contrária dos fluxos globais de IDE que, de acordo com a estimativa da Unctad (Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento) no seu relatório anual (Unctad, 2017) aumentaram em 2017 na comparação com 2016. Notar que em 2016 o IDE para o Brasil avançou de 6% frente a 2015, movimento que também foi oposto ao registrado pelo IDE direcionado para os países em desenvolvimento, de retração (ver Carta IEDI 794). Já em termos líquidos, o ID recuou em menor intensidade (-2,1%) em 2017 devido à diminuição em 51,1% do investimento no exterior (US$ 6.268 contra US$ 12.816 milhões).
No caso do IDE, a composição também é importante. Seu recuo em 2017 decorreu da retração em torno de 53% dos empréstimos intercompanhia, associado, provavelmente, à redução da taxa de juros básica e, consequentemente, do diferencial entre os juros externos e internos que estimula operações de arbitragem pelas empresas transnacionais (ETs). Já o ingresso líquido na modalidade participação no capital avançou 9,3%, totalizando US$ 59.138 milhões.
O setor mais beneficiado pelos IDE nessa modalidade (que totalizou US$ 60.345 milhões, cifra 12,3% superior à registrada em 2016) foi o de serviços, que absorveu 59,1% desse total (contra 45,8% no ano anterior) sob liderança, em termos de participação no total, das atividades de “eletricidade, gás e outras utilidades”, “comércio (exceto veículos)” e “transporte”. As expectativas de melhora do desempenho da economia relativamente ao biênio recessivo (que se confirmaram) deve ter contribuído para estimular os investimentos nessas atividades não-comercializáveis. A indústria respondeu por 30,9% do total (percentual inferior aos 37,6% atingidos em 2016). A atividade de “veículos automotores, reboques e carrocerias” continuou ocupando o primeiro lugar, mas sua participação recuou de 12,2% em 2016 para 6,5% em 2017 devido à queda de quase 40% no ingresso de recursos. Assim, o ótimo desempenho de vários ramos do setor automobilístico em 2017, que lideraram a reação da indústria brasileira em 2017, não se traduziu em maiores aportes brutos de capital pelas ETs. A elevada capacidade ociosa herdada daquele biênio deve ter contribuído para esse resultado. Já no caso das três demais atividades com maior peso no total da indústria (ocupando os 2º, 3º e 4º lugares), duas também se destacaram em termos de crescimento da produção industrial, quais sejam, metalurgia e produtos alimentícios. Já os investimentos no setor de “Agricultura, pecuária e extrativa mineral” recuaram 32,6%, resultando numa participação de somente 9,7% do total (contra 16,2%) em função, sobretudo, do desempenho das atividades de “Extração de petróleo e gás natural” e “Extração de minerais metálicos”.
No caso dos investimentos em carteira (IC), ocorreram mudanças significativas em relação ao desempenho de 2016. Em 2017, o IC no país (passivo) foi negativo em somente US$ 1.075 milhões, contra US$ 19.815 no ano anterior. Ou seja, nosso passivo externo nessa modalidade recuou numa intensidade bem menor, ou seja, a saída líquida de capitais externos aplicados no mercado financeiro doméstico também foi menos expressiva. Isto porque, por um lado, em 2017 a situação de liquidez internacional se tornou novamente favorável aos países emergentes, enquanto em 2016 o Brexit e a vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses aumentaram a aversão aos riscos nos mercados internacionais, resultando num movimento de liquidação de posições nesses países. Por outro lado, o ajuste de portfólio dos investidores institucionais em resposta à perda do grau de investimento pelo Brasil, se concentrou em 2016 (ver Carta IEDI n. 786). Além desses fatores externos, dois fatores internos podem ter influenciado esse resultado, mas em direção opostas: o arrefecimento da crise gêmea (econômica e política) doméstica, que favoreceu as aplicações de não-residentes em ativos brasileiros; a já mencionada redução da taxa de juros básica que atuou em sentido contrário, ou seja, de desestimular essas aplicações. Essa redução também estimulou os investimentos em carteira de residentes no exterior (ativo), que passaram de um valor negativo em 2016 (cerca de US$ 600 milhões que foram repatriados) para um valor positivo de US$ 15.137 milhões.
A última modalidade de capital externo, os outros investimentos (OI), registraram aumento de 76% em 2017 frente ao ano anterior devido ao maior crescimento do ativo (OI de residentes no exterior) do que do passivo (OI de não-residentes no país). Ou seja, houve igualmente saída de capitais nessa modalidade, mas num montante bem maior do que no caso do IC. No lado do ativo, o principal determinante foi o crescimento (de 32,6%) da rubrica “Crédito comerciais e adiantamentos”, que inclui, além de operações de crédito comercial, os depósitos dos exportadores no exterior. Na realidade, essa inclusão decorre de um problema de contabilização, decorrente da inexistência de contrato de câmbio e, assim, de registro, quando o exportador opta por deixar seus recursos no exterior (prerrogativa existente desde o fim da cobertura cambial, mencionado acima). O BCB pretende resolver esse problema com a nova pesquisa de capitais brasileiros no exterior que será realizada em 2018; atualmente, alguns exportadores informam o valor dos seus depósitos de forma voluntária. Do lado do passivo, houve uma redução de 45,5% devido ao comportamento de duas rubricas, “Crédito comerciais e adiantamentos” (que se manteve positiva) e “Empréstimos”, que foram negativos em US$ 7.205, praticamente o mesmo valor de 2016. Ou seja, o aumento do passivo nessa modalidade decorreu de operações relacionadas ao comércio exterior e não do crescimento da dívida externa na forma de títulos ou empréstimos bancários.
Síntese e perspectivas
Uma combinação excepcional de fatores externos e internos, detalhados acima, explica o desempenho das contas externas brasileiras em 2017. No âmbito das transações correntes, o ritmo positivo, mas ainda lento, da atividade econômica e a super safra agrícola somados ao dinamismo da demanda externa e alta dos preços das commodities garantiram a continuidade do processo de ajuste externo (ou seja, redução do déficit dessa subconta do balanço de pagamentos) iniciado em 2015. Em 2017, esse processo ancorou-se, sobretudo, no aumento do superávit da balança comercial, cuja intensidade foi muito superior do que o crescimento do déficit nos serviços e na renda primária. O desempenho da conta financeira também foi favorável, já que seu déficit recuou expressivamente em função da maior taxa de crescimento do ativo do que do passivo externo. Quanto à sua composição, o ingresso líquido de IDE foi mais que suficiente (em termos absolutos e em porcentagem do PIB) para financiar o DTC. No caso dos IC, apesar do aumento do apetite por riscos no mercado financeiro internacional, a queda da taxa de juros básica estimulou as aplicações de residentes no exterior e desestimulou os investimentos de não-residentes no mercado de renda fixa brasileiro; o efeito liquido foi um pequeno déficit. Essa queda deve ter contribuído, igualmente, para o crescimento dos depósitos dos exportadores no exterior, que levou à superestimação do rubrica “Crédito comerciais e adiantamentos”, principal determinante do maior superávit nos OI.
Essa combinação excepcional não deve persistir em 2018, em função, sobretudo, de um fator interno: o maior ritmo de crescimento da economia brasileira esperado para esse ano, em torno de 2,8% de acordo com o último relatório Focus divulgado em 16/03/2018. Neste contexto, as importações serão impulsionadas dada a sua elevada elasticidade-renda e, simultaneamente, as exportações devem perderam fôlego já que em economias de dimensão continental como a brasileira, há um trade-off entre mercado interno e externo no caso de produtos manufaturados. Ademais, a super safra agrícola não deve ocorrer novamente. Ou seja, a balança comercial e as transações correntes não repetirão os desempenhos observados no triênio 2015-2017. No primeiro caso, o superavit encolherá e no segundo o deficit voltará a crescer, também como reflexo do aumento do saldo negativo nos serviços e nas rendas primarias, que são pró-cíclicas. Essas previsões são coerentes com as projeções atuais do BCB (2018), que apontam para um déficit de US$ 18,4 bilhões em 2018, mas que podem se revelar otimistas. No último relatório Focus, a expectativa do mercado era de um déficit de TC de US$ 25,75 bilhões.
Já a situação externa deve continuar atuando favoravelmente para o desempenho das TC, mas numa intensidade insuficiente para sobrepujar o efeito do maior crescimento doméstico. O cenário básico do FMI, atualizado em janeiro (IMF, 2018), continua avaliando como neutro o balanço de riscos no curto prazo, atribuindo baixa probabilidade de eventos geopolíticos e econômicos disruptivos que possam comprometer o desempenho global em 2018. Esse crescimento foi, inclusive, revisado ligeiramente para cima, de 3,7% em outubro (ver Carta IEDI n. 786) para 3,9% em janeiro (contra 3,2% em 2016 e 3,7% estimados para 2017). A retomada de dinamismo internacional estimula tanto os fluxos de IDE para as economias emergentes, os quais também são pró-cíclicos em relação ao desempenho global, como os fluxos financeiros (investimentos em carteira e outros investimentos) mediante seu impacto positivo sobre as expectativas dos investidores globais (supondo que não ocorra nenhuma surpresa negativa seja no processo de normalização da política monetária dos Estados Unidos, seja em âmbito geopolítico).
Assim, no caso da conta financeira, é coerente com esse contexto a estimativa do BCB de crescimento do seu déficit para US$ 18 bilhões - cifra superior à registrada não somente em 2017, mas também em 2016 (US$ 16,4 bilhões). O principal determinante desse crescimento no cenário do BCB é o aumento em torno de 36% do IDE, que será estimulado, igualmente, pelo melhor desempenho da economia brasileira. Para os investimentos em carteira no país, a estimativa é de uma queda suave nas aplicações no mercado acionário, o que pode não se confirmar se esse desempenho gerar expectativas de valorização dos preços das ações de setores não-comercializáveis, como observado no boom de crescimento pré-crise financeira global. Para os investimentos em títulos de renda fixa no país (essencialmente títulos públicos) o BCB não apresentou estimativa. Como a tendência das taxas de juros nos países centrais é de alta ou estabilidade e a meta da taxa de juros básica deve sofrer pelo menos mais um corte ao longo do ano, é pouco provável uma retomada desses investimentos. Nesse caso, a conjuntura internacional atua no sentido oposto (de desestimular os investimentos de não-residentes) na medida em que tem resultado na depreciação do dólar, contribuindo para o comportamento benigno da inflação e, assim, para a flexibilização da política monetária doméstica.
Referências
BCB – Banco Central do Brasil (2018a) Nota para Imprensa do Setor Externo, Quadro 2, 22 de fevereiro de 2018. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon1-p.asp.
______(2018b) Focus – Relatório de Mercado, 9 de março de 2018. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20180309.pdf
IMF (2018) World Economic Outlook, Update, Janeiro. Washington D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org.
UNCTAD (2017) World Investment Report. Geneve: United Nations Conference on Trade and Development. Disponível em: http://www.unctad.org.