Carta IEDI
Saldo nulo para a recuperação
Que a recuperação da economia brasileira seria lenta já era sabido há algum tempo, mas nem por isso deixa de chamar atenção a falta de dinamismo na entrada de 2018. Os resultados tanto de janeiro como de fevereiro mostram que o ano começou com o pé esquerdo.
Depois de um aquecimento maior no final do ano passado, setores importantes da economia, como a indústria e os serviços, registraram quedas em janeiro e praticamente não saíram do lugar em fevereiro. O comércio varejista, para quem o primeiro mês do ano não havia sido tão ruim, não conseguiu evitar o terreno negativo no mês seguinte.
Como os resultados foram todos muito próximos de zero, não é exagero afirmar que o quadro econômico geral em fevereiro foi de paralisia. A produção física da indústria variou apenas +0,2% frente a janeiro, já descontados os efeitos sazonais. O faturamento real dos serviços, por sua vez, registrou +0,1%, enquanto o volume de vendas do varejo caiu 0,2%, ou então 0,1% se consideradas também as vendas de automóveis, autopeças e material de construção.
Deste modo, o crescimento do PIB em fevereiro, medido a partir de sua proxy calculada pelo Banco Central (IBC-Br), foi praticamente nulo: +0,1% ante o mês anterior com ajuste sazonal. E isso depois de uma retração de 0,6% em janeiro, que interrompeu uma sequência de quatro meses de alta progressivamente maior.
Nem mesmo na comparação interanual o quadro em fevereiro foi mais favorável. Indústria e varejo registraram taxas de crescimento excepcionalmente baixas e o setor de serviços, que havia conseguido ficar no positivo em dez/17, obteve a perda mais acentuada desde o último trimestre do ano passado. Por essa razão, o indicador IBC-Br do Banco Central, que por quatro meses seguidos vinha se mantendo acima de +2% na comparação interanual resvalou para apenas 0,7% em fevereiro.
Em síntese, fevereiro de 2018 foi um mês perdido, contribuindo muito pouco para a reativação da economia. Há, entretanto, alguns focos de dinamismo que se saíram melhor em fevereiro, mantendo-se em trajetórias mais consistentes de recuperação.
Na indústria, foi o caso de bens de consumo duráveis, que desde ago/17 registra variações mensais superiores a 15% na comparação interanual (+15,6% em fev/18) e a despeito de poucos meses de queda na série com ajuste sazonal, quando cresce, cresce bem. Em fevereiro, foi o único macrossetor industrial a crescer frente a janeiro (+1,7%).
Regionalmente, os melhores desempenhos industriais vieram do Sul, sobretudo Paraná e Santa Catarina. Mas houve crescimento em poucas localidades: apenas 6 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE. No Sudeste, Rio de Janeiro também cresceu em fevereiro, enquanto São Paulo caiu pelo segundo mês consecutivo na série com ajuste sazonal. Na comparação interanual, tanto a indústria carioca como a paulista sofreram desaceleração do ritmo de recuperação na entrada de 2018.
No varejo, assim como na indústria, foram os segmentos que comercializam bens de consumo duráveis que apresentaram os melhores resultados, tais como materiais de escritório, informática e comunicação (+2,7%), automóveis e autopeças (+2,5%) e móveis e eletrodomésticos (+1,5%). Nos dois primeiros casos, janeiro também havia registrado aumento de vendas, assegurando um início de ano bastante favorável. Na comparação interanual, têm bom crescimento há vários meses automóveis (+19% 1º bim/18), eletrodomésticos (+8,5%) e material de construção (+6,8%).
Já no setor de serviços, o quadro foi mais homogêneo entre seus segmentos, dado que quase todos ficaram no vermelho. Mesmo os serviços de transporte, que vinham em uma trajetória majoritariamente positiva, acabaram influenciados pelo menor nível de atividade econômica geral no início de 2018 e apresentaram perda de faturamento real tanto em janeiro (-1,2%) como em fevereiro (-0,3%) na série com ajuste. Frente a fev/17, este ramo dos serviços quase não avançou (+0,6%).
Indústria
Fevereiro deste ano foi um mês de crescimento pífio para a indústria. A variação, embora positiva, foi de apenas 0,2% em relação a janeiro, já descontados os efeitos sazonais, o que significa um nível de dinamismo particularmente baixo, mesmo para o padrão de recuperação que temos visto desde 2017.
O resultado também foi muito fraco inclusive na comparação interanual, em que baixas bases de comparação ainda ajudam na obtenção de resultados mais robustos. A alta frente a fev/17 foi de apenas 2,8%, muito aquém tanto do ritmo de crescimento de +5% tanto de janeiro como do último trimestre de 2017.
Além disso, a proporção de setores no azul não chegou a ser expressiva, atingindo pouco mais da metade deles em fevereiro: dos 26 ramos acompanhados pelo IBGE somente 14 registraram crescimento.
O quadro também não foi favorável se considerarmos os macrossetores industriais. Bens intermediários (-0,7%) e bens de consumo semi e não duráveis (-0,6%) registraram perda de produção frente a janeiro, enquanto os bens de capital ficaram praticamente estáveis (+0,1%). O único que cresceu foi o macrossetor de bens de consumo duráveis, com uma variação de +1,7% na série com ajuste sazonal.
Do ponto de vista regional, o IBGE mostrou que a indústria só não ficou no negativo mais uma vez, dado que já havia ocorrido queda em janeiro, devido ao resultado de poucos estados. Isto é, o mês foi fraco e não teve atenuantes do ponto de vista regional. Na série com ajuste sazonal, 6 das 15 localidades acompanhadas conseguiram obter alguma elevação da produção em fevereiro. Entretanto, estados onde a indústria tem maior peso recuaram.
A região sul foi aquela que melhor se saiu em fevereiro. Registraram crescimento frente ao mês anterior dois de seus três estados: a produção industrial do Paraná aumentou 3,3%, compensando parte do declínio acentuado de janeiro (-4,2%), e a de Santa Catarina 0,9%, sempre com ajuste sazonal. Cabe destacar que o resultado na margem da indústria catarinense vem se mantendo no positivo já há vários meses, desde maio de 2017.
O Nordeste foi outra região com bom desempenho, devido a Pernambuco (+1,3%) e Bahia (+0,9%). Seu crescimento de 2,6% frente a janeiro foi o mais intenso desde julho do ano passado na série com ajuste, mas ainda assim foi insuficiente para fazer frente a uma sequência de maus resultados nos meses anteriores, quando acumulou declínio de 2,9% entre ago/17 e jan/18.
No Sudeste, apenas o Rio de Janeiro teve expansão industrial. Já descontados os efeitos sazonais, a alta chegou a 1,2% em fevereiro, mantendo o perfil recente de intercalar meses positivos e negativos. A força do crescimento neste mês foi, contudo, muito aquém do necessário para compensar o recuo de janeiro (-2,3%).
Dentre as localidades em retração, que contribuíram para a baixa performance do total nacional em fevereiro, ganha destaque a indústria paulista. São Paulo, com o maior e mais diversificado parque industrial do país, parece ter perdido no primeiro bimestre de 2018 aquilo que ganhou no último bimestre do ano passado. Sua produção caiu 3,9% em janeiro e 0,5% em fevereiro, retomando um patamar equivalente ao de out/17. Com isso, a variação da média móvel trimestral com ajuste voltou a ficar negativa (-0,3% ante jan/18).
Além de São Paulo, outros estados também decepcionaram: Minas Gerais caiu 2,8% e Rio Grande do Sul ficou quase estável (-0,1%). O Amazonas, por sua vez, cuja indústria apresentou um dinamismo intenso na virada do ano, devolveu uma parcela deste dinamismo em fevereiro, com queda de 5,9%. Demais estados com estruturas industriais mais especializadas foram na mesma direção, como Pará (-10,9%), Espírito Santo (-1,1%) e Mato Grosso (-4,4%).
Comércio
Se fevereiro não foi um bom mês para a indústria, para o comércio varejista foi ainda mais desfavorável. Suas vendas em termos reais, isto é, já descontada a inflação, recuaram frente a janeiro e tiveram um resultado excepcionalmente fraco em relação ao mesmo mês do ano passado. Este é mais um dado a corroborar que recuperação da economia segue em marcha muito lenta.
Na série com ajuste sazonal, o declínio do varejo em seu conceito restrito foi de 0,2% e de 0,1% em seu conceito ampliado, que considera também as vendas de automóveis, autopeças e material de construção. Esta quase paralisia não se restringe a fevereiro, mas caracteriza a evolução dos últimos meses. No varejo ampliado, isto é nítido, já que os resultados de dez/17 e jan/18 foram -0,3% e 0%, respectivamente. No varejo restrito, por sua vez, o que um mês traz o outro retira, apresentando uma oscilação maior: -0,6% em dez/16 e +0,8% em jan/18.
De fato, só se verifica uma trajetória de recuperação mais substancial se tomarmos as comparações interanuais, que trazem a memória de tempos mais difíceis. É o que ocorre, por exemplo, contrastando o desempenho do primeiro bimestre de 2018 com o de 2017: +2,3% contra -2,4% no varejo restrito e +5,9% contra -2,4% no ampliado. Mesmo assim, vale notar que isso não se deve muito ao desempenho de fevereiro.
Frente ao mesmo mês do ano passado, a alta de 1,3% do varejo restrito no segundo mês do ano foi a mais fraca desde que o setor voltou ao azul em abr/17. Já o varejo ampliado conseguiu avançar 5,2% nesta comparação, o que não é dos seus piores resultados, mas ainda assim é o mais baixo desde a segunda metade de 2017. Qualquer que seja o conceito, parece haver certa desaceleração desde setembro do ano passado.
Assim como ocorre na indústria, o panorama dos segmentos que compõem o comércio varejista aponta para situações bastante distintas. Na série com ajuste, metade dos 8 segmentos ampliaram suas vendas reais e metade sofreram redução. O quadro melhora para 6 de 10 segmentos no positivo ao se considerar as vendas de automóveis, autopeças e material de construção.
Dentre os segmentos do comércio com queda em fevereiro, destacam-se tecidos, vestuário e calçados assim como combustíveis e lubrificantes por terem registrado os recuos mais intensos. Já descontados os efeitos sazonais, o resultado frente a janeiro foi de -1,7% no primeiro caso, interrompendo uma evolução de variações baixas porém positivas nos três meses anteriores. Deste modo, o que as vendas de tecidos, vestuário e calçados tinham ganhado neste período perderam em fevereiro.
No caso de combustíveis e lubrificantes, a queda de fevereiro (-1,4%) está inserida em uma sequência de resultados negativos que já dura vários meses. À exceção de out/17, desde julho do ano passado que só ocorrem retrações na série com ajuste. Assim, este segmento que terminou 2017 no vermelho (-3,3% ante 2016) encontra-se em uma situação de agravamento das perdas (-5,5% em jan-fev18/jan-fev17).
Outros segmentos importantes para o comércio também retrocederam, como as vendas de supermercados, alimentos, bebidas e fumo (-0,6%) e artigos de uso pessoal e doméstico (-0,8%), que incluem as vendas das lojas de departamento. Em ambos os segmentos, a trajetória tem sido marcada por oscilação de resultados positivos e negativos, especialmente no segundo caso.
Dentre os segmentos com crescimento em fevereiro, os melhores resultados couberam àqueles que comercializam bens duráveis, tais como materiais de escritório, informática e comunicação (+2,7%), automóveis e autopeças (+2,5%) e móveis e eletrodomésticos (+1,5%). Nos dois primeiros casos, janeiro também havia registrado aumento de vendas, assegurando um início de ano bastante favorável.
Com desempenho mais modesto, estão material de construção com +0,3%, depois de um mês particularmente ruim em janeiro (-3,4%), artigos farmacêuticos, perfumaria e cosméticos com +0,8%, que também não se saíram bem no primeiro mês do ano (-2,5%), e livros, jornais e papelaria, que cresceram por dois meses seguidos (+0,7% em jan/18 e +1,6% em fev/18).
Serviços
Os dados do setor de serviços confirmam que o nível de dinamismo da economia deixou muito a desejar neste início de 2018. A divulgação da pesquisa do IBGE não deixou sombra de dúvida: a paralisia que acometeu indústria e comércio em fevereiro também atingiu os serviços, com o agravante de suceder queda não desprezível ocorrida em janeiro.
Seu faturamento real variou mero 0,1% frente a janeiro, já descontados os efeitos sazonais. Este resultado ilustra bem a evolução recente dos serviços, que, no final das contas, não saiu do lugar desde o último trimestre de 2017. Na série com ajuste, as expansões mais acentuadas de nov-dez/17 foram compensadas pelo declínio de 1,9% de janeiro último, de modo que o faturamento real de fevereiro encontra-se exatamente no mesmo nível de agosto do ano passado. Ou seja, desde então o setor estagnou.
A situação atual se comparada com a do ano passado tampouco traz algum alento. Os serviços, que vinham ensaiando uma reação, voltaram ao terreno negativo nos primeiros meses de 2018. Frente a fev/17 a queda chegou a -2,2%, levando o resultado do primeiro bimestre para -1,8%. Isso porque o setor já havia atingindo uma virtual estabilidade no último trimestre de 2017 (-0,2%).
Em resumo, os indicativos favoráveis que vinham se acumulando no final do ano passado não tiveram continuidade no início de 2018. É preciso, agora, aguardar o desempenho de março para saber qual será o saldo geral do primeiro trimestre, mas, a contar pelos dados conhecidos até agora, o que houve foi uma deterioração adicional.
Diferentemente da indústria e do varejo, cujos segmentos apresentaram níveis de dinamismo com alguma heterogeneidade, nos serviços foi exceção quem conseguiu crescer em fevereiro. Dos 5 segmentos identificados pelo IBGE, 4 ficaram no vermelho, como mostram abaixo as variações com ajuste sazonal. Em relação a fev/17 foram 3 segmentos com declínio.
Dois segmentos se destacam não tanto pela intensidade das quedas, dado que já passaram por meses piores, mas pela reincidência de resultados negativos. É o caso dos serviços prestados às famílias (-0,8%), cujo faturamento real cai persistentemente desde outubro do ano passado na série com ajuste sazonal. E mais, isso se deve a seus dois componentes, isto é, tanto aos serviços de alimentação e alojamento, há 3 meses no vermelho, e sobretudo a outros serviços prestados às famílias, com 5 meses em retração.
Esta evolução sugere que, a despeito de certa melhora no emprego e principalmente no rendimento real, as famílias ainda estão longe de uma situação financeira cômoda o suficiente para restabelecer integralmente seu nível de consumo de serviços. Este também é um dos fatores a afetar outro segmento com uma má sequência de resultados, o de informação e comunicação (-0,6%), que só retrocedeu nos últimos três meses.
Vale mencionar igualmente o resultado dos transportes, cujo faturamento real voltou a cair nos dois primeiros meses de 2018 (-1,2% e -0,3%, respectivamente), em boa medida decorrente dos transportes terrestres que, depois de registrar períodos de crescimento mais expressivo em 2017, vêm perdendo faturamento desde dezembro passado. O baixo nível de atividade econômica geral na entrada de 2018 tem muito a ver com esta evolução dos serviços de transporte.
O único dado positivo em fevereiro, foi a alta de 1,7% dos serviços profissionais, administrativos e complementares, já descontados os efeitos sazonais. Isso se deu em função tanto dos serviços técnico-profissionais, que reúnem atividades de maior qualificação, como dos serviços complementares, que integram muitas das tarefas terceirizadas. Entretanto, fevereiro não foi tão bem assim para compensar o declínio sofrido em janeiro (-2,3% ante dez/17).
Por fim, dois últimos comentários. O declínio do segmento de outros serviços (-0,7%) pode vir a ser apenas uma queda isolada na trajetória majoritariamente positiva que apresenta desde meados de 2017. Em contrapartida, o grupamento especial de atividades de turismo registrou seu pior resultado na série com ajuste (-4,0% ante jan/18) e anulou a evolução favorável dos quatro meses anteriores.