Carta IEDI
Recuperação: lenta e descontínua
A recuperação da economia brasileira não é somente lenta, como também não configura um processo contínuo, isto é, resulta muito mais de um ou outro período de melhora concentrada do que de um movimento de aumento progressivo de dinamismo. É uma recuperação modesta que segue com alguns solavancos.
A passagem de 2017 para 2018 ilustra bem essa descontinuidade. Depois de um trimestre particularmente favorável no final do ano passado, em que a indústria e o comércio varejista atingiram taxas de crescimento das mais elevadas desde que começaram a se recuperar e em que os serviços ensaiavam voltar ao azul, a economia perdeu o passo no primeiro trimestre de 2018.
Em relação ao último quarto do ano passado, já descontados os efeitos sazonais, os primeiros três meses de 2018 trouxeram nova queda para o setor de serviços (-0,9%) e estagnação para a indústria (0%). O varejo foi o único a conseguir crescer alguma coisa (+0,7% no conceito restrito e +1% no conceito ampliado), mas é preciso dizer que o setor já viveu dias melhores em 2017.
Frente a este quadro, é possível que o PIB tenha ficado estável ou mesmo declinado no primeiro trimestre do ano. É isso que sugere o indicador IBC-Br do Banco Central, que apesar de uma metodologia distinta, funciona como uma proxy do PIB. Na comparação com o 4º trim/17, este indicador registrou no início de 2018 a primeira queda desde o último quarto de 2016: -0,1%, com ajuste sazonal.
A perda de dinamismo econômico também se verifica se tomarmos como referência as comparações interanuais. Neste caso, o crescimento da indústria perdeu força na entrada de 2018 (de +4,9% no 4º trim/17 para +3,1% no 1º trim/18), interrompendo pela primeira vez, desde o segundo trimestre do ano passado, uma sequência de resultados cada vez mais robustos. Os serviços, que praticamente nunca deixaram o terreno negativo, voltaram a submergir (-0,1% no 4º trim/17 e -1,5% no 1º trim/18).
A exceção novamente coube ao comércio varejista, cuja desaceleração do aumento das vendas reais existiu, mas foi muito modesta, passando de +4,2% no 4º trim/17 para +3,8% no 1º trim/18. Neste caso, além da manutenção da inflação em patamares baixos e do retorno do crédito às famílias com juros um pouco menores, um fator explicativo importante é o efeito calendário, já que a Páscoa, que é uma data comemorativa relevante para o setor, ocorreu no mês de abril em 2017, mas no mês de março em 2018.
Não fosse isso, o varejo e a recuperação da economia como um todo teria perdido ainda mais força. Retomando o indicador do Banco Central, agora na comparação com o mesmo período do ano anterior, o crescimento econômico refluiu, de +2,4% para apenas +0,9% do 4º trim/17 para o 1º trim/18.
A despeito desse frustrante movimento geral dos grandes setores da economia, alguns de seus segmentos conseguiram andar na contramão e melhorar, ou ao menos manter, seus resultados neste início de 2018. Mas é importante destacar que foram poucos estes casos.
Na indústria, apenas os bens de capital conseguiram preservar seu dinamismo. A produção física desses bens aumentou 10,8% tanto no 4º trim/17 como no 1º trim/18 frente a igual período do ano anterior. A desaceleração marcou todos os outros macrossetores industriais, ainda que no caso de bens de consumo duráveis isso não tenha comprometido seu razoável ritmo de crescimento (+16,3% no 1º trim/18).
A preservação do desempenho de bens de capital pode estar refletindo um dos poucos aspectos positivos deste começo de ano, referente à evolução do investimento. A tomar pelo indicador mensal do IPEA para a formação bruta de capital fixo, não houve grande perda de intensidade do crescimento do investimento na passagem do ano. Na comparação interanual, saiu de +3,8% no 4º trim/17 para +3,3% no 1º trim/18. Ao menos isso, o começo de 2018 parece ter conseguido preservar.
No comércio varejista, 70% dos segmentos acompanhados pelo IBGE perderam dinamismo, com alguns deles registrando novamente resultados negativos. As exceções foram aqueles segmentos cujas vendas reais são mais diretamente influenciadas pelo efeito calendário mencionado anteriormente, como supermercados, alimentos, bebidas e fumo (+4,4% no 4º trim/17 e +5,7% no 1º trim/18) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (+3,0% e +10,9%), além de veículos e autopeças (+9,5% e +17,9%), que ainda têm muito o que recuperar pela frente.
Já no setor de serviços, o quadro é ainda mais grave. O faturamento real de 3 dos 5 segmentos identificados piorou com a virada do ano. Um dos que fugiram à regra, contudo, só conseguiu ter perdas um pouco menores; foi o caso de serviços profissionais, administrativos e complementares (-2,6% no 1º trim/18). Isso faz com que, de fato, só um segmento do setor tenha tido algum progresso em 2018: outros serviços, que reúne um conjunto de atividades de naturezas muito distintas, que saiu do negativo e cresceu 1,8% no primeiro trimestre do ano.
Indústria
A recuperação industrial, que já não apresentava muita robustez, ficou ainda mais fraca no início de 2018. O resultado da indústria foi decepcionante tanto em março como no primeiro trimestre de 2018 como um todo. Difícil não reconhecer que a reativação do setor está longe de ser um processo consolidado.
A virtual estabilidade (-0,1%) em março frente a fevereiro na produção industrial do total Brasil, já descontados os efeitos sazonais, foi condicionada pela retração na maior parte dos ramos industriais (14 dos 26) e das localidades acompanhadas pelo IBGE (8 das 15). O quadro só não foi mais grave porque o macrossetor de bens de capital conseguiu ampliar mais intensamente sua produção (+2,1% ante fev/18) e, em termos regionais, porque São Paulo, depois de ficar no vermelho em janeiro e fevereiro, cresceu 2,0% em março.
Deste modo, março não conseguiu salvar o desempenho do primeiro trimestre do ano. Em relação a outubro-dezembro de 2017, com ajuste sazonal, o total Brasil ficou rigorosamente estagnado. Em termos regionais, esse resultado veio acompanhado de perda de produção em 9 das 15 localidades, incluindo Nordeste e todos os estados do Sudeste, sobretudo, Rio de Janeiro (-2,6%), mas também São Paulo (-0,8%).
Em relação aos macrossetores industriais, por sua vez, bens intermediários voltaram ao negativo (-1,6% ante 4º trim/17) e bens de consumo duráveis sofreu forte desaceleração (+2,7%), enquanto bens de capital preservaram ritmo de crescimento (+1,6%), que já havia se reduzido no final de 2017, e bens semi e não duráveis voltaram ao positivo (+1,3%), mantendo uma trajetória bastante oscilante.
Em comparação com um ano antes, houve uma quebra generalizada do ritmo da recuperação. A alta de 4,9% no 4º trim/17 refluiu para 3,1% no 1º trim/18, o que se repetiu em quase todos os macrossetores industriais, sobretudo bens intermediários (de +4,0% para +1,7%) e bens de consumo semi e não duráveis (de +2,8% para +0,9%). Bens de consumo duráveis também desaceleraram, mas mantiveram um bom ritmo de expansão (de +17,9% para +16,2%). O único macrossetor que fugiu à regra foi bens de capital. Mas vale observar que tampouco a produção desses bens registrou avanço adicional: +10,8% tanto no 4º trim/17 como no 1º trim/18.
Já em termos regionais, a maioria dos casos apontou crescimento mais modesto na entrada do ano, mantendo-se, porém, na faixa positiva. Isso, contudo, não foi uma realidade para outros, cuja perda de dinamismo foi tamanha que implicou um retorno ao negativo. Raro mesmo foi quem conseguiu ganhar velocidade.
Assim, o panorama regional da indústria no primeiro trimestre de 2018 é composto por três situações distintas: casos em desaceleração, outros novamente em contração e alguns poucos em aceleração. Na primeira situação, isto é, em que houve arrefecimento do ritmo de recuperação em comparação com o resultado do último quarto de 2017, encontram-se o total Brasil e 6 das 15 localidades acompanhadas pelo IBGE, notadamente a indústria do eixo Rio-São Paulo. O aumento da produção no Rio de Janeiro refluiu de +7,8% para +3,0% do 4º trim/17 para o 1º trim/18 e em São Paulo de +8,1% para +5,4%.
Há, contudo, uma ponderação a ser feita. À exceção do Pará, em todos os outros casos que sofreram desaceleração o desempenho de janeiro-março de 2018 ficou em linha com o do terceiro trimestre de 2017 ou então conseguiu superá-lo. Isso abre uma chance de que mais do que significar uma inversão de rota, o crescimento do primeiro trimestre de 2018 poderia estar retomando o padrão de recuperação moderada depois de um trimestre excepcionalmente bom no final do ano passado. Neste sentido, a exceção teria sido a força da alta do 4º trim/17.
Este atenuante, porém, não se aplica a um conjunto relativamente expressivo de outras localidades, cuja recuperação foi interrompida neste primeiro trimestre. Foram 5 das 15 localidades nesta situação. É o caso de Minas Gerais (-2,5% no 1º trim/18) e Paraná (-1,2%), que nos 4 trimestres anteriores tinham registrado crescimento, de Mato Grosso (-1,0%), que havia avançado bastante no final de 2017, e do Nordeste (-0,4%) que finalmente ensaiava alguma recuperação. Espírito Santo também ficou no vermelho, mas neste caso foi pior, pois 2018 trouxe um agravamento em suas perdas (de -2,2% no 4º trim/17 para -6,0% no 1º trim/18).
Por fim, a terceira situação a compor o quadro regional da indústria é aquela em que o primeiro trimestre do ano significou uma melhora adicional frente ao desempenho do final de 2017. Isso ocorreu em apenas 4 localidades. Em 3 delas, Pernambuco (+1,0% no 1º trim/18), Bahia (+0,9%) e Rio Grande do Sul (+0,3%), a queda do final de 2017 se reverteu em pequena alta no início de 2018. Já no Amazonas, o crescimento 9,2% no 4º trim/17 avançou para 24,4% no 1º trim/18, dando continuidade à aceleração de sua recuperação.
Comércio
O comércio varejista, de modo geral, conseguiu manter um nível de dinamismo razoável no começo de 2018. Melhora adicional nas vendas não houve, mas pelo menos a vitalidade de sua recuperação no ano passado não parece ter sido comprometida, a despeito de certa desaceleração. Apesar disso, alguns de seus segmentos, até então com bons resultados, sucumbiram neste primeiro trimestre, o que não deixa de funcionar como um sinal de alerta.
Na série com ajuste sazonal, o total das vendas do varejo restrito, já descontada a inflação, variou pouco, +0,3% em março frente a fevereiro, mantendo o desempenho oscilante que vem registrando desde meados do ano passado, mas que agora se dá mais próximo de zero. No conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, o crescimento foi mais substancial neste mesmo mês, de 1,1% ante fevereiro, mas isso depois de dois meses de quase estagnação.
É nos resultados no primeiro trimestre de 2018 como um todo que o quadro do varejo fica mais evidente, inclusive porque ajuda a diluir os efeitos calendário que marcaram o último mês de março, a saber, dois dias úteis a menos que em mar/17 e a comemoração da Páscoa, que havia sido em abril no ano passado. Visto sob esta ótica trimestral, o crescimento das vendas reais do varejo registrou uma desaceleração apenas moderada, passando de +4,3% e +4,2% nos dois últimos trimestres de 2017 para +3,8% no 1º trim/18.
Cabe observar que para os diferentes segmentos do varejo o significado do primeiro trimestre de 2018 foi bastante assimétrico. Do total de 10 segmentos acompanhados pelo IBGE, 3 registraram queda nas vendas, sendo dois deles (combustíveis, com -5,1%, e livros, jornais e papelaria, com -8,2%) já reincidentes, e outros 4 tiveram perda de dinamismo vis-à-vis o resultado de out-dez de 2017. Em outras palavras, o ano não começou bem para 70% dos ramos do varejo, dado que apenas 3 andaram na contração e ganharam ritmo.
Dentre aqueles com desempenho decepcionante no primeiro trimestre, vale destacar material de construção, móveis e eletrodomésticos e tecidos, vestuário e calçados, pois todos eles vinham em uma trajetória bastante favorável, chegando a atingir ritmo de crescimento de dois dígitos em boa parte de 2017. Agora, sofreram forte desaceleração.
No caso das vendas de tecidos, vestuário e calçados, depois de ter avançado 7,6% em 2017, voltou ao negativo no primeiro trimestre de 2018 (-1,6%). Nos outros dois casos, a perda de ritmo é persistente desde nov/17, mas só em mar/18 voltaram ao vermelho: -1,6% em material de construção e -3,2% em móveis e eletrodomésticos.
Face a esse comportamento, há um risco de que o aumento das vendas desses ramos que vimos no ano passado não refletia o efetivo ritmo de sua recuperação, mas estava muito condicionado por estímulos pontuais, notadamente pela liberação dos recursos do FGTS e do PIS/PASEP, muito embora também estivessem em atuação fatores mais sistêmicos, como o recuo da inflação e, consequentemente, a melhora do poder de compra das famílias e o retorno do crédito a pessoas físicas com juros um pouco menores.
Em contrapartida, dentre aqueles com ganho de velocidade em 2018, destaca-se supermercados, alimentos, bebidas e fumo. Neste caso, a bem comportada inflação de alimentos, que segue abaixo do IPCA geral, é um importante fator explicativo. Outro caso com aceleração nas vendas é o segmento de outros artigos de uso pessoal e doméstico, que incluem as lojas de departamento, em resposta tanto ao maior poder de compra da população como à melhora do crédito.
Também com uma alta cada vez mais forte, estão as vendas de veículos e autopeças, que ainda contam com bases de comparação muito baixas. Em março de 2018, o nível de suas vendas reais estava 33% abaixo do pico atingido em junho de 2012. Com o crédito às famílias voltando a fluir e os juros cobrados em rota descendente, esse segmento do varejo tem tudo para continuar crescendo a passos largos.
Serviços
Se havia alguma esperança de que o setor de serviços pudesse amenizar a perda de dinamismo geral da economia no começo de 2018, os dados divulgados pelo IBGE para o mês de março trataram de dissipá-la. Neste mês, o faturamento real do total de serviços ficou no negativo tanto em relação a fevereiro (-0,2% com ajuste) como frente ao mesmo mês do ano passado (-0,8%), levando consigo o resultado do primeiro trimestre do ano.
Assim como a indústria e, em menor medida, o comércio varejista, o quadro do setor de serviços se deteriorou nos primeiros meses de 2018. Neste caso, porém, o que ocorreu foi mais grave, pois os serviços nunca chegaram, de fato, a entrar em rota de recuperação. No máximo, ameaçou retornar ao terreno positivo em dezembro do ano passado (+0,6% ante dez/16 e +1,2% ante nov/17 com ajuste), mas submergiu novamente a partir de janeiro.
O desempenho trimestral não deixa margem para dúvidas. Frente ao trimestre imediatamente anterior, já descontados os efeitos sazonais, a sequência de desaceleração do faturamento real do setor foi a seguinte: +1,1% no 3º trim/17; +0,5% no 4º trim/17 e -0,9% no 1º trim/18. Na comparação interanual, a reversão da tendência veio com a virada do ano: -3,0% no 3º trim; -0,2% no 4º trim/17 e -1,5% no 1º trim/18.
Como os serviços reúnem atividades bastante empregadoras, esse movimento de retrocesso pode atrasar ainda mais a reativação do mercado de trabalho, trazendo dificuldades adicionais para a consolidação da recuperação da economia brasileira. Por isso, o esmorecimento dos serviços, bem como da indústria e do comércio, no primeiro trimestre se fará sentir nas expectativas de crescimento para o ano de 2018.
Quanto aos diferentes segmentos que compõem o setor, não há um modelo único sendo seguido. O fato é que poucos são aqueles que melhoraram sua situação no primeiro quarto do ano. A maioria ou voltou para o negativo ou manteve-se no azul, mas a um ritmo muito mais comedido.
Aqueles me melhor vinham se saindo em 2017, contribuindo para amenizar progressivamente a crise do setor como um todo, foram justamente os que mais retrocederam no primeiro trimestre de 2018. Serviços prestados às famílias e serviços de informação e comunicação já tinham voltado ao negativo no 4º trim/17, mas agora no começo de 2018 deram um salto para trás: de -0,7% para -2,3% no primeiro caso e de -0,2% para -3,7% no segundo caso.
Os serviços de transporte, seus auxiliares e correios também podem ser incluídos nesta categoria, já que, impulsionados pela maior produção industrial e pela supersafra do ano passado, foram o único segmento a fechar 2017 no azul, atingindo um crescimento expressivo no último trimestre (+6,6%). Em 2018, apesar de preservarem o sinal positivo, o ritmo de aumento do seu faturamento real sofreu um recuo intenso, para apenas +1,3%, espelhando a queda de dinamismo da economia geral.
Assim, dos cinco segmentos de serviços acompanhados pelo IBGE, em apenas 2 pode-se falar que houve algum progresso em 2018. E isso em termos relativos. Vejamos o caso de serviços profissionais, administrativos e complementares, para quem o 1º trim/18 foi favorável somente porque preservou a tendência de amenização da crise (-2,6% contra -5,2% no 4º trim/17). Aqui, a situação financeira muito delicada das empresas, embora já tenha sido pior, ainda impede uma verdadeira recuperação.
O segundo segmento é, de fato, o único que saiu ganhando com a entrada de 2018. Trata-se de outros serviços, um segmento que reúne uma grande diversidade de atividades, como serviços financeiros, imobiliários, agrícolas, de reparos etc, o que dificulta a interpretação de seu desempenho. De todo modo, seu faturamento real voltou a crescer no 1º trim/18 (+1,8%), depois de quedas prolongadas (desde 4º trim/14) e muito fortes, que chegaram a superar -10% em alguns trimestres.