Carta IEDI
As empresas brasileiras na crise recente
O IEDI dá sequência à divulgação de uma série de estudos que subsidiaram a formulação de sua estratégia industrial, a ser divulgada em breve, tratando de temas como tributação, infraestrutura, financiamento do investimento no país, integração internacional, inovação etc. O primeiro trabalho desta série (Carta IEDI n. 855) analisou as transformações na estrutura industrial entre 2007 e 2015.
A Carta IEDI de hoje, por sua vez, analisa o desempenho das empresas não financeiras, com especial atenção para as empresas industriais, entre os anos de 2010 e 2017. Ao total, foram pesquisadas 293 empresas, agrupadas em três macrossetores (indústria, comércio e serviços), de modo a obtermos uma amostra bastante representativa na economia brasileira. O trabalho encontra-se publicado na íntegra no site do IEDI.
No período analisado, o quadro geral da economia no período foi decisivo para o desempenho empresarial. Após a recessão em 2009, desencadeada pela crise financeira mundial de 2008, teve lugar um forte crescimento do PIB em 2010 (7,5%) que não se sustentou. No período seguinte, de 2011 a 2014, resultados modestos se alternaram com outros francamente desfavoráveis, com uma média de crescimento baixo. Para a indústria de transformação a recessão chegou com antecedência, já em 2014, se intensificaria e se espalharia para toda economia nos anos de 2015 e 2016. Somente em 2017 a economia voltaria a crescer, ainda assim sem muita força.
Esse acanhado crescimento médio depois de 2010, seguido de recessão grave e de uma frágil recuperação, formou o pano de fundo do processo trilhado pelas empresas brasileiras de regressão significativa na rentabilidade, no endividamento e no comprometimento do lucro operacional (ou EBITDA) com despesas financeiras. O estudo mostra que, mesmo com o fim da recessão em 2017, tais efeitos continuaram presentes, compondo o quadro de pouco dinamismo do investimento e da recuperação da economia na atualidade.
A trajetória das empresas em cada uma das etapas da economia brasileira pode ser resumida como se segue.
O crescimento em 2010 criou condições muito favoráveis para as empresas. Para o conjunto das companhias da amostra, envolvendo todos os setores, a margem líquida de lucro neste ano foi de 12,9% (8,5% para o conjunto das empresas industriais, excluída a Petrobras e a Vale). O índice de endividamento líquido oneroso sobre o capital próprio ficou em 51,7% (62,1% para as empresas industriais) e a geração de lucro operacional foi capaz de cobrir 3,2 vezes o volume de despesas financeiras brutas ou 320% das despesas financeiras brutas (2,3 vezes os custos financeiros para as empresas industriais).
No período de baixo crescimento compreendido entre 2011 e 2014 esses indicadores sofreram forte deterioração, numa indicação de que as empresas brasileiras entraram na crise de 2015/2016 já fragilizadas. A margem líquida recua progressivamente para um nível muito baixo, 1,9% considerando o conjunto das companhias não financeiras (3% para a indústria sem Petrobras e Vale). O endividamento subiu para 88,4% (para as empresas industriais, 62,7%, ou seja, praticamente sem variação) e a cobertura da despesa financeira bruta pelo lucro operacional recuou para apenas 1,0 vez (1,4% no caso da indústria). Ou seja, a geração de lucro operacional passou a ser suficiente apenas para honrar os compromissos financeiros no caso do conjunto das empresas da amostra e algo próximo a isso para as companhias industriais.
O primeiro ano de recessão foi devastador para as empresas. Além da retração rápida e muito intensa do nível de atividade, o aumento das taxas de juros do crédito doméstico e a desvalorização do Real ensejaram um grande crescimento do endividamento e dos custos financeiros. A margem líquida de lucro tornou-se negativa para o conjunto das empresas não financeiras, caindo para -3,6% (1,4% para as empresas industriais), o endividamento oneroso líquido sobre o capital próprio subiu para 115,5% (89,7% para a indústria) e a geração de lucro operacional passou a cobrir apenas uma pequena parcela (30%) do valor das despesas financeiras brutas. Para as empresas industriais, este último índice foi melhor, mas mesmo assim inferior a 1 (70% da despesa financeira bruta).
Como a desvalorização da moeda do ano anterior não se repetiu (ao contrário, houve valorização) e o Banco Central iniciou uma fase de redução dos juros, o segundo ano da recessão, 2016, abriu oportunidade para a melhora dos índices empresariais. O fim da recessão no ano seguinte permitiu nova melhora nos indicadores. O comentário pertinente sobre os índices empresariais vigentes para o final do período aqui estudado (2017) é que alguns avanços nos indicadores de fato ocorreram, mas em todos os casos foram de pequena envergadura ou mesmo marginais.
A margem de lucro líquido melhorou para a totalidade das companhias não financeiras, alcançando 4,0% e 3,7% para as empresas industriais sem Petrobras e Vale, devido em ambos os casos, principalmente, à redução das despesas financeiras e do menor efeito da variação cambial no biênio 2016/2017. Também melhoraram marginalmente os índices de cobertura das despesas financeiras pelo lucro operacional de ambos os grupos, que se mantiveram apenas um pouco acima da unidade em ambos os casos (1,2 e 1,3, respectivamente). No caso do endividamento sobre o capital próprio o avanço foi pequeno para o primeiro grupo (99,7%), e praticamente não se apresentou para o segundo grupo (89,1%). As taxas de juros ainda muito elevadas do crédito bancário explicam uma parcela relevante do atraso do reajuste da rentabilidade e do endividamento empresarial.
O estudo constatou ainda que após 2011 a retração dos investimentos das empresas se tornou praticamente uma constante, tendo como líder o setor industrial seguido dos demais setores, serviços e comércio. O processo ganha expressão às vésperas da recessão de 2015 e se estende até 2017.
O trabalho mostrou que, para as empresas industriais exceto Petrobras e Vale, o retorno do capital investido (ROIC) teve queda desde 2011, acusando uma recuperação mais significativa apenas em 2017. Como não há investimento sem a perspectiva de lucro, tal trajetória tem relevante papel explicativo na redução das inversões. Nos anos de recessão de 2014 e 2015, a conjuntura se tornou ainda mais adversa ao investimento produtivo em razão do aumento do custo médio ponderado do capital (WACC).
Para as empresas da indústria de transformação em nenhum ano do período 2011-2017, a rentabilidade dos investimentos superou o custo médio do capital. Mesmo o nível de rentabilidade um pouco melhor alcançado em 2017 ficou bem aquém do que seria razoável em relação ao custo médio de capital. Esta constatação sugere que ainda existem obstáculos importantes para a retomada de um ciclo de investimentos produtivos na economia, condição necessária para a saída sustentada da recessão.
Em suma, o período em análise se encerra com indicadores de lucratividade, de endividamento e de cobertura de despesas financeiras abaixo dos recomendáveis para que as empresas virem a página da recente crise e voltem a investir. Este é um condicionante relevante do atual quadro de baixo nível de dinamismo da economia brasileira.
Introdução
Neste trabalho é analisado o desempenho das empresas não financeiras entre os anos de 2010 a 2017, com especial atenção para as companhias industriais. Os balanços patrimoniais e demonstrativos de resultados das companhias de capital aberto são as fontes da pesquisa. Rentabilidade operacional e líquida, grau de endividamento e estrutura dos ativos são alguns dos pontos analisados pelo levantamento. Dois outros indicadores estarão em pauta: despesas de capital (Capex) sobre depreciações (investimento) e retorno do capital investido (ROIC) em relação ao custo médio do capital (WACC).
Após a recessão da economia em 2009, desencadeada pela crise financeira mundial de 2008, teve lugar um forte crescimento do PIB, que chegou a 7,5% em 2010, mas que não se sustentou. O período seguinte, compreendido entre 2011 e 2014, notabilizou-se pela alternância de resultados modestos ou desfavoráveis, com uma média de crescimento baixa. Para a indústria de transformação a recessão chegou com antecedência, já em 2014, que se intensificou e se espalhou para toda economia em 2015 e 2016. Somente em 2017, o crescimento retornaria, ainda assim sem muita força.
Foi esse acanhado crescimento médio depois de 2010, seguido de recessão grave e frágil recuperação, que formou o pano de fundo para que a rentabilidade das empresas brasileiras se contraísse, seu endividamento aumentasse, provocando pesadas perdas financeiras e cambiais, como veremos a seguir. Este estudo procurará mostrar ainda que, mesmo com o fim da recessão em 2017, tais efeitos continuaram presentes, compondo o quadro atual de pouco dinamismo no investimento e de lenta recuperação da economia.
Foram pesquisadas 293 empresas com dados contábeis para todo o período de 2010 a 2017. As companhias foram agrupadas em três macrossetores: indústria, comércio e serviços. Três subconjuntos foram criados para isolar o peso das gigantes dos setores de petróleo, mineração e energia elétrica nos totais: (i) indústria sem Petrobras; (ii) indústria sem Petrobras e Vale e (iii) serviços sem energia elétrica. Predominam entre os indicadores utilizados os de rentabilidade e de estrutura patrimonial (endividamento e distribuição dos ativos). O anexo apresenta dados mais pormenorizados e descreve os indicadores. O leitor interessado em informações adicionais poderá consultar a íntegra do trabalho.
O conjunto das empresas selecionadas é bastante representativo da economia brasileira. A receita líquida foi equivalente, em média, a um percentual próximo a 30% do PIB. Já o lucro operacional (EBIT) e o lucro líquido deste conjunto de empresas como proporção do PIB foram decrescentes até 2015, passando de uma média de 5,5% no biênio 2010-2011 para 1,4% em 2015 no caso do lucro operacional e de 3,5% para -1,1% no caso do lucro líquido (ou seja, o conjunto das empresas apresentou prejuízo no período). Nos últimos dois anos da série, estes índices tiveram certa recomposição e atingiram, em 2017, os patamares de 3,5% e 1,1%, respectivamente, mas mantiveram-se abaixo dos níveis de 2010-2011.
Cabe observar que a diferença entre o lucro operacional e o lucro líquido como percentual do PIB entre 2010 e 2017 é um indicativo do volume de recursos que o setor produtivo transferiu para o setor financeiro nestes últimos oito anos, em função do aumento da carga de juros e do impacto das desvalorizações cambiais sobre o estoque de dívidas em moeda estrangeira, algo da ordem de 17,1% do PIB, considerando as empresas não financeiras da amostra.
As duas próximas seções avaliam o desempenho das empresas não financeiras a partir dos indicadores de rentabilidade e de endividamento entre 2010 e 2017. A seção seguinte aborda o tema da retração muito acentuada dos investimentos produtivos das empresas ao longo do período. Um item de conclusões encerra o trabalho.
Rentabilidade e endividamento no pós-crise de 2009
A crise global de 2009 levou ao encerramento do ciclo de crescimento da economia brasileira iniciado em 2004 e impulsionado pelo dinamismo do consumo doméstico e pela trajetória de alta dos preços internacionais das commodities. Neste contexto, as empresas não financeiras lograram obter boas margens de lucro amparadas na expansão da receita operacional, na redução dos custos financeiros e nos ganhos cambiais, dada a valorização do real.
A superação da crise internacional teve no ano de 2010 um momento único e excepcional de crescimento econômico. A expansão de 7,5% do PIB no primeiro ano desta década teve como âncoras o aumento real da renda pessoal, a elástica oferta de crédito, as políticas de incentivo à compra de bens duráveis e a atuação do BNDES no financiamento do investimento. Neste ano, as companhias não financeiras recompuseram sua rentabilidade e avançaram nos investimentos sem ampliar o endividamento bancário. A geração interna de lucros financiava parte relevante das inversões.
Nesse cenário, as empresas não financeiras obtiveram índices muito positivos: a margem líquida de lucro alcançou 12,9% e o endividamento líquido oneroso sobre o capital próprio foi de 51,7% com uma dívida bancária total de R$ 686 bilhões. A capacidade das empresas de gerar recursos para honrar os custos financeiros era expressiva, com o lucro operacional (ou EBITDA) cobrindo 3,2 vezes o volume de despesas financeiras brutas; ou seja, o lucro operacional naquele ano correspondeu a 320% das despesas financeiras brutas, um indicador de baixa exposição do fluxo de caixa ao serviço das dívidas.
No caso das empresas industriais (excluídas a Petrobras e a Vale), as condições econômico-financeiras em 2010 se revelavam também confortáveis: a margem líquida de lucro subia a 8,5%, o volume de dívida somava R$ 222 bilhões com um endividamento líquido oneroso de 62,1% em relação ao capital próprio. A geração de recursos operacionais (lucro operacional) correspondia a 2,3 vezes os custos financeiros.
A partir de 2010, abre-se uma etapa de crescimento econômico médio baixo, intercalando anos de evolução do PIB apenas razoável (como 2011 e 2013, com variações de 4% e 3%) com anos de desempenho muito insatisfatório (1,9% e 0,5% em 2012 e 2014), o que afetaria os indicadores das empresas.
Nesses anos as margens de lucro recuaram para o conjunto das companhias não financeiras. A margem líquida, que alcançou quase 13% em 2010, caiu progressivamente até chegar a 1,9% em 2014, uma perda de 11 pontos percentuais (p.p.) e a margem operacional diminui no mesmo período de 19,7% para 8,3%, com redução de 11,4 p.p.. Já o endividamento oneroso líquido chegou a 115,5% do capital próprio e a cobertura da despesa financeira bruta pelo lucro operacional caiu para apenas 1,0 vez, ou seja, a geração de lucro operacional correspondia tão somente ao montante requerido para honrar os compromissos financeiros, nada além.
Do lado da indústria, as margens de lucro líquido e operacional, excluindo Petrobras e Vale, cedem respectivamente de 8,5% em 2010 para 3% em 2014 e de 13,5% para 10,0%. O endividamento oneroso líquido sobe para 62,7% e o peso das dívidas de curto-prazo passa de 20,5% das dívidas totais em 2010 para 25,2% em 2014, denotando uma piora na qualidade do endividamento. A geração de caixa através da margem operacional para quitar os encargos financeiros, medida pela relação entre o EBITDA ou o lucro operacional e as despesas financeiras brutas, cai de 2,3 para 1,4 no mesmo período.
Esses resultados mostram que os indicadores financeiros das grandes empresas já indicavam forte deterioração antes mesmo da recessão da economia iniciada em 2015.
Rentabilidade e endividamento: os anos de recessão e a recuperação de 2017
Outra etapa com efeitos ainda mais graves sobre as empresas teve início com a crise que se instalou no país em 2015/2016 e que teve na indústria de transformação o seu epicentro. A crise levou ao declínio no PIB de 3,5% em cada um desses dois anos e impulsionou fortemente para baixo a trajetória que já era declinante da lucratividade empresarial, ampliando ainda o endividamento e os custos das grandes empresas com consequências muito negativas para a sua situação financeira e sua capacidade de investimento.
O ano de 2015 representou, de fato, um ponto de inflexão nos resultados operacionais e financeiros das grandes empresas brasileiras que haviam contratado dívidas interna e externamente para financiar projetos de investimento e aquisições. As empresas sofreram o impacto praticamente imediato da intensa elevação das taxas de juros do crédito doméstico e da aguda desvalorização do real. Com isso, a dívida acumulada do conjunto de companhias industriais (excluídas a Petrobras e a Vale) alcançou o pico da série em 2015, ou seja, R$ 393 bilhões, um acréscimo de quase 30% ou o equivalente a R$ 85 bilhões em relação a 2014. Em 2016, o total das dívidas das empresas industriais recuou pouco, apenas cerca de 8%, para o montante de R$ 362 bilhões. O índice que mede o endividamento oneroso líquido sobre o capital próprio para este conjunto de empresas industriais subiu de 67,1% em 2014 para 89,7% no ano seguinte e manteve-se neste nível até 2017, a despeito de que neste último ano a economia tenha voltado a crescer, embora modestamente (1%).
Em resumo: o balanço patrimonial e as demonstrações de resultados das empresas não financeiras sofreram um grande revés, enquanto se elevavam o grau de endividamento, o volume de despesas financeiras e as perdas com as variações cambiais, que afetaram o fluxo de pagamentos de encargos em reais dos empréstimos externos.
Assim, o conjunto das empresas não financeiras registrou em 2015 uma margem líquida de lucro negativa (tiveram prejuízo líquido) de 3,6%, em contraste com uma margem líquida de 1,9% no ano anterior e de 12,9% em 2010. A geração de caixa obtida através do lucro operacional (EBITDA) só cobriu 30% das despesas financeiras brutas, contra 100% no ano anterior e 320% em 2010.
Nas empresas industriais (excluídas Petrobras e Vale), a margem líquida de lucro em 2015 caiu para 1,4% (4% em 2014 e 8,5% em 2010) com perda de 7,1 p.p. em relação a 2010; a margem operacional retrocedeu de 10% em 2014 para 8,3% (13,5% em 2010) e o lucro operacional só conseguiu fazer frente a 70% da despesa financeira bruta, contra 140% no ano anterior e 230% em 2010.
A desvalorização do real em 2015 teve, ao que parece, efeitos mais negativos do que positivos sobre as contas das empresas não financeiras. Deste modo, elas precisaram buscar a reversão do desequilíbrio econômico-financeiro a que foram submetidas por meio da diminuição do grau de endividamento e das despesas financeiras. Para tanto, utilizaram-se, além do enxugamento nas despesas e cortes nos investimentos, da renegociação de dívidas e da venda de ativos. Em 2016, apesar da piora do perfil do endividamento das empresas em termos de prazo, a apreciação cambial e a redução da taxa básica de juros proporcionaram condições mais favoráveis para a renegociação das dívidas.
A melhora entre 2015 e 2106 da margem de lucro líquido, de -3,6% para 2,9% para a totalidade das empresas não financeiras e de 1,4% para 2,4% para as empresas industriais, excluídas a Petrobras e a Vale, reflete em grande parte a redução das despesas financeiras e do menor efeito da variação cambial sobre os resultados das empresas.
Cabe observar que, ao contrário de outros segmentos empresariais, no caso das empresas industriais esses fatores serviram para amenizar os efeitos de nova queda da margem operacional em 2016. Isso permitiu uma melhora da margem de lucro líquido. Persistindo a queda da margem operacional, manteve-se de pé também a dificuldade que as empresas encontravam para acelerar o ritmo de redução do seu endividamento. Entre 2014 e 2016, a margem operacional (ou o EBITDA) das empresas industriais sem Petrobras e Vale diminuiu de 10% em 2014 para 8,3% no ano seguinte e para 7,8% em 2016, somente retornando ao índice de 2014 em 2017, mesmo assim em um patamar ainda distante dos 13,5% de 2010.
Outros resultados da pesquisa devem ser sublinhados:
• No caso da margem de lucro bruto, a recessão dificultou o repasse aos preços do aumento dos custos dos insumos industriais, sendo este um fator adicional de redução da lucratividade das empresas industriais. Tomando o conjunto dessas empresas, exceto a Petrobras e a Vale, a margem bruta caiu de 22,9% em 2014 para 22,2% em 2016.
• Para vários ramos industriais, o cenário predominante em 2015 não desanuviou em 2016. Uma parte considerável deles apresentou queda na margem líquida, implicando em menor disposição das empresas em realizar novos investimentos. Setores importantes da indústria de transformação estiveram nessa condição, como alimentos, vestuário e química. Para outros segmentos, 2016 foi mais um ano de prejuízo líquido, a exemplo dos setores de têxteis, metalurgia, siderurgia e da construção.
• Como foi mencionado, um destacado determinante de compressão do lucro líquido das empresas durante o período da pesquisa (2010 a 2017) foi o peso das despesas financeiras que cresceram em um ritmo superior aos demais custos operacionais. Os encargos financeiros líquidos aumentaram 2,5 vezes, enquanto os custos dos produtos vendidos avançaram menos, 1,7 vez entre 2010 e 2017.
O ano de 2017 foi marcado pela expectativa de recuperação econômica. Contudo, mesmo tendo apresentado alguns indicadores favoráveis – inflação baixa e juros básicos menores, por exemplo – o crescimento foi baixo e com muitas fragilidades. Na perspectiva do equilíbrio econômico-financeiro das empresas, a melhora ocorrida neste ano foi apenas parcial.
Entre 2016 e 2017, o grau de endividamento oneroso líquido sobre o capital próprio para a totalidade das empresas da amostra caiu, porém apenas modestamente, de 105,5% para 99,7%, permanecendo bastante elevado para os padrões históricos brasileiros. Os endividamento total somou R$ 1,4 trilhão em 2017, com decréscimo de R$ 162 bilhões em relação a 2015, o ano de maior volume de dívidas do período. No caso das empresas industriais (excluídas a Petrobras e a Vale), a dívida atingiu R$ 321 bilhões (menos R$ 21 bilhões, frente a 2015) e o endividamento oneroso líquido permaneceu praticamente inalterado na faixa de 90%, indicando que a melhora deste indicador só deverá ocorrer em um cenário de maior crescimento da produção e das vendas.
A redução do estoque das dívidas entre 2015 e 2017 ajudou na contenção das despesas financeiras. Todavia os principais fatores que atuaram para sua queda foram, de um lado, a valorização do real em 2017 (de 8,3%, em relação à média de 2016), e de outro, os menores custos dos empréstimos domésticos. Segundo o Banco Central, as taxas de juros do crédito com recursos livres para as pessoas jurídicas retrocederam em termos reais 5,2 p.p. em 2017, atingindo o patamar de 25,2% a.a.. Note-se, contudo, que os juros do crédito bancário, que ainda se mantêm muito elevados, explicam uma parcela relevante do atraso do reajuste do endividamento das empresas.
Assim, a redução das despesas financeiras foi o principal determinante da recuperação da margem de lucro líquido que, no caso das 293 empresas não financeiras da amostra, subiu de 2,9% para 4,0% entre 2016 e 2017, mas permaneceu abaixo do patamar de 2013 (5,0%). Já, no agregado da indústria (excluídas a Petrobras e a Vale), a margem líquida passa de 2,4% para 3,7%. Os impactos negativos das variações cambiais ficaram abaixo do observado em 2015 e ajudaram na recomposição desse indicador.
Para quase todos os setores analisados – com as exceções das empresas de energia elétrica e comércio – a lucratividade melhorou em 2017, interrompendo a tendência de queda iniciada em 2014. Esta recuperação foi generalizada entre os setores industriais – em especial para os de bens de consumo –, ainda que em um patamar baixo se comparado ao período pré-crise.
A despeito da recuperação parcial das margens de lucro, chama a atenção o crescimento, ainda que pequeno, da margem bruta, de 22,5% em 2016 para 23,5% em 2017, para o conjunto das empresas industriais (excluídas a Petrobras e a Vale). Isto significa que, em alguma medida, essas empresas reconquistaram a capacidade de negociar custos, o que não deixa de ser um indicativo de melhora no ambiente industrial.
A recuperação das margens de lucro líquidas é um fato positivo, considerando que representa o fim de um período de resultados negativos em setores importantes da indústria. Segmentos que vinham apresentando prejuízos seguidos, como autopeças, têxteis e petróleo e gás reverteram seus resultados em 2017. Entretanto, a situação das empresas de insumos básicos, apesar de resultados positivos em alguns casos, ainda encontra dificuldades, especialmente na metalurgia e siderurgia. Nos setores de serviços, a crise também não está inteiramente equacionada para diversas empresas, que apresentam níveis de rentabilidade bem abaixo da média, como por exemplo, as dos setores de logística e de telecomunicações.
O aumento do consumo possibilitou também o crescimento da margem operacional, que havia mantido a tendência de queda em 2016. Como já foi observado, em 2017 este indicador para as empresas industriais (excluídas a Petrobras e a Vale) avançou para 10%, retornando ao nível de 2014, significativamente inferior, porém, ao observado em 2010 (13,5%). A recuperação da margem operacional foi expressiva para as empresas de bens de consumo, bens de capital e alguns segmentos de bens intermediários (química e siderurgia).
Em suma, o aumento da margem operacional das empresas industriais foi importante porque interrompeu as quedas ocorridas nos anos de recessão. A combinação de maior lucro operacional (ou EBITDA), cujo volume chegou em 2017 a R$ 67 bilhões para o conjunto das companhias industriais, com uma despesa financeira bruta menor, na faixa de R$ 55 bilhões, reduziu a fragilidade financeira das empresas. A relação entre estas duas variáveis (EBITDA/despesa financeira bruta) superou a unidade pela primeira vez desde 2014, alcançando um índice de 1,3, o que significa dizer que em 2017 a geração interna de lucros foi capaz de cobrir os encargos financeiros com uma pequena margem de 30%.
A melhora da lucratividade não é suficiente ainda para recuperar de forma mais consistente o aumento das despesas com capital fixo. As empresas buscaram manter parte dos seus recursos líquidos e seguiram no processo de liquidação de ativos para fazer frente ao elevado endividamento e às incertezas que ainda rondam a economia brasileira.
Sem lucro, sem investimento
Após a recuperação da economia dos efeitos da crise global de 2008, as despesas com capital fixo oscilaram até 2013, mas no ano seguinte caíram fortemente e atingiram o nível mais baixo da série em 2015. Para as empresas industriais o que se apresentou após 2014 foi, portanto, um novo nível de investimentos, bem inferior à média dos anos anteriores, refletindo o colapso do lucro e, em decorrência disto, a postergação das decisões de investir das empresas industriais durante a crise recente.
Deve ser levado em conta que as empresas dos demais setores seguiram este mesmo padrão, ou seja, os investimentos caíram já em 2014, um processo que foi se renovando nos anos de recessão da economia (2015/2016) e não foi interrompido com o final dela em 2017. Já observamos que o corte de despesas em capital fixo, vale dizer, dos gastos com investimento, acompanhou o andamento da economia e das perspectivas de retorno do investimento. Quando a recessão teve início, em 2015, fazendo-se acompanhar de aumento dos juros do crédito e forte desvalorização da moeda, a compressão das inversões passou a obedecer também à estratégia microeconômica de reduzir o endividamento e, assim, desinflar as despesas financeiras.
Se considerarmos como medida de aproximação para o custo de oportunidade do investimento a relação entre a rentabilidade dos investimentos (ROIC) e o custo médio ponderado do capital (WACC), é possível afirmar que entre 2011 e 2014, a queda da rentabilidade apresentou-se como o fator mais importante da revisão dos planos de investimentos. Após este último ano, a conjuntura se tornou ainda mais adversa ao investimento produtivo em razão do aumento do custo médio de capital.
Para as empresas da indústria de transformação, em nenhum ano do período em tela, a rentabilidade dos investimentos superou o custo médio do capital. Mesmo o nível de rentabilidade um pouco melhor alcançado em 2017 ficou bem aquém do que seria um nível razoável em relação ao custo médio de capital, revelando que obstáculos ainda se fazem presentes para a retomada de um ciclo de investimentos produtivos na economia, condição necessária para a saída sustentada da recessão.
Cabe ainda assinalar que no cenário pós-2013 a retração dos dispêndios com capital fixo foi acompanhada de aumento da participação de ativos líquidos nas carteiras das empresas. Os anos de recessão favoreceram o aumento do peso de ativos mais líquidos com redução correspondente na participação dos ativos imobilizados e dos investimentos produtivos no total dos ativos. O ano de 2017 sugere que parte do aumento da lucratividade foi convertida no pagamento de dívidas e/ou manutenção das aplicações financeiras das empresas.
Em muitos casos, a crise econômica levou também à venda de ativos. Em um cenário de queda da rentabilidade dos investimentos e de alto endividamento, este procedimento compôs a estratégia defensiva que objetivava amenizar a fragilização financeira das empresas, diminuir as despesas financeiras e procurar aplicações mais rentáveis para o capital.
Os dados levantados das empresas da amostra confirmam a participação significativa de ativos líquidos (considerando aplicações financeiras e caixa) na composição de seus ativos – cerca de 13,7% do ativo total. Em 2017, com a recuperação da rentabilidade, as empresas destinaram volume ainda maior para aplicações financeiras, como mostram os dados do anexo.
Anexo
INDICADORES Efeito Cambial e Variação Cambial: representa as variações provocadas nas receitas e despesas (fluxos de caixa) em moeda estrangeira decorrentes da variação da taxa de câmbio entre a moeda estrangeira e o Real. Dessa forma, uma valorização do Real leva a um ganho positivo nas despesas em moeda estrangeira e uma perda na conversão de receitas em moeda estrangeira para o Real; já uma desvalorização cambial gera perdas nas despesas em moeda estrangeira e um ganho na conversão das receitas em moeda estrangeira. Empréstimos de Curto Prazo: são todas as obrigações com prazos de vencimento inferiores a 365 dias, incluindo debêntures. Empréstimos de Longo Prazo: são todas as obrigações com prazos de vencimento superiores a 365 dias, incluindo debêntures. Endividamento Líquido oneroso: é dado pelo endividamento total de curto prazo e de longo prazo menos o total de caixa e equivalentes de caixa total da empresa. Endividamento Bancário Total / Lucro Operacional: mede quantas vezes o estoque das dívidas bancária corresponde à geração de Lucro Operacional. Rentabilidade do Patrimônio: é o lucro líquido dividido pelo patrimônio líquido da empresa em um exercício. Representa o lucro obtido por cada unidade monetária de patrimônio da empresa. Despesa Financeira Líquida sobre a Receita Operacional: mede o peso dos encargos financeiros líquidos das receitas financeiras na Receita Operacional Lucro Operacional (EBITDA) / Despesa Financeira bruta: avalia a capacidade dos lucros operacionais cobrirem as despesas financeiras. Custo dos produtos e Serviços sobre a Receita Operacional: indica o peso dos Custos de Produtos Vendidos na Receita Operacional. Margem Bruta de Lucro: a margem bruta de lucro é dada pela razão entre o lucro bruto e a receita operacional líquida, sendo o lucro bruto a diferença entre a receita operacional líquida e o custo dos produtos vendidos. Margem Líquida de Lucro: a margem líquida de lucro é dada pela razão entre o lucro líquido (lucro bruto mais despesas não operacionais, taxas e impostos) e a receita operacional líquida, representa qual a porcentagem de lucro final em cada unidade monetária de receita. Margem Operacional: a margem Operacional é a dada pela ração entre o EBDITA (Lucro antes dos Juros ou despesas financeiras líquidas e Tributos, imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido) e a receita operacional líquida; define o percentual de lucro antes da incidência de taxas e impostos em cada unidade monetária de receita. CAPEX/Depreciação: indicador da relação entre o total das despesas em capital fixo sobre o volume de reservas para depreciação realizadas no ano. O indicador é calculado através da média setorial e apresentado como taxa de variação anual a partir da série encadeada em base 100. O cálculo serve para demonstrar a evolução da taxa de investimento setorial em capital fixo, sendo que a apresentação do indicador somente pela variação anual serve para reduzir as diferenças setoriais em termos de escala produtiva e de volume dos investimentos fixos. ROIC/WACC: é uma medida do custo de oportunidade do investimento dado pela relação entre a rentabilidade dos investimentos (ROIC) e o custo médio ponderado do capital (WACC). |