Análise IEDI
O bom desempenho das contas externas em 2017
As contas externas do Brasil registraram, em 2017, um desempenho bastante favorável devido a uma combinação excepcional de fatores tanto externos como internos. A Carta IEDI a ser divulgada hoje analisa a evolução recente das relações da economia brasileira com o exterior a partir do resultado de seu Balanço de Pagamentos.
No âmbito das transações correntes, 2017 foi marcado pela continuidade do processo de ajuste externo iniciado em 2015, inclusive em uma intensidade muito próxima à observada em 2016. E isso, vale observar, apesar do fim da recessão após dois anos de retração do PIB, o que tende a estimular nossas importações. O déficit nas transações correntes (TC) caiu expressivos 58,4% frente a 2016, atingindo a menor cifra desde 2008. O recuo como porcentagem do PIB também tem sido intenso: passou de 3,3% em 2015 para somente 0,5% em 2017. Deste modo, o investimento direto externo (IDE), modalidade mais estável de capital estrangeiro, foi mais que suficiente para financiar esse déficit.
Por trás dessa evolução recente das TC está, principalmente, o avanço do superávit da balança comercial de bens, embora numa intensidade menor do que a de 2016 (42,2% contra 155%). Esse menor ritmo não surpreende, dado que o pequeno crescimento da economia brasileira em 2017 já foi suficiente para que as importações reagissem, depois de dois anos seguidos de retração. Assim, o superávit comercial só melhorou porque a alta das importações ficou abaixo da alta das exportações: 9% contra 17,8%, respectivamente. Vale lembrar que nossas exportações foram muito beneficiadas pela super safra agrícola, bem como pela recuperação dos preços internacionais das commodities e pelo dinamismo da demanda externa, que contribuiu para sustentar os embarques de bens manufaturados.
A saída da recessão também impulsionou outras rubricas das transações correntes em 2017, como: as viagens internacionais, favorecidas pelos mesmos fatores subjacentes à reação do consumo das famílias, dentre os quais a liberação dos recursos do FGTS e do PIS-Pasep, o retorno do crédito às pessoas físicas e a queda da inflação; e, as remessas liquidas de “Lucros e dividendos”, que têm um comportamento pro-cíclico (ou seja, aumentam quando a economia brasileira está crescendo e vice-versa). Todavia, o aumento desses gastos foi bem menor que o registrado na balança comercial, o que explica a continuidade do ajuste nas TC.
Do lado da conta financeira, o déficit de 2017 foi menor do que o registrado em 2016. Na atual metodologia do Balanço de Pagamentos adotada pelo Banco Central do Brasil (BCB), o saldo dessa conta não equivale ao ingresso líquido de capitais externos (como na metodologia anterior), mas à diferença entre a variação dos ativos e dos passivos externos frente ao ano anterior. Assim, um valor negativo na conta financeira significa que o crescimento da posição de não-residentes no país (passivo externo) foi maior do que da posição de residentes no exterior e vice-versa (ativo externo).
Em 2017, a conta financeira foi deficitária em US$ 4.880 milhões (contra um saldo negativo de US$ 16.141 milhões em 2016), sendo o segundo menor déficit da nova série histórica do BCB iniciada em 1995. A análise da sua composição revela que a maior parte do passivo externo absorvido decorreu do ingresso de IDE, de US$ 70.332 milhões. Esse valor foi 10% inferior ao registrado em 2016 em função do menor ingresso líquido de empréstimos intercompanhia, associado, provavelmente, à redução da taxa básica de juros do Brasil (Selic) e, consequentemente, do diferencial entre os juros externos e internos que estimula operações de arbitragem pelas empresas transnacionais.
No caso dos investimentos em carteira, apesar do aumento do apetite por riscos no mercado financeiro internacional, essa redução dos juros no Brasil estimulou as aplicações de residentes no exterior e desestimulou os investimentos de não-residentes no mercado de renda fixa brasileiro; o efeito líquido foi um pequeno déficit. A menor rentabilidade de aplicações nesse mercado deve ter contribuído, igualmente, para o crescimento dos depósitos dos exportadores no exterior, contabilizados na rubrica “Créditos comerciais e adiantamentos”, principal determinante do maior superávit nos outros investimentos.
Em 2018, contudo, a combinação de bons resultados na conta de transações correntes não deve persistir, em função, sobretudo, de um fator interno: o maior ritmo de crescimento da economia brasileira (2,8% é a expectastiva segundo o relatório Focus divulgado em 19/03/2018). Neste contexto, as importações serão impulsionadas dada a sua elevada elasticidade-renda e, simultaneamente, as exportações devem perder fôlego, já que em economias de dimensão continental como a brasileira há um trade-off entre mercado interno e externo no caso de produtos manufaturados. Ademais, a super safra agrícola não deve ocorrer novamente.
Ou seja, a balança comercial e as transações correntes não repetirão os desempenhos observados no triênio 2015-2017. Essas suposições são coerentes com as projeções atuais do BCB, que apontam para um déficit de US$ 18,4 bilhões em 2018, mas que podem se revelar otimistas. No último relatório Focus, a expectativa do mercado era de um DTC de US$ 26,6 bilhões.
Já o crescimento mundial deve mostrar vigor, mas sem conseguir reverter a tendência de deterioração das TC. O FMI, em janeiro deste ano, revisou seu cenário básico apontando para uma expansão global em 2018 ligeiramente maior do que aquele esperando no final de 2017: passou de 3,7%, na projeção de em out/17, para 3,9% agora em jan/18.
A retomada do dinamismo internacional estimula tanto os fluxos de IDE para as economias emergentes, os quais também são pró-cíclicos em relação ao desempenho global, como os fluxos financeiros (investimentos em carteira e outros investimentos) mediante seu impacto positivo sobre as expectativas dos investidores globais (supondo que não ocorra nenhuma surpresa negativa seja no processo de normalização da política monetária dos Estados Unidos, seja em âmbito geopolítico). Assim, no caso da conta financeira, é coerente com esse contexto a estimativa do BCB de crescimento do seu déficit para US$ 18 bilhões associado, sobretudo, ao aumento em torno de 36% do IDE, que será estimulado, igualmente, pelo melhor desempenho da economia brasileira.