Carta IEDI
O Brasil e os Acordos Preferenciais de Comércio – Parte 2: Recomendações para uma Nova Política
Para o IEDI, uma indústria moderna e integrada à economia mundial tem papel relevante como um vetor adicional e determinante para o desenvolvimento do país. Nessa direção, o Instituto publica na presente edição da Carta IEDI a segunda parte de um estudo sobre os acordos de comércio que se desenvolvem no mundo. São tratados os temas dos efeitos da proliferação de APCs para o Brasil, são avaliados os impactos dos acordos preferenciais de comércio (APCs) para o Brasil e são feitas recomendações para uma nova política para o país.
Há a necessidade de o Brasil inserir-se no novo contexto do comércio internacional, que se mostra, em grande parte, pautado pelas regras dos acordos preferenciais. É necessário analisar critica e estrategicamente o quadro atual de relações comerciais bilaterais e plurilaterais que estão sendo desenvolvidas no âmbito internacional, de maneira a construir uma política comercial sensível aos desafios apresentados pela atual conjuntura. Ainda que não se devam abandonar os esforços multilaterais, o Brasil deverá conceder maior prioridade à integração tanto em seu vetor regional quanto extra regional.
O país deverá buscar o aprofundamento da integração na América do Sul, superando as dificuldades enfrentadas pelo Mercosul e promovendo a liberalização de comércio com os demais países. No âmbito do Mercosul, é necessário solucionar as divergências que entravam o bloco, em especial no que tange às disputas entre Brasil e Argentina que têm prejudicado o comércio bilateral de maneira expressiva. É importante ressaltar que, independentemente de intenções unilaterais, o país deverá coordenar sua política de comércio externa com seus parceiros no Mercosul, de maneira a negociar APCs que representem interesses e particularidades dos membros da instituição. É possível, no entanto, que, dadas as sensibilidades de cada membro do Mercosul, analisar a possibilidade de negociações dentro do mesmo APC do bloco em níveis e velocidades diferentes de abertura comercial, a fim de atender as necessidades de cada país.
A integração com os demais países da América Latina também deve ser intensificada. Os acordos existentes mostram grande abrangência em relação aos produtos objetos de preferências e à importância da margem de preferência concedida. O setor de serviços, no entanto, ainda é muito pouco explorado, sendo objeto de concessões unicamente no acordo com o Chile.
O adensamento da integração no âmbito da ALADI é relevante especialmente em um contexto no qual diversos países da região buscam novos parceiros preferenciais, o que vem deteriorando as preferências desfrutadas pelo Brasil e ameaçando o acesso privilegiado brasileiro a esses mercados. Assim, a intensificação do processo de integração é necessária não apenas para conferir ao Brasil maior acesso a mercados, mas para garantir sua participação nas exportações para esses países, tanto no que se refere ao comércio de bens quanto ao comércio de serviços. Essa iniciativa passa, também, pela discussão de temas relacionados ao moderno comércio do século XXI.
Temas como barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, investimentos e compras governamentais podem ser mais bem explorados. Atualmente o quadro regulatório dos ACEs não traz nenhuma inovação em face das regras da OMC, mas a criação de regras preferenciais nesses temas permitirá um aprofundamento do processo de integração e poderá trazer resultados positivos para todas as partes.
Vale frisar que alguns desses temas já fazem parte de APCs sendo negociados por nossos parceiros regionais e sua inclusão nas negociações por parte do Brasil poderá ser ponto de partida para que o país desenvolva um quadro regulatório que atenda a seus anseios e especificidades.
Com relação ao vetor extra-regional de integração, o Brasil deverá dar prosseguimento às negociações já em andamento, em especial com a União Europeia, parceiro de grande expressividade para o comércio exterior brasileiro, que vem celebrando um número significativo de acordos, o que pode prejudicar as exportações brasileiras caso essas não se tornem também objeto de preferências.
É interessante, também, a diversificação dos acordos, de maneira a incluir tanto parceiros em desenvolvimento quanto desenvolvidos, expandindo o volume das exportações brasileiras abrangidas por tarifas e quadro regulatório preferenciais. O Brasil deverá iniciar negociações com parceiros comerciais relevantes tanto em relação aos produtos agrícolas quanto manufaturados. O novo padrão do comércio internacional é caracterizado pela integração de cadeias de valor globais, que exigem maior profundidade na integração comercial e econômica entre os parceiros envolvidos. Nesse sentido, a política de comércio externo deve ser desenvolvida com a perspectiva de garantir aos setores produtivos nacionais, especialmente aos de serviços ligados à indústria e ao agronegócio, a integração tarifária e regulatória com parceiros estratégicos, de maneira permitir a maximização do valor agregado em território nacional.
Finalmente, é essencial que o país elabore seu próprio modelo de APC, que deverá pautar as futuras negociações. A definição de diretrizes acerca do que deverá compor um quadro regulatório preferencial que atenda suas necessidades comerciais, a partir de consultas com os setores produtivos e de estudos e simulações acerca desses acordos, é fundamental para garantir que os novos APCs tenham impactos econômicos positivos e permitam uma efetiva integração no comércio internacional.
Dentre as questões regulatórias que deverão necessariamente ser abrangidas pelo Brasil na negociação de futuros acordos preferenciais, ressaltam-se:
- Regras de origem preferenciais, fundamentais para a determinação de qual produto receberá o benefício da tarifa preferencial.
- Mecanismos de reconhecimento mútuo ou de harmonização de medidas não tarifárias, que figuram atualmente como os principais entraves ao comércio.
- Modelo de proteção aos investimentos brasileiros que leve em conta as sensibilidades de países em desenvolvimento, mas que garantam segurança jurídica e previsibilidade mínima aos negócios.
- Liberalização gradual de serviços de maneira a integrar a economia regional, estruturar cadeias de valor e permitir o acesso a mercados para empresas nacionais.
Além dessas questões, a negociação de novos APCs poderia incluir mecanismos de flexibilização que garantam o necessário espaço de políticas públicas (policy space) às partes envolvidas, especialmente considerando seu grau de desenvolvimento, além de mecanismos de dissipação (cushion) de efeitos negativos sobre setores sensíveis. Dentre os mecanismos disponíveis, figuram:
- Implementação gradual das medidas negociadas. Comum em APCs envolvendo diferentes níveis de desenvolvimento entre as partes contratantes, esse mecanismo permite um maior tempo de adaptação aos países em desenvolvimento para que implementem as medidas negociadas.
- Salvaguardas transitórias gerais, especiais e setoriais. Esses mecanismos são comuns mesmo em APCs negociados por grandes economias desenvolvidas e oferecem uma alternativa para os setores negativamente atingidos pela negociação do acordo, permitindo reduzir a resistência política interna e construir trade-offs. Há diversos tipos de salvaguardas que se adaptam a necessidades diferentes.
- Mecanismos de treinamento e realocação profissional. A negociação de APCs inevitavelmente traz impactos para a economia do país. Se, por um lado, esses impactos podem ser considerados benéficos, por outro, exigem uma reorganização da economia e dos processos produtivos envolvidos.
Os Efeitos da Proliferação de APCs para o Brasil. Para o IEDI, uma indústria moderna e integrada à economia mundial tem papel relevante como um vetor adicional e determinante para o desenvolvimento do país. Nessa direção, o Instituto reproduz um estudo sobre os acordos comerciais e a posição brasileira, realizado por Vera Thorstensen (Coordenadora do Centro do Comércio Global e do Investimento – CCGI/FGV), Lucas Ferraz (Coordenador do Centro de Modelagem Econômica Aplicada – CMAE/FGV), Daniel Ramos, Carolina Müller e Belisa Eleotério (Pesquisadores do CCGI), intitulado “A multiplicação dos Acordos Preferenciais de Comércio e o Isolamento do Brasil” (que será publicado na íntegra no site do Instituto).
O foro privilegiado de produção e expansão do marco regulatório incidente sobre o comércio internacional, além da negociação relativa a acesso a mercados, tem cada vez mais se concentrado em negociações bilaterais, regionais e multipartes. À medida que o foco afasta-se do plano multilateral, foro tradicionalmente privilegiado pela política comercial brasileira, quais seriam os desafios e potenciais impactos para a inserção internacional dos produtos brasileiros? A resposta passa pela análise de três fatores distintos, porém interdependentes: acesso a mercados; marcos regulatórios; e cadeias globais de valor.
Acesso a Mercados – A Questão Tarifária – O Mercado Latino-americano Ameaçado. Já foi visto que o Brasil, por meio do Mercosul, privilegiou a negociação de APCs com países membros da ALADI, garantindo importante acesso preferencial ao crescente mercado latino-americano. Segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), os países da América Latina apresentaram crescimento médio anual do PIB de 4,5% e 3,0% em 2011 e 2012, enquanto os países desenvolvidos cresceram apenas 1,6% e 1,3% no mesmo período1. Ainda segundo essa fonte, a perspectiva é de que os países latino-americanos continuem a crescer bem acima da média das economias avançadas nos próximos anos.
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Isso significa grande oportunidade para a inserção comercial brasileira uma vez que esses países ainda apresentam mercados consumidores internos com grande potencial de expansão à medida que se desenvolvam. De fato, a América Latina já figura como parceira regional importante para o comércio brasileiro: segundo dados da Secex, cerca de 19% do total das exportações brasileiras em 2012 tiveram como destino os países da América Latina.
Se forem consideradas as exportações totais, a Ásia, maior parceira regional enquanto destino de 31% das exportações brasileiras, e a União Europeia, segundo maior destino com 20%, seriam mercados prioritários das exportações brasileiras. No entanto, a análise da pauta exportadora do Brasil demonstra a real importância dos mercados latino-americanos. Em 2012, os países da ALADI absorveram cerca de 42% das exportações de bens manufaturados brasileiros, enquanto UE e Ásia apenas 19% e 9% respectivamente. Em contraste, a Ásia foi o destino de cerca de 50% das exportações de produtos básicos brasileiros, enquanto UE foi destino de 21% e os países da ALADI apenas 5%.
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Verifica-se, assim, a dimensão estratégica do mercado latino-americano para a pauta de exportação, especialmente se considerarmos o atual momento delicado por que passa a produção industrial nacional. O Brasil, de 2003 a 2012 - período considerado de consolidação do processo de integração comercial latino-americana - aumentou em 220% a exportação de bens manufaturados aos países da ALADI, ao passo que para outros países as exportações dos mesmos bens aumentou 86%. São mercados complementares ao brasileiro, onde os produtos industrializados brasileiros encontram grande aceitação. Nesse sentido, a estratégia de privilegiar o acesso preferencial a esses mercados, ainda que apenas em sua dimensão tarifária, faz sentido.
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Vale frisar que os países em desenvolvimento tendem a apresentar tarifas NMF aplicadas2 em níveis superiores aos encontrados em mercados desenvolvidos, aumentando a relevância e impacto da preferência tarifária recebida pelos produtos brasileiros. Com efeito, as tarifas NMF médias aplicadas pelos países da América Latina e Caribe foram, em 2010, de 8%3. Em comparação, as tarifas NMF médias aplicadas pelos países de renda alta (high income countries) foram de 2,67%.
Apesar de ter construído e efetivamente explorado esse importante mercado ao longo dos últimos anos a proliferação de APCs ameaça minar a preferência tarifária conquistada pelo Brasil. Diversos movimentos de integração comercial regional e extra regional vêm sendo desenvolvidos pelos parceiros latino-americanos do Brasil.
Chile, Colômbia, Peru e México vêm negociando um volume expressivo de APCs, seguindo uma política de comércio externo pautada na abertura de seus mercados internos em contrapartida ao acesso privilegiado a terceiros mercados4. Nesse sentido, negociaram preferências tarifárias não apenas com grandes economias desenvolvidas, como EUA, UE, Japão e Canadá, mas também com economias emergentes dinâmicas como China, Coreia do Sul, Índia e Turquia.
Não por acaso, esses quatro países latino-americanos deram início em 2012 ao processo de integração chamado de Aliança para o Pacífico, como o objetivo de criar uma área de livre comércio entre seus integrantes5. Para além da liberalização do comércio intra-bloco, a Aliança pretende posicionar-se como alternativa liberal de integração regional na América Latina, criando laços comerciais e de investimentos com o continente asiático e abrindo-se para o pacífico. Nesses termos, seria uma alternativa ao processo recalcitrante de liberalização do Mercosul6. Vale frisar que, com a exceção da Colômbia, os países membros da Aliança participam também das negociações para a formação do TPP.
O recente sucesso econômico vivenciado por esses países vem estimulando outros países latino-americanos a seguirem o modelo. O Equador já negocia atualmente 15 APCs e Uruguai, em julho de 2012, e Paraguai, em janeiro de 2013, requisitaram ingresso como membros observadores na Aliança do Pacífico7. Para tornar-se membro pleno, o país deve ter acordos comerciais com todos os membros da Aliança. Panamá e Costa Rica estão em fase final de negociação de acordos comerciais com os membros faltantes e a expectativa é que ingressem no bloco até o fim de 2013. No mesmo sentido, Canadá, que já conta com APCs com todos os membros da Aliança, requisitou acessão como membro pleno. Japão, Guatemala, Espanha, Austrália e Nova Zelândia são membros observadores.
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Essas negociações contrapõem-se às preferências concedidas ao Brasil, sobretudo ao analisarmos o perfil exportador dos países envolvidos e a competição com produtos brasileiros. Vale frisar que os países ilustrados no quadro acima correspondem ao destino de 40% do total das exportações de bens manufaturados brasileiros para a América Latina. A perda de preferência nesses mercados pode ter impactos importantes para a inserção dos produtos manufaturados brasileiros que já vêm encontrando dificuldade para competir no mercado internacional.
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Os processos de integração regional via APCs, nos mesmos moldes do que ocorre no caso latino-americano, levam à diminuição de barreiras tarifárias entre os parceiros membros desses acordos. Apesar da discussão mais sistêmica sobre os ganhos ou entraves potenciais ao longo processo global de liberalização comercial8, é fato de que a proliferação de acordos comerciais, ao menos no curto e no médio prazo, afeta o acesso a mercados para produtos brasileiros. Como demonstra Baumann no caso dos BRICS, mas que serve de exemplo, “a intensificação do processo de regionalização comercial dos demais BRICS tem tido implicações para os produtos brasileiros, que são sujeitos a tarifas mais elevadas do que as praticadas entre os países da Ásia, da África e da Europa Oriental”9.
Barreiras Não-tarifárias: O Novo Cerne da Negociação Internacional Comercial. Apesar da ameaça que a proliferação de APCs impõe sobre as preferências tarifárias conquistadas pelo Brasil, outra dimensão presente nos acordos comerciais de última geração representa atualmente potencial ainda maior de ruptura e acesso preferencial. Trata-se das barreiras não tarifárias (ou regulatórias) ao comércio.
Com as seguidas rodadas multilaterais de negociação, além das reduções unilaterais, atualmente as tarifas de importação encontram-se em níveis muito menores do que quando o GATT fora negociado. Segundo dados do Banco Mundial, as tarifas médias mundiais ponderadas pelo comércio eram de 3,83% em 201010. Em contrapartida, a intensificação dos fluxos de comércio mundiais, a célere evolução tecnológica e preocupações com questões sanitárias e ambientais, em especial entre consumidores (consumer awareness), intensificaram a produção de normas técnicas (TBT na sigla em inglês), sanitárias e fitossanitárias (SPS na sigla em inglês) e regulamentações específicas incidentes sobre o comércio.
Assim, questões regulatórias passam a ter maior peso sobre o acesso a mercados uma vez que cada país passa a desenvolver seus próprios padrões e exigências técnicas, impedindo a entrada de produtos que não estejam em conformidade com suas regulamentações. Estudo preparado pelo Secretariado da OMC em 2012 demonstrou a importância e efeitos dessas medidas sobre o comércio de bens e de serviços, modificando o panorama das negociações internacionais no tema11.
As barreiras não-tarifárias estão, nesse sentido, no centro das negociações internacionais comerciais. Há duas perspectivas diferentes sendo adotadas por parceiros comerciais que buscam superar os entraves não-tarifários. De um lado, há a tentativa de buscar a harmonização das regulamentações técnicas e fitossanitárias por meio de padrões e princípios comuns estabelecidos em acordos de comércio. Essa perspectiva é privilegiada pela UE e tem a vantagem de garantir que os consumidores de todos os mercados envolvidos gozem dos mesmos níveis de proteção e sob os mesmos parâmetros. No entanto, a convergência total das regulamentações é praticamente impossível sem que haja algum tipo de imposição regulatória, além da dificuldade em estabelecer mecanismos cruzados de fiscalização.
De outro lado, há iniciativas que buscam o mútuo reconhecimento de padrões nacionais estabelecidos. Privilegiada pelos EUA, esta perspectiva não pressupõe convergência completa de padrões, mas estabelece o reconhecimento mútuo das agências nacionais responsáveis pela concepção, implementação e fiscalização do respeito aos padrões criados. Dessa maneira, uma vez respeitados os padrões estabelecidos no país de produção, os produtos seriam aceitos nos mercados de destino sem a necessidade de serem adaptados aos padrões próprios existentes nesse país.
Um exemplo recente ilustra o potencial impacto de regulamentações distintas sobre o acesso a mercados. A Audi desenvolveu para o mercado europeu um farol inteligente cuja luminosidade adapta-se automaticamente à visibilidade na estrada e à existência ou não de automóveis no sentido contrário. Além da comodidade na direção, o argumento é que o novo farol traria mais segurança ao trânsito dado que evitaria o ofuscamento da visão dos demais motoristas. No entanto, a fabricante terá que adaptar, ou simplesmente abandonar, a nova tecnologia em suas exportações ao mercado americano uma vez que uma regulação existente nos EUA desde 1968 exige que os faróis de automóveis ofereçam duas opções: alto ou baixo. À primeira vista trivial, o problema gera custos significativos para a montadora e a pressão exercida por produtores nacionais pode adiar a modificação de regulamentações como essa12.
O tema vem concentrando a preocupação dos agentes públicos e privados envolvidos no comércio internacional de que essas medidas possam ser usadas como barreiras à importação. O Órgão de Solução de Controvérsias da OMC (DSB na sigla em inglês) foi chamado a decidir 3 importantes casos em 2012 envolvendo: rotulagem de produtos em função de sua origem (DS384 - US — COOL13); rotulagem em função da sustentabilidade ambiental de seu método de produção (DS381 - US — Tuna II14); regulação de proteção à saúde (DS406 - US — Clove Cigarettes15). O Órgão de Apelação da OMC vem tomando decisões relevantes para a regulação do tema e novos casos têm sido levados à apreciação do DSB16. Além disso, a disseminação de padrões privados internacionais é outro fator de preocupação envolvendo o tema.
Nesse sentido, as negociações de novos APCs, referenciados como de integração profunda (deep integration), têm concentrado crescente atenção ao tema, seja via mecanismos de harmonização ou de reconhecimento mútuo de padrões privados. A Aliança do Pacífico prevê negociações sobre o tema17 e grande parte das negociações envolvendo TPP e TTIP referem-se a regras sobre TBT, SPS e a criação de mecanismos para superar barreiras regulatórias.
Esses mecanismos geram uma assimetria técnica entre os produtos produzidos no âmbito dos mercados parceiros em relação a terceiros mercados. O seu real impacto sobre fluxos de comércio ainda deve ser mensurado, mas se considerado o atual nível de competitividade no mercado internacional, as vantagens e economias geradas pela harmonização ou reconhecimento mútuo não podem ser ignoradas.
A Expansão da Fronteira Regulatória do Comércio Internacional. O segundo fator que deve ser analisado em relação aos impactos da proliferação de APCs para a política de comércio internacional do Brasil refere-se à expansão da fronteira regulatória do comércio internacional.
A paralisia enfrentada pela rodada de negociações multilaterais de Doha, no âmbito da OMC, teve por efeito não apenas a interrupção da redução de tarifas aduaneiras, mas também o congelamento da evolução e desenvolvimento das regras de comércio internacional. Se, por um lado, os pilares da OMC de solução de controvérsias e de monitoramento de políticas comerciais continuam a funcionar, o terceiro pilar, referente à fonte de regulação do comércio, está inoperante. Isso significa que apesar da profunda evolução sofrida no período, o comércio internacional continua a operar sob o mesmo arcabouço regulatório multilateral firmado em 1994 com a criação da OMC.
Poucas regras foram desenvolvidas no âmbito do trabalho dos comitês temáticos da OMC e por meio de decisões do DSB. Novas questões envolvendo temas já regulados multilateralmente como defesa comercial, regulação de subsídios, propriedade intelectual, empresas estatais, TBT e SPS, regras de origem e licenças de importação exigem a modernização do marco regulatório existente. Por outro lado, temas indispensáveis para o moderno comércio internacional do século XXI, como padrões trabalhistas e ambientais, concorrência, investimentos e compras governamentais tiveram pouca ou nenhuma regulação multilateral desenvolvida no âmbito da OMC18.
Nesse sentido e buscando responder aos anseios da iniciativa privada, os países buscaram outros foros de negociação em que pudessem desenvolver novas regras de comércio que oferecessem soluções para os desafios apresentados. O foro privilegiado foram as negociações de novos modelos de APCs: os acordos comerciais do século XXI19. Tradicionalmente, os APCs se restringiam a reduções tarifárias, incluindo apenas regras nos moldes das presentes nos acordos da OMC (regras OMC-in). Mais recentemente, no entanto, os APCs passaram a integrar regras que aprofundavam a regulação já existente (regras OMC-plus) ou ainda regras sobre temas não regulados no âmbito multilateral (OMC-extra).
Recentemente, Sanchez Badin coordenou pesquisa que buscou identificar a natureza e teor das regras constantes nos novos APCs negociados por 4 países: EUA, UE, China e Índia. Por seu peso econômico e influência regional, esses países são considerados focos de concentração (hubs) de APCs, moldando os demais acordos firmados por seus parceiros comerciais. Nesse sentido, o estudo desenvolvido pôde identificar as regras contidas nos acordos firmados por 2 países desenvolvidos e 2 países emergentes, oferecendo um espectro amplo de análise.
Os autores puderam identificar 8 temas de destaque regulados nesses acordos: i) regras de origem; ii) salvaguardas; iii) serviços; iv) propriedade intelectual; v) concorrência; vi) compras governamentais; vii) meio ambiente; e viii) cláusula social (padrões trabalhistas)20. Em sua maioria, os temas já regulados pela OMC foram regulados com regras WTO-plus, ou seja, com a expansão da fronteira regulatória determinada no âmbito multilateral, e WTO-extra, com a inclusão de novos temas não regulados pela OMC. Os autores ainda puderam identificar que os países desenvolvidos analisados (EUA e UE) dedicaram especial atenção aos chamados novos temas (concorrência, compras governamentais, meio ambiente e cláusula social), além de maior profundidade nas regras sobre propriedade intelectual, mas pouco se ativeram à regulação sobre subsídios. Os países emergentes (China e Índia), por outro lado, evitaram a regulação dos novos temas, mas desenvolveram regras mais profundas envolvendo a concessão de subsídios.
Da análise desses acordos resta evidente o avanço e expansão da fronteira regulatória incidente sobre o comércio internacional promovido pela proliferação de APCs. Qual seria a consequência desse fenômeno para a Política Comercial brasileira? Novamente, duas perspectivas devem ser analisadas. Em primeiro lugar, a profusão de regimes regulatórios distintos incrementa os custos de transação para o agente econômico, que deverá adequar-se a diferentes ordenamentos jurídicos, nacionais, bilaterais, regionais e finalmente multilaterais em suas operações comerciais transfronteiriças.
A esse fenômeno, Bhagwati deu o nome de “efeito prato de espaguete” (sphaguetti bow effect)21. Inicialmente cunhado para descrever os custos gerados pela existência de diversas tarifas e regras de origem simultaneamente aplicadas sobre uma operação comercial, o termo evoluiu para descrever a mesma lógica aplicada ao emaranhado de regulações divergentes com origem nos inúmeros APCs firmados, aumentando os custos de comércio e dificultando a liberalização comercial no âmbito multilateral. À medida que o fenômeno se intensifique, o operador econômico brasileiro incorrerá em maiores custos e dificuldades em inserir seu produto no mercado internacional, devendo arcar com ônus de identificar e respeitar os diversos subsistemas regulatórios criados por esses acordos. Em contrapartida, os exportadores que desejem acessar o mercado brasileiro poderão fiar-se nas regras multilaterais22.
O segundo aspecto a ser analisado é o custo do ingresso tardio nas negociações dos novos temas de comércio (late comer effect). Uma das vantagens percebidas por negociar APCs de última geração ou de alto nível (high standard agreements) seria o de avançar na regulação de temas sensíveis cuja exigência de consenso no âmbito multilateral impediria sua efetivação. Ao reunir uma massa crítica de países que concordassem com os moldes gerais da regulação do tema, essas novas regras poderiam servir de base para a multilateralização da regulação acordada via APCs. Há, nesse sentido, o temor de que a não participação nos processos de negociação dessa nova regulamentação poderá impedir que o país faça valer seus interesses no tema e o ingresso tardio poderá significar que as linhas gerais já estejam definidas quando a discussão seja levada ao âmbito multilateral.
Esta é uma das razões levantadas pelo governo japonês para justificar sua participação nas negociações do TPP. Em discurso proferido em março de 2013, o primeiro ministro japonês, Shinzo Abe afirmou que:
Now is our last chance. Losing this opportunity would simply leave Japan out from the rule-making in the world. (…) Unfortunately, it has already been two years since the TPP negotiations started. It is an undeniable fact that it would be difficult for Japan, the latecomer, to overturn the rules which have already been agreed. We do not have much time left. This is precisely why I came to think that we have to join the negotiations as soon as possible. Japan is the world's third largest economy. I firmly believe that we can lead efforts to make new rules as an important player once we join the negotiations23.
O crescimento econômico e do peso político dos países emergentes, no entanto, relativizou essa preocupação. É pouco provável, por exemplo, que a China seja convencida no âmbito multilateral a ceder em um tema relevante para sua política comercial pelo fato da existência de uma massa crítica que já esteja submetida a regulação similar. Em todo caso, a participação de parceiros comerciais nesses APCs significa que eles adaptarão suas próprias regulações internas às exigências do acordo, devendo o país interessado em exportar para esse mercado também adaptar-se. Ao final, ainda que de maneira indireta, a proliferação de APCs pode impactar também as práticas de comércio nos países que deles não façam parte.
Os Mega-acordos. A negociação dos mega-acordos pode ser compreendida como uma evolução dessa tendência identificada ou ainda um segundo passo na integração comercial e econômica por meio dos APCs. Envolvendo grande número de importantes economias, as negociações dos mega-acordos buscam englobar todo o espectro da regulação do comércio internacional, incluindo a maioria dos aspectos regulatórios que possam ser considerados como barreiras ao comércio. Três grandes negociações estão atualmente em vigor: o Transpacific Partnership (TPP); o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP); e o Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP).
O TPP é um APC de última geração envolvendo a integração de 11 economias da Ásia e do Pacífico à economia americana24. Inicialmente, tratava-se de um APC assinado entre os Paficic-4 (Chile, Nova Zelândia, Brunei e Cingapura) que entrou em vigor em 2006. Posteriormente Austrália, Peru e Vietnam demonstram interesse em ingressar nas negociações e com a entrada dos EUA o processo passou a ser conhecido como TPP. Atualmente encontra-se em sua 17ª rodada de negociações25 e inclui a negociação de temas importantes por meio de 10 grupos de negociação: bens industriais; agricultura, padrões sanitários e fitossanitários; telecomunicações; serviços financeiros; regras de origem; compras governamentais; meio ambiente; e capacitação ao comércio. Além disso, temas horizontais foram estabelecidos enquanto setores de alta-prioridade, incluindo gestão de cadeias de produção, competitividade e concorrência, transparência, coerência regulatória, trabalho e meio ambiente, desenvolvimento e pequenas e médias empresas26.
Além da importância dos temas abrangidos, em especial as polêmicas envolvendo o aprofundamento das regras sobre proteção intelectual, chama a atenção no processo negociador do TPP a possibilidade da adesão de novos países negociadores. Para tal, é necessária a aprovação pelos países já parte nas negociações que por vezes exigirão do país acedente compromissos prévios em determinados temas sensíveis. Além disso, o TPP é visto por muitos analistas como uma resposta dos EUA ao crescimento econômico da China e como uma tentativa de mitigar sua influência sobre os países asiáticos27.
A conclusão do TPP pode trazer impactos para o Brasil na medida em que Peru e Chile fazem parte do acordo. Esses países podem servir de porta de entrada para os produtos asiáticos a preços competitivos no continente. Além disso, como visto, as regras estabelecidas no TPP serão integradas ao ordenamento jurídico desses países, devendo os produtores brasileiros adequarem-se aos padrões estabelecidos para continuarem a ter acesso a esses mercados.
O TTIP por sua vez é a mais recente tentativa de superar as diferenças históricas existentes no âmbito comercial entre EUA e UE. Potencialmente estimulados pela ascensão da China e pelos efeitos da crise econômica sobre o crescimento econômico, EUA e UE lançaram, em 2013, as ambiciosas negociações para a conclusão de um APC compreensivo envolvendo comércio e investimento e visando à superação das barreiras regulatórias no comércio entre os dois parceiros28. Estudo desenvolvido pelo CEPR (Centre for Economic Policy Research) de março de 2013 demonstrou que os ganhos de um APC “tradicional” entre EUA e UE, com redução quase total de barreiras tarifárias, em serviços e em compras governamentais, levaria a um crescimento do PIB na ordem de 24 bilhões de euros para os europeus e de 9 bilhões para americanos. Por outro lado, um APC “compreensivo”, que envolvesse a superação de barreiras tarifárias, levaria a um incremento do PIB entre 68-119 bilhões de euros para a UE e de 50 a 95 bilhões para os EUA29.
O maior desafio será coordenar e encontrar alternativas de harmonização para os divergentes padrões técnicos e sanitários nos dois mercados. Em especial, a questão da exportação de alimentos transgênicos e de carnes beneficiadas com proteínas de produtores dos EUA ao mercado Europeu deverá ser equacionada. Além disso, a liberalização de serviços sensíveis, como da indústria cinematográfica, será discutida.
Para o Brasil, o temor é de que a liberalização do mercado agrícola europeu para os produtores americanos possa causar a perda de participação das exportações brasileiras para o bloco. Vale lembrar que o Brasil será retirado do Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu em 2014, perdendo sua margem de preferência tarifária. Além disso, a harmonização ou reconhecimento mútuo de padrões técnicos e sanitários pode conferir vantagem comparativa importante para produtores dos EUA. O Brasil trabalha em conjunto com autoridades europeias para superar diversas barreiras técnicas à entrada de produtos agrícolas nacionais. A preocupação é a de que, com o TTIP, a preferência seja concedida às práticas adotadas no mercado americano. Há outra perspectiva, porém: a negociação nesse sentido poderia ser benéfica aos produtores brasileiros uma vez que estes, da mesma maneira que os americanos, utilizam organismos geneticamente modificados (OGMs) em suas produções.
Finalmente, o RCEP é um APC capitaneado pela China que busca integrar as economias do leste asiático. A iniciativa, lançada em seu modelo atual em dezembro de 2012, inclui os 10 países membros da ASEAN30 (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e 6 outros países com os quais o grupo tem acordos de livre comércio – China, India, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Nos mesmos moldes que o TPP, o RCEP é um processo aberto à acessão de novos países às negociações – desde que concordem com as regras e diretrizes já estabelecidas pelos países participantes31. É considerado por alguns países da região como uma alternativa mais flexível ao TPP, com menos exigências que requeiram modificações aos ordenamentos jurídicos internos dos membros.
Um dos objetivos centrais da iniciativa é harmonizar os quase 50 APCs existentes entre os países membros da ASEAN. Alguns analistas entendem o RCEP como a resposta chinesa ao TPP: apesar de ambas as iniciativas estarem abertas à participação tanto dos EUA quanto da China, é pouco provável que isso aconteça no curto prazo. Alguns países, como Austrália e Japão decidiram participar de ambas iniciativas, de maneira a maximizar seus potenciais ganhos.
Os mega-acordos são indispensáveis para compreender o terceiro aspecto dos potenciais efeitos da proliferação de APCs para a política de comércio internacional do Brasil: a inserção nas cadeias globais de valor.
As Cadeias Globais de Valor. A diminuição das barreiras comerciais e o desenvolvimento de novas tecnologias vêm afetando significativamente o comércio internacional. O comércio tradicional de bens produzidos integralmente ou quase integralmente em um país tem sido substituído por um comércio de tarefas (trade in tasks), no qual há uma cadeia de produção global, na qual cada etapa é efetuada em uma localidade distinta.
Baldwin caracteriza essa cadeia de valor global da seguinte forma:
Supply-chain trade arises when high tech firms combine their know-how with low-wage labour in developing nations; supply-chain is this mostly about making things internationally, although international selling is also important32.
A proliferação de APCs em muito contribuiu para o aumento das cadeias globais de valor. A partir da celebração de acordos que previam, além da eliminação das tarifas, a harmonização das normas e padrões técnicos, a liberalização do setor de serviços, a implementação de regras de investimentos, etc, criou-se um ambiente mais adequado para a implementação de cadeias de produção transfronteiriças, uma vez que a celebração de um APC de integração profunda entre dois países reduz os custos de transação e elimina os antagonismos entre os quadros regulatórios nacionais que poderiam implicar em entraves à produção internacional.
Desse modo, a celebração de APCs é um instrumento importante para a inserção de um país nas cadeias globais de valor. Um exemplo de fácil constatação é que o índice de re-exportações e re-importações entre Estados Unidos e México aumentou significativamente após a entrada em vigor do NAFTA, passando de cerca de 5% em 1995 para cerca de 40% em 200833.
Ainda na América Latina, a Costa Rica é outro bom exemplo de inserção nas cadeias globais de valor por meio da abertura comercial e celebração de APCs. Após a celebração de um APC com os EUA34, o comércio bilateral cresceu a uma taxa anual de 11%, enquanto o comércio de partes e componentes cresceu a uma taxa quase duas vezes superior a esse número. Em razão das políticas de abertura comerciais adotadas pelo país, em 2009, cerca de 25% de suas exportações estavam diretamente relacionadas à cadeias de produções em eletrônicos, sendo a China, com a qual o país também possui um APC, o principal parceiro35.
Percebe-se, assim, que a celebração de APCs se mostra como um meio eficaz para a inserção de um país nas cadeias globais de valor, uma vez que esses criam o quadro regulatório necessário para a internacionalização das cadeias de produção. A criação de regras que ultrapassam a matéria regulada pelos Acordos da OMC mostra-se relevante para a criação de um ambiente propício à formação das cadeias de valor.
Nesse sentido, o World Trade Report, da OMC, afirma que:
Results show that greater trade in parts and components increases the depth of newly signed agreements among PTA members. PTAs also increase trade in parts and components by 35 per cent among members. In addition, the greater the depth of an agreement, the bigger the increase in trade in parts and components among member countries. The estimation results show that on average, signing deep agreements increases trade in production networks between member countries by almost 8 percentage points.36
Nestes termos, o limitado número de acordos dos quais o Brasil é parte pode prejudicar sua inserção nas cadeias globais de valor. O Mercosul e os demais países da América Latina são insuficientes para garantir o volume das exportações brasileiras e as novas cadeias de valor que se formam através dos blocos econômicos não contam com a presença do Brasil.
O gráfico abaixo mostra a importância dos maiores APCs no comércio internacional, evidenciando o volume comercializado dentro de cada bloco e aponta para a pequena relevância do Mercosul, em termos de volume de comércio intra-bloco, em comparação a outros grandes APCs.
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É importante notar que a lógica das transações comerciais internacionais baseadas nas cadeias globais de valor não é devidamente abarcada pelas regras do sistema multilateral de comércio, uma vez que os Acordos da OMC operam primordialmente a partir de uma lógica de comércio tradicional, de produção essencialmente interna e exportação de produtos cuja origem pode ser facilmente reconhecida, diretamente para a destinação final.
Percebendo a lacuna na governança global e no quadro regulatório multilateral para as questões das cadeias globais, as nações que possuem tecnologias avançadas e comandam essas cadeias, em especial os EUA, têm buscado promover uma governança ad hoc a partir da negociação dos mega-acordos. Nesses acordos são negociadas as regras de comércio necessárias para lidar com as características particulares das cadeias de valor. Verifica-se, nesse sentido, a intrínseca relação entre os fenômenos de integração via negociação de APCs de última geração e a organização produtiva por meio de cadeias globais de valor.
Nesse cenário, a posição do Brasil é sensível, o país mantendo-se isolado dessa superestrutura de governança e dificultando sua inserção nas cadeias globais de valor, o que poderá afetar sua performance nas exportações, em especial de manufaturados.
Simulações de APCs para o Brasil. A partir das informações apresentadas nas seções anteriores, mostra-se patente a necessidade de o Brasil buscar novos parceiros preferenciais de comércio. Para tanto, é necessário, por meio de simulações sobre os impactos que a assinatura de APCs pelo Brasil traria à economia nacional, avaliar quais seriam os parceiros mais interessantes para o país.
Com o escopo de elaborar um estudo preliminar sobre o tema, foram simulados acordos com os principais parceiros econômicos do Brasil, quais sejam: EUA, UE, China e América do Sul.
As simulações identificam os ganhos e perdas em termos de variáveis macro-econômicas e os impactos de cada acordo em 57 setores econômicos, incluindo: agricultura, alimentos processados, indústria extrativista e manufatura.
Metodologia da Modelagem. As simulações dos acordos foram feitas utilizando o , modelo de equilíbrio geral computável, GTAP (Global Trade Analysis Project) a fim de avaliar os principais efeitos dos APCs envolvendo o Mercosul e cada um dos cinco parceiros comerciais considerados. A análise se foca sobre os prováveis efeitos de cada cenário na economia brasileira.
O GTAP é um modelo global, que considera estruturas de mercado em competição perfeita e em equilíbrio geral. Representa 57 setores produtivos em 153 regiões do mundo. Seu conjunto de equações é totalmente baseado em fundamentos microeconômicos, contendo uma descrição detalhada do comportamento das famílias e firmas pertencentes a cada uma das regiões modeladas, além dos fluxos de comércio inter-regiões. Além dos fluxos comerciais, o GTAP também considera custos globais de transporte.
O modelo é do tipo Johansen, no qual as soluções são obtidas resolvendo-se um sistema de equações linearizadas do modelo. Um resultado típico mostra a variação percentual em um conjunto de variáveis endógenas, após um choque exógeno, comparado aos valores destas variáveis no equilíbrio inicial. A apresentação sistemática das soluções de Johansen para tais modelos é padrão na literatura (Dixon et. al., 1992; Dixon e Parmenter, 1996).
Base de Dados. A base de dados versão 8 do GTAP combina informações de comércio bilateral, custos de transporte e proteção tarifária, caracterizando as ligações econômicas entre 153 regiões. Adicionalmente, a base de dados contém informações sobre as relações de insumo-produto por regiões individuais, as quais revelam as conexões intersetoriais dentro de cada região. O conjunto de dados é harmonizado e completado com fontes adicionais de informações, descrevendo a economia mundial para o ano-base de 2007 (a última base de dados disponíveis para o GTAP).
Os principais dados de proteção comerciais usados na versão 8 do GTAP são provenientes da base de dados MAcMap, do International Trade Center (ITC), o qual contém exaustiva informação ao nível de linha tarifária. A base de dados do ITC inclui, entre outras informações, a base Trade Analysis and Information System (Trains), da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD)
Fechamento. Com o objetivo de capturar os principais efeitos alocativos em cada APC avaliado, as simulações foram realizadas utilizando-se o fechamento convencional do GTAP, o qual considera a mobilidade intersetorial perfeita de trabalho e capital, e mobilidade imperfeita dos fatores terra e recursos naturais. A oferta agregada nacional dos fatores de produção é exógena para cada região, assim como a tecnologia de produção das firmas.
Resultados Preliminares. O presente estudo apresenta resultados preliminares das simulações, que implicaram em simplificações relevantes no exercício. A questão colocada é, dado os quatro APCs considerados, quais sejam, EUA, UE, China e América do Sul, qual seria a melhor alternativa em termos de custos e benefícios.
O experimento básico consistiu na avaliação de um único cenário, a eliminação horizontal das tarifas bilaterais de importação. Uma vez que o Brasil é membro de uma união aduaneira (o Mercosul), a eliminação de qualquer barreira comercial bilateral também deverá incluir as economias da Argentina, Paraguai e Uruguai. Desse modo, quatro simulações básicas de APCs foram feitas: i) Mercosul e EUA; ii) Mercosul e UE; iii) Mercosul e China; e iv) Mercosul e América do Sul.
Os resultados foram submetidos a comparações analíticas. A maneira pela qual o cenário econômico brasileiro é afetado pelas reduções horizontais nas tarifas bilaterais de importação dependerá do comportamento dos preços domésticos relativos resultantes. Entretanto, nos quatro cenários considerados, os preços domésticos relativos serão afetados de maneira que a concorrência nas importações do respectivo parceiro preferencial será favorecida, uma vez que a economia se tornará mais aberta ao comércio preferencial. A eficiência global na alocação de recursos tende a ser melhorada e, por esse mesmo motivo, eventuais ganhos no comércio poderão elevar o bem-estar nacional.
Não obstante os benefícios agregados decorrentes da alocação de recursos, regiões poderão ser negativamente afetadas em decorrência da reorientação dos fluxos de comércio (trade diversion), uma vez que a acessibilidade relativa sofrerá mudanças no sistema. Assim, ganhos bilaterais agregados do comércio não serão necessariamente acompanhados de ganhos regionais generalizados de bem-estar. A questão de criação e desvio de comércio se mostra como um tema relevante na literatura do comércio internacional, em especial nos casos de avaliação de bem-estar dos APCs.
Alguns resultados relevantes para o Brasil. O APC entre Mercosul e EUA é aquele que apresenta o melhor cenário para a economia brasileira, considerando o equilíbrio entre custos e benefícios. Para a indústria, ganhos podem ser verificados em manufaturas de setores intensivos em trabalho, tais como têxteis, calçados, couro e madeira, mas também em equipamentos de transporte. As principais perdas serão verificadas no setor de máquinas e equipamentos.
O APC entre Mercosul e UE pode ser considerado aquele perdas mais significativas. Os ganhos estão concentrados principalmente no agro-negóocio (carnes e grãos). As perdas poderão ser generalizadas para todos os setores industriais. Em razão desse desequilíbrio, esse é o cenário com maior impacto na taxa de câmbio, levando a uma valorização do real. A esse efeito poderia se associar a doença holandesa. Ganhos serão concentrados na agricultura e no agro-negócio, em razão da redução de significativas barreiras comerciais impostas pela UE às importações nesses setores.
O APC entre Mercosul e China irá aumentar significativamente as importações, especialmente de manufaturas. Para a indústria, os ganhos estarão concentrados em alguns produtos intensivos em capital, como petróleo e gás, químicos e plásticos. As principais perdas serão verificadas em setores intensivos em trabalho, como têxteis, couro e calçados. Perdas significativas também poderão ocorrer nos setores de eletro-eletrônicos, máquinas e equipamentos.
O APC entre Mercosul e América do Sul reflete a já conhecida assimetria do Brasil na região. O Brasil já apresenta tarifas baixas no comércio com esses países, mas outros países da região apresentam tarifas altas para as exportações brasileiras. Ganhos e perdas não são significativos. Os principais ganhos estariam concentrados na indústria automotiva.
Um sumário desses resultados preliminares é apresentado a seguir.
Os resultados nas tabelas seguintes são apresentados de acordo com a seguinte nomenclatura:
• (+) ou (-) (ganhos e perdas abaixo de 1%)
• (++) ou (--) (ganhos e perdas entre 1% e 2%)
• (+++) ou (---) (ganhos e perdas entre 2% e 3%)
• (++++) ou (----) (ganhos e perdas acima de 3%)
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Outros Fatores Relevantes para a Negociação de APCs. Ainda que uma redução horizontal de tarifas decorrente da assinatura de acordos preferenciais nem sempre traga resultados positivos para determinados setores produtivos do Brasil, alguns outros fatores podem tornar benéficos os impactos da assinatura desses acordos.
Primeiramente, é importante notar que as simulações acima apresentadas consideram unicamente o fator da redução tarifária para a avaliação dos impactos nos fluxos de comércio. Isto é, a análise não engloba os efeitos que o acesso a mercados em serviços e a negociação de regras para o comércio bilateral de bens pode trazer para o Brasil.
Como já foi observado, as regras que regem o comércio preferencial também podem ter importantes impactos nos fluxos de comércio entre os países envolvidos. Nesse contexto, destacam-se a harmonização das regras referentes a barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, que, em conjunto com as tarifas, representam as principais barreiras ao comércio internacional e cuja superação pode facilitar o acesso a mercados das exportações brasileiras. Ademais, em um contexto de cadeias globais de valor, poderá haver um ganho significativo para a produção nacional decorrente da harmonização dos quadros regulatórios referentes ao comércio de cada país, o que reduziria os custos de transação.
Em segundo lugar, é necessário lembrar que é comum nas negociações de APCs que sejam consideradas as sensibilidades de cada setor da economia dos países envolvidos. Assim, para os setores mais sensíveis as reduções de tarifas podem ser menores, mantendo algum nível de proteção à produção doméstica, ou podem ser implementadas de maneira progressiva, a fim de que haja tempo suficiente para adaptação da indústria nacional.
Mecanismos como salvaguardas bilaterais, que visam proteger a indústria de aumentos súbitos nos fluxos de importações, também poderão ser negociados a fim de se evitar danos à indústria doméstica.
Desse modo, a assinatura de APCs pelo Brasil não necessariamente implicará nos cenários desenhados acima, mas poderá possibilitar ao país uma melhor inserção no comércio internacional, em especial a partir da negociação de regras que trazem impactos diretos nos fluxos comerciais. Assim, a avaliação acerca da oportunidade de se celebrar ou não determinado APC não deve ser pautada unicamente por uma análise dos impactos das tarifas no comércio bilateral. É imperativo que desenvolva também um quadro regulatório que atenda às necessidades comerciais atuais, desenvolvendo as regras multilaterais e abrangendo novos temas, de maneira que esse quadro regulatório possa impactar de maneira positiva nos fluxos comerciais.
Recomendações para o Brasil. A partir da análise apresentada nas seções anteriores, fica evidente a necessidade de o Brasil inserir-se nesse novo contexto do comércio internacional, que se mostra, em grande parte, pautado pelas regras dos acordos preferenciais. É necessário analisar critica e estrategicamente o quadro atual de relações comerciais bilaterais e plurilaterais que estão sendo desenvolvidas no âmbito internacional, de maneira a construir uma política comercial sensível aos desafios apresentados pela atual conjuntura. Ainda que não se devam abandonar os esforços multilaterais, o Brasil deverá conceder maior prioridade à integração tanto em seu vetor regional quanto extra regional.
O país deverá buscar o aprofundamento da integração na América do Sul, superando as dificuldades enfrentadas pelo Mercosul e promovendo a liberalização de comércio com os demais países. No âmbito do Mercosul, é necessário solucionar as divergências que entravam o bloco, em especial no que tange às disputas entre Brasil e Argentina que têm prejudicado o comércio bilateral de maneira expressiva. É importante ressaltar que, independentemente de intenções unilaterais, o país deverá coordenar sua política de comércio externa com seus parceiros no Mercosul, de maneira a negociar APCs que representem interesses e particularidades dos membros da instituição. É possível, no entanto, que, dadas as sensibilidades de cada membro do Mercosul, analisar a possibilidade de negociações dentro do mesmo APC do bloco em níveis e velocidades diferentes de abertura comercial, a fim de atender as necessidades de cada país.
A integração com os demais países da América Latina também deve ser intensificada. Os acordos existentes mostram grande abrangência em relação aos produtos objetos de preferências e à importância da margem de preferência concedida. O setor de serviços, no entanto, ainda é muito pouco explorado, sendo objeto de concessões unicamente no acordo com o Chile.
O adensamento da integração no âmbito da ALADI é relevante especialmente em um contexto no qual diversos países da região buscam novos parceiros preferenciais, o que vem deteriorando as preferências desfrutadas pelo Brasil e ameaçando o acesso privilegiado brasileiro a esses mercados. Assim, a intensificação do processo de integração é necessária não apenas para conferir ao Brasil maior acesso a mercados, mas para garantir sua participação nas exportações para esses países, tanto no que se refere ao comércio de bens quanto ao comércio de serviços. Essa iniciativa passa, também, pela discussão de temas relacionados ao moderno comércio do século XXI.
Temas como barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, investimentos e compras governamentais podem ser mais bem explorados. Atualmente o quadro regulatório dos ACEs não traz nenhuma inovação em face das regras da OMC, mas a criação de regras preferenciais nesses temas permitirá um aprofundamento do processo de integração e poderá trazer resultados positivos para todas as partes.
Vale frisar que alguns desses temas já fazem parte de APCs sendo negociados por nossos parceiros regionais e sua inclusão nas negociações por parte do Brasil poderá ser ponto de partida para que o país desenvolva um quadro regulatório que atenda a seus anseios e especificidades.
Com relação ao vetor extra-regional de integração, o Brasil deverá dar prosseguimento às negociações já em andamento, em especial com a União Europeia, parceiro de grande expressividade para o comércio exterior brasileiro, que vem celebrando um número significativo de acordos, o que pode prejudicar as exportações brasileiras caso essas não se tornem também objeto de preferências.
É interessante, também, a diversificação dos acordos, de maneira a incluir tanto parceiros em desenvolvimento quanto desenvolvidos, expandindo o volume das exportações brasileiras abrangidas por tarifas e quadro regulatório preferenciais. O Brasil deverá iniciar negociações com parceiros comerciais relevantes tanto em relação aos produtos agrícolas quanto manufaturados. O novo padrão do comércio internacional é caracterizado pela integração de cadeias de valor globais, que exigem maior profundidade na integração comercial e econômica entre os parceiros envolvidos. Nesse sentido, a política de comércio externo deve ser desenvolvida com a perspectiva de garantir aos setores produtivos nacionais, especialmente aos de serviços ligados à indústria e ao agronegócio, a integração tarifária e regulatória com parceiros estratégicos, de maneira permitir a maximização do valor agregado em território nacional.
Finalmente, é essencial que o país elabore seu próprio modelo de APC, que deverá pautar as futuras negociações. A definição de diretrizes acerca do que deverá compor um quadro regulatório preferencial que atenda suas necessidades comerciais, a partir de consultas com os setores produtivos e de estudos e simulações acerca desses acordos, é fundamental para garantir que os novos APCs tenham impactos econômicos positivos e permitam uma efetiva integração no comércio internacional.
Dentre as questões regulatórias que deverão necessariamente ser abrangidas pelo Brasil na negociação de futuros acordos preferenciais, ressaltam-se:
- Regras de origem preferenciais, fundamentais para a determinação de qual produto receberá o benefício da tarifa preferencial. A elaboração cuidadosa das regras de origem preferenciais evita que a negociação de novos APCs não sirva como porta de entrada para produtos provenientes de mercados terceiros sob tarifas preferenciais, atropelando o processo de abertura comercial gradual.
- Mecanismos de reconhecimento mútuo ou de harmonização de medidas não tarifárias, que figuram atualmente como os principais entraves ao comércio. Seja por meio de mecanismos de reconhecimento mútuo, método privilegiado pelos EUA, seja por esforços de harmonização, como defende a UE, a negociação envolvendo barreiras regulatórias, como TBT e SPS, é indispensável a inclusão desses mecanismo para garantir o acesso aos mercados envolvidos na negociação de novos APCs. A questão é de especial interesse para o setor agropecuário que enfrenta freqüentes barreiras sanitárias além de dificuldades relacionadas à aprovação de novos eventos biológicos relacionados à utilização de OGMs na produção agrícola.
- Modelo de proteção aos investimentos brasileiros que leve em conta as sensibilidades de países em desenvolvimento, mas que garantam segurança jurídica e previsibilidade mínima aos negócios. Relevância deve ser dada a crescente internacionalização de empresas brasileiras e o aumento de investimentos externos diretos em países em desenvolvimento. O desenvolvimento de um modelo que leve em conta as sensibilidades compartilhadas no tema por países em desenvolvimento poderia viabilizar um quadro regulatório que garantisse alguma segurança e estabilidade para os produtores nacionais. Ponto sensível como a questão da arbitragem entre investidor e o Estado pode ser evitado no momento inicial.
- Liberalização gradual de serviços de maneira a integrar a economia regional, estruturar cadeias de valor e permitir o acesso a mercados para empresas nacionais. Cadeias de valor integram-se primordialmente por meio de serviços integrados ao processo produtivo. Dentre os setores de serviço mais importantes nesse processo está o de infraestrutura. Empresas nacionais deste setor têm se destacado, prestando serviços em mercados tão diversos quanto EUA e países africanos. Além disso, a internacionalização de empresas como a Petrobras e a Vale fortalece a necessidade de garantir a regulação e liberalização de suas atividades em mercados de interesse. Finalmente, a regulação do setor de serviços financeiros é indispensável para o eficaz desenvolvimento das atividades internacionais tanto de agentes públicos, como o BNDES, como de expoentes privados nacionais.
Além dessas questões, a negociação de novos APCs poderia incluir mecanismos de flexibilização que garantam o necessário espaço de políticas públicas (policy space) às partes envolvidas, especialmente considerando seu grau de desenvolvimento, além de mecanismos de dissipação (cushion) de efeitos negativos sobre setores sensíveis. Dentre os mecanismos disponíveis, figuram:
- Implementação gradual das medidas negociadas. Comum em APCs envolvendo diferentes níveis de desenvolvimento entre as partes contratantes, esse mecanismo permite um maior tempo de adaptação aos países em desenvolvimento para que implementem as medidas negociadas.
- Salvaguardas transitórias gerais, especiais e setoriais. Esses mecanismos são comuns mesmo em APCs negociados por grandes economias desenvolvidas e oferecem uma alternativa para os setores negativamente atingidos pela negociação do acordo, permitindo reduzir a resistência política interna e construir trade-offs. Há diversos tipos de salvaguardas que se adaptam a necessidades diferentes.
- Mecanismos de treinamento e realocação profissional. A negociação de APCs inevitavelmente traz impactos para a economia do país. Se, por um lado, esses impactos podem ser considerados benéficos, por outro, exigem uma reorganização da economia e dos processos produtivos envolvidos. Países desenvolvidos como os EUA e diversos países da UE contam com políticas públicas que visam amenizar os efeitos gerados sobre setores tradicionais de emprego (e.g. Trade Adjustment Assitance Program). Essas políticas podem auxiliar a superar resistências internas por parte de associações representativas de classes laborais.
Há, nesse sentido, uma série de mecanismos disponíveis para garantir a viabilidade da negociação de novos APCs por parte do Brasil. A evolução do comércio internacional e das cadeias produtivas globais exige um posicionamento proativo, que garanta a eficiente inserção internacional da produção nacional. Uma política de comércio exterior que leve em conta todas as questões ressaltadas deve ser desenvolvida para que uma estratégia clara e firme seja traçada em relação ao fenômeno da proliferação de APCs no âmbito internacional.
Com a necessidade de atualização das regras da OMC e do impasse nas negociações da Rodada Doha, a regulação do comércio se dará, sobretudo, no âmbito dos APCs. Desse modo, o Brasil deverá definir as regras que julgue necessárias negociar para esse novo cenário, a fim de garantir sua posição como um rule maker e não um rule taker na governança do comércio internacional.
Bibliografia
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BARFIELD, Claude, “The Trans-Pacific Partnership: A Model for Twenty First-Century Trade Agreements?”, AEI International Economic Outlook no. 2, junho de 2011
BAUMANN, Renato; CERATTI, Rubens, “A política comercial dos BRICS e seu entorno e efeitos para o Brasil”, IPEA – Texto para Discussão 1745, junho de 2012
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FERRAZ, Lucas, Trade Talks Among Brics Economies: Mapping out Threats and Opportunities for the Brazilian economy, a ser publicado
FIESP, Análise Quantitativa das Negociações Internacionais – Relatório do projeto, São Paulo, 2011
LAFER, Celso. “Brasil: dilemas e desafios da política externa”, Revista do Instituto de Estudos Avançados da USP, n. 39, 2000
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SCHOTT, Jeffrey J., KOTSCHWAR, Barbara, and MUIR, Julia, “Understanding the Trans-Pacific Partnership”, Policy Analyses in International Economics 99, Peterson Istitute for International Economics, janeiro de 2013, 112 pp.
SCHOTT, Jeffrey, CIMINO, Cathleen, “Crafting a Transatlantic Trade and Investment Partnership: What Can Be Done”, Policy Brief No. 13-8, Peterson Institute for International Economics, março de 2013
ANEXO - Acordos Preferenciais de Comércio Celebrados por Países Selecionados
Siglas
ACP – Grupo de Estados da África, Caribe e Pacífico
AEC – Associação dos Estados do Caribe (Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica, El Salvador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, Venezuela)
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Panamá, Paraguai, Perú, Uruguai, Venezuela)
Aliança do Pacífico – (Chile, Colômbia, México e Peru)
APTA – Asia-Pacific Trade Agreement (Bangladesh, China, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Laos, Nepal, Sri Lanka)
ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático (Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Tailândia, Vietnam)
ASTEP – Separate Customs Territory of Taiwan, Penghu, Kinmen and Matsu (Taipé Chinesa)
BIMSTEC – Bay of Bengal Initiative for Multi Sectoral Technical and Economic Cooperation (Bangladesh, Butão, Índia, Myanmar, Nepal, Sri Lanka, Tailândia)
CAFTA-DR – APC entre República Dominicana e América Central (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, República Dominicana)
CAN – Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru)
CARICOM – Comunidade do Caribe (Antigua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago)
CARIFORUM – Fórum dos Países do Caribe do ACP (Antígua e Barbuda, Bahama,s Barbados, Belize, Cuba, Dominica, República Dominicana, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Suriname, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago)
CCG – Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Omã, Qatar
EFTA – Associação Européia de Livre Comércio (Islândia, Liechtenstein, Noruega, Suíça)
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela (em acessão))
NAFTA – Tratado Norte Americano de Livre Comércio (Canadá, EUA, México)
RCEP - Regional Comprehensive Economic Partnership (ASEAN, China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia)
SAARC – Associação do Sul da Ásia para Cooperação Regional (Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão, Sri Lanka
SACU – União Aduaneira do Sul da África (África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia, Suazilândia)
SAFTA – Área de Livre Comércio do Sul da Ásia (Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka)
SICA – Sistema de Integração Centro Americana (Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá)
TPP – Transpacific Partnership (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, EUA, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Vietnam)
TTIP – Transatlantic Trade and Investment Partnership (EUA e UE)
UE – União Europeia (Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Romênia, Suécia)
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Notas:
1 - Vide, FMI, World Economic Outlook 2012, atualizado em janeiro de 2013, disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2013/update/01/.
2 - Tarifas aplicadas NMF (Nação Mais Favorecida) são aquelas aplicadas pelos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) a outros países membros da OMC de maneira uniforme. Nesse sentido, os países, em princípio, aplicam as mesmas tarifas de importação a todos os outros membros da Organização.
3 - As médias tarifárias são ponderadas pelo comércio e contam com tarifas específicas sob a forma de tarifas ad-valorem equivalentes (AVE). Dados do World Trade Bank Database, do Banco Mundial, disponível em http://data.worldbank.org.
4 - Boa parte desses acordos é recente – a partir da segunda metade da primeira década do século XXI – e seu efeito sobre a competitividade das exportações brasileiras apenas começará a ser sentida nos próximos anos. Exemplo é o acordo de livre comércio firmado pela UE com Peru e Colômbia que entrou em vigor em março de 2013.
5 - Prevê-se, ainda para 2013, a liberalização de 90% das linhas tarifárias no comércio entre os países. Vide Valor Econômico, “Aliança para o Pacífico surge em abril de olho nos mercados asiáticos”, 05.02.2013.
6 - Vide ICTSD, “A Aliança do Pacífico: tensões entre projetos de integração na América Latina”, Pontes, vol. 8, número 5, agosto de 2012 (disponível em http://ictsd.org/i/news/pontes/142093/)
7 - O Uruguai já foi aceito enquanto membro observador e tudo indica que o Paraguai o será na próxima reunião do bloco, em maio de 2013. Vide Crónica, “Estudiará Alianza del Pacífico ingreso de Paraguay como observador”, de 23.02.2013 (disponível em http://www.cronica.com.mx/notas/2013/732981.html).
8 - A discussão é longa no meio acadêmico e envolve a percepção se APCs seriam um impedimento (stumbling blocks) ou um incentivo (building blocks) à liberalização do comércio internacional no âmbito multilateral. Para uma revisão da bibliografia no tema,vide BALDWIN, Richard, SEGHEZZA, Elena, “Are trade blocs building or stumbling blocks? New evidence”, WTO, 2007, 17p.
9 - BAUMANN, Renato; CERATTI, Rubens, “A política comercial dos BRICS e seu entorno e efeitos para o Brasil”, IPEA – Texto para Discussão 1745, junho de 2012, p. 37
10 - As médias tarifárias são ponderadas pelo comércio e contam com tarifas específicas sob a forma de tarifas ad-valorem equivalentes (AVE). Dados do World Trade Bank Database, do Banco Mundial, disponível em http://data.worldbank.org
11 - Vide OMC, World Trade Report 2012 – Trade and Public Policies: A closer look at non-tariff measures,OMC, Genebra, 2012, 248 p.
12 - Vide Bloomberg Businessweek, “Audi Wants to Change a 45-Year-Old U.S. Headlight Rule”, de 28 de março de 2013 (disponível em http://www.businessweek.com/articles/
2013-03-28/audi-wants-to-change-a-45-year-old-u-dot-s-dot-headlight-rule)
13 - OMC, United States — Certain Country of Origin Labelling (COOL) Requirements, DS384, decisão do Órgão de Apelação de 23 de julho de 2012.
14 - OMC, United States — Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products, DS381, decisão do Órgão de Apelação de 13 de Junho de 2012.
15 - OMC, United States — Measures Affecting the Production and Sale of Clove Cigarettes, decisão do Órgão de Apelação de 24 de Abril de 2012.
16 - Vide casos DS369, DS400 e DS401 sobre a proibição de importação de produtos provenientes de focas; DS434, DS435 e DS441 sobre exigências de “embalagens neutras” (plain packaging) para cigarros; e DS446 sobre exigências técnicas à importação impostas pela Argentina.
17 - Vide Declaración de Paranal, III Cumbre Alianza del Pacífico, 6 de junho de 2012, para. 6.
18 - Vale lembrar que o acordo sobre compras governamentais da OMC é um acordo plurilateral e, portanto, apenas vinculante às partes que a ele aderirem, enquanto o acordo sobre medidas de investimento relacionadas ao comércio (TRIMS na sigla em inglês) restringe-se apenas a um pequeno espectro da questão.
19 - Vide BALDWIN, Richard. 21st century Regionalism: Filling the gap between 21st century trade and 20th century trade rules. WTO, Staff Working Paper ERSD-2011-08, May 2011
20 - Vide SANCHEZ BADIN, Michelle R., “Compromissos assumidos por grandes e médias economias em acordos preferenciais de comércio: o contraponto entre União Europeia e Estados Unidos e China e Índia”, Texto para Discussão No. 1700, IPEA, janeiro 2012, p. 18 e ss.
21 - Vide BHAGWATI, Jagdish, Termites in the Trading System: How Preferential Agreements Undermine Free Trade, CFR, Oxford University Press, julho de 2008, 144 p.
22 - Vale lembra que, como visto, o Mercosul pode ser considerado um APC de “primeira geração”, contando com regras OMC-in, e, portanto, não existindo distanciamento regulatório relevante do existente no âmbito multilateral.
23 - Vide Conferência de Imprensa do Primeiro Ministro do Japão, Shinzo Abe, de 15 de março de 2013 (disponível em http://www.kantei.go.jp/foreign/96_abe/statement/201303/15kaiken_e.html)
24 - Integram as negociações: EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnam. Japão e Coreia do Sul são outros países cuja participação nas negociações está sendo avaliada
25 - A 17a reunião ocorrerá de 15 a 24 de maio de 2013 em Lima, no Peru.
26 - Vide BARFIELD, Claude, “The Trans-Pacific Partnership: A Model for Twenty First-Century Trade Agreements?”, AEI International Economic Outlook no. 2, junho de 2011.
27 - Vide SCHOTT, Jeffrey J., KOTSCHWAR, Barbara, and MUIR, Julia, “Understanding the Trans-Pacific Partnership”, Policy Analyses in International Economics 99, Peterson Istitute for International Economics, janeiro de 2013, 112 pp.
28 - Vide SCHOTT, Jeffrey, CIMINO, Cathleen, “Crafting a Transatlantic Trade and Investment Partnership: What Can Be Done”, Policy Brief No. 13-8, Peterson Institute for International Economics, março de 2013
29 - Vide CEPR, Reducing Transatlantic Barriers to Trade and Investment – An Economic Assessment, Final Project Report, Centre for Economic Policy Research, Londres, março de 2013.
30 - O ASEAN é composto por: Tailândia, Filipinas, Malásia, Cingapura, Indonésia, Brunei, Vietnam, Myanmar, Laos e Camboja.
31 - Vide HIEBERT, Murray, “ASEAN and Partners Launch Regional Comprehensive Economic Partnership”, Center for Strategic & International Studies (CSIS), 7 de dezembro de 2012 (disponível em
http://csis.org/publication/asean-and-partners-
launch-regional-comprehensive-economic-partnership)
32 - BALDWIN, Richard, WTO 2.0: Global governance of supply chain trade, CEPR, Policy Insight n. 64, 2012, p. 1
33 - BALDWIN, Richard, WTO 2.0: Global governance of supply chain trade, CEPR, Policy Insight n. 64, 2012, Figura 5
34 - Acordo EUA-CAFTA-DR (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e República Dominicana)
35 - WTO, World Trade Report 2011 – The WTO and preferential trade agreements: from co-existence to coherence, Genebra, 2011, p. 13
36 - WTO, World Trade Report 2011 – The WTO and preferential trade agreements: from co-existence to coherence, Genebra, 2011, p. 12. PTA é a single em inglês equivalente a APC.
37 - Instituto Boliviano de Comercio Exterior (IBCE). Disponível em
< http://www.ibce.org.bo/informacion-mercados/acuerdos-comerciales.asp>.
38 - Ministerio de Relaciones Exteriores, Gobierno de Chile. Disponível em
< http://www.direcon.gob.cl/acuerdo/list >.
39 - China FTA Network. Disponível em <http://fta.mofcom.gov.cn/english/index.shtml>.
40 - Singapore’s FTA Network. Disponível em < http://www.fta.gov.sg/>.
41 - Ministerio de Comercio, Industria y Turismo de Colombia. Disponível em <http://www.tlc.gov.co/>.
42 - Ministry of Foreign Affairs. Disponível em
< http://www.mofat.go.kr/ENG/policy/fta/status/overview/index.jsp>.
43 - Tratados de Libre Comercio de Costa Rica. Disponível em
< https://www.hacienda.go.cr/Msib21
/Espanol/Direccion+General+de+Aduanas/TRATADOS+COMERCIALES+CR.htm>.
44 - EFTA. Disponível em < http://www.efta.int/free-trade/free-trade-agreements.aspx>.
45 - USTR. Disponível em <http://www.ustr.gov/trade-agreements>.
46 - El Diário, Gobierno negocia acuerdos comerciales com más de 12 países para diversificar exportaciones. Disponível em < http://www.eldiario.com.ec/noticias-manabi-ecuador/
220393-gobierno-negocia-acuerdos-comerciales-con-mas-de-
12-paises-para-diversificar-exportaciones/>.
47 - Government of India, Ministry of Commerce and Industry, Department of Commerce. Disponível em < http://commerce.nic.in/trade/international_ta.asp>.
48 - Ministry of Foreign Affairs of Japan. Disponível em <http://www.mofa.go.jp/policy/economy/fta/>.
49 - Secretaría de Economía, Tratados y Acuerdos Firmados por México. Disponível em < http://www.economia.gob.mx/comunidad-negocios/comercio-exterior/tlc-acuerdos>.
50 - New Zealand Ministry of Foreign Affairs & Trade. Disponível em
< http://www.mfat.govt.nz/Trade-and-Economic-Relations/
2-Trade-Relationships-and-Agreements/Korea/index.php>.
51 - Ministerio de Comercio Exterior y Turismo de Perú. Disponível em
< http://www.acuerdoscomerciales.gob.pe/index.php?
option=com_content&view=category&layout=blog&id=75&Itemid=98 >.
52 - European Commission, International Affairs.Disponível em
http://ec.europa.eu/enterprise/policies/international/
facilitating-trade/free-trade/index_en.htm e em
< http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2012/november/tradoc_150129.pdf> .
53 - OEA, Sistema de Información sobre Comercio Exterior. Disponível em
< http://www.sice.oas.org/ctyindex/VEN/VENagreements_s.asp>.