Carta IEDI
Exportação de manufaturados: Concorrência China x Brasil
Esta Carta IEDI atualiza nosso estudo de 2013 (Carta IEDI n. 590) sobre a concorrência entre Brasil e China na exportação de manufaturados nos três principais mercados regionais para as empresas brasileiras – Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta (EUA, Canadá e México). Na edição anterior fizemos uma comparação entre os anos de 2008 e 2012, isto é, após o aprofundamento da crise global; agora, tratamos do quadro em 2015, ano de forte crise da indústria e da economia brasileiras, comparando-o com 2012.
O desempenho da balança comercial brasileira, desde 2003, tornou-se estreitamente vinculado ao crescimento econômico e da demanda externa da China mediante dois efeitos antagônicos. Por um lado, o “efeito complementaridade”, que beneficiou (sobretudo, antes da crise financeira global) as exportações brasileiras tanto de forma direta (impulsionando as vendas externas de commodities), como indireta (aumentando as exportações de bens manufaturados para países latino-americanos exportadores de commodities). Por outro lado, o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, afetou negativamente a indústria brasileira por dois canais: a invasão de importados no Brasil e o crescimento das exportações chinesas para mercados tradicionalmente atendidos pela indústria brasileira.
Após 2008, o “efeito concorrência” ganhou intensidade devido à estratégia da China de aumentar sua presença na periferia para compensar a perda de dinamismo das economias centrais, atingidas pela crise global. No âmbito dessa estratégia, aumentaram as exportações chinesas para as principais regiões de destino das vendas externas brasileiras de bens manufaturados – Mercosul, Aladi e Nafta – a ponto de superarem o valor registrado pelo Brasil em 2012.
Para 2015, entre outros indicadores que são analisados nesta Carta, calculamos o nível de ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras. Foram criadas quatro categorias: Ameaça Direta quando, para um produto, há aumento de market-share da China nas regiões selecionadas, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share; e Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China for maior do que o aumento do market-share do Brasil. Os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas foram classificados como Sem Ameaça.
Ainda que nos dois períodos analisados (2008-2012 e 2012-2015) o desempenho, em valor, das exportações chinesas e brasileiras para as regiões selecionadas tenha sido bastante diferente, como mostram os itens abaixo, do ponto de vista do dinamismo e do grau de ameaça, várias tendências negativas identificadas em 2012, que eram motivo de preocupação para o Brasil, não se intensificaram ou mudaram de direção e tendências positivas se intensificaram.
• Exportações brasileiras: crescimento de +1,9% entre 2008 e 2012 e -21,8% entre 2012 e 2015
• Exportações chinesas: crescimento de +47,6% e +8,3%, respectivamente
No que se refere ao grau de ameaça das exportações chinesas, em 2015 elas representavam uma ameaça direta principalmente nos produtos em que o Brasil perdeu oportunidades de mercado, isto é, nos produtos cuja participação na pauta das regiões consideradas neste estudo cresce, mas cuja participação do Brasil cai. Porém, essa ameaça direta da China recuou de 76%, em 2012, para 68,7%, em 2015.
Outro motivo de preocupação em 2012 era a ameaça indireta das exportações da China (de 36,4%) nas exportações de produtos cuja participação na pauta das três regiões estudas crescia assim como a participação do Brasil em tais produtos. Contudo, em 2015, o grau de ameaça indireta das vendas externas chinesas nesses produtos recuou para menos de 5%.
Em termos de região de destino das exportações, no caso dos produtos exportados pelo Brasil que sofriam Ameaça Direta das exportações chinesas e tinham como destino o Nafta, a participação aumentou de 39,5% em 2012 para 45,2% em 2015. Esse resultado é desfavorável, já que no âmbito das três regiões consideradas, o Nafta foi o mercado mais dinâmico no período analisado devido ao desempenho dos Estados Unidos. Em contrapartida, a redução da participação da Aladi neste grupo sob ameaça direta (de 23,4% para 17,3%) é positiva, pois essa região é o principal destino de produtos manufaturados brasileiros.
No que se refere aos produtos que sofreram Ameaça Indireta, o Mercosul foi o principal destino em 2015 (42,2%), assim como nos dois anos anteriores (em 2012 o percentual era um pouco maior, enquanto em 2008 menor). Já as posições do Nafta e da Aladi se inverteram entre 2012 e 2015. A Aladi tornou-se a segunda principal região de destino dessa categoria de produtos em 2015 (29,8%), seguida pelo Nafta (27,9%).
Em suma, considerando os resultados em termos de dinamismo e grau de ameaça, a trajetória de aumento do “efeito-concorrência” das exportações chinesas entre 2008 e 2012 nas principais regiões de destino das exportações brasileiras de produtos manufaturados não persistiu no triênio subsequente. Esta Carta IEDI também traz informações que contribuem para a compreensão das mudanças no perfil do comércio exterior brasileiro em 2015 mencionadas acima, sobretudo o melhor desempenho das exportações da indústria de transformação.
Embora estudos adicionais sejam necessários para identificar de forma mais precisa os determinantes da interrupção da tendência de perda de dinamismo e de market-share das exportações brasileiras nas regiões selecionadas entre 2012 e 2015, é possível identificar alguns fatores externos e internos que contribuíram para este resultado.
Do lado externo, o contexto internacional foi desfavorável tanto do ponto de vista do crescimento da demanda externa como dos preços das commodities, mas a apreciação do dólar no biênio 2014-2015 favoreceu as exportações brasileiras já que significou, igualmente, apreciação da moeda chinesa (a paridade fixa com o dólar foi abandonada em 2010, mas o regime cambial vigente desde então procura manter a cotação do Renminbi relativamente estável em relação à moeda americana).
Do lado interno, dois fatores atuaram positivamente: a desaceleração da atividade econômica, que culminou na recessão em 2015; e, sobretudo, a desvalorização da moeda brasileira em termos reais. Assim, para que as exportações brasileiras de bens manufaturados não retomem aquela tendência, seria fundamental a manutenção da taxa de câmbio em patamares competitivos. A dependência do câmbio pode diminuir ao longo do tempo, desde que fatores relacionados à produtividade/custo de natureza sistêmica (infraestrutura, tributação, custo financeiro) tenham evolução e que a indústria amplie sua produtividade.
Finalmente, é importante mencionar que as exportações brasileiras de bens manufaturados para os países latino-americanos das regiões analisadas também foram negativamente afetadas pelos múltiplos acordos comerciais que têm sido assinados com países externos à região, que acabam beneficiando produtos provenientes de países com vantagens competitivas, como a China. Assim, o governo brasileiro também deve adotar uma estratégia de política que busque um modelo favorável para a penetração de nossas exportações e estimule a integração da indústria brasileira nas cadeias regionais e globais de valor mediante a diversificação da base industrial e investimentos no mercado regional.
Introdução
No acumulado de janeiro a setembro de 2016, a balança comercial brasileira foi superavitária em US$ 36,2 bilhões, cifra 255% superior ao saldo positivo de US$ 10,2 bilhões observado no mesmo período de 2015, após dois anos consecutivos de déficit. Como ressaltado na Carta IEDI n. 757, como o superávit em produtos primários declinou (de US$ 40,2 bilhões para 39,8 bilhões), o responsável por essa melhora no desempenho do comércio exterior brasileiro foi o expressivo recuo do déficit da indústria de transformação para US$ 3,6 bilhões, o menor para esse período desde 2008, quando foi registrado o primeiro resultado negativo desde 2002. Também é importante destacar que a trajetória de redução desse déficit iniciou-se em 2014 e se intensificou em 2015 (US$ 49,2 bilhões e US$ 29,9 bilhões, considerando sempre o acumulado janeiro-setembro).
Uma diferença importante no resultado de 2016 foi o crescimento das exportações (embora bem tímido, em 0,7%), enquanto as importações retraíram-se 21,6%. Já em 2015, a redução do déficit (em quase US$ 20 bilhões) decorreu da maior queda das compras relativamente às vendas externas (20,4% contra 11,1%, respectivamente). Contudo, a queda das exportações dos produtos primários foi ainda mais expressiva (24,5%). Ou seja, o desempenho das exportações da indústria de transformação atenuou a queda do total das exportações brasileiras (16,8%).
A dinâmica tanto da balança comercial de produtos primários como dos bens típicos da indústria de transformação tornou-se desde 2003 estreitamente vinculada ao crescimento econômico e da demanda externa da China mediante dois efeitos antagônicos. Por um lado, o “efeito complementaridade”, que beneficiou (principalmente no período anterior à crise financeira global) as exportações brasileiras tanto de forma direta (impulsionando as vendas externas de commodities), como indireta (aumentando as exportações de bens manufaturados para países latino-americanos exportadores de commodities). Por outro lado, o “efeito concorrência”, associado à consolidação da China como produtora e exportadora de produtos manufaturados, que afetou negativamente a indústria brasileira por dois canais: invasão de importações e crescimento das exportações para mercados tradicionais de fornecedores brasileiros de manufaturados.
Esses dois canais reforçaram-se após a crise financeira e econômica global de 2008-2009 devido à estratégia da China de aumentar sua presença na periferia capitalista para compensar a perda de dinamismo nas economias centrais. No âmbito dessa estratégia, aumentaram as exportações chinesas para três importantes regiões de destino das vendas externas brasileiras de bens manufaturados - Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai), Aladi (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela) e Nafta -, superando, em 2012, o valor registrado pelo Brasil.
Na Carta IEDI N. 590 (divulgada em 20/09/2013) avaliou-se o impacto do “efeito concorrência” das exportações chinesas sobre as exportações brasileiras para esses três mercados de destino após a crise financeira global com base na comparação de 2012 com 2008. Nesta Carta, as informações foram atualizadas para 2015 (último dado disponível na base de dados da COMTRADE) e comparados com os resultados de 2012. Os dados de 2008 também são apresentados a título de comparação e mencionados na análise quando considerado necessário.
Como na Carta precedente sobre o tema, as exportações dos dois países foram agrupadas em quatro categorias de dinamismo: Oportunidade Aproveitada, em que o produto em questão ganha participação na pauta da região e o país (Brasil ou China) também ganha participação neste mercado; Oportunidade Perdida, em que o produto ganha participação na região, mas o país em questão perde participação na exportação desse produto para essas regiões; Produto em Declínio, em que o produto está perdendo participação no mercado em questão e o país está ganhando participação com esses produtos nesse mercado; Produto em Retrocesso, em que o produto está perdendo participação na pauta da região e o país está perdendo mercado nesse produto.
Em seguida, foi calculada a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras nessas quatro categorias: há Ameaça Direta quando, para um certo produto, há aumento de market-share da China para um país determinado, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país; há Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China em determinado produto for maior do que o aumento do market-share do Brasil nesse mesmo produto para o mesmo país. Os produtos que não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas foram classificados como Sem Ameaça. Finalmente, o estudo também detalhou essas duas variáveis (categoria de produtos em termos de dinamismo e grau de ameaça) em termos setoriais.
Como detalhado nas próximas seções, várias tendências negativas identificadas em 2012, que eram motivo de preocupação para o Brasil, não se intensificaram ou mudaram de direção, enquanto que as tendências positivas se intensificaram. Embora no triênio 2012-2015 (relativamente ao período analisado na carta anterior), o desempenho da maioria dos países das regiões selecionadas tenha sido mais desfavorável para as exportações brasileiras de bens manufaturados (em função da perda de dinamismo do comércio internacional e da deflação dos preços das commodities), dois fatores internos atuaram em sentido contrário: a desvalorização cambial em termos reais e a desaceleração da economia brasileira, que entrou em recessão em 2015. Do lado externo, o contexto internacional foi desfavorável tanto do ponto de vista do crescimento da demanda externa como dos preços das commodities, mas a apreciação do dólar no biênio 2014-2015 favoreceu as exportações brasileiras já que significou, igualmente, apreciação da moeda chinesa (a paridade fixa com o dólar foi abandonada em 2010, mas o regime cambial vigente desde então procura manter a cotação do Renminbi relativamente estável em relação à moeda americana).
O desempenho das exportações chinesas e brasileiras no pós-crise
Na comparação de 2015 com 2012, o valor total exportado pela China aumentou 12,9%, enquanto no caso do Brasil houve recuo de 21,2%. Se considerarmos a soma das exportações para as três regiões analisadas (Mercosul, Aladi e Nafta), a diferença de desempenho foi um pouco menor: as exportações chinesas aumentaram 8,3% e as brasileiras diminuíram praticamente na mesma intensidade que o total, 21,8%. Para as demais regiões, o desempenho das exportações brasileiras foi semelhante (-21%), enquanto no caso da China o desempenho foi mais favorável (+14,4%).
Já na comparação de 2012 e 2008, os dois países aumentaram o valor exportado total, porém o crescimento das exportações chinesas foi quase o dobro das exportações brasileiras (42,8% contra 23,3%). No caso das regiões analisadas, a diferença de desempenho foi ainda maior: enquanto o total exportado pela China avançou 47,6%, as exportações brasileiras aumentaram somente 1,9%.
Como os dados referem-se aos valores exportados, essa diferença expressiva nos resultados de 2012 e 2015 está associada ao ciclo de preços das commodities após a crise financeira global: sua fase de alta estendeu-se de 2009 a meados de 2011; a fase de baixa acentuou-se após 2013 (para as três categorias de commodities, ou seja, agrícolas, metálicas e energéticas) e atingiu o vale em 2015. Assim, enquanto o avanço das exportações entre 2008 e 2012 decorreu, em grande parte, da evolução favorável desses preços, a retração entre 2012 e 2015 teve forte influência da sua deflação. Além disso, o comércio internacional perdeu dinamismo nesse último triênio (num contexto de baixo crescimento da economia mundial), afetando negativamente as quantidades exportadas, sobretudo pela China, cuja pauta exportadora concentra-se em produtos manufaturados, com maior elasticidade-renda da demanda. Esse fator foi um dos determinantes da menor taxa de crescimento das vendas externas chinesas em 2015 frente a 2012 em comparação com a registrada em 2012 frente a 2008. O segundo fator foi a mudança do perfil de crescimento da China, com o aumento da importância do mercado interno frente ao externo (ver Carta IEDI n. 755).
Na comparação de 2015 com 2012, o desempenho positivo das exportações da China para o total das três regiões decorreu, exclusivamente, das vendas para o Nafta, que avançaram 12,2%, passando a responder por 86,4% do total exportado para as três regiões consideradas (contra 83,4% em 2012). Já as exportações para o Mercosul e Aladi recuaram 16,6% e 4,7%, respectivamente. Com isso, as participações dessas duas regiões caíram para 7,1% e 6,6% (contra 9,2% e 7,5% em 2012). Notar que em 2012 (em relação a 2008), as exportações chinesas aumentaram para as três regiões.
Em contrapartida, as exportações brasileiras para as regiões analisadas diminuíram, mas em diferentes intensidades: -16,9% para o Nafta, -23,1% para o Mercosul e -30% para a Aladi (já na comparação de 2012 com 2008, houve aumento para as três regiões). Consequentemente, a Aladi passou a responder por 19,8% do total das três regiões, o Mercosul por 31,4% e o Nafta por 48,8% (frente aos percentuais de 22,1%, 31,9% e 46% em 2012). Também vale mencionar que, como o desempenho das exportações brasileiras foi relativamente muito pior, em 2015 a China passou a exportar mais que o dobro que o Brasil para o Mercosul e mais que o triplo para a Aladi (em 2008, os valores exportados pelos dois países para essas duas regiões eram relativamente parecidos).
Considerando agora a participação das três regiões no total das exportações dos dois países, praticamente não houve mudanças entre 2012 e 2015: no caso do Brasil, de 28,9% para 28,7% e da China de 24% para 23%. O peso de cada região no total também não sofreu variações significativas. No que se refere às exportações brasileiras, as participações da Aladi e do Nafta recuaram na mesma intensidade (0,7 ponto percentual – p.p), respondendo por 5,7% e 14% do total em 2015, respectivamente. Já o peso do Mercosul recuou somente 0,2 p.p, para 9%. Em contrapartida, no caso das exportações chinesas, a perda de participação do Mercosul foi relativamente maior (de 0,6 p.p., para 1,6%); o peso da Aladi diminuiu 0,3%, para 1,5%; e do Nafta ficou praticamente no mesmo patamar (20%). Assim, embora as participações das vendas externas da China e do Brasil nas três regiões sejam bastante diferentes, nos dois casos houve recuo nos pesos do Mercosul e da Aladi, enquanto no caso do Nafta a participação do Brasil aumentou e da China manteve-se constante.
Dinamismo da Pauta Exportadora do Brasil e da China
As exportações brasileiras e chinesas para os mercados de destino selecionados foram agrupadas em quatro categorias, considerando os produtos com a maior desagregação possível (na classificação HS da Comtrade é 6 dígitos). A primeira categoria é Oportunidade Aproveitada, em que o produto em questão ganha participação na pauta e o país (Brasil ou China) também ganha participação. A segunda é Oportunidade Perdida, em que o produto ganha participação, mas o país perde participação na exportação desse produto para essas regiões. A terceira é Produto em Declínio, em que o produto está perdendo participação nos mercados em questão e o país está ganhando participação. E a quarta Produto em Retrocesso, em que o produto e o país estão perdendo participação.
No caso das exportações da China, a participação de produtos com Oportunidade Aproveitada também aumentou entre 2012 e 2015 (11 p.p., para 56%), mas em menor intensidade que no caso do Brasil (já em relação ao período anterior, o avanço foi mais expressivo). Mas, ao contrário do observado para o Brasil, os produtos com Oportunidade Perdida, que registraram praticamente a mesma participação nos dois anos precedentes, também aumentaram seu peso no total (+ 5.5 p.p.), atingindo 18% em 2015 (5 p.p. acima da participação nas exportações brasileiras em 2015). No caso dos Produtos em Retrocesso, sua participação aumentou 9% para 21%, patamar um pouco superior ao registrado em 2008 (19%). Contudo, o dado positivo e que mais chama atenção foi a forte queda da participação dos Produtos em Declínio, que passou do patamar de 30% em 2008 e 2012 para 5% do total.
A comparação das exportações brasileiras com as exportações chinesas entre 2012 e 2015 revela que a China se inseriu nos mercados selecionados, principalmente, no segmento de produtos com Oportunidades Aproveitadas, ou seja, naqueles mais demandados pela região, que responderam por mais de 55% do total em 2015. Já o Brasil também ganhou maior espaço nas exportações desses produtos, mas sua participação continuou bem inferior (10 p.p.) à chinesa. Além disso, no caso brasileiro, ao contrário da China, a participação nesse grupo de maior dinamismo também seguiu inferior à soma das três outras categorias (Oportunidades Perdidas, Produtos em Declínio e Produtos em Retrocesso)
A Ameaça das Exportações Chinesas às Exportações Brasileiras
Vários trabalhos debruçaram-se sobre o crescimento recente das exportações chinesas para a América Latina. Lall e Veis (2007) argumentam que a estrutura das exportações da China e dos países da América Latina, com exceção do México, é muito diferente e que, por isso, a China não seria um forte concorrente da região. Santiso et.al. (2007) também concluem que o grau de concorrência entre a China e os países da América Latina é baixo, porém o Brasil estaria em uma situação intermediária, devido ao seu maior grau de industrialização. Moreira (2004), por sua vez, mostra um aumento da competição entre Brasil e China na região no período pré-crise. Considerando este resultado de Moreira (op. cit.), Hiratuka e Sarti (2009) verificaram um crescimento expressivo da ameaça chinesa às exportações brasileiras de 2000 e 2006 para todas as regiões analisadas. Um trabalho mais recente (Costa, Castilho e Torraca, 2016) analisa as participações do Brasil e da China no mercado de manufaturados da ALADI no período 2000-2013 e concluem que a perda de mercado pelo Brasil pode ser, em grande parte, creditada à China (atualmente o principal parceiro externo da região) e se intensificou após a crise financeira global de 2008. Esse resultado ancora-se tanto no descompasso entre as taxas de crescimento do market share brasileiro e chinês nessa região como no grau de competição revelado pela evolução da similaridade da pauta exportadora dos dois países.
Nesta Carta IEDI, adotou-se a metodologia utilizada por Hiratuka e Sarti (2009) para avaliar a ameaça das exportações chinesas às exportações brasileiras nos quatro grupos de produtos identificados na seção precedente. Esses autores classificam o grau de ameaça em três categorias: (i) Ameaça Direta quando, para um produto, há aumento de market-share da China para um país determinado, ao mesmo tempo em que o Brasil reduz seu market-share no mesmo país; (ii) Ameaça Indireta quando o aumento do market-share da China em determinado produto for maior do que o aumento do market-share do Brasil nesse mesmo produto para o mesmo país; (iii) Sem Ameaça, quando os produtos não estão sendo ameaçados pelas exportações chinesas nem direta nem diretamente.
Em 2015, as exportações da China para os países selecionados representaram uma ameaça direta principalmente nos produtos em que o Brasil perdeu oportunidades de mercado, isto é, os produtos classificados como Oportunidades Perdidas. Esses produtos provavelmente se encontram no grupo de produtos com Oportunidades Aproveitadas pela China, no qual há aumento da demanda da região e das exportações chinesas. Essa ameaça direta era mais preocupante para as exportações brasileiras em 2012, já que os produtos com oportunidades perdidas representavam 25% dessas exportações para as três regiões (e a ameaça das exportações chinesas nesses produtos de 76%). A situação em 2008 era bem parecida. Em 2015, esse percentual recuou para 13% e o grau de ameaça para 68,7%.
Outro resultado que era motivo de preocupação em 2012 era a ameaça indireta das exportações da China (de 36,4%) nas exportações brasileiras com Oportunidades Aproveitadas (um pouco inferior à observada em 2008). Contudo, em 2015, o grau de ameaça indireta das vendas externas chinesas recuou para menos de 5%. Este resultado é coerente com o maior crescimento das exportações brasileiras desses produtos em relação às chinesas para os mercados analisados (ver seção anterior).
As exportações brasileiras que sofreram a menor ameaça das exportações chinesas em 2015 (assim como em 2008 e 2012) foram as de produtos classificados como Produtos em Declínio. Ou seja, o Brasil logrou ser competitivo em relação à China sobretudo nos produtos que têm sofrido redução da demanda nessas regiões. Já nos Produtos em Retrocesso, a ameaça direta chinesa era bem mais expressiva em 2008 e 2012 do que em 2015 (68,3% contra 38,8%, respectivamente).
Em termos de região de destino das exportações, no caso dos produtos exportados pelo Brasil que sofriam ameaça direta das exportações chinesas e tinham como destino o Nafta, a participação aumentou de 39,5% em 2012 para 45,2% em 2015. Esse resultado é desfavorável, já que no âmbito das três regiões consideradas, o Nafta foi o mercado mais dinâmico no período analisado. Em contrapartida, a redução da participação da Aladi nesse grupo (de 23,4% para 17,3%) é positiva, pois essa região é o principal destino de produtos manufaturados brasileiros, como destacam Costa, Castilho e Torraca (2016). Já o peso do Mercosul não sofreu alteração.
No que se refere aos produtos que sofreram Ameaça Indireta, as participações das três regiões foram bem diferentes em relação às observadas para os produtos com ameaça direta. O Mercosul foi o principal destino em 2015 (42,2%), assim como nos dois anos anteriores (em 2012 o percentual era um pouco maior, enquanto em 2008 menor). Já as posições do Nafta e da Aladi se inverteram entre 2012 e 2015. A Aladi tornou-se a segunda principal região de destino dessa categoria de produtos em 2015 (29,8%), seguida pelo Nafta (27,9%). Finalmente, nos Produtos sem Ameaça, a maior participação foi do Nafta tanto em 2015 como em 2008 e 2012, indicando uma maior competitividade dos produtos brasileiros nesse mercado.
Análise Setorial
Oportunidades Aproveitadas. Em 2015, as principais exportações brasileiras de produtos com Oportunidades Aproveitadas pertenciam, em ordem decrescente de importância, aos setores de outros equipamentos de transporte, veículos automotores, produtos químicos, alimentos e bebidas e máquinas e equipamentos. O dado que mais chama atenção é o impressionante aumento da participação dos produtos do setor de outros equipamentos de transporte, que passou de somente 0,3% em 2012 (mesmo patamar de 2008) para 20,4% em 2015. Esse resultado favorável decorre, ao que tudo indica, das vendas externas de aeronaves pela Embraer. Em contrapartida, o peso dos produtos dos demais setores diminuiu em relação a 2012, com destaque para veículos automotores (que perdeu a posição de liderança registrada em 2008 e 2012 devido ao recuo de 8,3 p.p.), produtos químicos (6,8 p.p.) e máquinas e equipamentos (6,2 p.p.) – que ocupavam a segunda e terceira posições em 2012, respectivamente.
Assim, na passagem de 2012 para 2015, os pesos relativos dos produtos classificados na categoria Oportunidades Aproveitadas sofreram significativa alteração (notar que o perfil setorial em 2008 era semelhante ao registrado em 2012). A análise do grau de ameaça das exportações chinesas pode contribuir para entender esse resultado. Em 2012 (e 2008) somente produtos do setor de Refino de Petróleo (no qual o Brasil tem vantagem competitiva) não sofriam ameaça indireta das exportações chinesas. Em 2015, em contrapartida, essa ameaça ainda estava presente apenas em produtos do setor de máquinas e equipamentos, mas num grau muito menor do que o registrado em 2012 (9,4% contra 41,4%). Além disso, no setor de outros equipamentos de transporte, que despontou como líder em 2015, não foi identificada ameaça das exportações chinesas.
Oportunidades Perdidas. Os produtos que tiveram maior participação na categoria Oportunidades Perdidas em 2015 foram dos setores de veículos automotores, máquinas e equipamentos, produtos químicos e borracha e plástico. Ao contrário do observado nos produtos com Oportunidades Aproveitadas, nessa categoria não houve mudanças relevantes nas participações relativas frente a 2012. Na comparação com 2008, somente o setor de material eletrônico e equipamentos de telecomunicação perdeu posição no ranking (sua participação passou de 10,6% nesse ano para 1,9% em 2012 e 3,1% em 2015).
Ao contrário do observado para os produtos com Oportunidades Aproveitadas, as exportações brasileiras da maioria dos produtos com Oportunidades Perdidas sofreram forte ameaça direta das exportações chinesas em 2015 (não foi identificada nenhum ameaça indireta). A única exceção foram os produtos do setor de borracha e plásticos, cujo grau de ameaça direta recuou para 35,7% nesse ano (frente a 60,9% em 2012). Também vale destacar a redução do grau de ameaça direta nos produtos do setor de veículos automotores, de quase 100% em 2012 (e 2008) para 83,8% em 2015. Exemplos desses produtos são veículos de passageiros e veículos automotores para transporte de mercadorias. Os produtos dos demais setores, que também são setores industriais importantes, enfrentaram, igualmente, ameaça significativa das exportações chinesas, como, por exemplo, compressores de equipamentos de refrigeração. O Brasil é um importante exportador desses bens manufaturados para as regiões selecionadas e, assim, a ameaça das exportações chinesas nesses mercados é motivo de preocupação.
Ameaça Chinesa nas Exportações com Oportunidades Perdidas para as Regiões Selecionadas
Produtos em Declínio. Nos Produtos em Declínio, destacaram-se em 2015 produtos do setor de metalurgia básica, em que o país tem vantagens competitivas, seguida por produtos químicos. Nessa categoria de produtos, na qual a participação das exportações brasileiras recuou em 2015 frente a 2012, os pesos relativos dos setores também sofreram expressiva modificação na comparação com 2012 (que manteve o perfil setorial observado em 2008), sobretudo no caso dos produtos do setor de extração de petróleo (como petróleo bruto e óleos de petróleo), que eram líderes em 2008 e 2012.
Esses produtos em declínio não foram ameaçados pelas exportações chinesas em 2015, enquanto em 2008 e 2012 alguns produtos sofreram ameaça indireta, como, por exemplo, antibióticos e seus derivativos em produtos químicos e tubos para oleodutos da metalurgia básica.
Ameaça Chinesa nas Exportações com Produtos em Declinio para as Regiões Selecionadas
Produto em Retrocesso. Na última categoria a ser analisada, de Produtos em Retrocesso, os produtos com maior participação foram dos setores de extração de petróleo, seguido por metalurgia básica e máquinas e equipamentos. Nesse caso, a principal mudança frente a 2012 foi a liderança dos produtos do setor de extração de petróleo, cuja participação era nula em 2008 e 2012. Em seguida, despontam os produtos de metalurgia básica e máquinas e equipamentos (que ocupavam a primeira e segunda posições nos dois anos precedentes). Também chama atenção a redução dos pesos relativos dos produtos dos setores de máquina e material elétrico e outros equipamentos de transporte.
Vale lembrar que nesses produtos (que sofreram redução de demanda pela região), o Brasil voltou a ganhar participação em 2015 (27% do total contra 15% em 2012, retornando, assim, praticamente ao patamar de 2008, de 25%). Esse resultado, contudo, não pode ser associado ao grau de ameaça das exportações chinesas, já que o setor responsável por esse ganho foi extração de petróleo, que não sofreu ameaça dessas exportações. Já no caso dos demais setores, essa ameaça continuou presente em 2015 e, assim, deve ter contribuído para a perda de participação em 2015 na comparação com 2012, com destaque para os produtos do setor de máquinas e material elétrico (sendo alguns exemplos antenas e refletores e aparelhos receptores de radiodifusão).
Bibliografia
Costa, K., G. V., Castilho, M dos R., Torraca, J. (2016) Desempenho e perspectivas das exportações brasileiras de produtos manufaturados – perfil e perda de mercado do Brasil na América Latina. Trabalho a ser apresentado no 440 Encontro Nacional de Economia, Foz do Iguaçu/PR, entre os dias 13 e 16 de dezembro de 2016.
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