Carta IEDI
As contas externas em 2016: aprofundamento do ajuste externo
O deficit em transações correntes (DTC) recuou para somente 1,3% do PIB em 2016 (equivalente a US$ 23.507 milhões) contra 3,3% em 2015 e 4,3% em 2014. Ou seja, em pontos percentuais (p.p.), o ajuste foi duas vezes mais intenso do que o registrado no ano anterior. O ingresso de investimento direto no país, modalidade mais estável de capital externo, atingiu 4,7% do PIB, cifra mais do que suficiente para financiar o DTC. Contudo, a deterioração da conta financeira, que registra o fluxo líquido de todas modalidades de capitais entre o país e o exterior, foi mais significativa do que em 2015: seu superávit recuou 70%, de US$ 54.734 milhões para US$ 16.197 milhões. Consequentemente, o saldo do balanço de pagamentos foi negativo em US$ 7.062 milhões, praticamente o dobro do déficit do ano anterior (-US$ 3.708 milhões). Esse resultado, contudo, não resultou numa crise cambial devido ao elevado estoque de reservas internacionais e ao regime de câmbio flutuante.
A redução do deficit em conta corrente em 2016 ancorou-se, sobretudo, no desempenho da balança comercial, que foi superavitária em US$ 45.038 milhões, cifra 155% superior aos U$S 17.670 milhões registrados em 2015. Se considerarmos os dois anos de recessão (2015-2016), o comércio exterior brasileiro passou de um déficit de US$ 6.284 milhões em 2014 para o segundo maior superavit da série histórica do BCB, registrado em 2006 (US$ 45.119 milhões). Assim como em 2015, a melhora no resultado comercial foi reflexo da maior queda das importações (-19,1%) relativamente às exportações (-3%). Todavia, em 2015, esses percentuais foram bem maiores (25,3% e 15,4%, respectivamente).
A menor perversidade do ajuste em 2016 decorreu da combinação de fatores externos e internos. Os preços de algumas commodities agrícolas e metálicas exportadas pelo Brasil se recuperaram, sobretudo nos últimos meses do ano. No caso das exportações de bens industriais, se, por um lado, o comércio mundial seguiu com baixo dinamismo, como o impacto da variação da taxa de câmbio ocorre com um lag temporal, os efeitos da depreciação cambial em 2015 (24,8% em termos reais) transpareceram, sobretudo, nas exportações de 2016. A continuidade do quadro recessivo doméstico também favoreceu as exportações da indústria ao estimular a busca de mercados externos e, simultaneamente, foi o principal determinante da forte queda das compras externas (que respondem rápida e significativamente às variações da produção industrial devido à elevada participação de bens intermediários na pauta importadora).
No que se refere à conta financeira, a forte queda no seu superavit (superior à registrada em 2015, bem como em 2008, ano da crise financeira global) foi provocada, sobretudo, pela redução do ingresso líquido de capitais no país, de US$ 119,2 bilhões em 2015 para US$ 68.932 milhões (-39%), menor cifra registrada desde 2008. Esse resultado decorreu da saída líquida de US$ 9.976 milhões de capitais de natureza financeira (Investimentos em carteira e Outros investimentos). O Brexit em junho e a vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses em novembro aumentaram a aversão aos riscos nos mercados internacionais e resultaram num movimento de liquidação de posições em mercados emergentes. Contudo, no caso do Brasil esse movimento foi mais intenso em função da perda do grau de investimento, que obrigou muitos investidores institucionais estrangeiros a vender títulos do governo brasileiro. Consequentemente, as aplicações em títulos de renda fixa no país registraram saldo negativo recorde (superior a US$ 30 bilhões), apesar das elevadas taxas de juros oferecidas. Esse mesmo fator encareceu as captações externas, que também foram desestimuladas pela crise gêmea (econômica e política) doméstica. Em contrapartida, os investimentos diretos no país surpreenderam positivamente, totalizando US$ 78.907 milhões (+6% frente a 2015), em função do aumento dos empréstimos intercompanhias, que somaram US$ 24.908 milhões, um avanço de 38% frente a 2015.
Introdução
O objetivo desta Carta IEDI é apresentar os principais resultados das contas externas brasileiras em 2016. Os dados foram extraídos da nova série histórica do Balanço de Pagamentos (BOP) divulgada pelo Banco Central do Brasil (BCB) a partir de abril de 2015. Esta série se baseia na 6ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM6) do Fundo Monetário Internacional e adota uma nova convenção de sinais para a conta financeira: captações líquidas recebem sinais negativos e sinais positivos para concessões líquidas, ou seja, um resultado negativo na conta financeira refere-se à entrada líquida de capitais externos (e vice-versa). Para maiores detalhes sobre a BPM6, consultar a Carta IEDI n. 718 e o link: http://www.bcb.gov.br/?6MANBALPGTO.
Panorama Geral
O saldo do balanço de pagamentos (BOP) brasileiro em 2016 foi negativo em US$ 7.062 milhões, praticamente o dobro do déficit registrado no ano anterior (US$ 3.708 milhões). Esse resultado decorreu de movimentos opostos nas suas principais contas. Por um lado, o déficit nas transações correntes (DTC) diminuiu de forma expressiva (-60%), de US$ 58.882 milhões em 2015 para US$ 23.507 milhões em 2016. Mas, por outro lado, a conta financeira (que registra o fluxo líquido de capitais entre o país e o exterior), embora tenha se mantido superavitária, sofreu forte deterioração, recuando 70%, de US$ 54.734 milhões para US$ 16.197 milhões.
Assim, o processo de ajuste externo observado em 2015 não somente teve continuidade em 2016, mas se aprofundou. Na comparação de 2015 com 2014, considerando os valores absolutos, o recuo no DTC foi menos intenso, de 44% (de um pouco mais de US$ 100 bilhões para US$ 58,9 bilhões). Todavia, o indicador mais adequado para dimensionar esse ajuste é a razão entre o saldo em transações correntes e o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse critério, o DTC recuou de 4,3% em 2014 para 3,3% em 2015 e para somente 1,3% em 2016. Ou seja, em pontos percentuais (p.p), o ajuste foi duas vezes mais intenso em 2016 (2 p.p contra 1 p.p em 2015).
A deterioração da conta financeira também foi mais significativa em 2016, já que em 2015 o ingresso líquido de recursos externos diminuiu 44%, de US$ 101 bilhões para US$ 56,2 bilhões – o que explica o aumento do deficit do BOP. Mas, em contrapartida, o ingresso de investimento direto no país, a modalidade mais estável de financiamento externo, atingiu 4,36% do PIB, cifra 3 p.p. superior ao DTC em % do PIB. Em 2015, a diferença foi bem menor, de apenas 0,9 p.p.
A seguir, detalha-se o desempenho das contas corrente e financeiras em 2016.
As Transações Correntes
Na nova metodologia do BOP, as transações correntes são desagregadas em quatro subcontas: (i) balança comercial; (ii) serviços; (iii) renda primária, que corresponde às “rendas” da metodologia anterior; (iv) renda secundária, que equivale às “transferências unilaterais” da metodologia anterior.
A redução do deficit em conta corrente em 2016 ancorou-se, sobretudo, no desempenho da balança comercial, que foi superavitária em US$ 45.038 milhões, cifra 155% superior aos U$S 17.670 milhões registrados em 2015. Se considerarmos os dois anos de recessão (2015-2016), o comércio exterior brasileiro passou de um déficit de US$ 6.284 milhões em 2014 para o segundo maior superavit da série histórica do BCB, registrado em 2006 (US$ 45.119 milhões).
Assim como em 2015, a melhora no resultado comercial foi reflexo da maior queda das importações (-19,1%) relativamente às exportações (-3%). Consequentemente, a corrente de comércio diminuiu pelo segundo ano consecutivo (-11%). Todavia, em 2015, esses percentuais foram bem maiores (-25,3% no caso das importações, -15,4% das exportações e -20,4% da corrente de comércio).
A menor perversidade do ajuste em 2016 decorreu da combinação de fatores externos e internos. Os preços de algumas commodities agrícolas e metálicas exportadas pelo Brasil se recuperaram, sobretudo nos últimos meses do ano (o que contribuiu para a menor deflação do índice de commodities não-energéticas calculado pelo FMI). No caso das exportações de bens industriais, se, por um lado, o comércio mundial seguiu com baixo dinamismo (crescimento 1,9% contra 2,7% no ano precedente), como o impacto da variação da taxa de câmbio ocorre com um lag temporal, os efeitos da depreciação cambial em 2015 (24,8% em termos reais) transpareceram, sobretudo, nas exportações de 2016. Da mesma forma, a apreciação do real (18,9% em termos reais) deve repercutir nessas vendas em 2017. A continuidade do quadro recessivo doméstico também favoreceu as exportações da indústria (dentre as quais de automóveis) ao estimular a busca de mercados externos e, simultaneamente, foi o principal determinante da forte queda das compras externas. Vale lembrar que, devido à composição da pauta brasileira (alta participação de bens intermediários), a elasticidade-renda das importações é maior do que a elasticidade-preço (ou seja, às variações cambiais).
No âmbito da conta de serviços, o déficit recuou 17,5%, percentual inferior ao registrado em 2015 (-23,7%). O resultado negativo dessa conta praticamente dobrou de patamar na passagem de 2004 para 2005 (quando superou US$ 8 bilhões) e aumentou continuamente até 2014 (atingindo o recorde de US$ 48 bilhões) e recuando a partir de então. Os dois itens que foram os principais responsáveis por essa trajetória foram viagens internacionais e aluguel de equipamentos (em função, sobretudo, dos aluguéis da Petrobras), que responderam, respectivamente, por 28% e 64% dessa conta em 2016.
O item “viagens” aumentou a elasticidade desta subconta a depreciações da moeda doméstica, pois esse tipo de gasto reage rapidamente às variações cambiais. Em 2016, o saldo negativo desse item recuou 26,4%, uma queda expressiva, embora menor do que a registrada em 2015 (de 38,5%). Nesse caso, ao contrário do observado na balança comercial, o lag temporal do impacto dos movimentos da taxa de câmbio é muito pequeno; assim, a trajetória de apreciação cambial ao longo de 2016 estimulou os gastos dos brasileiros no exterior, sobretudo nos últimos meses do ano. Em contrapartida, a maior importância do item “aluguel de equipamentos” tornou os gastos com serviços menos elásticos às variações cambiais. A queda de 9,4% em 2016 (contra -4,8% em 2015) decorreu, sobretudo, da recessão e da redução da produção da Petrobras. Todavia, o item que registrou o maior recuo em termos percentuais (-34%) foram os gastos líquidos com transportes, que somaram US$ 3.731 milhões em 2016 contra US$ 5.664 milhões observados no ano anterior, basicamente por conta da menor corrente de comércio.
Já o déficit da subconta “Renda primária de investimentos” diminuiu somente 3,1% (de US$ 42.357 milhões para US$ 41.005 milhões). Embora essa conta seja estruturalmente negativa devido ao elevado passivo externo líquido da economia brasileira, sua composição também se alterou devido às mudanças na estrutura desse passivo a partir de 2005, que reduziram o chamado descasamento de moedas, quais sejam, o aumento da participação dos estoques de investimento direto e de investimento em carteira no país e a redução da dívida externa (ver Carta IEDI n. 700). Com isso, as rendas denominadas em reais (lucros e dividendos do investimento direto e em ações e juros de títulos negociados no mercado doméstico) passaram a superar as rendas denominadas em dólares (juros de títulos negociados no mercado externo e outros investimentos), o que tornou essa subconta um pouco mais elástica às variações do PIB e da taxa de câmbio. Assim como em 2015, as remessas de lucros e dividendos foram negativamente afetadas pela recessão. Em contrapartida, a apreciação cambial ao longo de 2016, ao aumentar o seu valor em dólares, estimulou essas remessas, bem como aquelas referentes aos juros dos títulos negociados no mercado doméstico, que se intensificaram no último trimestre.
A Conta Financeira
O superávit da conta financeira recuou de US$ 54.734 milhões em 2015 para US$ 16.182 milhões em 2016, o menor resultado desde 2007. Em termos percentuais, a queda foi de 70%, superior à registrada no ano anterior (de 46%), bem como em 2008 (-68% na mesma base de comparação), quando o efeito-contágio da crise financeira global atingiu de forma indiscriminada as economias emergentes, independentemente da situação dos fundamentos macroeconômicos.
A deterioração da conta financeira decorreu, sobretudo, da redução do ingresso líquido de capitais no país, de US$ 119,2 bilhões em 2015 para US$ 68.932 milhões (-39%), menor cifra registrada desde 2008. Esse resultado decorreu da saída líquida de US$ 9.976 milhões de capitais de natureza financeira (Investimentos em carteira e Outros investimentos). Em contrapartida, os investimentos diretos no país somaram US$ 78.907 milhões, um avanço de 6% frente a 2005, movimento oposto ao observado nos fluxos globais de investimento estrangeiro direto, que recuaram 13% em 2016 de acordo com relatório recentemente divulgado pela Unctad (Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento).
O principal determinante do resultado negativo dos fluxos financeiros foi, por sua vez, a saída líquida de US$ 30.401 milhões do mercado de renda fixa (predominantemente, títulos públicos). Como as aplicações em ações foram positivas em US$ 10.582 milhões (+5,5% frente a 2015), os investimentos em carteira registraram saldo negativo de US$ 19.815 milhões, pior resultado da série histórica do BCB. Nos “Outros investimentos”, o saldo foi positivo, mas 55% inferior ao registrado em 2015 em função da não renovação integral dos empréstimos externos cuja taxa de rolagem foi de 63% (contra 101% em 2015).
Fatores externos e internos contribuíram para esse resultado. Por um lado, o Brexit em junho e a vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses em novembro aumentaram a aversão aos riscos nos mercados internacionais e resultaram num movimento de liquidação de posições em mercados emergentes, dentre os quais o Brasil. Por outro lado, em função da perda do grau de investimento do Brasil, muitos investidores institucionais estrangeiros foram obrigados a vender os títulos do governo brasileiro, o que explica o expressivo saldo negativo das aplicações em títulos de renda fixa no país, apesar das elevadas taxas de juros oferecidas. Esse mesmo fator encareceu as captações externas, que também foram desestimuladas pela crise gêmea (econômica e política) doméstica.
Finalmente, os investimentos diretos no país (IDP) surpreenderam positivamente em função dos empréstimos intercompanhias, que somaram US$ 24.908 milhões, um avanço de 38% frente a 2015. Contribuiu para esse resultado o financiamento da Petrobras com o China Development Bank (CDB), no valor de US$ 5 bilhões em dezembro, que ocorreu via subsidiária da estatal no exterior. Já o ingresso líquido na modalidade participação no capital recuou 4,3% na mesma base de comparação, totalizando US$ 54.021 milhões. Os principais destaques negativos foram as atividades industriais de “Veículos automotores, reboques e carrocerias” e “Metalurgia” e, nos serviços o setor imobiliário. Como esses fluxos são pró-cíclicos, o contexto recessivo desestimulou esse ingresso, sobretudo nos setores não-comercialiáveis. A apreciação cambial também atuou no mesmo sentido ao reduzir o valor em reais dos aportes em moeda estrangeira (enquanto em 2015, a depreciação cambial atuou positivamente).