Entrevista - Rinaldo Campos Soares
Rinaldo Campos Soares
Para Crescer, Falta Visão de Futuro
Faltam planejamento e visão de futuro para tornar realidade o potencial de crescimento do Brasil, segundo analisa o diretor-presidente da Usiminas e conselheiro do IEDI Rinaldo Campos Soares. A seu ver, é preciso concentrar esforços naquilo em que somos mais competitivos e nas prioridades que respondem mais rapidamente às demandas sociais. Há dificuldades externas mas talvez seja mais inquietante a redução dos investimentos estrangeiros no Brasil. É preocupante constatar que isso ocorre quando os fundamentos econômicos estão relativamente em ordem, o crescimento da economia mundial é expressivo e ainda são muitos os setores domésticos carentes de recursos. A combinação de entrada restrita de capital externo com propensão crescente de remessa de lucros sugere um grau de desconforto dos investidores em relação ao nosso país e não às variáveis internacionais comuns aos outros mercados. A explicação é que as políticas adotadas pelo governo ainda não foram percebidas como de longo prazo e estruturais pelos investidores e os juros ainda precisam ser o grande atrativo para o capital externo.
Quanto à consolidação do setor siderúrgico brasileiro, a preocupação maior é a manter sob controle nacional um grupo que possa competir em condições de igualdade com os gigantes internacionais, em acordo com os interesses estratégicos do país.

A economia brasileira, apesar do grande esforço da equipe econômica do governo, ainda está vulnerável às oscilações do mercado financeiro internacional. A perspectiva de um aumento mais rápido dos juros nos Estados Unidos pode ser um fator negativo em marcha, somado ao recrudescimento dos conflitos no Oriente Médio com repercussões no mercado de petróleo. Entretanto, talvez mais inquietante do que estes fatos seja a redução dos investimentos diretos externos para o Brasil, que é muito mais expressiva do que para o conjunto dos outros países emergentes.
O senhor poderia detalhar esse último ponto?
A combinação de entrada restrita de capital externo com propensão crescente de remessa de lucros sugere um grau de desconforto dos investidores em relação ao nosso país e não às variáveis internacionais comuns aos outros mercados. Já tivemos problemas mais expressivos em momentos até relativamente recentes, mas sempre com a marca de grandes mudanças ou de situações críticas nacionais ou internacionais, o que não é o caso atual. É natural que as perspectivas de aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e alta nos preços do petróleo gerem conseqüências para a nossa economia, através do aumento do Risco Brasil e da taxa de câmbio que, se passarem de certos limites, podem impactar os fluxos de capitais ao país, além de pressionar a inflação. Este cenário nos preocupa, pois assim a política monetária tende a permanecer mais conservadora, os níveis de confiança dos investidores e consumidores se retraem, o que pode dificultar a retomada do crescimento da economia brasileira no curto prazo. No entanto, continuamos acreditando no potencial de crescimento do país que, em diversos segmentos, como o da siderurgia, tem se mostrado bastante competitivo.
A provável diminuição do crescimento da China - principal compradora do aço brasileiro - atingiria significativamente o nosso país ou, por se tratar de uma redução de índices muito elevados, não abalaria tanto quanto se comenta no mercado e na imprensa?
Em nossa visão a China está passando por um processo de ajuste, em função da pressão que o contínuo crescimento a altas taxas tem provocado na infra-estrutura de transportes e de energia daquele país. No entanto, a China deverá continuar apresentando taxas de crescimento em torno de 7% ao ano, o que manterá a demanda por produtos siderúrgicos em ritmo bastante aquecido nos próximos anos. Cabe ainda registrar que o crescimento da demanda de aço pelos Estados Unidos, uma economia cerca de oito vezes maior do que a chinesa, tem mantido o mercado siderúrgico mundial com uma demanda expressiva, não modificando as previsões globais de consumo.
Como é que o senhor vê as chances de novos avanços concretos para os pleitos do Brasil na OMC se, de um lado, houve a importante vitória em relação ao algodão mas, de outro, o governo dos Estados Unidos já avisou os seus produtores que manterá os subsídios?
Para o Brasil é fundamental que a rodada de Doha da OMC seja bem sucedida, uma vez que estão em pauta temas de grande interesse para nosso país e para as demais nações em desenvolvimento, tais como os subsídios agrícolas, os investimentos, as compras governamentais, entre outros. A decisão sobre os subsídios do algodão tem um significado muito importante nas relações internacionais de comércio, pois sinaliza uma mudança no entendimento mundial sobre as questões agrícolas e de subsídios. A posição interna americana de não acolhimento da decisão da OMC é uma outra vertente da questão pois se há a intenção de manter esses subsídios internamente, existe também uma decisão da OMC de penalizar essa política com uma possível retaliação, uma vez que ela significa prejuízo e quebra das normas de comércio internacional. A vertente política desta deliberação é de fundamental importância para os pleitos brasileiros perante a comunidade internacional.
Qual é a situação com relação ao protecionismo na siderurgia?
Para a indústria siderúrgica, em particular, a discussão mais relevante é aquela relacionada à aplicação das regras antidumping, que ao longo das últimas três décadas têm atingido duramente o setor. Por ter sido alvo de numerosos processos antidumping nas últimas décadas e por acreditar que esta legislação tem sido utilizada de maneira abusiva, o Brasil participou, em 2003, da criação do grupo “Friends of Antidumping”, que visa regulamentar a aplicação destas medidas.
Quais são os efeitos prováveis da ampliação do elenco de países da União Européia sobre o comércio externo com o Brasil?
Os novos integrantes da União Européia, com base agrícola e industrial forte e custo de mão-de-obra inferior ao da UE-15, têm condições de concorrer com diversos produtos exportados pelo Brasil para a UE. No processo de crescente integração do bloco europeu esses países deverão ser favorecidos com maiores regalias nas áreas econômica e comercial e preferências recíprocas em detrimento daqueles não pertencentes ao bloco, o que preocupa os exportadores brasileiros. As principais economias dessa nova parcela, a República Tcheca, a Hungria e a Polônia, já tinham acordo de comércio com as demais economias do bloco e, em que pesem as restrições e a abrangência não muito ampla do mesmo, já experimentavam tratamento preferencial neste mercado, comparativamente ao Brasil. É claro que o interesse político estratégico do Grupo dos 15 nesta parte do continente propicia maiores regalias na área econômica e comercial bem como preferências recíprocas.
O senhor poderia nos dar exemplos de setores da economia brasileira que provavelmente serão beneficiados ou prejudicados com a ampliação da União Européia?
Na nossa avaliação inicial percebemos que alguns setores produtivos brasileiros deverão sofrer mais diretamente os reflexos da formação da EU-25. Como ameaça, em decorrência da capacidade competitiva desses países com o Brasil, relacionaríamos os setores de metalurgia - em produtos de valor agregado mais baixo -, mineração e alguns químicos. Por outro lado, a negociação do Acordo Mercosul-UE, já incluindo os dez novos membros - os quais vêm modificando significativamente o ambiente de negócios, bem como os condicionantes econômicos, de forma a evoluir de um cenário de grande instabilidade e imprevisibilidade para o de um elevado grau de confiança e transparência a partir de sua incorporação ao Bloco Europeu - , nos proporciona novas oportunidades comerciais perante esse grupo, onde destacamos os setores de calçados, moveleiro, entre outros.
De que modo a ampliação da União Européia afeta a siderurgia brasileira?
No cenário siderúrgico a concorrência também deverá se acirrar, uma vez que a União Européia é grande produtora e exportadora de aço, com várias empresas operando em escala global. Seis dos países que ingressaram – Polônia, Hungria, República Checa, República Eslovaca, Letônia e Eslovênia – são expressivos produtores e exportadores de aço. Por sua posição exportadora, esses países tinham acesso limitado à União Européia mas, ao se incorporarem à região, essa situação deverá mudar.
O que é possível fazer nesse novo contexto?
É de suma importância que o governo brasileiro garanta o acesso ao mercado europeu nas áreas em que este se mostra mais sensível e também aos mercados que se uniram à UE-15 através de condicionantes eficazes que podem ser propiciados por um acordo Mercosul-União Européia.
Como deverá caminhar o Mercosul, internamente e nas suas relações com a União Européia?
No estágio atual do Mercosul - de consolidação da União Aduaneira - os regimes cambiais dos quatro países-membros são compatíveis (câmbio flutuante), há busca do equilíbrio fiscal e do controle da inflação. A integração política entre os países do bloco está bem articulada, mas ainda é preciso avançar muito na integração econômica. Temos percebido dificuldades muito grandes na compatibilização dos interesses intra-bloco o que tem prejudicado as estratégias empresariais e comerciais brasileiras em fóruns internacionais. Além das diferenças nas ofertas de cada país, a inexistência de consenso em questões importantes como a do setor de açúcar e álcool reflete o descompasso entre os membros. A defesa dos interesses mais conservadores acaba, muitas vezes, afetando produtos brasileiros altamente competitivos. Entendemos as dificuldades internas do Mercosul, decorrentes das diferenças entre os seus membros no que diz respeito ao grau de diversidade da produção, à expressão de cada economia, à importância geopolítica ou mesmo aos objetivos nacionais específicos de cada um. Entretanto, o procedimento de priorizar sempre a oferta mais conservadora vem prejudicando o Brasil, que é a economia mais desenvolvida e diversificada. É preciso, portanto, encontrar um novo parâmetro de avaliação conjunta das ofertas e das necessidades.
Qual é o peso do setor industrial nas discussões e nos encaminhamentos do Mercosul?
O governo brasileiro vê o fechamento do acordo entre o Mercosul e a União Européia como uma grande oportunidade comercial. Seu maior interesse está concentrado no segmento de produtos agrícolas e agro-industriais, onde se está lutando pela remoção das barreiras tarifárias e não tarifárias bem como pela redução dos subsídios. O setor industrial precisa atuar firmemente perante os negociadores brasileiros no sentido de colocar seus interesses no mesmo nível de prioridades da área agrícola pois, se hoje nossas exportações para o continente europeu são majoritariamente agrícolas apesar das restrições existentes, a indústria brasileira poderá crescer neste mercado através de negociações e de alguns ganhos de competitividade. Soma-se a isso o fato de que o interesse da UE em obter acesso a determinados setores do mercado brasileiro é muitas vezes coincidente com o da própria indústria nacional. Em relação à siderurgia, a exemplo de outros segmentos industriais, o governo brasileiro procurou ampliar as ofertas à UE visando obter, em troca, ganhos na área agrícola. Entretanto, nossa posição tem sido de cautela, tendo em vista que a região é grande produtora e exportadora de aço e que suas tarifas de importação, para determinados tipos de aço, chegarão a zero em 2005, de acordo com o estabelecido pela OMC.
De que maneira o senhor avalia a situação presente da ALCA e qual deverá ser o desfecho provável desse projeto?
O projeto ALCA, da sua constituição inicial até o início de 2002, tinha um escopo bastante ousado e procurava suplantar a visão econômica e comercial contida em acordos de livre comércio, propondo um novo desenho estratégico para as Américas dentro de um processo crescente e sólido. A premissa era de que ganhos de integração seriam conseguidos independentemente da evolução das negociações da OMC, podendo inclusive alavancar o progresso econômico e social dos países bem como a evolução de conceitos em outros fóruns negociadores. Entretanto, as dificuldades crescentes em relação aos nove temas em discussão, especialmente entre os dois principais líderes regionais que hoje partilham a co-presidência da ALCA, fizeram surgir novas propostas. Estas desaguaram em modificações profundas de forma e de metodologia, o que mudou substancialmente o desenho e os objetivos iniciais pretendidos. Novembro de 2003 foi o ponto de inflexão das negociações especialmente em função da última reunião de Miami, com proposta de mudança de formato em função das dificuldades em Serviços; TRIPS (propriedade intelectual); Antidumping e Subsídios e Defesa Comercial.
Quais foram os efeitos da mudança do quadro político nas perspectivas da ALCA?
O Brasil, diante dos impasses na agricultura, antidumping e subsídios, propôs uma nova agenda. Na verdade, isso foi entendido por setores de fora do governo brasileiro como uma nova forma de encaminhamento político da ALCA e foi avaliada a possibilidade de paralisação nas negociações a partir da entrada do novo Governo. Houve uma ruptura no calendário e na estrutura de negociação, mesmo com o Mercosul tendo encampado esta nova proposta e fortalecido a posição brasileira. O setor privado demorou a perceber claramente o novo quadro negociador, bem como o propósito de redução da ambição desta negociação. O cancelamento, pelos Estados Unidos, da reunião de Buenos Aires deixou o quadro ainda mais confuso e de difícil previsibilidade. Entendemos que o desfecho da ALCA caminha para uma substancial redução de ambições negociais e com grau de profundidade extremamente restrito. Se forem assinados ainda dentro do prazo (até outubro 2004, para entrada em funcionamento em janeiro de 2005), os compromissos ficarão restritos à temas de Facilitação de Comércio, Solução de Controvérsias, Cooperação Hemisférica de Mão-de-Obra e Meio Ambiente, sem maiores reflexos comerciais ou econômicos. No caso de um adiamento do prazo, entendemos que o próximo momento político americano será mais complexo para uma negociação, seja em função da continuidade do Governo Bush, pela sua opção geopolítica pelo outro lado do mundo, ou da postura mais protecionista do candidato John Kerry, o que também restringirá e dificultará as negociações, especialmente na comparação com o projeto idealizado anteriormente. Cabe ressaltar que estamos entendendo que o momento de efetivação de acordos comerciais está se esgotando neste atual estágio, pois além de haver um certo "stress" quanto a esta questão, pressões sociais crescentes em diversos países farão com que esse processo de integração seja provisoriamente paralisado e reavaliado em novas condições. A outra hipótese é o aprofundamento das questões de acesso a mercados ou dos acordos de livre comércio com países e/ou regiões do Hemisfério (Peru, CAN, Chile, México, podendo chegar ao Canadá e Estados Unidos) e até mesmo acordos de livre comércio fora do Hemisfério (EU, África, Índia). O sucesso da ALCA, no caso brasileiro, dependerá da habilidade do governo em conseguir avançar na negociação dos temas de maior relevância para o país e em realizar as reformas internas, que possibilitarão o aumento da competitividade dos produtos brasileiros nos mercados internacionais.
Considerando o papel central do financiamento no crescimento da economia, por que, a seu ver, os juros continuam altos no Brasil?
O problema dos juros no Brasil está diretamente ligado à enorme dívida pública do país, o que só pode ser revertido com uma política fiscal responsável e esta é uma obstinação da equipe do ministro Palocci. Os juros continuam altos também em função do grau de necessidade de atração do capital estrangeiro com o objetivo de equilibrar as contas externas. Só o saldo positivo comercial não tem sido suficiente para tornar superavitária a balança de pagamentos, penalizada pelo envio de capitais ao exterior através de remessas de juros ou de amortizações de financiamentos. Causa preocupação constatar que o país está amargando uma retração dos fluxos líquidos de investimentos externos em um momento em que nossos fundamentos macroeconômicos estão relativamente em ordem, em que o crescimento da economia mundial é expressivo e ainda são muitos os setores domésticos carentes de recursos. As políticas adotadas pelo Governo ainda não foram percebidas como de longo prazo e estruturais pelos investidores e os juros ainda precisam ser o grande atrativo para o capital externo. Acredito, porém, que exista margem para uma redução maior da taxa Selic e, sobretudo, das taxas praticadas na ponta do mercado aos consumidores e às empresas, que têm dificultado o aumento do consumo e dos investimentos no país. Vale lembrar que a manutenção da Selic em patamares elevados prejudica o próprio ajuste fiscal pretendido pelo governo, na medida em que a maior parte da dívida pública está atrelada a esta taxa, o que realimenta este círculo vicioso.
Qual é a taxa de crescimento desejável para o Brasil e por quê?
O Brasil já conviveu com taxas anuais de crescimento superiores a 10% por vários anos na década de 70, mas nos últimos 20 anos não teve uma trajetória virtuosa de crescimento. Tão importante quanto o valor da taxa de crescimento em si é a manutenção de uma sucessão de taxas positivas por vários anos, para atender a enorme demanda social represada. Certamente o país precisa, para iniciar a reversão do difícil quadro social, de taxas de crescimento superiores a 4% ao ano, sem as alternâncias de “stop and go” que têm sido a tônica de nossa economia desde os anos 80. Esse nível de crescimento permitiria ao país resgatar a cada ano uma parcela da população que está marginalizada do processo econômico, bem como responder à demanda do contingente de jovens que procuram anualmente o mercado de trabalho e estão com seus sonhos adiados aguardando melhores perspectivas de uma vida ética, digna e socialmente justa. Para modificar este cenário é necessário um esforço de geração de poupança interna, de atração de investimentos produtivos externos e de investimentos maciços nas áreas onde somos competitivos internacionalmente e que geram empregos compatíveis com o baixo padrão de desenvolvimento intelectual de nossa sociedade, até que consigamos reverter este ciclo, pela educação.
A seu ver, qual é o papel do Conselho de Desenvolvimento Industrial?
A capacidade de planejar, de vislumbrar o futuro e de formatar políticas de longo prazo são imprescindíveis. Nesse sentido o Conselho de Desenvolvimento Industrial tem um papel importante, como articulador e como assessor dos órgãos executivos da política econômica e industrial do governo. A definição dos marcos regulatórios, por exemplo, deve ser uma meta a ser buscada pelo Conselho, para viabilizar investimentos tão importantes para a nação. Da mesma forma, o Conselho deve trabalhar para que as políticas do governo estejam em sintonia com as necessidades de crescimento industrial do país.
De que modo o senhor vê o papel da inovação científica e tecnológica no desenvolvimento do país?
É vital que o país amplie os investimentos em ciência e tecnologia e para isso a nossa legislação deve incentivar as empresas, os institutos de pesquisa independentes e as atividades dos centros de pesquisa universitários. O espírito que rege o projeto de lei 3476 de 2004 vai nesta direção. Os investimentos em pesquisa, atualização tecnológica e em conhecimento devem ser apoiados por políticas fiscais favoráveis, para que possamos dar um salto tecnológico que permita ao Brasil trilhar o fértil caminho seguido por outros países, como os tigres asiáticos na década de 90. Na verdade, entendo que o país precisa essencialmente de políticas horizontais capazes de melhorar a performance produtiva como um todo, e isto passa pela redução do "custo Brasil", pela melhoria da infra-estrutura, etc., somadas a políticas industriais pontuais voltadas para setores de maior dinamismo e que criem um diferencial de desenvolvimento, com geração de valor para produtos e serviços no mercado internacional. Políticas para aumento de emprego e de renda também são necessárias, no sentido de minorar com rapidez a chaga social crescente no país.
No documento do IBS, Siderurgia Brasileira – Desafios e Políticas, afirma-se que esta década se caracteriza pela concentração crescente na siderurgia, com a constituição de grandes empresas globais, acirramento da competição e necessidade de investimentos vultosos, além dos problemas conhecidos de custo de capital e de logística, entre outros. Quais são as perspectivas de atendimento das demandas do setor?
O setor siderúrgico tem procurado, através do IBS, mostrar ao governo a sua realidade em termos de custos e de necessidades de investimentos e os movimentos internacionais do setor. Além disso, tem buscado alertar as autoridades do governo sobre a importância do setor para o desenvolvimento do país e para a necessidade de políticas que permitam a manutenção de sua competitividade em nível internacional. No âmbito do Fórum da Competitividade da Siderurgia, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, os principais gargalos do setor têm sido explicitados. Dentre eles destacamos as questões da logística de abastecimento e escoamento, dadas as limitações de nossa infra-estrutura portuária e de transportes, do financiamento dos investimentos (disponibilidade e custos) e da carga tributária. Esses problemas, que afetam não somente a siderurgia mas todos os segmentos produtivos do país, são de difícil solução imediata, mas precisam ser enfrentados sob pena de limitarmos o nosso crescimento nesta quadra tão importante da história do Brasil. Quanto à consolidação do setor siderúrgico brasileiro, a nossa principal preocupação diante da concentração que tem se verificado em nível global é a manutenção, sob controle nacional, de um grupo siderúrgico que possa competir em condições de igualdade com os mega-grupos internacionais, atendendo, assim aos interesses estratégicos do país.
Como enfrentar a crescente competição com materiais sucedâneos e substitutos do aço?
Desde a privatização do setor, no início dos anos 90, a indústria siderúrgica brasileira tem feito investimentos expressivos na ampliação da capacidade de produção e na melhoria da qualidade dos produtos e serviços. Podemos afirmar que a siderurgia brasileira é muito competitiva, tanto diante das industrias correlatas de outros países quanto em relação aos sucedâneos, como alumínio, plásticos, cimento, etc. Um bom exemplo dessa competitividade do aço brasileiro é o expressivo volume de exportação de produtos manufaturados que têm o aço como matéria prima. Segundo o IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, em 2003 o país exportou, na forma de produtos manufaturados (automóveis, autopeças, máquinas, motores, móveis, embalagens, etc), 2,3 milhões de toneladas de aço. Outro exemplo importante está na construção civil, em que o uso de estruturas metálicas tem aumentado significativamente em obras como pontes, edifícios comerciais e residenciais, em razão das vantagens do aço em termos de leveza, prazo de construção, qualidade e custo. Para fazer frente à demanda do setor automotivo e aumentar a competitividade do aço em relação aos produtos sucedâneos, a Usiminas participa desde o seu lançamento, em 1994, do Programa ULSAB – Ultra Light Steel Auto Body e atualmente integra o Comitê AutoCo do IISI - International Iron and Steel Institute. O Programa ULSAB é considerado a maior iniciativa de pesquisa colaborativa dos últimos tempos em qualquer ramo de atividade econômica. Foi idealizado pelo IISI, em resposta a estudos que indicavam uma perda de posição significativa do aço na indústria automobilística diante de produtos sucedâneos, notadamente o alumínio e o plástico. As atividades referentes ao desenvolvimento de soluções em aço para o setor automotivo, com ênfase nos sucedâneos, são realizadas no Comitê AutoCo do IISI, contando com participação direta de mais de 20 siderúrgicas de 15 países, dentre os quais a Usiminas.
A produção brasileira de aço cresceu 6% no primeiro trimestre de 2004, sendo que as vendas internas aumentaram e as exportações recuaram no período. Essa seria uma tendência com perspectiva de consolidar-se? Por que?
Nos próximos meses deveremos ter um crescimento nas exportações de aço em função do desempenho dos mercados dos Estados Unidos e da China e pela atratividade dos preços internacionais. Quanto ao mercado interno, estamos trabalhando com uma expectativa de crescimento na demanda de produtos laminados planos, alavancado principalmente pelos setores automotivo, naval, de máquinas agrícolas, rodoviárias e industriais, tubos de grande diâmetro e equipamentos eletro-eletrônicos. Assim, estimamos um bom desempenho nas vendas tanto no mercado externo quanto no mercado interno em 2004.
Quais são as probabilidades de concretização do plano de investimentos do setor - de US$7,4 bilhões para aumentar em 30% a capacidade instalada da siderurgia até 2008 - apresentado pelo IBS ao presidente Lula em abril?
Este é um programa realista, tendo em vista que o setor já investiu U$ 13 bilhões nos últimos 10 anos. O compromisso do setor é de abastecer plenamente o mercado interno e manter um expressivo volume de exportações, contribuindo assim para a obtenção de um saldo na balança comercial do país. As projeções de demanda para os próximos anos justificam a necessidade destes investimentos, que deverão ainda ser ampliados em mais U$ 3 bilhões para elevar a nossa capacidade de produção a 49 milhões de toneladas, contra as atuais 34 milhões de toneladas de aço bruto.
Em artigo recente o senhor afirmou que “um dos mais importantes aspectos da economia global nesta primeira década do século é o crescimento puxado por países emergentes estrategicamente bem fundamentados”. Entre tais países destaca-se a China. O que é que os chineses fizeram para atingir essa condição e o que o Brasil também deveria fazer?
A China vem crescendo há mais de 20 anos a um ritmo superior a 8% ao ano, o que fez a sua economia quadruplicar no período. Na siderurgia o país já é de longe o maior produtor, o maior consumidor e ainda o maior importador. Estes resultados refletem uma estratégia bem definida pelo governo chinês que, em função da necessidade de atender às demandas de sua população de 1,3 bilhão de pessoas, precisava apresentar altas taxas de crescimento. Em função da necessidade de investimentos o país adotou uma política agressiva de atração de capitais e tecnologia estrangeiros, que contempla incentivos fiscais, parcerias com sócios locais, regras claras e estáveis o que resultou na realidade atual, na qual a China é o maior receptor de investimentos no mundo, superando inclusive os Estados Unidos. Além disso o país mantém uma taxa de câmbio desvalorizada desde 1994, o que permitiu o crescimento extraordinário de suas exportações, que já superam U$ 600 bilhões por ano e adotou ainda um rígido controle fiscal associado a uma baixa carga tributária e a uma taxa de juros em torno de 5% ao ano. Evidentemente, a nossa realidade e a nossa cultura são bem distintas das da China, mas alguns ensinamentos podem ser obtidos com a bem sucedida experiência chinesa. A recente viagem que o presidente Lula e empresários fizeram à China pode ter sido uma boa oportunidade para que o Brasil adote algumas medidas que nos permitam apresentar também taxas de crescimento compatíveis com as nossas necessidades.
De acordo com o que o senhor afirmou em um outro artigo a fragilidade econômica do setor público, a informalidade reinante no setor privado, a vulnerabilidade das contas externas, os elevados custos sistêmicos (tributos, infra-estrutura de transportes, juros e custos do capital) afetam fortemente os objetivos de investimento e crescimento econômico em bases sustentáveis. Qual é a liberdade de movimentos existente para fazer política econômica nesse quadro?
A situação fiscal do setor público no Brasil tem sido o grande entrave à retomada sustentada do crescimento econômico no país. A necessidade de pagamento dos juros da enorme dívida pública (cerca de 57% do PIB) impede o aumento dos investimentos públicos, dificulta a redução das taxas de juros e obriga o governo a aumentar continuamente a carga tributária. Vivemos assim um círculo vicioso, no qual as altas taxas de juros realimentam a dívida que, por sua vez, impede o aumento dos investimentos e, por conseqüência, não permite o crescimento do país. Esta fragilidade das nossas finanças públicas torna o país vulnerável e sujeito às avaliações de risco desfavoráveis. Para reverter este quadro é necessário que a nossa economia cresça, aumentando assim as receitas do Estado, não mais através do aumento da carga tributária, mas por meio do próprio processo de crescimento do PIB. A restrita capacidade de investimentos do setor público deveria ser suplementada, a exemplo do que tem ocorrido na China, com a atração de capitais privados nacionais e estrangeiros, em parceria com o Estado, a partir de regras e marcos regulatórios estáveis. Se a liberdade de movimentos para a elaboração de política econômica no Brasil tem sido restrita, a criatividade deve ser exercida na sua plenitude.
Que passos a Usiminas pretende dar para aproveitar as oportunidades decorrentes do deslocamento gradual da produção mundial de aço dos países industrializados para os países emergentes?
A Usiminas encerrou recentemente um importante ciclo de investimentos que priorizou a atualização tecnológica, o enobrecimento da linha de produtos, a ampliação da capacidade logística e a consolidação do Sistema Usiminas, que conta atualmente com uma capacidade de produção de 9,3 milhões de toneladas aço bruto, sendo o maior produtor da América Latina e um dos 20 maiores grupos siderúrgicos do mundo. A prioridade mais imediata do Sistema Usiminas é reduzir o seu endividamento decorrente dos investimentos recentemente realizados para, em um segundo momento, avaliarmos as alternativas de novos investimentos.
A Usiminas está entrando no mercado de pontes nos Estados Unidos, em aliança com a Mitsubishi Internacional, na Califórnia e também em Nova York. Seria uma porta de acesso para outros segmentos? O senhor poderia falar das perspectivas da empresa nos Estados Unidos e em outros países?
A Usiminas Mecânica, empresa do Sistema Usiminas, é reconhecida pelo seu know how na fabricação de pontes, estruturas metálicas e bens de capital em geral. A empresa está construindo uma ponte em Nova York, após participar da reforma da famosa ponte de São Francisco da Califórnia. Estas obras vão credenciá-la ainda mais para atuar em outros mercados, dada a relevância e o nível de exigência do mercado dos Estados Unidos. Quanto à Usiminas, a empresa também tem uma presença importante no mercado norte americano, para o qual fornece, há vários anos, chapas grossas, laminados a frio, galvanizados e produtos beneficiados, entre outros. Apesar do receio de novas restrições ao livre comércio por parte do governo dos Estados Unidos, as perspectivas de nossa presença naquele mercado são muito positivas em razão do crescimento da sua economia e da competitividade do que fabricamos. Vale ressaltar que temos procurado diversificar os nossos mercados no exterior, com ênfase também na Ásia (China, Coréia, Taiwan) e América Latina, nossos parceiros naturais.
A sua empresa desenvolve tecnologia própria? Há transferência efetiva de tecnologia por parte dos seus parceiros nessa área?
A Usiminas possui um dos maiores centros de pesquisa do país e tem, promovido ao longo de mais de 40 anos de existência com intensidade o desenvolvimento de produtos e a melhoria de processos de produção. A empresa conta também com a assistência técnica do seu parceiro japonês, a Nippon Steel, o qual desde o início das nossas operações em 1962 tem nos transferido tecnologia através de acordos permanentemente renovados, estando no momento em sua 6º edição, que abrange o período de 2004 a 2009. Essa combinação de pesquisa e de aquisição de know how de ponta da Nippon Steel tem permitido à Usiminas ser reconhecida como uma siderúrgica de padrão mundial de qualidade.
Como seria, na sua opinião, um modelo de desenvolvimento para o Brasil e quais as tarefas mais urgentes hoje para implementá-lo?
Esta é uma questão muito ampla para ser respondida em poucas palavras, porém gostaria de listar algumas idéias que tenho sobre este importante tema. Acredito, de forma intensa, no grande potencial de crescimento do nosso país. Dispomos de vários fatores que nos tornam fadados ao crescimento: um vasto território, uma grande população trabalhadora, competente e com espírito de identidade cultural, um clima favorável, matérias primas diversas, etc. O que nos falta para tornar em realidade o nosso potencial de crescimento é exatamente a ausência de um planejamento e uma visão de futuro. Temos que concentrar os nossos esforços naquilo em que somos mais competitivos e nas prioridades que respondem mais rapidamente às demandas sociais. O país precisa priorizar de forma clara o setor educacional, que é a base de qualquer modelo de desenvolvimento. Uma educação de qualidade e acessível para toda a população é pré-requisito da elevação da qualidade de vida e do aumento das oportunidades para a imensa massa que se encontra marginalizada e sem perspectiva no país, além de ser um fator fundamental no processo de desenvolvimento econômico. Necessitamos de uma política clara e estável de incentivo aos investimentos produtivos (nacionais e estrangeiros) sem os preconceitos que colocam o lucro como algo pecaminoso. É a perspectiva de retorno que faz com que os capitais de risco sejam atraídos. O governo tem que se esforçar no sentido de reduzir a enorme carga tributária, que penaliza as empresas e os consumidores e de adotar mecanismos de incentivo à geração de empregos. Tem ainda que buscar a adoção de uma política monetária que amplie a disponibilidade de crédito a taxas mais acessíveis. O bem sucedido exemplo do agro-negócio, com o Programa Moderfrota, é um exemplo a ser estendido a outros setores da economia. Algumas vocações nacionais devem ser priorizadas, como o agro-negócio, a construção civil, o turismo e a cadeia metalúrgica – desde a mineração, passando pela siderurgia e desaguando nas indústrias de transformação – que têm o aço como matéria prima. Tenho certeza que o atual governo está buscando viabilizar a retomada do desenvolvimento do país e, nesta tarefa, ele pode contar com a contribuição de suas lideranças empresariais que, em fóruns como o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial – IEDI, têm procurado discutir e encontrar as melhores soluções para o nosso país.
Entrevista publicada em 24/09/2004