Entrevista - Roberto Caiuby Vidigal
Roberto Caiuby Vidigal
Lições de Sobrevivência do Setor de Bens de Capital por Encomenda
Roberto Caiuby Vidigal, presidente do Conselho de Administração e diretor presidente da Confab, conta nesta entrevista a sua estratégia para superar a crise crônica do seu segmento, propõe linhas para uma política industrial capaz de revitalizar a economia e sugere uma postura incansável de negociações para aumentar as exportações do Brasil.

O papel da indústria de bens de capital sob encomenda é bastante limitado devido a fatos que ocorreram no passado. O setor de bens de capital há 20 anos produzia - e ainda é capaz de produzir - 95% da demanda. Isso era, evidentemente, um exagero. Obrigou-se a nacionalizar excessivamente, mesmo quando não havia economia de escala para tanto. Por conta desse alto índice de nacionalização nós ficamos extremamente caros em relação ao mercado mundial. Era imprescindível diminuir o índice de nacionalização para que a indústria se tornasse efetivamente competitiva. Com a abertura nos anos 90, isso começou a ocorrer. Foi possível importar alguns componentes que encareciam demais o produto final.
Cabe observar que em decorrência dos planos de estabilização – do Cruzado até o Real – houve uma devastação no setor. Quase metade das empresas fechou. O nosso segmento trabalha sob encomenda e tem períodos longos de fabricação, de até dois anos. Os planos congelavam os preços no pico da inflação. As nossas fórmulas de reajuste em geral têm uma defasagem de dois meses. Sob inflação alta, esses dois meses representavam uma diferença de até 15%. Quanto maior a empresa e o tamanho da sua carteira de pedidos, mais significativo era o prejuízo. Em que pese o impacto dos planos, as poucas empresas que sobreviveram estão hoje bastante competitivas, razoavelmente equipadas para concorrerem com fabricantes de fora e quase todas, além de apresentarem uma capacidade muito boa para atender a demanda interna, são também exportadoras.
Quais são as dificuldades atuais do setor?
O que tem dificultado de uma maneira inacreditável a produtividade do setor é o sistema tributário. Boa parte das empresas se localiza no Estado de São Paulo. A Bahia, para dar um exemplo recente, queria atrair investimentos e prorrogou o recolhimento do ICMS. Um fornecedor de fora vem sem PIS, Finsocial na cadeia dos seus custos e sem ICMS. Um fornecedor de outro Estado trás no seu bojo a alíquota interestadual de ICMS. Essa alíquota, de 12%, em média, o fornecedor brasileiro paga, mas o seu concorrente estrangeiro, não. Assim, dados esses problemas com o ICMS, PIS, Finsocial, CPMF, há um imposto de importação negativo.
Um outro fator de elevação dos custos é que os pólos petroquímicos e a indústria siderúrgica que abastecem a indústria de base estão fora de São Paulo. Atingido por todos esses fatores, o nível de atividade do setor está muito aquém do seu potencial e a importação, muito acima do que precisaria ser. A correção cambial a partir de 1999 pode favorecer um pouco a nossa atividade, mas os portos estão pouco aparelhados e não há navios costeiros com capacidade de manusear equipamentos pesados. Isso faz com que um fornecedor estrangeiro tenha um transporte muito mais barato para entregar o seu produto na Bahia do que o fabricante de São Paulo, que é obrigado a utilizar caminhões. O custo do frete rodoviário daqui para o Rio Grande do Sul chega a 50% do preço do equipamento, o que ilustra bem a dificuldade infernal desse setor específico, de bens de capital sob encomenda.
A conclusão do que o senhor acaba de dizer é que seria decisivo para o setor de bens de capital sob encomenda a reforma tributária e avançar nas questões de infraestrutura e transportes.
Sim. Caso contrário, as poucas empresas que estão operando fecharão. Significaria enfraquecer ainda mais um setor que se caracteriza por ter operários extremamente capacitados e bem remunerados, uma parte significativa de tecnologia própria, bons acordos de tecnologia e capacidade de gerar empregos qualificados.
Além de equipamentos pesados, o que a Confab produz?
Produzimos tubos para oleodutos e gasodutos, que enfrentam uma situação de concorrência mais justa por conta da altíssima competitividade do aço brasileiro. No entanto, o frete para entregarmos tubos na Amazônia é mais caro do que o de alguém que embarca no Golfo do México. Além de que se trata de uma zona livre de impostos e o nosso produto sai com ICMS de São Paulo. Às vezes é mais fácil vender fora do país do que no mercado interno, por conta da desoneração de impostos na exportação.
Que papel poderia desempenhar a indústria de bens de capital em uma retomada de investimentos na indústria brasileira?
Um papel complementar por excelência. O setor está apto a fornecer para os setores competitivos, que geram divisas, podem aumentar substancialmente as exportações e precisam expandir a sua capacidade, como o de minério de ferro. Haveria o casamento da necessidade de aumentar as exportações com a possibilidade de fazer investimentos em moeda local. É juntar a fome com a vontade de comer. Uma outra área em situação semelhante é a de celulose, que poderia ser suprida pela indústria nacional de bens de capital em 70% das suas necessidades. É o caso, também, da indústria química, que não só pode exportar mais como também deixar de importar. Neste caso, a indústria nacional pode suprir quase 100% das necessidades de bens de capital.
Esta poderia ser uma parte de uma política industrial?
O que seria uma política industrial? É uma articulação, em primeiro lugar, para que os produtores brasileiros tenham isonomia em relação aos fornecedores de fora. Eliminar os empecilhos na área tributária, a reserva de mercado para a marinha nacional no transporte de cabotagem, proporcionar financiamento do BNDES para o investidor – o que está de acordo com a estratégia do governo – todos esses itens compõem uma política industrial. Mais ainda : em vez de dificultar, deve-se facilitar o acesso do empresário à tecnologia estrangeira. Hoje o INPI, por falta de recursos, chega a demorar dois anos para analisar um pedido de contrato de assistência técnica. É uma coisa bárbara. Um conjunto de políticas articuladas deve incluir a diminuição do imposto de renda na remessa do pagamento dessa tecnologia, tornando o produto brasileiro evidentemente muito mais competitivo. Conjuntos de medidas e ações integradas em áreas diferentes que, no seu conjunto, possibilitem uma isonomia do produtor brasileiro com o estrangeiro e o aumento da competitividade, são, na realidade, uma política industrial. Ao contrário do que muita gente ainda pensa, política industrial não é escolher ganhadores que produzem caro e perdedores que comprarão os seus produtos. Política industrial é um instrumento moderno de tornar um país competitivo, de criar riqueza e de distribuí-la através da criação de bons empregos e de aumentar a tecnologia e o conhecimento. É o que todos os países vencedores aplicam, com o nome que for.
Como o senhor vê a ALCA dentro do esforço brasileiro para ter uma industria mais forte e uma competitividade maior?
Em relação a ALCA, deve-se fazer a lição de casa: menor custo do dinheiro e uma reforma tributária são essenciais para sermos competitivos. Além disso, há a questão externa. Os Estados Unidos são a maior economia e o maior mercado do mundo mas, infelizmente, os produtores americanos se articulam muito bem com os seus políticos e conseguem proteção para a indústria com menos tecnologia de ponta e que corresponde exatamente aos segmentos em que o Brasil, no seu estágio atual, tem maior competitividade. Com isso, em tudo aquilo que podemos vender e conquistar uma parcela importante do mercado, nós encontramos inúmeras barreiras, a menor das quais é a tarifa de importação. Enfrentamos cotas, antidumping, direitos compensatórios, barreiras sanitárias, subsídios aos produtores locais, uma corrida de obstáculos infernal para termos acesso a esse mercado. Como eu não sofro do complexo de inferioridade terceiro-mundista de que nós somos incapazes de negociar qualquer coisa e parto do princípio de que pior do que está é impossível, acho que temos que negociar, negociar e negociar sem fim, com tenacidade, inteligência, barganhas, pressões, em que pese a nossa dimensão econômica e política tão menor que a dos Estados Unidos. Acho que isso é obrigatório e que nós vamos avançar, para conquistar uma parcela maior desse mercado. É uma questão de firmeza, de tempo, de aplicação, de estratégia.
O seu setor de bens de capital teria condições de aumentar significativamente as exportações em um contexto de ALCA?
Sem dúvida. Exemplo: os Estados Unidos tem hoje a maior rede de gasodutos e oleodutos do mundo e que está em expansão contínua. Nós vendemos aos Estados Unidos 1/10 do que poderíamos se tivéssemos acesso livre a esse mercado.
Apesar do frete elevado?
Mesmo com o frete. Porque a indústria de aço americana é decadente, nossas fábricas de tubos são melhores do que as deles, a qualidade brasileira em muitos casos é mais elevada.
O Mercosul é importante para o setor de bens de capital?
É um mercado importante, em que pese a crise monumental de vários países neste momento. Exemplo: a Argentina, antes de entrar em crise, era o principal mercado importador de equipamentos brasileiros. O Uruguai e o Paraguai sempre tiveram alguma demanda. A Bolívia, ao lado do Mercosul, tem potencialidade de aumentar as encomendas, principalmente quando aumentar a exportações de gás para o Brasil. Há bastante complementaridade e muito conhecimento empresarial na região do Mercosul. Mais do que isso: do ponto de vista político, uma capacidade de negociação conjunta é melhor do que uma atuação isolada de cada um desses países. Também acredito que uma combinação do Mercosul com a comunidade andina ampliaria mais ainda essa capacidade pelo potencial a médio prazo dos países, apesar do momento terrível de crise institucional, política e econômica do continente. Observe-se o esforço da Europa para incorporar as economias ex-integrantes da União Soviética. Há um custo para os demais países, mas eles vão investir para isso visando um futuro político, econômico e social melhor. Eu acredito no avanço da integração, até como exercício para uma inserção maior com outros países. Acho que devemos insistir nisso.
Como foi a sua experiência de acesso ao mercado internacional? De que modo o senhor vê a questão da ida da empresa brasileira para o exterior?
A Confab começou a dar o seu salto no mercado de exportação em 1978. Por uma razão simples: ou fazia isso, ou morria. Uma indústria de tubos para gasodutos e oleodutos necessariamente é um empreendimento de porte, com capacidade de responder com rapidez aos prazos de implantação dos grandes projetos. Sem isso, não é possível vender em nenhum lugar do mundo, nem no seu próprio país. A capacidade tem de ser, portanto, superior à demanda por tubos pesados de um único país. Era imperioso conquistar o mercado externo. Investimos naquela época de Brasil grande, de entusiasmo total, baseados numa serie de perspectivas, incluindo o mercado do gás da Bolívia, que só veio a ocorrer vinte anos depois. Se não exportássemos, fecharíamos as portas. Partimos com um catálogo debaixo do braço – até eu, pessoalmente, fiz isso – em missões internacionais, aproveitando o auxílio do Itamaraty, para sermos recebidos nas companhias petrolíferas mundiais. Montamos a nossa área de trading, abrimos escritórios no México, depois mudamos para Huston, que é uma sede de comercio mundial de produtos para a área petrolífera. Inauguramos uma sucursal em Teerã, Cingapura (para atingir a Malásia, Indonésia, Tailândia), já nos anos 80, e fomos crescendo. O salto gigantesco foi quando entregamos os tubos de um gasoduto de extrema responsabilidade nos Estados Unidos, que nos deram o pedido apenas porque tínhamos um prazo de entrega imbatível.
Por que o seu prazo era imbatível?
Porque resolvemos começar a produzir antes da agência ambiental americana aprovar o projeto. Corremos o risco, em parceria com a Cosipa. Avaliamos que, se quiséssemos mudar de categoria, era necessário vencer a concorrência para uma obra de extrema responsabilidade que se tornasse uma referência. A partir dessa conquista, passamos a ser consultados por empresas do mundo inteiro e fomos aumentando as nossas exportações. Procuramos também fazer alianças, porque nossos concorrentes são gigantes mundiais. A primeira foi com uma empresa argentina, em 1993, com quem trocamos posições acionárias. Procuramos alianças estratégicas no México e nos Estados Unidos. Como não tínhamos recursos, fazíamos trocas de ações e fomos criando um conglomerado multinacional. Posteriormente, o nosso sócio argentino começou a ampliar demais e a minha família resolveu vender todos os negócios de que fazia parte. E esse sócio acabou comprando a parte dos meus familiares e com isso nós automaticamente nos inserimos em um grupo maior, com fábricas em outros lugares do mundo, facilitando em muito a nossa promoção e comercialização. Hoje temos 30 escritórios no exterior. É extremamente importante ter presença externa para conhecer e penetrar melhor no mercado e ter estabelecimentos locais evidentemente facilita o atendimento desse objetivo. Hoje, por exemplo, nós operamos uma fábrica na Indonésia. Cada vez mais, em negócios importantes, você tem fornecedores e clientes globalizados, que vão comprar de quem tem tradição, volume, confiabilidade, competitividade. A internacionalização da empresa brasileira é uma necessidade dentro desse processo que está ocorrendo no mundo. Há o exemplo da Espanha, que constituiu um programa especial para financiar investimentos de empresas nacionais no exterior, para aumentar a demanda por produtos espanhóis. Criou empregos fora mas também aumentou a geração de postos de trabalho dentro do país.
De que maneira o senhor vê as perspectivas da economia e da indústria no Brasil?
Acho que para a nossa economia ter sucesso a evolução da industria é um imperativo. Porque esta é uma das áreas que mais gera empregos qualificados, fixa conhecimento, desenvolve capacitação e gera valor para o Brasil se inserir no mercado mundial. Para que a indústria cresça evidentemente é imprescindível ter uma estabilidade da nossa moeda. Não podemos ter inflação, nem o custo do dinheiro atual. Tampouco é compatível com esse objetivo o sistema tributário que penaliza a produção e criando desigualdade com os produtos importados. As reformas estabelecidas pelo governo como prioritárias são extremamente importantes porque darão maior credibilidade ao país, juros mais baixos e um estado mais equilibrado, sem tanta demanda de recursos por parte da sociedade. Para mim, esse é o caminho. Quase como um corolário, o aumento das exportações é uma necessidade premente porque é o que dá volume para a indústria ser competitiva e eliminar o nosso calcanhar de Aquiles, que é nossa vulnerabilidade cambial, que tem impedido o nosso crescimento. Hoje, quando o país começa a crescer, há um constrangimento cambial que nos faz brecar. Em um mundo que levou tanta trombada que se tornou muito hostil a riscos, temos que ampliar as nossas divisas via exportações e a nossa poupança interna através do aumento da renda da população e da sua capacidade de poupar. E buscarmos instrumentos de investimento de longo prazo, quer através do mercado de capitais no momento em que os juros baixarem, quer através de um sistema previdenciário, como fazem tantos outros países no mundo. Os gargalos sendo eliminados, nós poderemos deslanchar, investindo a educação, dando prioridade à área de ciência e tecnologia, fazendo a parceria com a universidade e com o setor produtivo para alavancar produtos, inovação, conhecimento de maneira mais eficiente.
Como fica essa visão de Brasil diante do pensamento liberal, do qual você é um dos expoentes no meio empresarial?
Acho que essa visão é absolutamente compatível com o pensamento liberal, que nada tem a ver com a concepção de 100 anos atrás, de laisser-faire, laisser-passe, que não existe. O liberalismo puro, de maneira semelhante ao comunismo, revelou-se uma utopia. Todos os países que acreditam em uma economia de mercado procuram ter regras e controles dessa economia e articulação das empresas com o governo para terem sucesso. Um mercado dentro de regras de um estado que efetivamente saiba controlar abusos, defender os interesses da sua população e negociar acordos internacionais como faz qualquer economia liberal do mundo - notadamente, os Estados Unidos -, é absolutamente válido. A articulação de governo com iniciativa privada para obter sucesso faz parte de um liberalismo moderno. As pessoas confundem isso com a utopia do liberalismo do início do século XIX. Acho que o problema está muito mais na conceituação do que na diferença de crenças.
Entrevista publicada em 26/02/2003