IEDI na Imprensa - Pandemia faz produção industrial cair 9,1% e ter pior março desde 2002
O Globo
Foi a maior queda desde a greve dos caminhoneiros, em 2018. Setor automotivo foi o mais afetado
Karen Garcia
Em março deste ano, a atividade industrial apresentou retração de 9,1% na comparação com fevereiro, divulgou o IBGE nesta terça-feira. O resultado reflete os efeitos das medidas de isolamento social provocadas pelo coronavírus e é o pior resultado para o mês de março desde 2002. Em fevereiro, a alta ante o mês imediatamente anterior fora de 0,7%.
Com o resultado de março, o patamar de produção retornou a nível próximo ao de agosto e setembro de 2003. Como as medidas de isolamento social não foram adotadas desde o início do mês, é possível que o resultado de abril seja ainda pior.
No mês passado, indústria atingiu o maior nível de ociosidade em quase 20 anos, segundo pesquisa da FGV divulgada na segunda-feira.
Em relação a março de 2019, a queda apurada pelo IBGE foi de 3,8%, a quinta seguida nessa base de comparação.
A produção industrial acumula declínio de 1,7% no ano e de 1% em 12 meses, de acordo com a Pesquisa Industrial Mensal (PIM). O setor automotivo foi o mais afetado, com retração de 28% em março.
As paralisações em diversas fábricas explicam o resultado da produção industrial, segundo o gerente da pesquisa, André Macedo.
– Esse impacto da pandemia fica evidenciado quando se compara com o mês de fevereiro, já que a taxa é fortemente negativa e representa a queda mais intensa desde maio de 2018, quando houve a greve dos caminhoneiros – analisa Macedo.
Recuo em 23 de 26 segmentos
O que marca o mês de março é um perfil disseminado de queda, com recuo de 23 dos 26 ramos industriais. Macedo ressalta que o movimento é similar ao da greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, quando o recuo da produção industrial foi de 11%.
Nas grandes categorias econômicas, a queda de bens de consumo duráveis foi de 23,5% e de 12% na de bens semiduráveis e não duráveis. Esta última foi pressionada pelo setor de bebidas.
Com muitas fábricas paradas, a produção de bens de capital (equipamentos e máquinas) recuou 15,2% em março.
Entre os bens de consumo, houve desempenho positivo em itens atrelados ao combate à pandemia, como seringas, agulhas e luvas de borracha.
Demanda maior por itens de higiene pessoal
Os setores de confecção de artigos do vestuário e acessórios (-37,8%), de bebidas (-19,4%), de couro, artigos para viagem e calçados (-31,5%), de produtos de borracha e de material plástico (-12,5%) tiveram contribuição negativa para o resultado da produção industrial.
No campo positivo, impressão e reprodução de gravações apresentaram crescimento de 8,4%. A categoria de perfumaria e produtos de limpeza subiu 0,7%, impulsionada por produtos como desodorantes, sabão, detergente, desinfetante e sabonete líquido.
Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos cresceu 0,3%. Segundo Macedo, com mais pessoas em casa, os itens de higiene pessoal e limpeza doméstica têm alta na demanda.
Segundo a pesquisadora do Ibre-FGV Renata de Mello Franco, o resultado de março veio pior do que o esperado pelo mercado. Ainda que a alta do dólar beneficie a exportação, é um fator que pressiona o grupo de bens intermediários que importa insumos para a produção.
– Mesmo com apenas duas semanas de isolamento no mês de março, tivemos um baque de 9,9% na indústria de transformação. E a perspectiva para o mês de abril é bastante negativa. O maior problema não é o retrocesso pontual, mas como vamos nos recuperar dele – afirma Renata e acrescenta: – Na greve dos caminhoneiros tivemos uma recuperação rápida. Com as perspectivas futuras ruins, o que preocupa é como a indústria brasileira irá voltar ao nível de produção anterior a março de 2020.
Para Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a queda de março pode dar um indicativo do tamanho do problema que pode vir pela frente.
– Embora o isolamento social seja uma das causas mais fortes, há outros efeitos da pandemia coronavírus que podem ganhar força nos próximos meses, como uma escalada da incerteza, que pode prejudicar os setores que demandam financiamento como bens de consumo e bens de capital. As famílias em um contexto de medo, com perda de empregos e redução de salários, vão adiar seus projetos de compras de automóveis e eletrodoméstico.
De acordo com Cagnin, existem efeitos que vão para além do isolamento social que prejudicam o resultado da indústria. Ainda é necessário aguardar o resultado e analisar a eficácia das medidas que o governo está adotando.
– A curva epidemiológica vai condicionar o grau do isolamento social e os problemas de incerteza e acesso a insumos. Mesmo que a gente flexibilize o isolamento social agora, se ela vier acompanhada de mais casos e mortes, continuamos em um cenário de medo muito grande seja de desemprego ou ficar doente. Algumas medidas demoraram para sair, outras demoraram para ser implementadas, algumas ainda têm problemas. Além da demora para chegar o apoio aos estados e municípios. Pode ser que algumas estratégias tenham que ser prolongadas.
Segundo o economista para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, as interrupções de produção e logística nas cadeias de suprimentos industriais internacionais por conta da Covid-19 também podem impactar a base industrial brasileira.
"Para o futuro, esperamos uma atividade econômica severamente impactada pela escalada de medidas voluntárias e obrigatórias de restrição de movimento e isolamento social".