IEDI na Imprensa - Eficiência das empresas fica estagnada em quase 40 anos e trava crescimento
O Globo
Infraestrutura precária e sistema tributário complexo inibem investimento. Produtividade da economia avançou só 0,4% ao ano desde a década de 1980 e foi puxada pelo desempenho da mão de obra
Cássia Almeida
Apesar do discurso recorrente de que o país não é mais eficiente pela baixa escolaridade da mão de obra brasileira, foram os trabalhadores que garantiram algum crescimento, de 0,4% ao ano, na produtividade total da economia nos últimos quase 40 anos. Levantamento exclusivo do Observatório de Produtividade Regis Bonelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV), revela que o desempenho das empresas patinou de 1982 a 2019, com baixa eficiência dos investimentos dos setores público e privado. Houve momentos de alta e de queda, mas o resultado foi a estagnação, dificultando a expansão do Produto Interno Bruto (PIB).
Infraestrutura precária e sistema tributário complexo, que provocam distorções na forma como o dinheiro dos empresários e do governo é investido, explicam uma parte dessa falta de eficiência na produtividade do capital. Já o desempenho do trabalho, apesar da baixa qualidade da educação e de ainda termos cerca de 15% dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola, avançou 0,6% ao ano.
— Sem dúvida, quem contribuiu mais foi a produtividade do trabalho, quando olhamos desde 1980. Nos anos 2000, ambas cresceram. Já na década passada, foram feitos investimentos que não deram certo, com muito custo fiscal. O que a gente colheu foi uma produtividade até negativa. Houve investimento, mas o PIB não veio. Houve má alocação do capital — afirma a pesquisadora Silvia Matos, responsável pelo estudo.
Ela afirma que a produtividade cresceu com o avanço de serviços — como o de crédito, que era pouco expressivo, e o de informação — e com a expansão do setor formal. Na educação, a escolaridade da população aumentou.
O número médio de anos de estudos passou de 3,5 na década de 1980 para quase 9 anos em 2010. No ensino médio, só 33% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam na escola há 40 anos. Essa parcela subiu para 85% em 2014.
A formação superior também subiu entre os trabalhadores, com um salto recente. Pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, no primeiro trimestre de 2012, 14,1% da população ocupada tinham ensino superior. No segundo trimestre de 2022, já eram 22,2%.
A pedagoga Ana Carolina de Souza e Silva, de 25 anos, é um exemplo do avanço da educação e da qualificação da mão de obra. Ela foi a primeira de sua família a concluir a faculdade. Os irmãos, mais velhos, só conseguiram terminar o ensino médio. Os pais têm o ensino fundamental incompleto:
— Minha mãe estudou até o 5º ano do fundamental, e meu pai cursou poucas séries. Com dislexia, meu pai achava que não conseguia aprender e saiu da escola para trabalhar.
Formada em Pedagogia pela UFRJ em maio deste ano, Ana Carolina diz que a educação pública é seu objetivo. Atualmente, trabalha numa escola particular, como assistente, mas só está à espera da abertura de concursos para se dedicar à educação infantil ou ao ensino fundamental.
—Sou educadora, a educação me chama — diz ela.
Tributação improdutiva
Na outra ponta, o diretor técnico da construtora Mbigucci, Milton Bigucci Junior, planeja milimetricamente cada obra residencial e acompanha com lupa o movimento nos canteiros para compensar a perda de produtividade com o uso de cimento armado em vez de pré-moldados, que diminuiriam em cerca de 30% o tempo de construção de um prédio. Segundo ele, a tributação encarece a tecnologia mais eficiente:
— A construção residencial e comercial usa pouco pré-moldados, praticamente nada. A tecnologia convencional sai mais barata. Já construções de fábricas e galpões logísticos usam pré-moldados porque são imóveis para locação e precisam ficar prontos mais rapidamente.
O sistema tributário brasileiro provoca distorções que levam a escolhas de investimento menos produtivas, afirma o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal:
— A complexidade do sistema tributário tem um custo burocrático muito alto. O Brasil é o campeão mundial de tempo gasto para pagar imposto. Estamos produzindo menos do que poderíamos, porque estamos usando trabalho e capital de forma improdutiva, que não geram bens e serviços.
Appy afirma que a tributação distorce a forma de organização da produção:
— Você tem R$ 10 milhões de capital, cem trabalhadores e pode construir dez prédios com concreto ou 11 com pré-moldado, mais eficiente. No Brasil, construímos dez prédios com concreto.
Pedagoga Ana Carolina de Souza e Silva, de 25 anos, formou-se em 2022 na UFRJ — Foto: Arquivo pessoal
Os sistemas simplificados de tributação, como o Simples, também jogam contra a produtividade da economia, na opinião de Appy:
— Eles estimulam a abertura de pequenos negócios improdutivos. Pela seleção natural, negócios eficientes crescem e os ineficientes quebram. Nosso sistema favorece a sobrevida dos ineficientes.
Para o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, a estagnação vem da má alocação dos recursos tanto do setor público como do privado. No caso de projetos de infraestrutura, segundo ele, é ainda pior:
— Exemplos não faltam. São projetos atrasados, com má alocação de recursos e execução terrível. Tudo isso combinado gera baixa produtividade.
Recursos desperdiçados
O economista cita o orçamento secreto como exemplo e diz que a governança do investimento público tem “um grau de irracionalidade elevado”, que não passa por análise de custo-benefício:
— Recursos são desperdiçados ou comidos pela corrupção.
O economista Samuel Pessôa, da FGV, também culpa o investimento liderado pelo setor público pela baixa produtividade do capital. Cita o governo de Ernesto Geisel (1974 a 1979, no regime militar), o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira gestão de Dilma Rousseff:
— Foram períodos longos de crescimento liderado pelo setor público. Houve má alocação do capital em setores que não têm rentabilidade. Se tivessem, o setor privado já estaria investindo. Para que o investimento liderado pelo Estado faça sentido, tem que supor alguma falha de mercado.
O melhor momento do investimento do capital foi no início da década de 2000, quando a produtividade crescia 1,5% ao ano. E caiu na última década (-0,9% ao ano), depois da aplicação em projetos como refinarias e hidrelétricas (Belo Monte), no Programa de Aceleração do Crescimento, segundo Pessôa:
— A gente tentou investir na indústria naval há 70 anos com JK, deu errado. Tentou com Geisel, deu errado. Tentou com Lula, deu errado.
A heterogeneidade das empresas também é um limitante ao aumento da produtividade. O recente avanço da digitalização das empresas, acelerado pela pandemia, enfrenta barreiras para se disseminar:
— Houve digitalização das empresas maiores, mas os fornecedores não acompanharam o processo. A difusão da digitalização tem que ser feita pelas empresas líderes, como veículos para estimular, pressionar, difundir conhecimento para seus parceiros — explica Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (IEDI).