IEDI na Imprensa - Indústria sofre com falta de competitividade
Valor Econômico
O grande peso das commodities na pauta de exportações deverá continuar nos próximos anos
Sergio Lamucci
O grande peso das commodities na pauta de exportações deverá continuar nos próximos anos, dadas as vantagens do país na produção desses bens e a forte demanda da China e de outras economias importantes por esses produtos. Para a indústria ganhar algum espaço, ou deixar de perder, são necessárias iniciativas que elevem a capacidade de competição do setor, o que passa por medidas como reforma tributária e melhora da infraestrutura. Alguns analistas também veem chances promissoras para a indústria na cadeia de commodities e no setor de energia renovável, nos quais o Brasil se destaca.
No começo dos anos 2000, um segmento de bens manufaturados teve participação relevante na pauta de exportação: o de aeronaves e outros equipamentos, puxado pelas vendas da Embraer. De janeiro a setembro de 2000, o setor respondeu por 6,7% de todos os embarques. Foi um período em que a Embraer se sobressaiu globalmente pelas vendas de aeronaves para a aviação regional, como lembra Livio Ribeiro, sócio da BRGC Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O setor passou a perder mais espaço nas exportações totais principalmente a partir da segunda metade dos anos 2000, quando as vendas de commodities cresciam com muita força. Houve um tombo adicional a partir de 2020, o primeiro ano da pandemia, que representou um baque para as vendas do setor, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Desde 2020, a fatia do setor nas exportações totais de janeiro a setembro tem oscilado abaixo de 1%. Ribeiro diz que, nos últimos anos, o mercado tem demandado aviões de maior porte, em que companhias de outros países se destacam.
Um segmento que pode dar algum impulso às vendas da Embraer daqui para frente é o de transporte militar, afirma ele. A empresa tem conseguido vender aviões desse segmento para países da Europa, como Áustria e República Tcheca.
Para que as exportações da indústria em geral possam avançar com mais força, é fundamental a adoção de medidas que melhorem a competitividade do setor. O ideal é a promoção de políticas que beneficiem toda a economia, como a reforma tributária e iniciativas que reduzam o custo Brasil, diz Ribeiro. Políticas que favoreçam segmentos específicos precisam ser muito bem analisadas, com avaliação detalhada de custo benefício, enfatiza ele.
Para Cagnin, agregar valor a produtos primários, industrializando-os, aumenta as chances de ampliar a participação de manufaturados na pauta de exportação e de diversificá-la. Ele também ressalta o caminho de melhorar as condições de competitividade. “Quando temos um ambiente de negócios tão problemático como o brasileiro, à medida que você alonga e torna mais complexa a cadeia, mais exposto você fica ao acúmulo de distorções. O caso tributário é um exemplo ilustrativo”, afirma Cagnin, observando que a indústria de transformação paga proporcionalmente mais impostos do que os outros setores.
Nesse cenário, a reforma tributária é essencial, segundo Cagnin. No curto prazo, enquanto ela não entra em vigor, Cagnin vê como importante a recomposição da alíquota do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra), atualmente em 0,1%, que já chegou a 3%. O objetivo do programa é devolver ao exportador parcial ou integralmente o resíduo tributário que continua presente na cadeia de produção de bens exportados.
“Mas a lista vai muito além da tributação e é basicamente o que está sintetizado pelo termo ‘custo Brasil’, incluindo facilitação de comércio, financiamento de exportação e retirada dos gargalos logísticos”, diz Cagnin, citando ainda a relevância de acordos comerciais.
Com mais competitividade, a indústria teria mais possibilidade de aumentar as exportações. Em alguma medida, poderia aproveitar a perda de espaço da China no mercado americano, terreno que vem sendo aproveitado especialmente pelo México, dizem os analistas.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que seria importante “um movimento agressivo de abertura comercial com parceiros mais ricos”, mas pondera que o mundo está ficando mais protecionista. Para ele, outro problema é “a falta de uma base educacional em um momento de forte transformação tecnológica, o que nos afasta cada vez mais de industrializar nossa economia”. Vale avalia, porém, que não se trata do “fim do mundo”, por considerar que o caminho “é o país ser um motor de produção industrial ligada às commodities e à energia renovável”, dois ativos importantes em que o Brasil pode ter ganhos. “Não vamos nunca virar uma potência automobilística, mas já somos uma potência energética e de commodities e é isso que precisamos aproveitar.”
Ribeiro diz não ver problemas no fato de as commodities terem grande espaço na pauta de exportações. “Não é um problema, é uma característica de um país que é um produtor eficiente de commodities exportáveis, como outros países também são, como Austrália, Nova Zelândia, Argentina, África do Sul.” Para ele, não é isso o que vai definir se um país será desenvolvido ou não.
Já Cagnin dá mais importância ao papel da indústria. Ele diz que é na transformação de um bem primário em um bem industrial que se agrega mais valor. “Se exportamos bens primários, isso ocorrerá em outras partes do mundo,” afirma ele.