IEDI na Imprensa - Importação menor reduz déficit da indústria
Valor Econômico
Compras do setor tem queda de 10% em 2023 e reduz saldo negativo em R$ 20 bi
Marta Watanabe
O déficit da balança comercial da indústria de transformação caiu de US$ 61,1 bilhões em 2022 para US$ 41,2 bilhões em 2023, mas foi influenciado sobretudo pela queda de importações. A redução do saldo negativo contribuiu para o superávit recorde de US$ 98,8 bilhões da balança comercial total do país em 2023.
Em 2023, as vendas externas de bens da indústria de transformação encolheram 2,3% ante 2022, para US$ 177,2 bilhões. Foi a primeira vez desde o choque da pandemia de covid-19, em 2020, que houve queda. Ao mesmo tempo, as importações da indústria recuaram 10% contra 2022, uma queda de magnitude comparável ao recuo de 13,2% em 2020, como resultado da pandemia de covid-19. Os dados são do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
A origem da queda de importações é creditada ao baixo dinamismo da indústria de transformação, cuja produção caiu 1% em 2023, mas também ao recuo de alguns preços internacionais, influenciados pelas cotações de commodities, como derivados de petróleo e produtos químicos.
Quando se considera a indústria pelos quatro níveis de intensidade tecnológica - alta, média-alta, média e média-baixa - o único grupo no qual as exportações cresceram em 2023 foi o de alta intensidade, puxado por aeronaves, diz Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI. Ele ressalta, porém, que apesar da reação, com avanço de 8,8% em 2023, o grupo ainda está 18,8% abaixo do nível pré-pandêmico. “Há um ‘gap’ ainda a ser coberto e que é recuperável, porque o ramo de aeronaves está integrado às cadeias globais de produção e tem dinâmica inovativa para enfrentar eventuais rupturas estruturais em mercados tradicionais.”
Para 2024, diz Cagnin, se espera ainda boas notícias dos ramos de alta tecnologia, mesmo com as incertezas no cenário externo, que pode trazer novos conflitos geopolíticos e desafios. “Mas em 2023 o cenário da demanda internacional não se mostrou tão adverso quanto se esperava inicialmente e isso tende a dar neste ano dinâmica menos volátil para preços de commodities, sem os grandes picos e assimetrias que vimos em 2022 e 2023.”
Uma preocupação está na Argentina, país com o qual o Brasil tem relações comerciais importantes, principalmente no ramo automobilístico. “A Argentina continua em fase desfavorável. Já há dificuldades de divisas e essas restrições externas podem piorar.”
Cagnin espera que o dinamismo industrial no Brasil também melhore em 2024, com o setor favorecido por alguma recomposição do poder de compra das famílias, redução da inflação e políticas como transferência de renda e aumento de salário mínimo, acompanhadas de redução de juros chegando ao consumidor e resultados dos programas de governo para redução do endividamento.
A indústria, porém, enfrenta desafio estrutural desde 2010, segundo ele. “A indústria teve anos positivos que apenas recompuseram parcialmente a queda de períodos anteriores. Há baixo dinamismo do ponto de vista produtivo que vem acoplado com baixo investimento e que resultou em deterioração das competências de alta tecnologia e contribuiu para déficits estruturais na balança da indústria de transformação.”
Em 2023 o cenário da demanda internacional não se mostrou tão adverso”
Para reverter isso e caminhar para quadro de retomada de superávit nessa balança, diz, é preciso passar pela melhoria das condições de competitividade, o que deve vir em parte com a reforma tributária e das variáveis macroeconômicas, com redução da taxa de juros. “Mas também é preciso que haja uma estratégia de política industrial para acelerar o processo e dar vigor às atividades mais tecnológicas e inovativas. É um processo que está em andamento no mundo tudo. No Brasil, o caminho é o fortalecimento institucional que trará instrumentos para isso.”
Welber Barral, sócio da consultoria BMJ e ex-secretário de Comércio Exterior, ressalta que a exportação brasileira de manufaturados enfrenta um mercado internacional mais disputado, como resultado dos diversos choques desde a crise sanitária. José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), lembra que nos mercados sul-americanos, os bens industriais brasileiros têm enfrentado cada vez mais a concorrência da China e do México.
Em 2023, aponta o levantamento do IEDI, a queda do déficit comercial da indústria de transformação foi puxada principalmente por dois grupos, quando se considera a intensidade tecnológica.
Um deles foi o da média-alta tecnologia, cujo déficit caiu de US$ 82 bilhões em 2022 para US$ 64,7 bilhões em 2023. Houve, diz, praticamente estabilidade nas exportações, que subiram apenas 0,2%. A queda nas importações foi de 13,8%. O recuo foi puxado pela queda de 29,5% em produtos químicos, que representam 45% das importações do grupo.
O segundo grupo que mais ajudou no menor déficit foi a média-baixa tecnologia, tradicionalmente superavitário e gerador do maior saldo positivo dentro da indústria de transformação. Isso acontece porque o grupo comportar ramos de processamento inicial de commodities, como alimentos.
Houve nesse grupo, segundo o levantamento do IEDI, aumento de superávit de US$ 49,6 bilhões para US$ 54,6 bilhões. Foi o maior superávit do grupo na série histórica a preços correntes iniciada em 1997, nota Cagnin. Mas também na média-baixa tecnologia o resultado foi impulsionado por queda de 12,2% nas importações em 2023, puxado por recuo de 24,3% em derivados de petróleo, sob influência das cotações internacionais. As exportações do grupo caíram 0,9% em 2023, mesmo com a alta de 5% nas exportações de alimentos.
Já na alta tecnologia, diz o economista, o déficit comercial caiu 4,6%, para US$ 40 bilhões em 2023. Mesmo com o aumento das exportações propiciado principalmente por aeronaves, destaca Cagnin, o saldo comercial também teve contribuição da queda de 2,8% nas importações, influenciadas pelos desembarques de produtos do complexo eletrônico.