IEDI na Imprensa - Déficit comercial da indústria é o mais alto em uma década
Valor Econômico
Saldo do setor fica negativo em US$ 28 bi no 1º semestre, puxado por queda expressiva do setor automobilístico
Marta Watanabe
Na primeira metade de 2024 a balança comercial brasileira teve o segundo maior superávit da série histórica, mas o déficit da balança da indústria de transformação alcançou os US$ 28,4 bilhões, o mais alto da última década para o período em dólares correntes. Os produtos do setor de automóveis, incluindo reboques e carrocerias, acumularam nos mesmos seis meses déficit US$ 6,57 bilhões, mais que o triplo dos US$ 1,94 bilhão de iguais meses de 2023 e valor recorde para o primeiro semestre. Os maiores déficits da balança da indústria de transformação na série história para o período de janeiro a junho ainda são os de 2013 e 2014, quando os saldos negativos ultrapassaram os US$ 34 bilhões.
De janeiro a junho de 2024, o déficit se aprofundou em 25,7% frente iguais meses de 2023. Os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostram que três dos quatro grupos da indústria de transformação classificados segundo a intensidade tecnológica pioraram seu saldo comercial. A exceção foi o grupo de menor intensidade tecnológica, de média-baixa tecnologia, cuja atividade se aproxima das atividades extrativas e agropecuárias, destaca Rafael Cagnin, economista-chefe do IEDI. Nesse grupo o superávit comercial saltou para US$ 62,54 bilhões no primeiro semestre de 2024, ante US$ 40,59 bilhões em iguais meses de 2023.
Para o economista, a tendência é que o déficit comercial da indústria de transformação encerre 2024 de forma acentuada, ainda que a perspectiva de estabilização da taxa básica de juros possa desestimular importações. Os dados do IEDI, salienta, mostram que nos ramos de maior intensidade tecnológica - alta e média-alta - a deterioração do saldo comercial no primeiro semestre de 2024 veio pelo encolhimento das exportações e ampliação das importações.
Trata-se de um quadro, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, que torna as exportações brasileiras cada vez mais dependentes de produtos mais básicos, com saldos que dependem das cotações de commodities.
Cagnin ressalta o comportamento dos segmentos de média intensidade tecnológica No agregado da indústria de transformação, explica, esse grupo costuma amortecer o déficit estrutural dos ramos de alta e média-alta tecnologia. “Essa capacidade de amortecimento perdeu fôlego na primeira metade deste ano.”
No primeiro semestre de 2024 o grupo de média tecnologia fechou com superávit de US$ 1,99 bilhão, valor bem abaixo do saldo positivo de US$ 5,71 bilhões de igual período de 2023, uma queda de 65,1%. Desde meados de 2022, aponta o relatório do IEDI, o superávit deste grupo cai a taxas de dois dígitos, com intensificação em 2024. De janeiro a junho deste ano as exportações dos ramos de média tecnologia caíram 17,6% e as importações avançaram 8,1% contra igual período de 2023.
A evolução da média tecnologia, explica Cagnin, é influenciada principalmente por borracha e plástico, com ampliação de déficit, e sobretudo forte queda do superávit da metalurgia, ramo que inclui a indústria siderúrgica, que desde a pandemia sofre pressão da concorrência chinesa. “É importante lembrar que a deterioração de saldo vem num contexto de redução de preços globais, algo que amortece os movimentos”, diz.
Na alta e na média-alta tecnologia a ampliação de déficit de janeiro a junho se acelerou no segundo trimestre do ano. No primeiro trimestre, o déficit comercial avançou 3,2% e 4,5%, respectivamente, com aceleração para 12,2% e 23,1%, sempre na comparação com igual período de 2023.
Na alta tecnologia, os setores farmacêuticos e de aeronaves foram determinantes para a evolução. Na média-alta tecnologia, a indústria automobilística explica 90% da deterioração do saldo, aponta relatório do IEDI. “São faixas nas quais há penetração importante de insumos e também de produtos acabados.” A faixa de média-alta tecnologia fechou o primeiro semestre com déficit de US$ 36,4 bilhões, ante saldo negativa de US$ 31,9 bilhões de iguais meses de 2023. Os embarques desse grupo caíram 11,3%, enquanto as importações avançaram 4,1%.
Welber Barral, sócio da BMJ, diz que apesar de o déficits em alguns grupos terem sido impulsionadas por fatores conjunturais, como o maior fluxo de desembarque de automóveis elétricos e híbridos, em razão da elevação do imposto de importação, fatores estruturais também tiram a competitividade da exportação da indústria.
Pelos dados do IEDI, além do aumento do déficit no ramo de automóveis, reboques e carrocerias, também houve no grupo de média-alta tecnologia ampliação de saldo negativo em máquinas e equipamentos, ramo cujas exportações caíram 11% e as importações cresceram 9,1%. Sempre de janeiro a junho de 2024 contra igual período do ano passado.
Cagnin ressalta que a maior importação de máquinas e equipamentos tanto mecânicos como elétricos refletem a demanda por produtos cada vez mais conectados à tecnologia digital e cuja evolução a produção doméstica tem mais dificuldade de acompanhar.
Na última década, lembra Cagnin, o Brasil chegou a experimentar redução de déficit comercial na balança da indústria de transformação, em razão do recuo das importações. No primeiro semestre de 2015 e 2016, mostram os dados do IEDI, o déficit da indústria caiu a US$ 3,72 bilhões e US$ 3,78 bilhões, respectivamente. “”Já em 2019, porém, houve ampliação do déficit, em parte como reflexo da crise argentina.” O movimento, porém, não mudou o quadro que se desenha desde 2008 e 2009 na balança da indústria, observa Cagnin. “A crise profunda daquele período nos EUA e na Europa resultou num redirecionamento das exportações chinesas a outros mercados, incluindo o Brasil. Agora, com as decisões de política de comércio exterior nessas mesmas regiões, com medidas de defesa comercial contra a China, o mercado brasileiro volta a ser um destino maior dos produtos chineses.”