IEDI na Imprensa - Setor industrial perde peso no PIB e enfrenta cenário de crise estrutural
Valor Econômico
Descarbonização e corrida tecnológica são oportunidades para reverter quadro, dizem especialistas
Vinicius Neder
Após fechar 2023 em queda, a indústria manufatureira avançou no Produto Interno Bruto (PIB) do país no primeiro trimestre e a produção industrial acumulou alta de 2,6% até junho, segundo o IBGE, mas os dados recentes são insuficientes para superar um cenário de crise estrutural. A produção ainda está 14,3% abaixo do nível recorde, atingido em maio de 2011. A participação da indústria no PIB despencou, na comparação com os anos 1970 e 1980. A balança comercial da indústria manufatureira, em déficit desde 2008, registrou no primeiro semestre o pior resultado para o período desde 2014 - até julho, o rombo é de US$ 33,3 bilhões.
Por um lado, o cenário de crise estrutural é conhecido, suas causas são recitadas em verso e prosa por especialistas. Por outro, a indústria brasileira pode estar diante de oportunidades, abertas por um cenário de mudanças na economia mundial, com a necessidade de descarbonizar as atividades e com uma corrida tecnológica em meio a tensões geopolíticas.
O diagnóstico de que o Brasil vive uma “desindustrialização precoce” é mais ou menos consensual. Estudiosos do desenvolvimento costumam ressaltar que a participação da indústria no PIB cresce nos países que passam de uma renda baixa para uma renda média, mas, posteriormente, na passagem para a renda alta, essa fatia volta a diminuir. O movimento é inerente ao desenvolvimento. Ocorre com o crescimento relativo do setor de serviços, puxado pela demanda de consumidores de renda maior e de uma indústria mais sofisticada. E esse maior peso dos serviços vem em detrimento do espaço do PIB industrial e da agropecuária.
A desindustrialização é classificada como “precoce” quando ocorre na fase em que a economia de um país ainda está na renda média, como é o caso do Brasil. A globalização das cadeias de produção, estabelecida nas últimas quatro décadas, tem um papel nisso, ao deslocar boa parte da fabricação dos bens para países de baixo custo, com destaque para a Ásia. Para explicar por que o Brasil ficou de fora e viu sua indústria desidratar antes da hora, economistas costumam citar também uma série de fatores domésticos, boa parte inserida no chamado “custo Brasil”.
Alguns exemplos são inflação e juros elevados, câmbio desfavorável - quando a cotação do dólar fica baixa demais, dificulta as exportações e favorece as importações de bens -, desequilíbrios nas contas do governo - que contribuem para inflação e juros elevados -, incertezas políticas, insegurança jurídica, infraestrutura deficiente, o complexo sistema tributário, a má qualidade da educação, que resulta em mão de obra pouco qualificada, e o elevado custo da energia.
“Não adianta nada termos uma política industrial e um certo protecionismo, se não resolvermos os problemas estruturantes”, afirma o presidente da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira. Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), chama a atenção para o fato de que boa parte dos problemas estruturantes surgiu ou foi agravada pelas sucessivas crises econômicas a partir do início dos anos 1980 e, principalmente, coincidiu com o esgotamento de uma estratégia de industrialização.
Para Cagnin, o plano anterior, vigente desde os anos 1940 e 1950, com a substituição de importações como fio condutor, pode ser criticado, mas foi bem-sucedido no sentido de construir uma indústria nacional e impulsionar o crescimento econômico. O esgotamento, na passagem dos anos 1970 para os de 1980, se deu em meio a mudanças na economia global que marcaram o início da globalização das cadeias de produção e integraram a Ásia a esse jogo. Nessa época, boa parte dos países asiáticos - Japão, primeiro, Coreia e China, depois - aproveitou a oportunidade para criar suas estratégias de desenvolvimento industrial. O Brasil ficou para trás, ressaltou Cagnin.
“Nos anos 1980, o Brasil não conseguiu redefinir ou reencontrar uma nova estratégia de desenvolvimento industrial, num contexto internacional de profundas alterações”, diz o economista. A perda de competitividade dos bens industriais produzidos no Brasil se reflete na balança comercial. O saldo entre exportações e importações está negativo desde 2008. Nos dados compilados desde 1997, o pior resultado foi em 2013, quando a demanda interna estava aquecida, atraindo importados.
Economistas críticos da estratégia de desenvolvimento industrial via substituição de importações culpam a baixa produtividade do setor nacional como o principal problema para a falta de competitividade internacional. Esse é o ponto de estudo dos economistas Edmar Bacha, Victor Terziani, Claudio Considera e Eduardo Guimarães, publicado em julho, no site do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças.
O estudo sustenta que a indústria perdeu tanta força no Brasil por causa do excesso de tarifas de importação, oriundos da política industrial vigente até os anos 1980. Com o mercado doméstico cativo e barreiras à concorrência de importados, há menos incentivos para buscar competitividade. Na prática, as indústrias instaladas no país se contentam com o retorno que obtêm sem precisar fazer pesados investimentos para ficar na fronteira tecnológica, explicou Considera. “Se a empresa não precisa competir porque a economia está fechada, não precisa investir para se tornar mais produtiva, não precisa inovar para aumentar a produtividade. Então, isso diminui os investimentos.”
Para Cagnin, não adianta aumentar a exposição da indústria nacional à competição, com a redução generalizada das tarifas de importação, sem uma nova estratégia de desenvolvimento industrial que se mantenha no longo prazo. E há uma oportunidade para colocar em prática um plano do tipo porque, assim como na passagem dos anos 1970 para a década de 1980, a economia mundial passa por mudanças relevantes. As tensões geopolíticas entre EUA e China parecem ter colocado um fim na globalização das cadeias com a instalação de linhas de produção na Ásia. E a estratégia chinesa parece ser dobrar a aposta no desenvolvimento industrial, agora com foco na alta tecnologia, o que deverá inundar o mundo com mais produtos. Ao mesmo tempo, a necessidade de frear as mudanças climáticas exige avanços tecnológicos disruptivos.
Na visão de Rafael Lucchesi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI e diretor-superintendente do Sesi, é a hora para o Brasil apostar em políticas que apoiem indústrias nas quais o país já tem vantagens e que poderão se beneficiar dessas mudanças. É o caso da cadeia dos biocombustíveis, que pode ser acoplada à indústria automotiva. Inclui também uma série de setores intensivos em eletricidade, que busquem fontes renováveis de geração, como siderurgia, cimento e petroquímica.