IEDI na Imprensa - Nacionalização de insumos desafia indústria
O Globo
Pandemia e alta do dólar desafiam indústria a nacionalizar insumos
Henrique Gomes Batista e Cássia Almeida
A pandemia e o dólar alto levaram empresas de diversos setores a buscar a fabricação interna de insumos. As indústrias querem reduzir a dependência, especialmente do fornecimento asiático, e tentam definir com o go-verno áreas que serão consideradas estratégicas.
No “dia seguinte” à pandemia do corona vírus, quando a vida começar se normalizar, a indústria estará mais presente na economia brasileira. A pandemia e o dólar nas alturas estão deslocando a produção industrial para dentro das fronteiras brasileiras. Empresas, de variados setores, já têm planos de nacionalizar a fabricação de insumos para reduzir a dependência do fornecimento asiático, especialmente o chinês.
A pandemia mostrou o impacto que essa dependência pode ter em momentos de crise. Setores mais afetados por falta de peças e insumos estudam com o governo como determinar áreas estratégicas, na tentativa de re-compor cadeias de produção que foram quebradas por falta de investimento ou de competitividade. O setor químico é um dos mais dependentes de insumos de fora. A indústria farmacêutica brasileira sofreu quando a Índia, a maior exportadora de genéricos do mundo, impôs corte nas vendas externas de remédios.
— Não é uma discussão só no Brasil, é mundial, devido às dificuldades de importação e à volatilidade cambial. A curto prazo temos estoques, mas, para médio e longo prazos, há uma discussão que é inevitável em relação ao complexo industrial — afirma Solange Dallana, diretora de Assuntos Regulatórios e Acesso ao Mercado da EMS, líder no setor farmacêutico brasileiro, faturando cerca de R$ 4 bilhões.
Ela afirma que sua empresa, juntamente com as demais do setor, estão debatendo que produtos são essenciais para o país, para os quais faz sentido criar uma política de nacionalização e quais poderiam ser exportados.
O debate já chega às empresas estatais. Jorge Mendonça, diretor do Farmanguinhos — laboratório vinculado ao Ministério da Saúde que produz os remédios à base de cloroquina pesquisados para combater a Covid-19 —, afirma que tem capacidade de suprir o mercado brasileiro, caso as pesquisas apontem essa necessidade:
—Essa crise pode nos levar a repensar o modelo e a valorizar a importância da pesquisa e da produção farma-cêutica no país. Sabemos que vivemos em um mundo globalizado, e isso traz vantagens, mas queremos ter uma dependência externa tão grande?
‘SEM PROTECIONISMO’
Segundo Ciro Marino, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química, na cadeia farmoquímica, o Bra-sil “não produz quase nada”. Voltar a produzir no Brasil já é debatido nos gabinetes em Brasília, diz ele. A dis-cussão acontece nos ministérios da Defesa, Economia e Cidadania.
— Nesse setor, 95% dos insumos são importados. E há os fertilizantes. São agroquímicos, estamos falando de biossegurança. Temos debatido nos ministérios da Defesa, da Economia e da Cidadania, mas a Defesa pegou para si a questão. Algumas cadeias que foram interrompidas podem voltar. O mundo está vendo que precisa se reindustrializar e desconcentrar produção — comenta Marino.
A gigante nacional Braskem vê oportunidades. A maior petroquímica das Américas e líder mundial na produção de biopolímeros também vê a possibilidade de avanços na nacionalização. “É possível que um maior nível de regionalização possa ocorrer, após a pandemia da Covid-19, com a normalização dos setores, trazendo um maior fortalecimento e integração da cadeia química nacional, resultando no desenvolvimento da indústria quí-mica nacional”, afirmou a empresa, em nota.
No setor têxtil, a dependência está nos pigmentos para dar cor aos tecidos. Flávio Rocha, dono do Grupo Gua-rarapes (Riachuelo), produz no Brasil 70% dos insumos — contra média do setor de 50% —mas diz que, pas-sada a pandemia, pode superar os 90%:
—As cadeias produtivas vão ser repensadas, depois de se mostrarem vulneráveis a um episódio como o de agora. Vai ganhar uma nova importância ter uma cadeia maior aqui. Temos essa nova realidade cambial e so-cial, precisamos gerar mais empregos aqui.
Rocha afirma que pretende ampliar o investimento no Nordeste, em seu programa denominado “pró-Sertão”, para produzir na região insumos que hoje vêm da Ásia
Para o empresário, a indústria precisa ser competitiva, “sem nacionalismo ou protecionismo obsoleto”.
O diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, diz que o Estado precisará ter atuação mais focada e seletiva. Segundo ele, o país não pode repetir os modelos do passado:
— Haverá uma redefinição do papel do Estado, será um agente de equilíbrio social. Se ele voltar a liderar o processo de desenvolvimento, vai inviabilizar o reencontro do crescimento sustentável pós-pandemia. No caso brasileiro, ainda temos a fragilidade financeira.
José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), afirma que o discurso mudou completamente em um mês:
—Antes da crise, até fevereiro, anota de toque e rapela abertura comercial. Na Casa Civil e no Ministério da Defesa já veem a necessidade de diminuir a dependência de bens industrializados do exterior, uma mudança muita rápida. A conversa agora é sobre substituir importações por bens nacionais, escolhendo setores estraté-gicos.
ÁLCOOL EM GEL NACIONAL
O setor automotivo também está preocupado co mare dede fornecedores. O presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si, disse na semana passada, em um debate do site Automotive Business, que a empresa pretende comprar parte dos insumos no Brasil:
—Há muitas oportunidades para aumentara nacionalização decomponentes tecnológicos, de info entretenimento, airbags, entre muitos outros. O fornecedor que tiver um bom projeto, com escala elevada, po-de vir falar conosco.
Algumas cadeias foram montadas em tempo recorde. A explosão de demanda pelo álcool em gel fez renascera indústria de espessante no país, de acordo com João Carlos Basílio, da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos:
—No Brasil, era fabricado por pequenas e médias empresas, o restante era importado. Com esse no consumo, ficamos sem matéria-prima. Conseguimos produzir o insumo no Brasil, e o fornecimento está sendo normaliza-do. O preço vem caindo para o consumidor. Aconteceu numa escala muito rápida.
Basílio afirma que o governo facilitou trâmites e ajudou nas questões burocráticas:
— Teremos condições de produzir 31 bilhões de frascos por ano. Poderemos exportar. Houve uma reversão completa no fornecimento.
Em eletroeletrônicos, a situação é ainda mais delicada. Boa parte das peças não é produzida no Brasil, e o elo da cadeia precisa ser criado. A produção de celulares, aparelhos de áudio, vídeo, fotográficos e afins usa 75% de componentes importados, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Indus-trial (IEDI). Há peças que sequer são fabricadas aqui, afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee): — Não produzimos de telefone, computador e televisão. Espero que a vulnerabilidade da indústria tenha ficado escancarada, para que se reindustrialize o Brasil.