IEDI na Imprensa - Com coronavírus, indústria brasileira despenca 18,8% em abril, a maior queda já registrada no setor
O Globo
Pandemia impôs forte retração na produção das empresas industriais do país, que vêm perdendo participação no PIB desde 2010
Pedro Capetti
Os efeitos da pandemia do novo coronavírus na economia brasileira em abril levaram a indústria nacional a registrar em abril a maior retração em, ao menos, 18 anos.
Dados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) divulgados nesta quarta-feira pelo IBGE mostram que a queda da produção do setor foi de 18,8% na comparação com março, quando o indicador já havia registrado retração de 9%.
É a maior contração da série histórica da pesquisa, iniciada em 2002. Em relação a abril do ano passado, a queda na indústria foi a maior da série: -27,2%.
Com esse resultado, o setor industrial brasileiro se encontra no nível mais baixo de produção em quase duas décadas. Na comparação com o auge, registrado em maio de 2011, a distância é de 38,3%.
— O resultado de abril decorre, claramente, do número maior de paralisações das várias unidades produtivas, em diversos segmentos industriais, por conta da pandemia. Março já tinha apresentado resultado negativo. Agora, em abril, vemos um espalhamento, com quedas de magnitudes históricas, de dois dígitos, em todas as categorias econômicas e em 22 das 26 atividades pesquisadas — explica André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE.
Desde o início da pandemia, considerando a produção em março e abril, o setor industrial já registra queda acumulada de 26,1%. O resultado reforça ainda mais as dificuldades do setor industrial brasileiro, que ainda não havia recuperado as perdas dos últimos anos.
A indústria vem perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB) do país desde 2010.
Segundo o IBGE, 15 dos 26 grupos que compõem o setor industrial registraram a maior retração da história em abril, na comparação com março.
O principal fator para o recuo em abril foi a produção de bens duráveis, com queda de 79,6% no período. O resultado foi mais intenso devido à queda em veículos automotores, reboques e carrocerias, com retração de 88,5% na comparação com março.
O setor foi pressionado pelas interrupções da produção dos automóveis, caminhões e autopeças em várias fábricas do país.
Com a diminuição na produção de veículos, outros segmentos também foram impactados, como metalurgia (-28,8%), produtos de borracha e de material plástico (-25,8%) e máquinas e equipamentos (-30,8%).
Os números do IBGE mostram uma mudança do perfil de consumo e os efeitos do isolamento social. Enquanto setores de bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos automotores registraram queda expressiva, por conta da baixa demanda e paralisação da produção, outros como alimentos, itens farmacêuticos e até mesmo a venda de caixões apresentaram avanço.
As indústrias alimentícia e farmacêutica começaram a recuperar as perdas registradas em março, com alta de 3,3% e 6,6%, respectivamente, após queda de 1% e 11% no terceiro mês do ano. Outro setor no positivo foi o de perfumaria, sabões e higiene pessoal, com alta de 1,3%.
Economistas afirmam que o cenário atual fragiliza ainda mais a retomada da indústria, que sequer havia se recuperado das perdas do biênio 2015 e 2016. Em videoconferência com jornalistas, o pesquisador do IBGE, André Macedo, disse que este é o “pior momento da história da indústria.”
Segundo Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a perda de 8,2% em quatro meses de 2020 é equivalente a registrada em todo ano de 2015, considerado o pior ano para o setor até então. Ele afirma que este é a crise mais complexa da história, pois alia problemas estruturais da indústria, questões da pandemia e o futuro com a chamada “Indústria 4.0”.
- É algo generalizado, setores com perfis diferentes de mercado e consumo com quedas recordes. Os únicos no positivo são aqueles essenciais, passíveis de consumo em casa e demandados na crise, mas foram incapazes de contrabalançar as quedas recordes - ressalta.
Essas transformações no mercado consumidor devem fazer com que a indústria ainda demore a esboçar algum tipo de recuperação. A queda na renda das famílias, com o aumento do desemprego nos próximos meses, irão pressionar para baixo o setor industrial, segundo economistas.
Os números da indústria divulgados nesta quarta-feira começam a consolidar as projeções para a retração de mais de 10% do PIB no segundo trimestre. Nos últimos três meses, segundo dados divulgados na última semana, o setor já havia apresentado queda de 1,4%, na comparação com os três últimos meses de 2020.
- Em março e abril, foram problemas do lado de oferta e da demanda. Do lado da oferta, será relativamente resolvido quando medidas de isolamento social forem abrandadas, mas vamos ter um problema de demanda, já bastante afetada. A renda das famílias está caindo, o desemprego está aumentando. Isso vai afetar a recuperação da indústria nos próximos meses - explica Renata de Mello Franco, pesquisadora da FGV/Ibre.
Para analistas, os resultados em maio não devem demonstrar melhora expressiva do setor industrial. Além da permanência do distanciamento social durante todo o mês, a menor demanda interna, por conta da queda do consumo das famílias, devem seguir afetando o setor. Segundo a FGV, a confiança na indústria sobiu 3,2 pontos em maio, mas ainda é muito baixa
— Há uma redução clara no ritmo de produção, a forma como isso vai se refletir em maio não sabemos, mas temos um movimento importante de perda de ritmo (da indústria) — avalia Macedo.
Para analistas, os resultados em maio não devem demonstrar melhora expressiva do setor industrial. Além da permanência do distanciamento social durante todo o mês, a menor demanda interna, por conta da queda do consumo das famílias, devem seguir afetando o setor. Segundo a FGV, a confiança na indústria sobiu 3,2 pontos em maio, mas ainda é muito baixa
Para Renato da Fonseca, gerente executivo de economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), isso reforça a visão de que o setor não irá recuperar o cenário pré-crise este ano. Uma recuperação em “V” está descartada.
- A reabertura foi mais no fim do maio, pode ser que na média (o indicador) não capture isso. Nos próximos meses pode ter um crescimento pequeno, alguns setores estão reabrindo, mas maio deve ficar igual abril, com uma leve melhora no final.
Queda recorde
Os dados do IBGE sobre a indústria em abril dão a dimensão da contração. Até então, a maior queda mensal havia sido registrada em dezembro de 2008, em meio à crise financeira internacional daquele ano, quando o recuo foi de 11,3%.
Outros eventos recentes, como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em em janeiro de 2019, que atingiu a indústria extrativa, ou os efeitos da greve dos caminhoneiros em maio de 2018 não tiveram impacto da mesma magnitude que o do coronavírus.
O resultado, entretanto, ainda é visto com cautela pelos economistas. Eles avaliam que o número pode ainda não representar um tombo mais severo da indústria neste ano.
Segundo a mediana obtida pelo Boletim Focus, do Banco Central, que reúne as projeções do mercado financeiro para os indicadores, a produção industrial irá retrair -3,59% em 2020.