IEDI na Imprensa - Retomada da economia chinesa pode pressionar as importações brasileiras
O Globo
Segmentos como aço, brinquedos, têxteis e confecções estão entre os mais vulneráveis
Marta Watanabe
A largada em primeiro lugar da China no processo de retomada pós-pandemia pode causar pressões nas importações brasileiras, principalmente em setores estruturalmente mais vulneráveis à concorrência, como de aço, brinquedos, têxteis e confecções, apontam analistas.
Economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Rafael Cagnin diz que, por ter sido o primeiro país a enfrentar a covid-19, a China está entrando em uma etapa diferente do resto do mundo.
A retomada de atividade no país asiático, afirma ele, é baseada em pacotes governamentais que certamente estabelecerão estratégias de aumento de competitividade e de ganho de mercado externo. Isso pode afetar ramos produtivos mais vulneráveis à concorrência chinesa, avalia Cagnin.
O setor de aço brasileiro é um deles, já que a produção chinesa, sustentada por estatais, pode ser mantida a preços baixos. “Isso pode gerar situações de concorrência desleal.” Os segmentos têxtil e de confecções, assim como o de brinquedos, também são outros setores sensíveis à competição da produção chinesa em grande escala, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Segundo dados oficiais, o Brasil importou da China, Hong Kong e Macau total US$ 14,63 bilhões de janeiro a maio, o que representa 21,2% dos desembarques totais. Castro lembra que não há indícios de pressão maior de importação de produtos chineses ou de outros países asiáticos que começam a ter produção em escala maior e com custos baixos. “Mas é algo esperado, considerando o já conhecido modus operandi da China. Não há dúvidas de que a recuperação dos chineses se baseará na ocupação de espaços. Já tive notícias de casos pontuais em que fornecedores chineses ofereceram desconto de 75% a empresas brasileiras.”
É preciso lembrar, diz Cagnin, que o acirramento das tensões entre China e EUA tornará mais agressiva a busca dos chineses por fatias maiores de mercado não somente no Brasil como na América Latina. Some-se isso, avalia Castro, a tendência de políticas protecionistas de forma generalizada, com o enfraquecimento de órgãos multilaterais.
Para Cagnin, existe todo um cenário que pode resultar em pressão “não desprezível” de produtos asiáticos sobre as importações brasileiras. Ele não acredita, no entanto, que isso signifique uma “invasão” de importados, já que esse movimento tende a ser amortecido pelo câmbio desfavorável à importação e também pelo encolhimento da demanda doméstica.
O setor têxtil e de confecções tem monitorado as importações detidamente, diz Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Há acompanhamento, conta, de volumes e preços, para evitar que a retomada de produção chinesa e de outros países da Ásia resulte numa eventual entrada de produtos em condições de concorrência prejudiciais.
“Não podemos deixar que o Brasil seja o estuário dos produtos hoje excedentes”, afirma Pimentel. Por enquanto, explica, não há sinais desse fenômeno, mas o setor quer estar preparado para evitar isso. De janeiro a abril, diz ele, o volume de importações de vestuário e têxteis caiu 7% contra igual período de 2019.
Com a pandemia, a produção foi afetada e algumas indústrias voltam a operar lentamente, mas em regra ainda sem pedidos consistentes, já que o varejo ainda não foi reaberto, relata Pimentel.
Segundo ele, a ocupação de capacidade de produção com a crise caiu para 25% a 30%. O que se estima hoje, diz, é que a produção do setor caia cerca de 15% no ano em relação a 2019. As exportações também sofreram com a queda de demanda internacional. De janeiro a abril, o volume de embarques de têxteis e confecções caiu 6,8% contra iguais meses de 2019. O setor, conta, já pediu ao governo federal a recomposição do Reintegra, benefício que devolve ao exportador tributos pagos na cadeia produtiva. Hoje, o benefício é de 0,1% da receita com exportação. “Queremos que volte para 5%.”