IEDI na Imprensa - Real mais fraco deve brecar importação maior
Valor Econômico
Marta Watanabe e Mariana Ribeiro
A recuperação gradual da economia, aliada à sazonalidade, pode trazer reação das importações, mas o real desvalorizado deve limitar esse movimento. Ao mesmo tempo, a volatilidade cambial, que nos últimos 15 dias elevou o dólar da casa dos R$ 5,30 para um nível acima dos R$ 5,60, pode dificultar decisões também do exportador. Mesmo assim, avaliam os analistas, as relações comerciais do país devem manter a dinâmica resultante da pandemia, com desembarques em queda mais acelerada que a das exportações. Isso deve dar origem a superávit comercial robusto, acima dos US$ 48 bilhões de 2019.
Os dados divulgados ontem pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia registraram mais um superávit recorde. O saldo de US$ 6,16 bilhões em setembro representa aumento de 62,1% em relação a igual mês de 2019, na média diária. Na mesma comparação as importações caíram 25,5%, e as exportações, 9,1%. No acumulado até setembro, o superávit atingiu US$ 42,45 bilhões, aumento de 18,6% sobre o mesmo período de 2019. As importações caíram 14% e as exportações, 7%.
Mesmo que a sazonalidade seja favorável ao aumento das importações no curto prazo, assim como a própria retomada da atividade em curso, o real extremamente desvalorizado representa um limitante à variável, diz o economista Silvio Campos Neto, em boletim divulgado pela Tendências.
Os dados de setembro, diz José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), já indicam pequena reação das importações na ponta, refletindo o aumento esperado no segundo semestre e também a pequena retomada da economia. Ele destaca que a média diária das importações cresceu de US$ 530,1 milhões em agosto para US$ 585,5 milhões em setembro. O vale do ano até agora foi junho, com média de US$ 497,6 milhões ao dia.
Na comparação mensal interanual, diz Castro, a importação deve continuar a apresentar perdas em outubro e novembro. E a dinâmica de um superávit como resultado de maior redução das importações do que das exportações se manterá, assim como a perspectiva de perda da corrente de comércio. A AEB projeta redução ëm torno de 16% para as importações em 2020 e de 6,5% nas exportações. O superávit estimado está entre US$ 55 bilhões e US$ 57 bilhões.
A Tendências mantém projeção de superávit de US$ 59 bilhões ao fim do ano, valor que deve superar em US$ 11 bilhões o saldo de 2019. O aumento do superávit até agora, diz Campos Neto, é reflexo direto da pandemia, que afetou mais fortemente as importações através do choque na atividade interna e da forte depreciação cambial, enquanto as exportações foram sustentadas pela recuperação dos preços das commodities.
O subsecretário de Inteligência e Estatísticas de Comércio Exterior, Herlon Brandão, frisa que a variação tanto das exportações e importações em setembro teve base mais alta de comparação em razão de um embarque de plataforma no mesmo mês de 2019. Isso também teve reflexos no desembarque, informa. Para 2020, a estimativa da Secex também é de saldo maior que o do ano passado. A secretaria projeta superávit comercial de US$ 55 bilhões, ante os US$ 55,4 bilhões divulgados em julho.
Em setembro, destaca Campos Neto, da Tendências, as exportações tiveram queda mais intensa pelas médias diárias do que a observada em agosto, quando o recuo foi de 5,5%. Ele aponta perda de desempenho das exportações na parte final do mês, com a média diária das últimas duas semanas recuando para US$ 803,1 milhões e US$ 727,4 milhões. Nas duas primeiras semanas, a média diária de valor embarcado ficou em cerca de US$ 1 bilhão.
Ao menos em parte, avalia ele, o menor dinamismo pode estar relacionado ao aumento da volatilidade do câmbio na última quinzena do mês. “Ainda que o câmbio mais alto possa favorecer o lado exportador, a maior instabilidade dificulta a tomada de decisões no curto prazo”, assinala.
Para além da contração que a crise sanitária provocou na economia e comércio internacionais, a volatilidade do câmbio reflete incertezas e tensão nos rumos da política econômica interna e afeta importações e exportações, diz Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
A redução de 19,1% na média diária das exportações da indústria de transformação no segundo trimestre em relação a igual período do ano passado deu lugar a uma queda de 13,1% no terceiro trimestre, que representa certa melhora, mas ainda indica forte retração, diz Cagnin.
Os dados, avalia, reforçam a percepção de que a desvalorização cambial sozinha não basta para garantir a reativação das exportações, principalmente num momento de retração internacional em que é muito difícil ampliar mercados e o máximo que se consegue fazer é preservá-los.
Ao mesmo tempo, diz ele, a volatilidade cambial dificulta cálculos econômicos de exportadores e importadores “e de todo mundo que tem relação com o resto do mundo”.
Na exportação, diz Cagnin, muito se fala no desempenho da agropecuária, cujo valor embarcado no acumulado até setembro subiu 16% contra igual período de 2019. A agropecuária, porém, ressalta, representa 24% do total exportado enquanto a indústria de transformação responde por fatia de 53,2%. Um câmbio desvalorizado pode gerar competitividade pontual em termos de preços, mas a conquista de mercados pela indústria de transformação demanda mudanças estruturais, sendo a reforma tributária, avalia, a prioritária.
E para o importador, aponta Cagnin, o encarecimento de insumos resultante da desvalorização cambial, que não pode ser ainda integralmente repassado aos preços, comprime margens e compromete o acúmulo de lucros que poderia financiar investimentos daqui a um ou dois anos.