IEDI na Imprensa - Reação de ramos da indústria de média tecnologia é mais fraca
Retomada da produção industrial é desigual, puxada pelos extremos de intensidade tecnológica
Valor Econômico
Marta Watanabe
A recuperação da produção industrial, embora importante, tem sido desigual. Sob efeitos da pandemia e das medidas de auxílio, a retomada foi puxada por ramos que estão nos extremos da indústria brasileira, quando se considera a intensidade tecnológica. A recuperação vem principalmente da alta e da média-baixa tecnologia, que representam 60% do volume de produção.
Os ramos industriais que estão entre esses dois níveis, porém, de média-alta e média tecnologia, chegaram a reagir, mas permanecem no vermelho. Apesar de representarem parcela menor, de 40% da produção, estão nessas camadas segmentos com cadeias mais longas e que por isso concentram efeito mais dinamizador da atividade econômica. Além disso, mesmo na faixa de média-baixa tecnologia, em que houve maior recuperação, ainda há obstáculos para segmentos altamente empregadores.
Esse é o retrato de levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) que analisa o desempenho da produção segundo a intensidade tecnológica. “Essa heterogeneidade mostra que, além de não estar completa, o processo de retomada de crescimento tem fragilidades”, afirma o economista Rafael Cagnin, do IEDI.
Em setembro a produção da indústria de transformação cresceu 4,4%, mas o desempenho positivo não impediu a queda de 0,5% na produção da indústria no terceiro trimestre, sempre em relação ao mesmo período de 2019. A redução, porém, mostra uma amenização expressiva em relação ao tombo de 21,7% da indústria de transformação no segundo trimestre e da queda de 1,1% nos primeiros três meses do ano, diz Cagnin.
O desempenho dos diversos ramos no terceiro trimestre, contudo, é heterogêneo, destaca ele. “Há os que deixaram para trás os dias ruins e voltaram a crescer em relação a 2019 e os que continuam em queda de produção, embora em ritmo menor.”
Um aspecto favorável, ressalta o economista, é que a alta tecnologia tenha retornado a uma variação positiva, com aumento de 8,4% em setembro e de 2% no terceiro trimestre, embora uma base relativamente baixa de comparação tenha contribuído para isso. Ainda assim, o desempenho não foi suficiente para reverter a queda no acumulado de janeiro a setembro do ano, de 5,5%, sempre em relação a igual período de 2019.
A boa evolução no terceiro trimestre da alta tecnologia foi puxada em parte pelo complexo eletrônico, que avançou 10,4% no mesmo período, contra iguais meses de 2019. Dentro dos eletrônicos, os equipamentos de imagem e som avançaram 21,9%, com pico de 28,5% em setembro. A reação desses produtos, diz Cagnin, se deve em parte, do lado da oferta, basicamente ao polo industrial de Manaus, cujos impactos negativos da pandemia se concentraram em abril e maio, com arrefecimento já em junho, o que permitiu uma retomada de produção antes do restante do país. Houve também aquecimento da demanda por esses produtos, principalmente da parte da população que não perdeu renda e que, por causa do isolamento, trocou o consumo de serviços pelo de produtos para casa.
O ramo farmacêutico foi outro que ajudou a sustentar o crescimento da alta tecnologia, com aumento de 2,1% na produção de julho a setembro. No primeiro trimestre, a produção industrial ficou estável e, no segundo, avançou 4%, sempre em relação a iguais meses de 2019.
Trata-se de um segmento em que não houve tombo, dada a natureza da crise, diz Cagnin, e que ajudou a alta tecnologia a “colocar a cabeça para fora da água” de julho a setembro, embora esteja ainda longe de recompor os 15,3% de queda de abril a junho frente a iguais meses do ano passado.
Na outro ponta, o grupo de média-baixa intensidade tecnológica também migrou para o azul no terceiro trimestre, com alta de 4,1%, embora mantenha queda de 1,3% de janeiro a setembro, em relação a mesmos períodos de 2019. O avanço foi puxado principalmente pelo ramo alimentício, que cresceu 9,8% de julho a agosto, depois de alta de 1,3% no segundo trimestre, embalado pelo efeito do auxílio emergencial e também pela demanda chinesa atendida com o efeito favorável da desvalorização cambial na rentabilidade do exportador.
Dentro dessa mesma faixa de intensidade tecnológica, porém, também há desempenhos díspares, destaca o economista. Ele indica um “grande obstáculo” nessa faixa nos ramos de têxteis, vestuário, couro e calçados, que caíram 15,5% no terceiro trimestre depois de despencar 53,4% nos três meses anteriores, mantida a comparação interanual. São segmentos, explica Cagnin, intensivos em mão de obra e com produção pulverizada geograficamente pelo país e, por isso, sua recuperação é importante para espalhar emprego e renda pelo território brasileiro.
Do lado da oferta há também um desafio adicional desses segmentos mais intensivos em mão de obra para reorganização de sua cadeia de produção de forma a manter os trabalhadores mais isolados, seguindo as normas sanitárias e as recomendações de distanciamento.
Cagnin pondera que, apesar de variações positivas no terceiro trimestre das faixas de alta e média-baixa tecnologias, a recuperação foi puxada por ramos industriais que tendem a ter cadeias produtivas um pouco mais curtas. No caso dos eletroeletrônicos e dos farmoquímicos no grupo da alta tecnologia, exemplifica, isso acontece em razão da grande penetração do insumo importado, o que reduz a cadeia produtiva dentro do país. Já na média-baixa tecnologia, a retomada é liderada por alimentos, ramo no qual em grande parte o papel da indústria é de beneficiamento de produtos primários para exportação.
Entre os segmentos com recuperação insuficiente, a indústria de média-alta intensidade tecnológica foi a que registrou maior declínio, de 8,5% no terceiro trimestre ante mesmo período de 2019, embora, diz o economista, seja inegável o progresso relativo, já que no trimestre anterior a queda foi de 42,8%. Máquinas, aparelhos e materiais elétricos assim como produtos químicos (exceto farmacêuticos) puxaram o desempenho para cima no terceiro trimestre, com alta de 6,7% e 4,3%, respectivamente, sempre em relação a iguais meses de 2019. O que freou a recuperação nessa faixa foi a produção de veículos, que, a despeito de amenização recente, ainda caiu 25,0% no período de julho a setembro, e a produção de máquinas e equipamentos, com retração de 2,9%. Esses ramos, segundo Cagnin, exigem maiores níveis de confiança e otimismo e por terem cadeias mais longas, são importantes para espalhar dinamismo e construir a capacidade futura de produção.
Outro grupo que se manteve no vermelho no terceiro trimestre foi indústria de média intensidade tecnológica, que, em dificuldades antes da pandemia, não cresce desde o terceiro trimestre de 2018. Essa faixa apresentou retração de 3,1% de julho a setembro, condicionada pelo ramo de metalurgia, que caiu 7,1% na mesma comparação. O desempenho contribuiu para a retração do grupo, apesar de variação positivas da produção de borracha e plástico, que, com o aumento da demanda de embalagens e descartáveis devido ao isolamento social, cresceu 3,9% no terceiro trimestre. Minerais não metálicos também avançaram 4,4% em igual período, favorecidos pela reação da construção urbana, em relação a iguais meses de 2019.