IEDI na Imprensa - Brasil precisa de agenda de competitividade sem ‘paliativos’ e ‘remendos’, diz IEDI
Valor Investe
Segundo o economista do IEDI, Rafael Cagnin, o momento atual é de fazer reformas estruturais para aumentar as condições de competitividade das empresas
Anaïs Fernandes
A saída da Ford do Brasil pode servir como um lembrete de que chegou a hora de o país enfrentar questões estruturais que travam a competitividade de suas empresas sem recorrer a “remendos”, avalia Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Para ele, o país chegou em um ponto de desempenho econômico e nível de atividade em que "são os aspectos estruturais que precisam ser enfrentados". "O momento agora é de fazer reformas estruturais que vão dar condições de competitividade efetivas. Não é mais o momento de paliativos. Precisamos enfrentar as questões na magnitude e na complexidade que elas se apresentam.”
Ainda que seja possível pensar em políticas um pouco mais direcionadas para uma ou outra atividade, dependendo da geração de emprego e do dinamismo inovativo, se as questões pendentes estruturais gerais da economia não forem atacadas, a eficácia dessas políticas também tende a se perder, afirma Cagnin. "Não pode mais remendar, empurrar com a barriga esses temas. Se a gente não enfrentar essas questões, notícias como essa [da saída da Ford do Brasil] podem se multiplicar", alerta ele.
Segundo Cagnin, a agenda de competitividade, porém, "vem sendo sistematicamente procrastinada" e, até o momento, não há grandes indicativos de que os principais desafios serão enfrentados. Cagnin refere-se, sobretudo, à reforma tributária. "Precisamos levar a sério a agenda de competitividade, encaminhar de forma coordenada e eficiente as reformas, especialmente aquelas como a tributária, que já vem sendo discutidas à exaustão nos últimos anos”, diz.
Em uma cadeia longa e complexa como a automobilística, desequilíbrios e deformidades da estrutura econômica, como no âmbito tributário, ficam amplificados, observa o economista. "O nó tributário é o principal problema da nossa baixa competitividade internacional. Ele corrói a rentabilidade das empresas seja diretamente, porque é um ônus, seja indiretamente, porque faz perder vendas e parcela de mercado em um mundo que é cada vez mais competitivo.” O IEDI defende uma reforma tributária "ampla e profunda", diz Cagnin, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
O economista expressa senso de urgência ainda que os efeitos das reformas não sejam imediatos. "É verdade que os benefícios vão ocorrer mais no longo prazo, mas, para o empresário, saber hoje que os próximos anos não terão esse fardo tributário já aumenta o otimismo e a confiança, ajuda a desengavetar projetos, as empresas começam a se preparar para uma nova condição", afirma. Uma agenda de competividade com resultados efetivos "precisa ser feita o mais rápido possível", o que, para Cagnin, significa que são necessárias sinalizações ainda em 2021, "inclusive para ajudar a recuperação da economia, que precisa ser mais robusta e consistente."
A sobreposição de duas crises agudas (2014-2016 e 2020, com a pandemia) criou um "ambiente hostil que, no fim, já soma seis anos", diz Cagnin. Ele lembra que 2019 não foi um ano muito bom nem para a indústria em geral nem para o setor automobilístico, cujas exportações sofreram com a crise na Argentina. "Temos duas crises bastante profundas que se sobrepuseram sem uma recuperação minimamente razoável.”
Com baixo dinamismo econômico, não há expectativas e confiança que justifiquem investimentos e nem sobram recursos para que eles sejam realizados, diz Cagnin. "Sem crescimento, tudo fica mais difícil, aí é quase um jogo de soma zero", afirma. No quadro atual, assegurar a recuperação observada no segundo semestre do ano passado e torná-la mais robusta e sem tropeços passa, segundo Cagnin, por fazer uma retirada gradual e ajustada das diversas medidas emergenciais que foram criadas na pandemia - o que vai exigir escolhas difíceis e priorização de gastos diante da restrição fiscal do governo, reconhece ele - e resolver a questão sanitária com a vacinação.
Por ser uma multinacional, a decisão da Ford envolve outros fatores que não dizem respeito diretamente ao Brasil, pondera Cagnin. A indústria automobilística "está no olho do furacão", lembra ele, atravessando intensa automação e a necessidade de se adequar com rapidez a uma matriz mais ambientalmente sustentável. "Isso faz com que as empresas sejam obrigadas a repensar o modelo dos negócios, os mercados prioritários", afirma. Mas, diante desse cenário, com um ambiente econômico ainda de crise e muitas dúvidas a respeito da capacidade de implementar reformas para colocar o nível de competitividade da indústria em padrões internacionais, o Brasil acaba perdendo atratividade.
Em outra frente, Cagnin diz ser fundamental uma agenda política de inovação, ciência e tecnologia, que considere, por exemplo, garantir o orçamento público à pesquisa básica, oferecer linhas de apoio e subsídios financeiros à inovação nas empresas e criar um ambiente que propicie a inovação, articulando os diversos atores. "O debate econômico deixa tecnologia e inovação em segundo plano, mas são questões fundamentais. Países como China, Alemanha e Estados Unidos estão investindo nisso como eixos vertebrais nas suas estratégias de desenvolvimento", afirma o economista do IEDI.