IEDI na Imprensa - Indústria patina no 2º tri e tem cenário nebuloso
Valor Econômico
Falta de insumos e crise hídrica são alguns dos desafios
Marsílea Gombata, Marta Watanabe e Anaïs Fernandes
Com queda de 0,2% no PIB do segundo trimestre de 2021, após alta de 0,7% de janeiro a março, a indústria tem perspectiva nebulosa para o segundo semestre. Gargalos com a falta de insumos e suprimentos devem ainda ser obstáculo à produção, ao mesmo tempo em que parte da demanda do consumo das famílias pode passar a ser deslocada para serviços. Para agravar o cenário já difícil, a crise hídrica e o impacto nas tarifas de energia elétrica devem elevar custos já pressionados pelo avanço de preços de matérias-primas.
No segundo trimestre, o desempenho da indústria como um todo só não foi pior em razão da indústria extrativa e da construção, que avançaram respectivamente 5,3% e 2,7%. O desempenho amenizou a queda de 2,2% da indústria de transformação, sempre na margem, com ajuste sazonal.
“A indústria de transformação está sofrendo muito ainda com a falta de insumos”, diz Luana Miranda, economista da GAP Asset Management. “Quando perguntamos para as empresas do setor quando acham que a questão dos insumos se normalizará, quase 50% falam que isso ocorrerá só no ano que vem ou que nem conseguem prever.” O setor automobilístico, diz Luana, é o mais impactado, mas também sofrem os de vestuário e produtos de metal.
“A indústria já parou de crescer e vai continuar desacelerando. O setor vive um verdadeiro inferno astral”, afirma Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ao citar, entre fatores desfavoráveis, a falta de insumos, crise energética, possível desaceleração da demanda externa e provável mudança do foco do consumo das famílias de indústria para serviços. “A oferta de vários suprimentos não vai se normalizar tão cedo. Alguns componentes como chips dependem da normalização das cadeias da Ásia, que sofre com a variante delta do coronavírus. Dificilmente conseguiremos uma normalização igualitária.”
Ela argumenta ainda que o risco de racionamento de energia elétrica é uma pressão adicional. Silvia ressalta que, dada a herança estatística, o desempenho da indústria deveria ser maior do que o visto nos últimos trimestres. “O carregamento estatístico do PIB da indústria de transformação é de 8,5%. Ou seja, se mantivesse o patamar do fim de 2020, sem crescimento zero em todos os trimestres, deveria crescer 8,5% neste ano. No entanto, a projeção que temos para o ano é de crescimento de 5,9%”, diz. “Isso sem racionamento. Se houver racionamento e empresas tiveram de parar a produção, os impactos podem ser devastadores.”
Luana também acredita que um esperado deslocamento de consumo da indústria para serviços possa dificultar a recuperação da indústria neste ano. A projeção da GAP para o PIB da indústria é de alta 4,8% em 2021. Para 2022, diz, com expectativa de volatilidade cambial, aumento dos juros, condições financeiras mais apertadas, dificilmente a indústria se manterá em patamares muito altos.
Os dados do segundo trimestre mostram que houve interrupção da recuperação da indústria de transformação em 2021, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Há excesso de demanda e uma oferta que não consegue responder por desorganização das cadeias produtivas, resultado do impacto da pandemia no fluxo de mercadorias em cada uma das regiões do globo e também da obsolescência da capacidade instalada. Uma crise energética, diz, pode aprofundar essa desorganização. Para ele, ainda há uma perspectiva favorável para a indústria no segundo semestre, com o avanço da vacinação e reabertura da economia, mas os fatores de risco, como crise hídrica e ambiente político, se acumulam.
Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity, também tem visão mais otimista. “Vemos que a demanda continua forte, está até com dificuldade de atender essa demanda por problemas de fornecimento na cadeia”, afirma, destacando que a contração da indústria “é pontual”. “No segundo semestre, a demanda deve continuar com crescimento decente, e a oferta vai se recuperar, fechando essa janela.”