IEDI na Imprensa - Brasil deve ser um dos principais prejudicados por crescimento mais lento da China
Folha de São Paulo
Dados divulgados nesta segunda mostram que PIB do país asiático cresceu 4,9% de julho a setembro
Douglas Gavras
Os sinais de desaceleração da economia chinesa no terceiro trimestre são uma péssima notícia para países dependentes de commodities (os produtos básicos), como o Brasil.
Embora, pelo tamanho da China, o crescimento global deva ser afetado como um todo, a economia brasileira deve ser uma das maiores prejudicadas, com a consolidação de um cenário de desempenho mais fraco do país asiático nos próximos anos.
O resultado demonstrou uma desaceleração em relação à expansão de 18,3% no primeiro trimestre, quando a taxa de crescimento anual foi amplamente favorecida pela base fraca de comparação com a queda induzida pela pandemia no início de 2020.
Nas contas dos economistas do Itaú Unibanco, para cada 1 ponto percentual de queda no PIB da China, o PIB brasileiro tem uma retração de 0,3 p.p. A projeção atual do banco é que a economia chinesa cresça 5,1% no ano que vem (ante estimativa anterior de 5,8%). Para o Brasil, a expectativa é de crescimento de 0,5% em 2022.
"Portanto, se a desaceleração persistir e a China crescer 4% em 2022, o Brasil, vai crescer apenas 0,2%", resume Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco. Ele lembra que países exportadores de commodities, como o Brasil, tendem a ter um impacto grande da desaceleração chinesa.
A economista Laura Pitta, também do Itaú Unibanco, acrescenta que pesou sobre a China o impacto nos serviços da variante delta, que se espalhou rapidamente pelo país.
"Como a China tem uma política de tolerância zero para novos casos de Covid-19, o governo adotou medidas de restrições que tiveram impacto na atividade, enquanto outros países caminhavam para uma situação de convivência com o vírus."
Ela lembra que o processo de desaceleração do país asiático é estrutural, e que as taxas de crescimento anuais na casa de 10%, como ocorreu nos anos 2000, se deram em um contexto diferente, por se tratar de um período de forte urbanização do país.
"Hoje, a perspectiva de crescimento é de convergência para patamares perto do de países desenvolvidos. É difícil imaginar a China crescendo mais do que 7% ou 8% daqui para frente."
Os efeitos globais da perda de fôlego na China já estão aparecendo e vão continuar mais fortes, avalia Roberto Dumas Damas, professor de economia do Insper. Ele lembra que pesaram sobre o desempenho chinês os projetos de mudança da matriz energética do país, para alternativas mais limpas, o que fez com que o governo desativasse minas de carvão, gerando uma crise de energia agora.
"A crise não é só na China, mas ela veio piorar os planos de recuperação do Brasil, com aumento de preços de defensivos agrícolas chineses, o que vai pesar nos preços dos alimentos no Brasil lá na frente, além da diminuição nas exportações de minério de ferro."
Com uma entrada menor de dólares no Brasil, o câmbio também deve continuar pressionado, diz Dumas.
"Na saída do pior momento da pandemia, quando a economia brasileira mais precisava de tração, estamos vendo esse impulso cair, e o Banco Central deve continuar tendo de subir juros para combater a inflação—são vários fatores contrários ao nosso crescimento no ano que vem."
"O quarto trimestre não deve ser bom lá também, e a recuperação do mundo não vai como se esperava. E no Brasil, estamos cada vez mais próximos de uma estagflação", avalia o professor.
Para Welber Barral, consultor e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, fundamentalmente, o impacto da desaceleração chinesa deverá se dar nos preços das commodities.
"Ninguém espera que a China deixe de comprar do Brasil, mas a questão é o valor. Há, hoje, um preço futuro que leva em conta a demanda deles, e esses preços podem continuar caindo para outros produtos, como já está acontecendo com o minério de ferro."
Embora Barral considere que as commodities agrícolas —como a soja e o milho— estão mais protegidas que as minerais, é preciso levar em consideração que uma queda de preços nos grãos pode ter um efeito importante sobre a balança comercial brasileira.
No Brasil, a desaceleração da indústria chinesa reduz a demanda por petróleo, ferro e aço, avalia João Leal, economista da Rio Bravo. "Essas commodities perdem força e trazem uma pressão de baixa. O Brasil, assim, pode ser um dos países que mais sofrem com essa perda de fôlego chinesa. Sobre as commodities agrícolas, devem sofrer menos, embora alguma redução acabe ocorrendo."
A segunda maior economia do mundo se recuperou da pandemia, mas a retomada perdeu fôlego pela queda na atividade industrial, consumo mais fraco e desaceleração do setor imobiliário —com as dificuldades enfrentadas pela gigante imobiliária Evergrande, que acumula dívida de mais de US$ 300 bilhões.
Para o economista do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) Rafael Cagnin, a desaceleração mostra um novo capítulo para a economia chinesa, que deve ser marcado por um crescimento um pouco mais modesto e que já vinha sendo antecipado desde a crise de 2008.
"Agora, o que temos é um acúmulo de efeitos. Além da questão energética, que pegou muita gente desprevenida, há desafios crescentes, como a escassez de parte de componentes industriais, como chips, a questão de um endividamento do setor imobiliário, gargalos logísticos de contêineres."
Se a China começa a crescer menos, a demanda por produtos brasileiros inevitavelmente vai diminuir, diz o presidente executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro.
"Nesse mar de incertezas, há dois possíveis efeitos positivos para o Brasil: ao ter de fechar fábricas, para compensar a crise de energia, a China pode abrir espaço para aumentar a importação de produtos beneficiados, como óleo e farelo de soja, e o Brasil poderia aproveitar esse movimento."
Em segundo lugar, Castro acrescenta que o Brasil poderia se beneficiar de um movimento de descentralização das cadeias globais de produção, com a produção industrial crescendo em diferentes partes do mundo, para reduzir a dependência da indústria chinesa.
A economista do Bradesco e diretora de Economia do CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China), Fabiana D'Atri, pondera que as principais razões para a desaceleração chinesa se dão por uma opção do governo de controlar o setor imobiliário e os graves problemas ambientais do país.
"Há uma opção por um crescimento menor, pelas políticas que o governo chinês está adotando. No nosso cenário, trabalhamos com um crescimento abaixo de 5% da China no ano que vem."
Ela ressalta que se o efeito do desempenho do país nas commodities metálicas é evidente, nos produtos básicos do agronegócio o impacto é bem distinto.
"É parte dos planos do governo chinês fortalecer o mercado consumidor interno e reduzir a desigualdade de renda. O menor crescimento do PIB chinês não deve impactar na demanda por alimentos."