IEDI na Imprensa - Indústria de transformação projeta 2022 difícil após três trimestres de retração
Valor Econômico
Alta de custos, crise hídrica e juros elevados complicam cenário no último trimestre e para o ano que vem
Marta Watanabe
O Produto Interno Bruto (PIB) da indústria de transformação completou de julho a setembro três trimestres consecutivos em queda, na comparação na margem, com ajuste sazonal, sob impactos negativos diversos, como custos mais elevados por efeitos de câmbio, alta de commodities, escassez hídrica e elevação de juros, ao lado de riscos políticos e fiscais minando confiança. A persistência de grande parte dos fatores promete um quarto trimestre e um 2022 ainda difícil para o setor.
De acordo com dados divulgados ontem pelo IBGE, o total da indústria teve crescimento zero de julho a setembro em relação ao trimestre anterior, na série com ajuste sazonal. O único desempenho positivo na decomposição da atividade foi da construção, que avançou 3,9% no mesmo critério. A indústria de transformação caiu 1% e as indústrias extrativas, 0,4%. O ramo da eletricidade, gás, água e esgoto recuou 1,1%.
“Se o PIB total dá sinais de esmorecimento, na indústria o quadro é ainda mais grave”, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). Em 2021, destaca ele, o PIB da indústria de transformação não cresceu um trimestre sequer. Antes do terceiro trimestre, o segmento já havia experimentado recuo de 0,4% de janeiro a março e de 2,5% abril a junho, sempre na margem, na série com ajuste sazonal. Mesmo na indústria geral, ressalta, que só não foi pior graças à construção, houve estabilidade, após queda de 0,5% no segundo semestre.
Para Cagnin, a dificuldade da indústria deve-se manter no quarto trimestre. A atividade, diz ele, só apresentará no ano uma variação positiva em razão da baixa base de comparação em relação a 2020, mas fechará o ano ainda distante de uma trajetória mais consistente de recuperação. Os efeitos diretos da pandemia, diz ele, resultaram em desdobramentos adversos ao crescimento industrial, como gargalos nas cadeias produtivas, aceleração da inflação e desemprego elevado. Outros desafios se somaram a estes, como crise hídrica, tensões políticas e dúvidas sobre as reformas estruturais. De um lado há incertezas e ampliação de custos, diz, ao mesmo tempo em que desemprego e inflação reduzem consumo e, com isso, o mercado para bens industriais diminui, cenário que deve se manter em 2022.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que ao lado do setor de serviços, a indústria entregou resultados “pífios” na saída da pandemia. A baixa competitividade histórica do setor, avalia o economista, fica ainda mais comprometida depois de anos seguidos de crise. A saída da pandemia, mais concentrada em consumo de serviços, diz, afugentou o consumidor do varejo, especialmente em um momento de piora da inflação.
A inflação acelerada tem sido suficiente também para conter a recuperação da economia, quadro que deve ser agravado com a perspectiva de alta da Selic, que Vale estima em 11,75% em março do ano que vem. Para ele, há uma estagnação que deverá permanecer ao longo dos próximos trimestres. Os dados de atividade de outubro e novembro divulgados até agora, diz ele, sinalizam novo enfraquecimento, acelerando a piora da economia observada no terceiro trimestre. Tanto a indústria, que deve ter queda de quase 1% em outubro, diz ele, quanto os indicadores de confiança, que desabaram em novembro, dão o tom de um PIB que deve crescer apenas 0,1% no quarto trimestre.
“Sem indústria dinâmica é pouco provável que tenhamos uma trajetória consistente de crescimento para o PIB geral do país”, diz Cagnin, em razão do efeito dinamizar da indústria, que também gera empregos com salários mais altos e qualificação maior do mercado de trabalho. Ele lembra estudos indicando que cada um R$ 1 produzido pela indústria de transformação induz um aumento de R$ 2,14 na produção total da economia.