IEDI na Imprensa - Pressões atípicas podem trazer novo padrão nas compras
Valor Econômico
Importação de vacina deve ser uma das mudanças de caráter permanente
Marta Watanabe
Parte dos eventos atípicos que levaram as importações a se descolarem da absorção doméstica em 2021 pode não só se prolongar para o ano que vem, mas ter efeitos mais permanentes. Entre eles, especialistas destacam a compra de vacinas, cuja importação pode mudar de padrão. Já a atual escassez hídrica, que neste ano gerou aumento da importação de derivados de petróleo direcionados a termelétricas, é um evento que, segundo alguns economistas, revela o quanto a matriz brasileira de produção de energia é vulnerável a fatores climáticos, que tendem a se tornar cada vez mais frequentes. Nesse sentido, trata-se de cenário que demanda medidas para que no futuro não sejam criadas novas dependências de fornecimentos externos.
Dentre as mudanças em 2021 em relação ao que se via historicamente nas importações, há fenômenos que são pontuais e outros que podem representar mudanças de padrão, diz Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Nesse segundo grupo, ele destaca a importação de vacinas, que cresceu durante a pandemia, puxada pela compra de imunizantes contra covid-19.
“A perspectiva é de termos sucessivas rodadas de vacinação e nossa capacidade interna de produção, ainda que crescente, é relativamente limitada”, diz Ribeiro. Por isso, diz, é possível ter nesse item uma mudança de regime. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/ME), a importação de vacinas para medicina humana saltou de US$ 626,6 milhões de janeiro a novembro de 2020 para US$ 3,67 bilhões neste ano. Em 2019, a importação foi de US$ 665,6 milhões, sempre em iguais meses.
Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), afirma que o cenário de importações neste ano mostra deficiências da estrutura produtiva brasileira, com indicativos de problemas que podem ser criados para frente.
Na importação de gás para produção de energia elétrica, exemplifica Cagnin, há um aspecto conjuntural, que é o regime de chuvas, que pode melhorar. Mas a questão, ressalta ele, além da atual elevação de preços, é que daqui para a frente, ao que tudo indica, teremos irregularidade de chuvas e efeitos climáticos com maior frequência. “Há um processo cumulativo que vem afetando nossa capacidade de estocagem de energia elétrica, dada pelos reservatórios de água, já que a principal matriz energética do país são as hidrelétricas.”
Segundo Cagnin, é preciso reagir a esse cenário mantendo a vantagem do país de geração limpa de energia, uma demanda global cada vez maior. “O Brasil tem condições de fazer esses movimentos, o que pode passar por construção de novos reservatórios, pela melhor integração deles e também por maior exploração de energia eólica e solar, fontes que o país tem capacidade gigantesca de aproveitar.”
A opção que fizemos para resolver o problema da crise hídrica em 2021, que foi em cima de geração de energia usando combustíveis fósseis que precisamos importar, é razoável se ela for efetivamente muito pontual e emergencial e estiver acoplada a medidas de médio e longo prazos para desenvolvimento de fontes alternativas limpas. “Não é sustentável no longo prazo depender desse tipo de tipo de matriz energética para compensar as vulnerabilidades do nosso sistema elétrico. O cenário de 2021 é um sinal de alerta.”