IEDI na Imprensa - Gargalos, demanda fraca e custos elevados devem levar indústria a mais um ano perdido
Valor Econômico
Para economistas, o mais provável é que setor só tenha recuperação sustentável em 2023
Alessandra Saraiva
A indústria corre o risco de ter mais um ano perdido em 2022. O alerta foi feito por analistas consultados pelo Valor.
Levantamento exclusivo da Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre trajetória do Nível de Utilização de Capacidade Instalada (Nuci), feito a pedido do Valor, mostra que os sinais de reação da atividade, no setor, não foram suficientes para que o uso de capacidade da indústria, nos últimos dois anos, voltasse à média histórica de antes de 2020.
De janeiro de 2010 a dezembro de 2019, a média histórica do Nuci da indústria brasileira era de 78,8% e, nos últimos dois anos, de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, ficou, em média, em 76,2%.
No entendimento de especialistas, a retomada consistente da atividade industrial enfrenta, neste ano, vários obstáculos. Entre eles, marcas de gargalos na cadeia global de insumos, persistentes nos últimos dois anos; e demanda interna ainda enfraquecida, prejudicada por inflação e juros em alta e renda em baixa. Além disso, em 2022 a indústria ainda deve operar com custos elevados, principalmente de energia. Para os economistas, o mais provável é que uma recuperação sustentável na indústria ocorra apenas em 2023.
Claudia Perdigão, economista da FGV e responsável pelo cálculo do Nuci em cenários pré e pós pandemia, notou que a indústria mostrou alguns bons momentos, de reação de atividade. Mas erráticos, e conectados a áreas específicas, com boas performances durante a pandemia – como commodities agrícolas e extrativa mineral (petróleo e minério de ferro). Como exemplos sobre trajetória errática do Nuci, comentou que, em abril de 2020, esse indicador operava em 57,3%, mínimo da série histórica originada em janeiro de 2001. Mas em outubro de 2021, estava em 81,3%, o maior valor desde junho de 2014 (81,6%). Na prática, pontuou ela, não houve trajetória de altas consistentes, no Nuci, ao ponto de a média da pandemia ter retornado ao que era antes do avanço da covid-19 no país. “Esse período de 2020 a 2021 tivemos oscilações muito grandes”, resumiu a economista.
Agora, para 2022, alguns dos vários fatores que impediram recuperação sustentável nos últimos anos ainda permanecem, comentou a técnica. Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), concorda. “Todos os problemas que foram se acumulando [nos últimos anos na indústria] não vão desaparecer em 2022”, afirmou ele.
Além dos entraves antigos, problemas novos também devem afetar a produtividade neste início de ano. Ele comentou sobre o avanço rápido da ômicron, variante da covid-19, que levou a aumento de casos da doença, com posterior afastamento de funcionários contaminados.
“Em escritório até dá para lidar [com afastamentos] sem grandes perdas. Mas do ponto de vista do chão de fábrica, isso gera obstáculos [à produção]” disse. Para ele, isso pode prejudicar produção industrial no começo de 2022.
Além disso, lembrou dos problemas enfrentados pelo setor de bens duráveis — de maior valor, como veículos, fogões e geladeiras —, internos e externos. No ambiente interno, Cagnin notou que, se o poder aquisitivo do consumidor não estiver em alta ou estável, como parece ser o caso este ano, a decisão de compra pode ser adiada. No lado externo, Cagnin recordou ainda que, durante a pandemia, esse setor foi mais vulnerável ao problema de falta de material, devido a problemas na cadeia global de insumos, como falta de semicondutores para veículos, lembrou ele.
Rodolfo Margato, economista da XP, aguarda regularização maior e mais sustentável da cadeia global de insumos da indústria a partir do segundo semestre de 2022 – assim como os outros especialistas ouvidos. “No ano passado, a indústria teve uma performance abaixo [do esperado]” lembrou ele, frisando que, além de falta de insumos, o setor ainda teve que lidar com crise energética, que causou encarecimento de custos com energia.
Mas, ao ser questionado se essa regularização, na prática, levaria a retomada sustentável da indústria ainda neste ano, o especialista da XP afirmou não acreditar nessa possibilidade. “É difícil imaginar 2022 como ano de retomada consistente. É um ano de busca pelo reequilíbrio entre oferta e demanda”, resumiu ele.
As projeções da XP para a indústria em 2022 refletem o entendimento de Margato. A casa estima alta de apenas 0,8% na atividade industrial este ano – sendo que, no ano passado, a produção industrial deve encerrar em torno de 4,2%, mas frente à base de comparação fraca, frisou o técnico, referente a 2020.
As projeções são semelhantes à do banco Inter, que estima crescimento de 0,5% em 2022, ante alta em torno de 4% em 2021, informou Rafaela Vitória, economista-chefe da instituição. Mas ela prevê crescimento de 2% para a produção industrial em 2023, no qual poderá ser possível “crescimento consistente” da indústria, nas palavras da especialista.
A economista do banco Inter comentou que, pelo menos até o momento, a retomada da indústria não opera de forma uniforme. Ela comentou que, no caso das montadoras, a partir do momento em que haja regularização na cadeia de insumos, esse segmento pode voltar a normalizar estoques. Outros segmentos industriais ligados à mineração, papel e celulose também têm chance de bons desempenhos neste ano. No entanto, observou que algumas áreas dentro da indústria dependem de reação robusta da demanda interna – o que não ocorre, no momento, notou a especialista. “A massa salarial não está crescendo tanto, mesmo com a retomada do emprego. E a taxa do desemprego ainda é alta”, lembrou, comentando que esses fatores “enfraquecem” a demanda final da indústria.
Em novembro de 2021 — dado oficial mais atualizado —, a produção industrial caiu 0,2% ante outubro, sexto recuo consecutivo nessa comparação ante o mês anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).