IEDI na Imprensa - Cenário adverso leva setor de bens de capital à estagnação
Valor Econômico
Incerteza, indústria em dificuldade, juro elevado e queda do investimento afetam produção de máquinas e equipamentos
Marsílea Gombata
A conjunção de cenário econômico incerto - com implicações para a confiança, juros e câmbio e seus efeitos nocivos sobre o investimento -, política monetária restritiva e baixa produção na indústria de transformação tem levado o setor de máquinas e equipamentos a um período estagnação. Pelo lado da demanda, o investimento é o único componente do PIB com contração no segundo trimestre, refletindo sucessivas quedas da formação bruta de capital fixo. Economistas alertam sobre a gravidade da queda do indicador, que serve como termômetro do potencial da economia.
No segundo trimestre, o PIB cresceu 0,9%, na comparação com o trimestre anterior, e 3,4% em relação ao mesmo período do ano anterior. Pela ótica da despesa, exportações, consumo da família e do governo tiveram forte aumento. Mas investimentos produtivos, especialmente em máquinas e equipamentos, continuaram parados. A formação bruta de capital fixo (FBCF, que agrega investimentos em máquinas e equipamentos, na construção civil e outros ativos fixos) teve alta de 0,1% no trimestre e queda de 2,6% na comparação com o mesmo período de 2022, encerrando o primeiro semestre com queda de 3,3% ante o semestre anterior e de 0,9%, na comparação com o mesmo semestre de 2022.
Com o fraco desempenho da FBCF, a taxa de investimento atingiu 17,2% do PIB, o que representa queda de 1,1 ponto percentual em relação ao segundo trimestre de 2022. Nota técnica do Ipea diz que o quadro é desafiador quando se olha a indústria da transformação em queda e alerta para o peso dos juros elevados nisso.
Segundo dados de julho sobre o Indicador Ipea Mensal de FBCF, que agrega investimentos em máquinas e equipamentos na construção civil e em outros ativos fixos, houve queda de 1,5% na passagem de junho para julho na série com ajuste sazonal, após recuo de 0,7%, no mês anterior. Com isso, o indicador está em 168,04, com ajuste sazonal, 17,6% abaixo do ponto máximo da série, de 203,84, em abril de 2013.
“Os investimentos em máquinas e equipamentos - medidos segundo o conceito de consumo aparente, que corresponde à produção nacional destinada ao mercado interno acrescida das importações - apresentaram recuo de 4% em julho”, escreveu o técnico Leonardo Mello de Carvalho, na nota, ao lembrar que a produção nacional de componentes caiu 3,6%, e a importação recuou 4,7%.
No acumulado em 12 meses, o consumo aparente (ou demanda interna) de máquinas e equipamentos teve retração de 3,2%.
Um quadro menos grave foi apresentado pelos investimentos em construção civil, que registraram queda de 0,1% em julho, após redução de 3,2% em junho e expansão de 4,2% em 12 meses.
“O investimento vem de uma trajetória de desaceleração desde o ano passado. Houve um período positivo em 2021, dada a base de comparação baixa, mas voltou a desacelerar no ano passado e neste ano, ficando negativo no segundo trimestre”, afirma Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Segundo ele, têm relação direta com esse cenário a produção de bens de capital no vermelho desde 2021 e a idade média avançada do parque industrial brasileiro.
“Outro ponto de atenção é o levantamento da CNI segundo o qual a idade média dos equipamentos da indústria é alta e mais de um terço está obsoleto.”
Acredito que a taxa de investimento comece a subir nos próximos meses”
A pesquisa Idade e Ciclo de Vida das Máquinas e Equipamentos no Brasil, de junho de 2023, mostra que esses ativos possuem, em média, 14 anos, e 38% desses estão próximos ou já ultrapassaram a idade sinalizada pelo fabricante como ciclo de vida ideal.
A CNI lembra que 12% do parque industrial brasileiro é herança das décadas de 1980 e 1990, pré-internet no Brasil, e 20% do período entre 1998 e 2008. O pico de aquisições de máquinas e equipamentos ocorreu no período de 2008 e 2013, que concentra 28% das aquisições. Apenas 22% são de 2016 em diante, quando os conceitos de indústria 4.0 começaram a ser difundidos com mais força.
Cagnin diz que hoje há velocidade maior de difusão de tecnologias digitais, mas elas não estão no Brasil. “Temos, então, um trabalho duplo, então, de atualizar o que está ficando velho e de ultrapassar essa fronteira tecnológica”, diz. Para ele, parte do problema ocorre porque a indústria de transformação não cresce desde 2014.
“Vemos um ano ou outro de desempenho positivo. Houve saída da crise em 2017, com um desempenho um pouco melhor, depois desaceleração em 2018, PIB da indústria de transformação no vermelho em 2019, negativo novamente em 2020, e crescimento em 2021 pela base de comparação muito baixa. Em 2022, apesar de medidas anticíclicas, a indústria fecha o ano no vermelho e assim continua neste ano”, afirma.
Cagnin atribui o período sem dinamismo do setor a “distorções da economia brasileira”, como entraves tributários e logísticos que afetam a cadeia produtiva, e altas taxas de juros, que afetam o investimento no curto prazo. “Não tem como deslanchar investimento com juros básicos de dois dígitos.”
A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) prevê que o Brasil termine 2023 com taxa de investimento em torno de 17% do PIB, abaixo da média de 21% e bem abaixo dos 24% necessários, na avaliação da associação.
Segundo a entidade, o setor tem queda acumulada de 13% da receita líquida de janeiro a agosto e contração de 7,9% do consumo aparente. Só nos itens produzidos localmente, a queda chega a 13%.
“Estamos com demanda reprimida. Deveríamos estar investimento entre 24% e 25% do PIB para indústria e infraestrutura, quando investimentos 17%. A principal razão por trás disso é a política monetária restritiva”, diz José Velloso, presidente-executivo da Abimaq.
A Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF), do IBGE, mostra que bens de capital é o item de grandes categorias que apresenta maior queda.
A contração foi de 7,4% em julho, ante junho, e de 16,9% na comparação com julho de 2022. A produção de bens de capital acumula queda de 10,8% de janeiro a julho. Em 12 meses até julho, só houve crescimento em quatro meses.
“Vemos muito setores que têm bom desempenho, como o agropecuário, que deve crescer 13% no ano, com dificuldade [para aquisição de máquinas e equipamentos]” por questões cambiais, diz Cristina Zanella, diretora de competitividade, economia e estatística da Abimaq. Segundo ela, de janeiro a agosto, o investimento em máquinas e equipamentos no campo caiu 19,2%, na variação anual. Na indústria de transformação foi de 10,3%, e no segmento máquinas rodoviárias, de 14,5%. Mesmo na construção civil, com cenário menos negativo, a queda foi de 11,4% e a perspectiva é cair 13% este ano.
Dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) do terceiro trimestre indicam continuidade desse cenário, com forte contração da absorção de máquinas e equipamentos (produção local mais importação, excluindo a exportação). Os cálculos com os dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) mostram queda de 13,3% no bimestre julho e agosto deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Os relativos ao Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da FGV mostram queda da ordem de 11,1% no período.
Na edição de setembro de seu Boletim Macro, o FGV Ibre afirmou que, “mesmo com desempenho melhor da construção civil, tudo aponta uma contração do investimento no ano de 0,9%, após crescer apenas 0,9% em 2022”.
“Vemos a produção de bens de capital muito aquém do que foi no ano passado. O mesmo vale para importação desses bens”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre. “A absorção de máquinas e equipamentos muito negativas no início do terceiro trimestre traça um cenário bastante ruim para o investimento.” Ela ressalta a heterogeneidade atual entre os indicadores econômicos, com o PIB positivo e o investimento na direção contrária. “Esse é um sinal de alerta, principalmente quando pensamos em potencial da economia.”
No médio e longo prazo, afirma Velloso, as perspectivas para o investimento são menos duras, com a queda da inflação, o arcabouço fiscal, a reforma tributária e a sinalização do ciclo de redução da taxa de juros Selic.
“Acredito que a taxa de investimento, enquanto formação bruta de capital fixo, comece a subir nos próximos meses e, ao fim do primeiro trimestre de 2024, cresça”, diz Velloso.
Zanella vê um cenário mais positivo que o de 2023, mas sem grande euforia. “Olhando cada segmento individualmente, o consumo pelo setor agropecuário deve deixar de cair, enquanto o de construção civil deve melhorar, por eleições municipais, o Minha Casa Minha, Vida e o PAC”, diz.
Ela acrescenta que, na indústria extrativa, a demanda deve seguir bem, mas na de transformação tende a ser puxada pela recomposição de renda e pelo consumo das famílias.
“Caindo os juros, a perspectiva melhora. Mas vai demorar até o repasse chegar às taxas de empréstimos, [crucial para a indústria]”, conclui Cagnin.