IEDI na Imprensa - Estudo aponta ganhos em serviços e indústria do Brasil em acordo do Mercosul com UE
Valor Econômico
Setores podem crescer, atrair investimentos e obter ganhos de produtividade até 2040, mostra levantamento conduzido pelo Ipea
José Paiva Ribeiro
Com o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), o agronegócio é o grande beneficiado, mas o arranjo pode trazer ganhos também para a indústria brasileira, inclusive a de transformação, afirmam economistas. No médio prazo, acrescentam, o acordo pode aumentar a produtividade brasileira e atrair investimentos.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que até 2040, o agronegócio teria aumento de produção de 2%, equivalente a US$ 10,9 bilhões, enquanto na indústria extrativa mineral o ganho seria de 0,08%, ou US$ 126 milhões, e na de transformação, 0,04%, ou US$ 498,5 milhões. Serviços, por sua vez, teriam ganho de 0,41%, ou US$ 9,9 bilhões.
“O acordo Mercosul-União Europeia traria efeitos significativos sobre os níveis de produção de determinados setores no Brasil, com um padrão bem marcante: ganhos em quase todos os setores do agronegócio e perdas concentradas em alguns setores industriais”, diz a nota técnica Avaliação dos impactos do acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia, feita por Fernando José da Silva Paiva Ribeiro, Admir Antonio Betarelli Junior e Weslem Rodrigues Faria.
Apesar de ter sido escrito no ano passado, o texto é baseado em um acordo comercial nos moldes do anunciado na semana passada, ou seja, que inclui atualizações como o fortalecimento de compromissos ambientais e priorização de setores estratégicos como saúde em compras governamentais.
No agronegócio, segundo o documento, cerca de três quartos dos ganhos estariam concentrados em quatro setores: carnes de suíno e aves, outros produtos alimentares (basicamente pescado e preparações alimentícias), óleos e gorduras vegetais, e pecuária (gado em pé). Em outros, como carne bovina, açúcar e arroz processado, não haveria grande aumento de produção, já que as exportações para a UE não representariam uma fração relevante da exportação total ou da produção doméstica. A nota do Ipea não desagrega os segmentos de serviços, pois o objetivo era analisar o impacto sobre a produção e o comércio de mercadorias.
Perdas estariam concentradas e são pequenas proporcionalmente”
“Com relação ao impacto na indústria de transformação, salta aos olhos o fato de que a variação da produção total seria levemente positiva, com ganho da ordem de US$ 500 milhões”, diz o Ipea, ao acrescentar que a queda de produção ficaria concentrada em poucos setores, como veículos e peças, metais ferrosos, artigos do vestuário e acessórios, produtos de metal, têxteis, farmacêuticos, máquinas e equipamentos, e equipamentos eletrônicos.
Essas perdas, dizem os técnicos, poderiam ser compensadas por ganhos em calçados e artefatos de couro, outros equipamentos de transporte, metais não ferrosos, celulose e papel, e produtos de madeira.
“No fim, o agronegócio é o grande ganhador, com ganhos de produção e de emprego, à exceção de alguns setores de fibras naturais, que é irrelevante no comércio bilateral”, afirma Fernando José da Silva Paiva Ribeiro, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e um dos autores do estudo, ao observar que o importante é mais setores que tenham aumento de produção, o que diz respeito ao impacto doméstico, do que necessariamente exportem mais. “As perdas estariam bastante concentradas e são pequenas proporcionalmente.”
Ribeiro acrescenta que o modelo utilizado para mensurar os impactos do acordo não consegue incluir todos os desdobramentos possíveis, mas embute características do cenário atual, que difere de quando o Brasil começou a negociar o acordo com a UE, em 1999.
Na época, lembra, o bloco europeu era considerado uma potência industrial e a ascensão da China no cenário internacional não havia começado. Havia, portanto, temores por parte do setor industrial brasileiro de que o acordo o prejudicaria, o que é diferente hoje.
“A grande concorrência do Brasil vem da indústria asiática, e não da europeia”, diz. “Tanto que a indústria [brasileira] comemorou o acordo, pois não traz grandes prejuízos para o setor.”
O estudo mostra ainda que as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas no acordo provocariam efeito positivo sobre o Produto Interno Bruto (PIB). Até 2040, o aumento do PIB do Brasil seria de 0,46%, o da União Europeia, de 0,06%, e o dos demais países do Mercosul, 0,20%.
No cenário até 2040 projetado no documento, as exportações do Brasil cresceriam 3%, ante alta de 0,12% das da UE e de 0,97% das dos demais países do Mercosul. No que diz respeito às importações, o ganho brasileiro também seria de 3%, ante 0,16% do bloco europeu e 0,92% do restante do Mercosul.
“Todos os setores podem se beneficiar [do acordo]. É importante ter em conta que um acordo como esse abre portas, cria acesso a mercados. Mas a constituição efetiva dos fluxos de comércio e de investimentos que se beneficiam desses acessos depende de um conjunto mais amplo de fatores. Um acordo comercial, por mais importante que seja, não é uma panaceia”, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI).
Nesse sentido, argumenta Cagnin, a conclusão das negociações e sua implementação fazem parte de um processo mais amplo que teria de incluir aumento de competitividade da produção nacional e redução do custo Brasil, o que poderia vir com a reforma tributária, além de políticas industriais para gerar ganho de produtividade e maior sustentabilidade.
“Dadas as características da matriz energética brasileira, a iniciativa europeia de implementar o imposto Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) pode potencializar efeitos positivos do acesso a mercados obtido com o acordo e atrair investimentos ao país em setores intensivos em energia”, diz. “Nesse sentido, o importante é defender normas, padrões e certificações que não nos prejudiquem.”
Para além de ganhos na agroindústria como um todo, itens brasileiros com maior valor agregado poderiam ter alta importante nos embarques, como cafés de diferentes origens, cacau, açaí e cosméticos, diz Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações e associada sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
“Tudo o que tem a ver com sustentabilidade, seja com o Brasil fornecendo um produto que ajudar a descarbonizar uma cadeia, seja com o consumidor europeu reconhecendo critérios de sustentabilidade nesse produto e disposto a pagar um valor complementar pelo esforço de preservação ecológica, é interessante”, diz. “Caberá a nós, então, implementar sistemas de rastreabilidade [para provar a sustentabilidade desses itens].”
Wachholz acrescenta ainda que a importação de máquinas industriais da Europa poderia trazer benefícios indiretos para o Brasil, podendo aumentar a produtividade e reduzir custos. E pontua que o acordo pode ser um importante alavancador de investimentos estrangeiros.
Cálculos do Ipea mostram que o acordo traria aumento de 1,49% dos investimentos no Brasil até 2040, acima dos ganhos da União Europeia (0,12%) e dos outros países do Mercosul (0,41%). Outro provável efeito do acordo seria um desvio de comércio para a Europa, com alta das compras de bens industriais da UE pelo Brasil, em paralelo à queda das importações do restante do mundo.
O Brasil, prevê o Ipea, teria redução de US$ 21,5 bilhões de seu saldo comercial com a UE, o que seria compensado pelo saldo com o restante do mundo, que aumentaria em US$ 20,6 bilhões.