IEDI na Imprensa - Juros altos e Trump são desafio para bom momento da indústria de transformação
Valor Econômico
Exportações ajudam retomada do setor no ano, com destaque para alimentos, máquinas e equipamentos e produtos de madeira
Marsílea Gombata
O ano de 2024 marcou a retomada da indústria de transformação, que vem tendo um desempenho exportador melhor que no ano passado. Hoje o setor é um dos principais motores dos embarques brasileiros, com destaque para alimentos, máquinas e equipamentos e produtos de madeira. No horizonte de médio prazo, contudo, as perspectivas são incertas, frente ao aperto monetário e a possibilidade de aumento de tarifas por parte dos Estados Unidos sob Donald Trump.
No período de janeiro a novembro, a indústria manufatureira puxou as exportações, ficando atrás apenas da indústria extrativa e à frente da agropecuária. Além das vendas externas, o volume importado também registrou forte alta, com destaque para a compra de bens de capital.
Segundo Lia Baker Valls Pereira, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a alta das exportações foi impulsionada pela indústria extrativa, cujos volumes embarcados cresceram 21,9% em novembro, em relação ao mesmo mês do ano passado. Em segundo lugar, veio a indústria de transformação, com alta de 9,5%. Os volumes da agropecuária, por sua vez, recuaram 26,4%, segundo o Indicador de Comércio Exterior (Icomex), do FGV Ibre.
A fotografia de novembro repete o cenário do ano, com alta de 10,5% nos volumes exportados da indústria extrativa, crescimento de 3,8% das vendas de manufaturas para o exterior, e contração de 0,1% das da agropecuária.
Em termos de preços, mostram dados do Icomex, só registraram variação positiva os da indústria de transformação.
De acordo com cifras da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), dentro da indústria de transformação, alimentos puxaram as vendas internacionais, com destaque para carne bovina fresca, refrigerada ou congelada (com alta de 28,5% em novembro de 2024 na comparação com o mesmo mês do ano anterior), celulose (31,3%), sucos de frutas ou de vegetais (71%). Tiveram altas expressivas também as exportações de tabaco (153,3%) e ouro não monetário que não minério de ouro (115%).
Os dados do Icomex mostram que, dentro da indústria de transformação, a de alimentos respondeu por 35% das vendas para o exterior em novembro, que cresceram 6,5%, ante o mesmo mês do ano passado. As vendas da indústria de papel e celulose, que tiveram participação de 6,6% nas exportações, subiram 8,9%, enquanto as de produtos de madeira cresceram 39,3%. As de veículos automotores, reboques e carrocerias, com a terceira maior participação nas exportações da transformação (6,8%), cresceram 14,5%.
Em volume, as importações da indústria de transformação cresceram 17% de janeiro a novembro, ante alta de 6,1% da indústria extrativa e de 33% da agropecuária, de acordo com o Icomex. Destaque para máquinas e equipamentos, cujas importações cresceram 22,7% em novembro, e as de máquinas, aparelhos e materiais elétricos, com alta de 20,7% no mês.
“Este está sendo um ano bom para a indústria de transformação, quando comparamos aos anteriores. O aumento de importações de bens de capital e intermediários é um sinal positivo e mostra dinamismo do setor”, diz Valls.
“Os setores que mais crescem [em termos de comércio exterior] não refletem nossas vantagens mais tradicionais. Neste ano, [por exemplo], aumentou bastante a exportação de aviões. E, nos últimos meses, passamos a exportar muito automóvel para a Argentina.”
Em novembro, as exportações brasileiras de bens duráveis para o país vizinho cresceram 151,2%, na comparação com novembro de 2023, após altas de 230,5% em outubro e 354,8% em setembro.
Mesmo com a recessão da Argentina, que comprou menos do Brasil ao longo de 2024, o desempenho comercial da indústria de transformação surpreendeu neste ano, afirma Gustavo Bonini, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Ele destaca a exportação de veículos de passageiro e de carga e afirma que, apesar da redução dos embarques para a Argentina neste ano, têm crescido as exportações brasileiras para outros mercados, como o México.
“Crescem principalmente as de veículos pesados, como caminhões e ônibus, decorrente do acordo de livre-comércio entre Brasil e México nesse setor”, diz.
Na opinião de Bonini, a alta das importações manufatureiras é igualmente relevante, uma vez que reflete o aquecimento da economia brasileira. Ele argumenta ainda que o aumento das importações pode ser positivo para o setor, uma vez que podem ser utilizadas para complementar a produção local.
Fernando Marques, da equipe técnica do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp, lembra que cerca de 40% do que o Brasil importa é insumo industrial.
E acrescenta que o uso da capacidade instalada da indústria manufatureira deve encerrar o ano entre 82% e 83%, acima da média histórica de 79,7% desde 2005, segundo dados do Mdic.
A Fiesp prevê que a indústria de transformação cresça 3,1% neste ano, em relação a 2023. A alta contrasta com as retrações de 1,3% em 2023 e de 0,3% em 2022.
Mas para crescer de forma mais sustentável, argumenta Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), as empresas manufatureiras brasileiras precisam de maior inserção no comércio exterior global.
“A nossa indústria ainda é muito voltada para o mercado interno, e são poucas as empresas que exportam. Embora os volumes sejam expressivos se olharmos a balança comercial, os players que fazem isso são poucos”, diz.
“Do ponto de vista dessa diversificação no mercado internacional, seria interessante avançarmos em nossos acordos [comerciais], como com a União Europeia. Quanto mais países e fluxos de comércio mais diversificados, melhor.”
Riscos
Depois dos bons ventos em 2024, o setor manufatureiro deve enfrentar desafios em 2025.
A perspectiva de juros elevados por mais tempo, por exemplo, pode atrapalhar setores sensíveis à oferta de crédito, afirma João Leme, economista da Tendências Consultoria.
“[Além disso], a atividade econômica no Brasil deve acabar desacelerando os motores de demanda”, diz, ao pontuar um cenário nebuloso. “Teremos de lidar com uma política monetária muito contracionista e certa incerteza no campo fiscal, o que deteriora as expectativas para a economia.”
Valls acrescenta ainda a incerteza do cenário externo, que pode se somar às preocupações do setor manufatureiro no próximo ano.
“Não sabemos o que esperar porque o cenário internacional é muito complicado. Se o Trump realmente começar a colocar essa quantidade de tarifas que ameaça por, com muito protecionismo, será ruim para o comércio”, diz, ao lembrar que os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do Brasil.
“Se ele começar a ‘perseguir’ países que têm maior comércio com a China, por exemplo, não será nada positivo para nós.”
Soma-se a isso, afirma Cagnin, barreiras comerciais motivadas em outros países por questões ambientais ou de segurança nacional, que podem atingir um nível crítico com o retorno de Trump à Casa Branca.