IEDI na Imprensa - Indústria acumula queixas e busca recuperar terreno perdido
Valor Econômico
Segmentos de baixa intensidade tecnológica lideram avanço no setor, que enfrenta desafios como perda de produtividade
Rafael Vazquez
A lista de queixas dos empresários da indústria de transformação sobre as condições macroeconômicas do Brasil já é antiga e longa. Vai desde a carga tributária elevada de 29,5% até a falta de incentivos para investimentos em atualização tecnológica, além da atual taxa de juros em 13,25% que deve se aproximar de 15% ao longo de 2025. No entanto, o setor ainda tem participação de 10% no PIB e se mantém competitivo em nichos específicos e, principalmente, nas atividades que exigem menos intensidade tecnológica.
Conforme explica o coordenador de contas nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Claudio Considera, ao observar as exportações do setor, nota-se que 25 produtos respondem por 71% das vendas da indústria de transformação para o exterior. O nicho de alimentação está entre os principais, já que os industrializados a base de açúcar lideram a lista, representando 8,4%, e industrializados de carne bovina aparecem logo atrás com 6,3%. O pódio é completado pela área de celulose e fabricação de papel, sinalizando os nichos mais competitivos no mercado internacional atualmente.
Mas Considera aponta virtudes em outros nichos como o de aeronaves, por exemplo, que representa uma porcentagem menor na participação de exportações da indústria brasileira, de 2,6%, mas é reconhecido em todo mundo por causa da Embraer.
O economista do Ibre explica que o caminho traçado para que a Embraer seja uma empresa da indústria brasileira com peso no mundo é o que falta em outras atividades do setor hoje. Segundo ele, a existência do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) ajuda a formar os profissionais que a empresa precisa para construir modelos de aeronaves atualizados e competitivos. No fim das contas, de acordo com o especialista, isso é fundamental para manter a produtividade da empresa em alta.
“O maior problema da indústria é a perda de produtividade, que caiu enormemente desde a década de 1980”, afirma Considera, chamando a atenção para a perda de participação da indústria brasileira tanto no mercado internacional quanto no doméstico.
Ele aponta que, pelas contas nacionais, a importação de produtos industrializados de outros países para o Brasil subiu de 10%, em 1997, para 21% em 2021, por exemplo, ao passo que as exportações de industrializados brasileiros para o exterior passaram somente de 6% para 10%.
“O que não é normal no comportamento da indústria de transformação brasileira é a queda sistemática da sua produtividade. Não é normal também a perda do mercado doméstico para as importações nem sequer a perda de mercado para nossas exportações”, diz Considera.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, destaca que a chamada desindustrialização do Brasil tem sido grave justamente porque, mais além da perda de participação no PIB, que chegou a ser de 36% em 1985, afeta as manufaturas de média e alta intensidade tecnológica dentro da indústria de transformação.
“Isso foi acompanhado por uma perda em setores mais complexos, de média e alta tecnologia. Também fez com que tivéssemos uma especialização bastante pautada no setor primário, em atividade como óleo e gás e alimentos, que têm elementos de transformação, mas sem processos mais sofisticados de industrialização”, comenta Rocha. “Essa trajetória foi muito danosa para o nosso destino produtivo porque perdemos muitos elos importantes, o que se reflete hoje em dia nas nossas importações que estão crescendo de maneira brutal”, complementa.
Contudo, o economista-chefe da Fiesp afirma que, em momentos como o atual, em que o consumo das famílias está em alta, atividades como a fabricação de vestuários e calçados e de eletrodomésticos ganham impulso e ajudam a manter a indústria brasileira importante para a economia.
“Quando você tem um aumento forte no consumo das famílias, o setor que é mais impactado é o setor industrial, mais especificamente a indústria de transformação. Porque a pessoa vai comprar uma calça, uma camiseta, um tênis, uma máquina de lavar, um micro-ondas, um fogão”, explica Rocha.
De acordo com Joseph Couri, presidente do Sindicato da Pequena e Micro Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), a indústria de transformação brasileira não apenas segue “muito viva” como “tem muito potencial”, principalmente se mais incentivos forem dados às pequenas empresas do setor.
Maior problema da indústria é a perda de produtividade”
— Claudio Considera
“Os pequenos negócios [da indústria brasileira] são muito competitivos em tudo aquilo que não é massificado, que não é capital intensivo, desde a área de alimentos até confecção e calçados.”
Segundo o presidente do Simpi, um dos obstáculos para libertar o potencial da pequena indústria no país está apontado no dado oficial do governo federal de que menos de 25% das indústrias no país são informatizadas. “Não dá para fazer comércio exterior sem antes fazer uma informatização porque a comunicação hoje é digital na grande maioria dos casos”, observa.
Outro obstáculo é a burocracia e o custo relativo alto para que pequenas manufaturas brasileiras tenham a disposição de exportar. Ao cruzar dados de pesquisas internas com dados oficiais do governo federal, Couri destaca que aproximadamente 280 mil empresas da micro e pequena indústria gostariam de exportar produtos industrializados para o exterior, enquanto por volta de somente 4 mil fábricas desse porte estão nas listas oficiais de exportadores atualmente.
“Para despertar esse potencial, precisamos derrubar barreiras que estão no meio. Não podemos continuar cobrando taxas nos volumes atuais para pequenas empresas que querem exportar. Elas não vão conseguir pagar US$ 500 ou US$ 1 mil de taxas para fazer uma exportação de R$ 5 mil. Nesta, perde-se a oportunidade de trazer bilhões em divisas para o país”, critica Couri.
Ele, no entanto, elogia esforços mais recentes de governos estaduais e do federal por meio do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte junto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
“Várias medidas já foram anunciadas para aliviar os encargos sobre essas empresas e estimular que busquem esse mercado, mas é um processo que vai acontecer ao passar dos anos e estou otimista de que vamos ajudar a fomentar uma maior competitividade das pequenas indústrias”, declara Couri.
Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a atividade industrial, de fato, segue relevante e com potencial, inclusive sendo importante no processo de industrialização dos produtos primários. Mas um dos principais problemas para a melhora de competitividade em segmentos mais intensivos em tecnologia é a desarticulação nos elos da cadeia de abastecimento, que tem se agravado desde a década de 1980.
“O país começou a se desindustrializar justamente quando a microeletrônica avança na Ásia. E A microeletrônica se tornou a indústria de base de todo o processo de digitalização que vemos hoje. Nós perdemos esse bonde e não construímos competências nesses elos novos”, diz. “Por outro lado, ainda perdemos parte do que tínhamos fabricação de máquinas e equipamentos, em químicos até mesmo em veículos. Nossa indústria de autopeças diminuiu muito. Cadeias importantes que foram desarticuladas no processo de desindustrialização e que ficaram difíceis de recuperar.”
Uma alternativa, segundo Cagnin, é atacar questões centrais que aumentam o “custo Brasil” na indústria, reforçando que a realidade tributária e as taxas de financiamento ainda estão desfavoráveis para os empresários do setor, e explorar o potencial de economia descarbonizada do Brasil. “Por termos grande capacidade de gerar energia limpa, temos vantagens competitivas. Dominamos outras rotas tecnológicas novas nas quais já temos competência e atividades produtivas que poderiam catapultar o país e entrar num mercado de valor adicionado muito maior”, diz, sugerindo é mais eficiente investir no conceito de “indústria verde” do que tentar retomar hoje a capacidade em segmentos industriais em que o Brasil já perdeu competitividade.