Carta IEDI
A promoção do crescimento econômico sustentável, segundo a UNCTAD
A recuperação econômica após o choque adverso provocado pela pandemia de Covid-19 pode vir a ser mais fraca do que o necessário para reverter integralmente as perdas de emprego e de renda durante a crise. Isso porque o setor privado deve sair mais endividado, o número de falências de empresas pode ser elevado e talvez leve mais tempo para reduzir substancialmente o nível de desemprego.
Surtos adicionais de Covid-19 e a demora no desenvolvimento de uma vacina são variáveis-chave que contribuem para retardar a retomada das economias. Diante deste quadro, os governos dos países afetados pela pandemia têm adiado o fim das medidas emergenciais de preservação de empregos e empresas e têm desenhado planos de recuperação que apoiem a digitalização de suas economias e a sustentabilidade ambiental, a exemplo do plano de €750 bilhões da União Europeia.
A necessidade de um padrão de crescimento econômico mais sustentável, do ponto de vista tanto ambiental como social, já estava presente antes mesmo da crise de Covid-19. É o que vinha sendo defendido pela UNCTAD, departamento da ONU para comércio e desenvolvimento, no ano passado, ao divulgar o relatório “Financing a Global Green New Deal”.
Esta Carta IEDI aborda o terceiro capítulo deste trabalho, que traz uma orientação ampla às ações de países desenvolvidos e em desenvolvimento para se retomar um crescimento mais robusto para a economia global e para promover o desenvolvimento social e ambientalmente sustentável.
A UNCTAD reconhece que a economia mundial tem experimentado importantes desafios, cujas tendências já vinham se agravando antes mesmo da Covid-19 e comprometendo o alcance das metas de desenvolvimento sustentável previstas na Agenda 2030 das Nações Unidas. Entre estes desafios estão o enfraquecimento dos investimentos produtivos, a queda da participação dos salários na renda nacional dos países; o encolhimento das ações públicas, inclusive em áreas sociais, e o aumento das emissões de dióxido de carbono.
Como forma de reverter esse processo, a UNCTAD defende a adoção de políticas domésticas eficazes que recuperem a capacidade de o Estado reforçar junto ao setor privado a coordenação dos investimentos, de modo a construir uma estratégia de crescimento sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.
Embora não se discutam medidas específicas, ressalta-se uma orientação estratégica ampla para reativar o crescimento mundial e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de carbono, as desigualdades sociais e a instabilidade econômica. As principais considerações acerca deste arcabouço estratégico passam por:
• Fomento a uma transição para investimentos verdes;
• Promoção de investimentos e desenho de uma estratégia industrial;
• Financiamento do investimento, com crédito público e regulação financeira adequados;
• Redistribuição de renda;
• Mudanças na política fiscal, com tributação progressiva e aumento de gastos públicos, observadas as trajetórias de inflação e endividamento;
• Revisão de acordos de comércio e de investimento quando muito assimétricos;
• Maior coordenação internacional.
A partir de três eixos, redistribuição de renda, recalibragem da política fiscal e horizonte mais verde de investimentos, a UNCTAD simula trajetórias para o conjunto de países desenvolvidos e em desenvolvimento, a fim de comparar os efeitos da adoção de uma nova estratégia em relação ao cenário-base em que não se observe nenhuma mudança nos rumos das políticas predominantes nas últimas décadas.
A UNCTAD defende uma estratégia que vise reverter a queda da participação dos salários na renda nacional, recompor gastos públicos financiados por meio de tributação mais progressiva e promover uma transição energética.
Os efeitos multiplicadores calculados pela UNCTAD sobre o agregado das economias com este tipo de ação se mostram significativos. As taxas de crescimento dos PIBs nacionais poderiam aumentar de 1% a 1,5% nas economias desenvolvidas e de 1,5% a 2% nas economias em desenvolvimento (excluindo-se a China), em relação aos padrões atuais.
Segundo o relatório, tais efeitos positivos poderiam ser ainda maiores caso venha prevalecer uma coordenação em nível mundial para implementação dessas medidas. É isso que se espera diante dos atuais desafios sociais e ambientais, já que apresentam um caráter global.
O que deu errado: as tendências adversas na economia mundial
A economia mundial tem enfrentado desafios estruturais, cujas tendências, se não revertidas, produzirão efeitos negativos ainda maiores para o planeta e comprometerão o alcance das metas de desenvolvimento sustentável previstas na Agenda 2030 das Nações Unidas. Este é o diagnóstico apontado no Capítulo 3 do relatório Trade and Development Report, de 2019, elaborado pela UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development).
Segundo o relatório da UNCTAD, a configuração atualmente predominante das políticas econômicas e da dinâmica de mercado tende a reforçar as disparidades econômicas e sociais existentes entre países e dentro dos próprios países, o que denota um padrão vigente de crescimento global muito desigual. Diante disso, argumenta-se que, para se alcançar um crescimento mundial com desenvolvimento sustentável e convergência de renda, é necessário enfrentar os desafios estruturais subjacentes ao quadro atual.
Quatro principais tendências, agravadas nas últimas décadas, têm obstruído o compromisso mundial de se alcançar as metas de desenvolvimento sustentável. São elas: (i) a queda da participação dos salários na renda; (ii) a redução dos gastos públicos; (iii) o enfraquecimento dos investimentos produtivos: e (iv) o aumento das emissões de dióxido de carbono.
A primeira tendência – a queda da participação dos salários na renda – reflete uma piora na distribuição de renda mundial desde 1980. Em grande medida, segundo a UNCTAD, isso decorreu de políticas de contenção salarial, já que os reajustes dos salários tenderam a não acompanhar o aumento no custo de vida nem os incrementos de produtividade para a maior parte da população em muitos países, bem como da deterioração dos sistemas de seguridade social e das condições de trabalho, haja vista o menor poder de barganha dos trabalhadores em geral.
A UNCTAD aponta ainda que, a situação tende a se agravar em países em desenvolvimento que estão experimentando um processo de desindustrialização prematura, a exemplo do Brasil. Como resultado, uma parcela crescente do consumo das famílias acaba financiada por meio de empréstimos, ao invés de incrementos sustentados de renda.
A segunda tendência – a redução dos gastos públicos – indica o comportamento da política fiscal, utilizada de maneira contracionista por várias décadas e revertida, apenas momentaneamente, em meio a graves crises, como a crise financeira global de 2008.
A condução da política fiscal tem se preocupado predominante com o controle da relação entre dívida pública e PIB, adotando medidas que busquem cortar gastos e/ou aumentar impostos. Isso, porém, tem afetado, em muitos casos, os sistemas nacionais de proteção social e os investimentos públicos, de modo que ampliam as desigualdades existentes e reduzem as oportunidades de crescimento econômico.
A terceira tendência – o fraco crescimento dos investimentos – reforça o baixo dinamismo econômico. É curioso observar essa tendência em um período em que houve expansão do crédito, aumento dos lucros e redução de impostos sobre corporações na maioria dos países.
O investimento produtivo privado não respondeu a esses estímulos, de acordo com a UNCTAD, porque, em grande medida, o crédito adicional esteve associado, sobretudo, a atividades especulativas. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, houve expansão do crédito, porém redução de investimentos em capital fixo. Investimentos em infraestrutura, tão necessários para economias em desenvolvimento, também ficaram comprometidos.
A quarta tendência – o crescente estoque de dióxido de carbono na atmosfera – indica um agravamento do aquecimento global que precisa ser contido. Diversas soluções tecnológicas surgiram, porém não foram adotadas na escala necessária para sustentar um novo padrão de crescimento assentado em investimentos e tecnologias verdes, predominando ainda uma matriz energética baseada em carbono.
Esta situação é desafiadora para todos os países, uma vez que depende de mudanças nos padrões de produção e nos hábitos de consumo da população. A questão ambiental, particularmente do aquecimento global, tende a ampliar desigualdades e afetar, sobremaneira, indivíduos e países mais pobres.
Um novo arcabouço estratégico para enfrentar os problemas atuais
Os desafios descritos anteriormente decorrem, de acordo com o relatório da UNCTAD, de uma percepção generalizada entre os formuladores de política econômica que se baseia na capacidade espontânea das atividades empresariais em promover crescimento e desenvolvimento sustentável.
Porém, na maioria dos países, o que se tem observado é baixo crescimento econômico, aumento das desigualdades, estagnação dos investimentos produtivos, além de crises econômicas e financeiras. A principal exceção é a China, a qual tem preservado um espaço mais ativo de intervenção estatal.
Diante desse quadro, torna-se essencial aos governos ao redor do mundo ampliar o espaço de política econômica, a fim de fomentar a demanda agregada, coordenar a realização de novos investimentos, públicos e privados, promover a inclusão social e defender a sustentabilidade ambiental. Resgata-se, assim, o papel do Estado como articulador de políticas e coordenador de investimentos, papel este negligenciado nas últimas décadas.
Segundo o relatório da UNCTAD, o novo arcabouço estratégico de políticas para enfrentar os desafios atuais e buscar alcançar as metas de desenvolvimento sustentável envolve: (i) mudanças na política fiscal e de tributação mais progressiva; (ii) promoção de investimentos e política industrial; (iii) fomento a investimentos verdes; (iv) financiamento do investimento, mediante crédito público e regulação financeira; (v) redistribuição de renda; (vi) revisão de acordos de comércio e de investimento; e (vii) coordenação internacional.
Mudanças na política fiscal
O primeiro aspecto de um novo arcabouço estratégico se refere à política fiscal. A esse respeito, o relatório da UNCTAD enfatiza a necessidade de se abandonar como a única ou a principal estratégia de longo prazo os programas de austeridade fiscal. Em uma outra política fiscal, os gastos públicos e a tributação assumem novas funções.
Por um lado, os gastos públicos em bens e serviços contribuem para ampliar a demanda da economia como um todo. Ademais, as decisões de investimento público podem expandir a capacidade produtiva da economia e incentivar o setor privado a investir e produzir, ampliando a capacidade de arrecadação pública.
Por outro lado, a tributação tem forte potencial de contribuir para o incremento da demanda, para a redução das desigualdades e para a estabilidade econômica, especialmente quando recai sobre rendas mais elevadas e atividades especulativas. Dessa forma, a política fiscal se torna importante instrumento de:
• estabilização, ao atenuar as flutuações do ciclo econômico;
• fomento ao crescimento no longo prazo, ao ampliar a demanda agregada e possibilitar decisões estratégicas de investimento, inclusive em infraestrutura, educação, saúde e proteção social; e
• redistribuição de renda, ao permitir acesso a serviços públicos de qualidade e promover uma tributação progressiva.
O relatório da UNCTAD também adverte que a condução de uma política fiscal expansionista, sob as características acima mencionadas, requer um tratamento cuidadoso, no sentido de se avaliar restrições de capacidade produtiva e restrições externas que uma dada economia possa apresentar. Isso porque, a depender do cenário, pode haver pressões inflacionárias indesejadas.
Também não se defende que a política fiscal expansionista resulte necessariamente em ampliação do endividamento público, uma vez que o crescimento econômico ensejado pela política deve permitir maior arrecadação tributária.
Dessa forma, a UNCTAD resgata as contribuições da Teoria Monetária Moderna (MMT) para justificar uma estratégia fiscal expansionista global, porém salientando diferenças entre os países.
Destacam-se, por exemplo, as diferentes capacidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento em contribuir para um processo de recuperação do crescimento global centrado no gasto público, visto que suas moedas são aceitas em graus distintos no cenário internacional.
No caso dos Estados Unidos, o grau de liberdade para uma atuação fiscal seria maior, dada a aceitação do dólar como moeda-chave do sistema monetário e financeiro internacional. Em outras economias, sobretudo em desenvolvimento, a estratégia fiscal exigiria maior coordenação com a atuação do Banco Central, a fim de evitar possíveis ataques especulativos contra a moeda ou fortes flutuações da taxa de câmbio.
O financiamento da estratégia fiscal deveria, segundo a UNCTAD, passar por sistemas tributários progressivos que, ademais, ajudariam a combater as grandes desigualdades que os países enfrentam. Do ponto de vista internacional, uma coordenação fiscal contribuiria para o alcance de maior crescimento econômico global.
Investimentos e política industrial
O segundo aspecto de um novo arcabouço estratégico compreende a promoção de investimentos e política industrial. Enquanto os gastos governamentais podem ser calibrados para funcionar de maneira anticíclica, os investimentos privados podem amplificar o ciclo econômico, pois as empresas não tem razões para realizar inversões quando seus mercados entram em crise.
Nesse sentido, medidas de redução dos gastos públicos por meio dos investimentos do Estado e desregulamentação dos investimentos privados adotadas nas últimas décadas acentuaram a instabilidade econômica.
É verdade que alcançaram uma elevada rentabilidade para o capital privado, porém sem se refletir em uma ampliação dos investimentos produtivos, reforçando a preocupação de que lucros crescentes tenham sido destinados aos mercados financeiros, ao invés de reinvestidos nas capacidades produtivas e tecnológicas das corporações.
Diante desse quadro, os investimentos públicos e a coordenação de investimentos privados, por meio de estratégias de política industrial, mostram-se formas importantes de se promover maior diversificação produtiva e progresso tecnológico, desafios cruciais para países em desenvolvimento.
É necessário, ademais, que os investimentos em capacidade produtiva industrial sejam acompanhados de investimentos em infraestrutura, que reforçam o crescimento e a dinâmica econômica. Na maioria dos casos, investimentos em infraestrutura por meio de parcerias público-privadas têm sido tentados, porém as economias ainda carecem de mais investimentos. Opções públicas de financiamento, mediante, por exemplo, bancos nacionais de desenvolvimento, podem exercer papel importante na ampliação destes investimentos, especialmente direcionados ao desenvolvimento sustentável.
Transição para investimentos verdes
O terceiro aspecto de um novo arcabouço estratégico proposto pela UNCTAD corresponde à transição para investimentos verdes, baseados em baixa emissão de carbono. A proteção do meio ambiente, em particular para reverter o aquecimento global, requer uma nova onda expressiva de investimentos, de forma a reinventar as matrizes energéticas no menor prazo possível.
A necessidade de investimentos verdes coloca-se como grande oportunidade para que o mundo avance em um “Global Green New Deal”, sobretudo no contexto pós pandemia de Covid-19, com forte potencial de geração de emprego e renda, bem como preservação do meio ambiente.
Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam para um ganho líquido de 18 milhões de empregos no conjunto dos setores econômicos, com ênfase no setor de energia, o qual deve se tornar um importante motor de geração de empregos.
Assim, a combinação entre iniciativas de energia limpa e políticas de redução da emissão de gases de efeito estufa pode conduzir a uma ampla criação de empregos, que deve ser articulada com o desenvolvimento industrial local.
Financiamento dos investimentos
O quarto aspecto de um novo arcabouço estratégico está relacionado ao financiamento dos investimentos. Isso, por sua vez, envolveria criação de crédito público e regulação financeira. Na visão da UNCTAD, o descasamento apontado anteriormente entre expansão do crédito e baixos investimentos produtivos sugere que a retomada dos investimentos necessita de maior regulação sobre o sistema de crédito, a fim de torná-lo funcional ao apoio das atividades produtivas, por um lado, e evitar maior instabilidade econômica, por outro.
Os elevados volumes de capital requeridos pelos novos investimentos, particularmente em infraestrutura e matrizes energéticas de fontes renováveis, reiteram a necessidade de estratégias coordenadas de financiamento e planejamento. Instituições públicas cumprem um papel central nesse processo de concessão de crédito.
Ao mesmo tempo, cabem aos Bancos Centrais atuar como supervisores das atividades privadas, a fim de monitorar graus de alavancagem e práticas de concessão de empréstimos das instituições financeiras, além de atenuar possíveis efeitos desestabilizadores advindos dos fluxos internacionais de capitais.
Redistribuição de renda
O quinto aspecto do novo arcabouço estratégico defendido pela UNCTAD concerne a redistribuição de renda, o que passa pela adoção de políticas para aumentar a participação dos salários na renda.
Segundo o relatório, uma melhoria na distribuição de renda contribui para o crescimento econômico por, ao menos, duas razões. Por um lado, a maior apropriação relativa de renda pelos trabalhadores, cuja propensão a poupar é menor, tende a expandir a demanda por consumo, gerando mais empregos e crescimento econômico.
Por outro, salários maiores podem se tornar um incentivo, no médio prazo, para que as empresas passem a investir mais em novas tecnologias menos dependentes de mão de obra, de forma a superar eventuais restrições de oferta colocadas por uma fronteira tecnológica preexistente.
Acordos internacionais de comércio e investimento
O sexto aspecto de um novo arcabouço estratégico se refere à revisão de acordos internacionais de comércio e investimento muito restritivos. À medida que o comércio internacional e os investimentos diretos estrangeiros podem representar uma força importante de desenvolvimento econômico, é necessário que os respectivos acordos preservem a soberania de política nacional de cada país.
Nas últimas décadas, alguns acordos comerciais bilaterais ou mesmo multilaterais incluíam regras referentes a investimento estrangeiro e outras exigências que interferiam nas decisões de política doméstica, bem como ampliavam demasiadamente a liberalização comercial e financeira em países não preparados para este movimento, cujos efeitos benéficos podem ser sido reduzidos ou até negativos para a maior parte dos setores da economia.
Coordenação internacional
O último aspecto de um novo arcabouço estratégico proposto no relatório da UNCTAD relaciona-se à coordenação internacional. Para que as estratégias de recuperação econômica e reversão das tendências regressivas no cenário mundial funcionem, é fundamental uma coordenação internacional explícita. Apenas por meio da coordenação global é possível expandir o espaço de política econômica e alinhar os incentivos dos diferentes países.
Além de imprescindível para o sucesso das políticas climáticas, inclusive para se transferir tecnologias verdes para países em desenvolvimento, a coordenação internacional deve atuar para mitigar três outros efeitos importantes:
• instabilidade decorrente da mobilidade de capitais e consequente volatilidade da taxa de câmbio;
• desequilíbrios provenientes da conta corrente do balanço de pagamentos; e
• disputas advindas de sistemas tributários distintos.
Logo, as estratégias de crescimento nacionais tendem a ser mais exitosas se forem globalmente consistentes, com participação e compromisso do maior número possível de países.
Os resultados potenciais de uma nova estratégia global
Como forma de avaliar os efeitos desse novo arcabouço estratégico até 2030, a UNCTAD simula trajetórias para o conjunto de países desenvolvidos e em desenvolvimento, em comparação ao cenário-base de ausência de mudanças significativas nas políticas em curso, a partir de três eixos principais: redistribuição de renda, expansão fiscal e horizonte mais verde de investimentos.
Conclui-se que, se a instância de política atual continuar, a economia global até 2030 enfrentará menor crescimento econômico e maior instabilidade, com menor proteção social e continuidade na expansão das emissões de carbono. Em contraste, um pacote de políticas coordenadas internacionalmente visando redistribuição de renda, expansão fiscal e investimentos liderados pelo Estado com foco no desenvolvimento econômico, proteção social e tecnologias verdes apresenta potencial para reverter o quadro atual.
Redistribuição de renda. A fim de reverter a tendência regressiva na distribuição de renda, a participação dos salários na renda total deverá aumentar significativamente. Isso pode ser alcançado gradualmente no médio prazo por meio de certa regulação do mercado de trabalho, apoiando aumentos no salário mínimo, fortalecendo as instituições coletivas de negociação e aumentando as contribuições dos empregadores para a seguridade social.
Os dados da UNCTAD sugerem que é possível, a partir dessas medidas, que a renda do trabalho recupere até 2030 ao menos metade da participação na renda perdida desde o final da década de 1990. Nos países em desenvolvimento, essa participação dos salários pode aumentar ainda mais rapidamente como forma de estimular a demanda doméstica.
As estimativas da UNCTAD apontam para os efeitos expansionistas sobre o PIB que o aumento da participação dos salários na renda pode ocasionar. Por exemplo, nos Estados Unidos, um aumento de 1% na participação dos salários na renda resultaria em uma elevação de 0,38% do PIB, enquanto no Brasil, a elevação seria de 0,34%.
Sublinha-se que, se os formuladores de política econômica conseguissem promover a elevação dos salários na renda para níveis verificados em um passado não muito distante, o crescimento econômico poderia aumentar entre 0,25% e 0,75% ao ano, a depender do país. A partir de políticas coordenadas, os efeitos para os distintos países poderiam ser ainda maiores.
Política fiscal. Para sustentar a demanda global, os gastos governamentais precisarão se expandir tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, embora sob distintas composições do gasto. Nos países desenvolvidos, estima-se que os gastos públicos em bens e serviços, que incluam investimentos em infraestrutura verde, apresentem um aumento médio de 2% do PIB. As transferências governamentais, por meio de benefícios da seguridade social, também precisarão aumentar como forma de responder ao envelhecimento da população. Nos países em desenvolvimento, os esforços deverão ser ainda maiores, embora seja preciso evitar as eventuais pressões sobre a inflação e observar a sustentabilidade as contas públicas.
As estimativas da UNCTAD para os multiplicadores fiscais mostram que a expansão dos gastos públicos seria parcialmente financiada pelo incremento do PIB e da arrecadação tributária. No Brasil, um aumento de US$ 1 bilhão nos gastos governamentais produziria um aumento de mais de US$ 1,6 bilhão no PIB. Nos Estados Unidos, o aumento no PIB seria superior a US$ 1,7 bilhão. A depender do país, o multiplicador dos gastos públicos variaria entre 1,3 e 1,8.
Ademais, caberia à política tributária promover uma redistribuição de renda por meio de alíquotas maiores de imposto de renda para pessoas físicas e jurídicas, ao mesmo tempo em que permitiria maior sustentabilidade dos déficits governamentais.
Os multiplicadores relativos à tributação direta indicam que um aumento na tributação progressiva possui um efeito negativo pequeno sobre a demanda agregada, assim como a redução nestes impostos possui um efeito positivo também pequeno. No Brasil, uma redução em US$ 1 bilhão em impostos diretos aumentaria o PIB em apenas US$ 189 milhões, enquanto nos Estados Unidos o efeito seria de US$ 218 milhões.
Logo, a UNCTAD argumenta que uma tributação direta progressiva seria compatível com a ampliação dos gastos públicos e um declínio gradual dos déficits governamentais em economias desenvolvidas e em desenvolvimento, além de um importante instrumento de redução das desigualdades. A coordenação internacional cumpriria papel fundamental na questão fiscal, a fim de ampliar os efeitos multiplicadores e evitar que uma concorrência tributária entre países os inibisse de perseguir uma política de aumento dos impostos diretos.
Horizonte mais verde de investimentos. A agenda de desenvolvimento proposta no relatório da UNCTAD, que busca promover um crescimento sustentado do produto e da demanda em países desenvolvidos e em desenvolvimento, implica aumentos expressivos na demanda por energia e commodities.
Neste contexto, para se alcançar as metas ambientais previstas na Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, é necessário avançar em três direções:
• significativa melhoria na eficiência energética, de modo a reduzir a sensibilidade entre demanda por energia e crescimento econômico;
• redução na produção de energia baseada em carbono, com sua substituição crescente por fontes de energia renovável; e
• transferências tecnológicas e financeiras que favoreçam a transição energética.
Essas três direções dependem de elevados esforços de investimentos, públicos e privados, nas mais diversas economias. Isso, por sua vez, requer ampliação da capacidade de financiamento, sobretudo nas economias em desenvolvimento, que geralmente estão sujeitas a maiores restrições financeiras.
Nesse sentido, uma agenda coordenada mundialmente favorecendo as transferências tecnológicas necessárias para mitigar a mudança climática pode contribuir para aliviar, ao menos parcialmente, as demandas por recursos para a transição energética.
A partir das estimativas da UNCTAD, um pacote de políticas voltadas à redistribuição de renda, à expansão fiscal e ao investimento liderado pelo Estado, tal como descrito anteriormente, poderia levar a taxas de crescimento do PIB, nas economias desenvolvidas, superiores em 1% a 1,5% em relação aos padrões atuais, e em 1,5% a 2% no caso das economias em desenvolvimento, excluindo-se a China.
Em termos de emprego, cerca de 26 milhões de novos postos de trabalho poderiam ser criados nos países desenvolvidos até 2030, enquanto nos países em desenvolvimento esse número poderia chegar a 146 milhões, sendo 40 milhões somente na China. Embora os desafios colocados sejam gigantescos, a UNCTAD acredita que estes são passos importantes para uma estratégia global que busque promover um desenvolvimento sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental.