Carta IEDI
O papel do investimento público para reativação da economia pós Covid-19
A Carta IEDI de hoje resume os principais aspectos do estudo elaborado pelos pesquisadores do FMI intitulado “Investimento Público para a Recuperação”, recém publicado no relatório Fiscal Monitor de out/20.
O documento destaca a importância dos investimentos públicos para estimular a demanda privada e impulsionar a retomada da economia após a pandemia de Covid-19.
O FMI sustenta que, do ponto de vista macroeconômico, os argumentos a favor do investimento público são mais vigorosos nas economias avançadas e nas economias emergentes com taxas de juros nominais e inflação esperadas em mínimos históricos.
Isso porque essas economias apresentam menos restrições para financiar via endividamento a ampliação necessária do investimento público. Cabe ressaltar, contudo, que não se trata de qualquer investimento, mas sim de projetos de alta qualidade, que tragam benefícios sociais, à competitividade e à produtividade dos países.
Ou seja, para o FMI, em um contexto de juros reais baixos e/ou negativos, a obtenção de empréstimos para financiar os investimentos se torna desejável, desde que os formuladores de política se assegurem de que os montantes e a qualidade dos investimentos não piorem excessivamente a dinâmica da dívida. Tal advertência é considerada crucial para os países que não emitem moedas-chave no sistema financeiro internacional.
Porém, mesmo para os países em desenvolvimento de baixa renda e para algumas economias avançadas e emergentes que enfrentam restrições financeiras, o FMI considera que a ampliação do investimento público poderia resultar em multiplicadores positivos de curto e longo prazo.
Para que isso se verifique, porém, a gradualidade é fundamental. Isto é, seria preciso realizar uma elevação gradual do investimento público financiado por empréstimos de modo a não pressionar as taxas de juros e, ao mesmo tempo, priorizar projetos de investimento de qualidade, que maximizem o retorno socioeconômico.
Assim, diante da gravidade da crise da Covid-19, diferentemente de outras ocasiões, o FMI sugere que o equilíbrio das finanças públicas não se dê de forma imediata no pós-crise, evitando os efeitos negativos das prematuras políticas de austeridade adotadas pelas economias avançadas na esteira da crise financeira internacional de 2008-09.
O estudo destaca que as necessidades de investimento já eram expressivas antes da pandemia e aumentaram ainda mais desde então. Os estoques de capital público e privado em proporção do PIB vem registrando declínio desde os anos 1990.
Embora investimentos públicos em educação e infraestrutura econômica tenham sido relativamente preservados - diga-se de passagem, em nível insuficiente face à demanda, segundo o Fundo - as taxas caíram nos setores de saúde, habitação e proteção ambiental. Este movimento é apontado como razão do enfraquecimento da resiliência dos países à crise da Covid-19.
O FMI sugere que os governos ajam imediatamente, observando as seguintes etapas: (1) foco na manutenção da infraestrutura existente e prevenção da Covid-19, (2) revisar e priorizar os projetos ativos, (3) criar e manter um pipeline de projetos que podem ser entregues em alguns anos, e (4) começar a planejar as novas prioridades de desenvolvimento decorrentes da crise.
Na avaliação do Fundo, para ser oportuno e eficiente qualquer aumento de investimento público deve atender as seguintes condições:
• Deve ser dada prioridade aos gastos com o enfrentamento da crise sanitária e a manutenção da infraestrutura existente;
• Os governos devem identificar e criar uma carteira de projetos cuidadosamente avaliados e prontos para implementação nos próximos 24 meses. Essa carteira deve incluir projetos de investimentos mais complexos, que promovam a digitalização e/ou reduzam a probabilidade e o impacto de crises futuras (inclusive aquelas derivadas de pandemias, mudanças climáticas etc.).
• Os procedimentos de seleção e licitação de projetos de investimento público devem ser reforçados imediatamente para coibir corrupção, atrasos e elevação de custo.
Como fundamentação de seus argumentos, o documento apresenta os resultados de exercício empírico de mensuração do impacto de choques de investimento governamental no produto, no emprego e no investimento privado, em períodos de baixa e alta incerteza, realizada para uma amostra de 72 economias avançadas e de mercados emergentes.
Nesse exercício, os pesquisadores do Fundo constataram que, em períodos de alta incerteza como o da crise atual, o aumento do investimento público em volume equivalente a 1% do PIB nas economias avançadas e de mercados emergentes poderia elevar o produto em 2% no horizonte de dois anos.
A médio e longo prazo, avalia-se que o multiplicador fiscal no contexto atual seja maior do que em tempos normais e bem acima de 1,0. A magnitude dos multiplicadores fiscais dependeria, contudo, da qualidade dos projetos e eficiência institucional dos países.
No que se refere aos impactos sobre o emprego, os resultados indicam que em períodos de alta incerteza, o emprego cresce entre 0,9% e 1,5% ao longo de dois anos em resposta a um aumento equivalente a 1% por cento do PIB no investimento público. Nas economias avançadas e de mercado emergente, o choque de investimento resultaria na criação de 20 a 33 milhões de empregos, direta e indiretamente.
As estimativas também mostraram que o investimento público tem poderoso efeito de atração para os investimentos privados, porque sinalizam o compromisso do governo com o crescimento e a estabilidade. Ou seja, investimento público e privado apresentam caráter complementar (crowding-in).
Aumento expressivo no investimento público tende a aumentar o investimento privado mesmo entre empresas com restrições de liquidez. O impacto é, todavia, maior para empresas com menores restrições financeiras e baixa alavancagem. Daí a importância de as empresas não saírem da crise de Covid-19 sobre endividadas.
O estudo também investigou, a partir de uma amostra de 400 mil empresas em oito setores de atividade, quais tipos de investimento público e setores são mais eficientes para estimular o investimento privado.
Os resultados obtidos indicam que investimentos públicos em saúde e outros serviços sociais têm forte impacto nos investimentos privados no horizonte temporal de um ano. O efeito de crowding-in é igualmente mais significativo em setores que são críticos para a resolução da crise sanitária, como comunicações e transporte, ou para a recuperação da economia, como construção e indústria de transformação.
Introdução
No capítulo intitulado “Investimento Público para a Recuperação” do recém-publicado relatório Fiscal Monitor __ disponível em https://www.imf.org/en/Publications/FM/Issues/2020/09/30/october-2020-fiscal-monitor __, os economistas do Fundo Monetário Internacional destacam o papel crucial dos gastos públicos com investimentos para estimular a demanda privada e impulsionar a retomada da economia no pós pandemia da Covid-19.
Objeto da presente Carta IEDI, o estudo apresenta argumentos em defesa da ampliação dos investimentos públicos, bem como recomendações de quais investimentos priorizar para criar empregos, estimular o crescimento, fortalecer a resiliência e a sustentabilidade das economias.
O estudo também traz os resultados de exercício empírico que mensura o impacto dos multiplicadores fiscais da ampliação do investimento governamental em 1% do PIB no produto, no emprego e no investimento privado. Foram igualmente investigados, a partir de uma amostra de 400 mil empresas em oito setores de atividade, quais tipos de investimento públicos e setores são mais eficientes para estimular o investimento privado.
Argumentos em prol do investimento público
Segundo o FMI, passada a fase inicial da crise da Covid-19, na qual a prioridade foi enfrentar a emergência de saúde e fornecer apoio às famílias e empresas vulneráveis, os governos precisam agir para promover a recuperação do emprego e da atividade econômica e facilitar a transformação para uma economia pós-pandêmica mais resiliente, mais inclusiva e mais verde. O investimento público pode dar uma contribuição crucial para a consecução desses objetivos.
O investimento público e seus efeitos de atração (crowding-in) sobre o investimento privado podem mitigar a estagnação secular e o excesso de poupança, que embora sejam anteriores ao início da pandemia da Covid-19, foram exacerbados pela crise, que deprimiu os investimentos e estimulou níveis mais elevados de poupança precaucional.
Além disso, a recuperação da atividade do setor privado está sendo restringida por balanços patrimoniais privados enfraquecidos, por perdas de capital humano em razão do desemprego e por inadequação das habilidades e modelos de negócios em razão de mudanças nos hábitos de consumo, com a demanda migrando de setores a forte contato presencial para aqueles que permitem distanciamento social.
Nesse contexto de amplos recursos subutilizados, o investimento público pode incentivar o investimento de empresas que, de outra forma, poderiam adiar seus planos de contratação e de investimento.
O estudo ressalta que, do ponto de vista macroeconômico, os argumentos a favor do investimento público são mais vigorosos nas economias avançadas e em economias emergentes com taxas de juros nominais e inflação esperadas em mínimos históricos, que podem mais facilmente financiar, via endividamento, a ampliação do investimento de alta qualidade.
Em um quadro de juros reais baixos e/ou negativos, a obtenção de empréstimos para financiar os investimentos se torna desejável, desde que os formuladores de política assegurem que os montantes e a qualidades dos investimentos não piorem excessivamente a dinâmica da dívida pública. Essa advertência é particularmente importante para os países que não emitem moedas de reserva internacional.
Em contraste, nos países em desenvolvimento de baixa renda e em algumas economias avançadas e emergentes, com altos níveis de dívida externa denominada em moeda estrangeira, as condições de financiamento restritivas provavelmente continuarão a limitar o investimento público. Nessas economias, um endividamento considerável no mercado poderia aumentar os prêmios de risco para os setores público e privado, minando os benefícios de curto prazo do crescimento dos gastos com investimento.
Porém, mesmo para essas economias, o FMI recomenda um aumento gradual do investimento público financiado por empréstimos, de modo a não pressionar as taxas de juros. A ampliação do investimento público poderia resultar em multiplicadores positivos de curto e longo prazo desde que os governos priorizem projetos de investimento que maximizem o retorno socioeconômico para seus cidadãos.
Para os países mais vulneráveis e com restrições fiscais, o Fundo considera que a realocação de gastos, o aumento da eficiência do investimento e o fortalecimento da mobilização de receitas internas são essenciais para abrir espaço para investimentos adicionais. Mas ressalta, igualmente, o papel crucial da ajuda da comunidade internacional para a reduzir o impacto dramático da crise sobre a pobreza nos países mais vulneráveis.
Na avaliação do Fundo, além de suas implicações macroeconômicas, o investimento público é essencial para impulsionar o crescimento econômico de longo prazo, avançar em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e fortalecer a resiliência das economias às crises futuras.
O estudo destaca que as necessidades de investimento, que claramente já eram expressivas antes da pandemia, aumentaram ainda mais desde o início da crise. Como mostra o gráfico abaixo, o investimento público se mantém em trajetória de desaceleração desde a década de 1990, o que se traduziu na redução do estoque de capital em relação ao PIB e frente ao capital privado nos diferentes grupos de economia por nível de renda.
Segundo o FMI, muito embora investimentos públicos em educação e infraestrutura econômica tenham sido preservados, as taxas de investimento caíram nos setores de saúde, habitação e proteção ambiental. Essa queda enfraqueceu a resiliência das sociedades à crise da Covid-19.
Porém, mesmo os estoques de infraestrutura tradicional não aumentaram rápido o suficiente na última década. No setor de transporte, por exemplo, entre 2007 e 2016, a extensão das rodovias ficou bem aquém das necessidades estimadas. O número total de quilômetros de estradas permaneceu inalterado nas economias avançadas e aumentou 53% nos países em desenvolvimento de baixa renda (LIDCs) e apenas 33% nas economias de mercado emergentes.
A infraestrutura digital, que se beneficiou de investimentos privados, cresceu muito mais rápido. Entre 2007 e 2018, a parcela da população com acesso à Internet aumentou de 3% para 32% nos países de baixa renda, de 16% para 72% nas economias de mercado emergentes e de 64% para 86% nas economias avançadas. Todavia, ainda existem lacunas significativas entre os países, com consequências adversas tanto para a convergência econômica entre os países quanto para o crescimento inclusivo dentro dos países.
Como ressalta o estudo, na pandemia a infraestrutura digital se mostrou essencial para fornecer aos países a capacidade de apoiar as políticas de distanciamento social implantadas com um sistema sofisticado de rastreamento de contatos, melhorar os sistemas de transferência de renda voltados à população mais pobres e permitir a escolaridade e o trabalho remotos.
Projeções econômicas anteriores à Covid-19 também indicavam que necessidades consideráveis de investimento adicional, público e privado, para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030 para estradas, eletricidade, água e saneamento, bem como para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Recomendações para investimento público na estratégia de retomada
Para mitigar os impactos econômicos da pandemia, diversos governos adotaram pacotes de estímulo fiscal que incluíam projetos de investimentos que poderiam ser rapidamente iniciados. Todavia, alguns descobriram que possuíam poucos projetos de qualidade, capazes de aumentar o investimento público a tempo de combater a recessão atual.
Segundo o FMI, se durante o grande confinamento, a prioridade do gasto público era proteger famílias e empresas, preservando vidas e meio de subsistência, a estratégia para nortear o investimento público durante a flexibilização parcial do isolamento e após a pandemia da Covid-19 deve priorizar a normalização segura, reforçando as medidas de proteção sanitária e de apoio econômico e estimulando a transformação das economias em inteligente, inclusiva e sustentável.
O estudo do FMI sugere que o investimento público no apoio à reativação da economia precisa ser tempestivo. Ações devem ser tomadas imediatamente, observadas as seguintes etapas:
(1) foco na manutenção da infraestrutura existente e prevenção da Covid-19,
(2) revisar e priorizar os projetos ativos,
(3) criar e manter um pipeline de projetos que podem ser entregues em alguns anos, e
(4) começar a planejar as novas prioridades de desenvolvimento decorrentes da crise.
Essas etapas facilitarão a identificação de bons projetos de investimentos público que podem ser iniciados imediatamente e de projetos que prepararão as economias para o futuro.
Ao mesmo tempo é preciso assegurar a qualidade dos projetos, tanto em termos da seleção criteriosa como da implementação. E sobretudo, evitar que a rápida ampliação do investimento aumente o risco de corrupção.
Manutenção da infraestrutura e prevenção da Covid-19. De acordo com o estudo, os projetos de investimento na manutenção da infraestrutura existente são relativamente pequenos, de curta duração e frequentemente menos complexos.
Essas características fornecem a justificativa para ampliar esse tipo de investimento durante as crises. Na atual pandemia, o investimento público em manutenção é ainda mais atraente, pois o menor uso da infraestrutura minimiza as perturbações resultantes.
Em geral, a manutenção da infraestrutura é estruturalmente subfinanciada em todo o mundo. Isso ocorre mesmo nas economias avançadas. De acordo com o estudo, dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que os valores gastos em manutenção de estradas, ferrovias, hidrovias e infraestrutura de transporte marítimo e aéreo nas economias avançadas variaram entre 0,1% e 1% do PIB em 2018.
Esses gastos estão muito aquém do necessário, segundo o FMI, uma vez que em muitas economias avançadas, os ativos de infraestrutura precisam de reparos e estão se aproximando do fim de sua vida útil normal. Nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos necessários apenas com reparação de rodovias e pontes são estimados em 3,5% do PIB.
Já nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento, garantir um fluxo constante de gastos com manutenção de infraestrutura será a chave para alcançar os ODS nesse setor. Os custos médios anuais estimados são da ordem de 2,75% do PIB.
Para gastar com eficiência em projetos de manutenção no curto prazo, os governos devem primeiro identificar onde estão as necessidades urgentes. Enquanto as economias avançadas contam, muitas vezes, com registros de ativos e sistemas de informação, em ambientes de baixa capacidade institucional, como os que prevalecem nos países em desenvolvimento, as autoridades centrais tendem a se basear na experiência setorial dos ministérios executores e de governos locais.
O FMI sugere que esses países devem considerar a mudança para uma abordagem de ciclo de vida para projetos de investimento público, que inclui a identificação das necessidades de manutenção na avaliação com base em padrões e metodologias definidas na estrutura legal de cada país, garantindo financiamento para manutenção e investindo em sistemas para coletar dados de desempenho de ativos.
A pandemia da Covid-19 criou igualmente uma necessidade urgente de projetos menores e de curta duração na prevenção do contágio. Isso inclui projetos não apenas no setor de saúde, mas também de adaptação física para facilitar o distanciamento social nas atividades laborais e escolares, no transporte e em espaços públicos.
Revisão e priorização de projetos ativos. As crises afetam significativamente as carteiras de investimento público, uma vez que os projetos em implementação podem ser interrompidos ou sofrer atrasos e problemas de financiamento. À medida que as crises criam incertezas, novos riscos devem ser identificados e medidas de mitigação planejadas.
Na crise atual, os dados mensais coletados pelo FMI em 2020 indicam que, enquanto as economias avançadas mantiveram, até o momento, os investimentos previstos, cerca de metade das economias emergentes e em desenvolvimento cortou gastos com investimento, provavelmente devido a restrições de financiamento.
O estudo sugere que priorizar e reiniciar projetos ativos contribuiria para a entrega oportuna de um estímulo ao investimento privado. Idealmente, isso exigiria um sistema bem coordenado para monitorar ativamente os projetos de investimento em infraestrutura, diferenciados de acordo com o tamanho, a complexidade e o estágio do projeto.
Tal monitoramento ativo pode permitir que os governos considerem as necessidades potenciais relacionadas à crise da Covid-19, revisitando as análises de custo-benefício à luz de suposições subjacentes desatualizadas, renegociando o financiamento e obtendo novos contratos.
Criação de um portfólio de projetos. Na avaliação dos pesquisadores do Fundo, selecionar projetos de investimento público principalmente com base em sua prontidão imediata pode comprometer a qualidade e a eficiência da alocação. A escolha com base na prontidão deixaria de lado projetos com maior potencial do que aqueles selecionados. Ademais, a avaliação da prontidão dificilmente é precisa, dado que a burocracia e a carga administrativa podem retardar a implementação dos projetos.
Além disso, os processos de avaliação e seleção de projetos estão entre as deficiências mais comuns no ciclo de gestão do investimento público identificadas pelo Fundo em metade de 63 economias avaliadas. Mesmo com tal desafio, o estudo sugere que governos devem preparar e manter uma carteira de projetos cuidadosamente avaliados que possam ser selecionados para financiamento e implementados nos 24 meses seguintes.
Na avaliação do Fundo, uma revisão independente dos projetos, comunicada de forma transparente, reduziria a probabilidade de que projetos de baixa qualidade sejam aprovados. Os critérios de seleção devem ser divulgados e os governos devem buscar relevância estratégica, viabilidade e acessibilidade, e prontidão para implementação.
Naqueles países onde a avaliação não é sistemática ou formalizada, uma pequena força-tarefa de especialistas pode ser temporariamente estabelecida, com um mandato para revisar a viabilidade de grandes projetos, tanto ativos quanto em andamento.
De igual modo, procedimentos acelerados de avaliação e seleção de projetos, como os adotados na Austrália, podem também ajudar a superar obstáculos, desde que acompanhados de transparência e salvaguardas de controle de qualidade.
Planejamento para novas prioridades de desenvolvimento. O estudo sugere também que governos levem em consideração as novas prioridades de desenvolvimento decorrentes da crise da Covid-19 e comecem a planejar adequadamente os projetos que acompanharão as prováveis transformações econômicas e sociais à medida que as economias se recuperarem da crise.
As escolhas de projetos devem dar destaque a investimentos que reduzam a probabilidade ou impacto de crises futuras, incluindo pandemias e mudanças climáticas, e promovam a digitalização.
Como o desenvolvimento de projetos de investimento público geralmente se estende por muitos anos (entre 6 e 15 anos, consideradas as fases de preparação e implementação), o planejamento deve começar agora.
Embora projetos menores possam ser preparados em um ano, a preparação normalmente leva cinco anos ou mais para grandes projetos de infraestrutura, pois envolve a garantia de consistência com as estratégias de desenvolvimento, desenho e avaliação da viabilidade técnica e financeira e conformidade com as salvaguardas ambientais e sociais.
Preservar a qualidade do investimento público. Segundo o FMI, embora haja um consenso de que um incremento temporário no investimento público aumente, significativamente, a produção a curto e médio prazo, em média, mais de 1/3 dos recursos gastos em infraestrutura pública são perdidos por ineficiências.
O estudo menciona que as economias bem classificadas no ranking elaborado pelo Fórum Econômico Mundial que avalia o desperdício de gastos governamentais, o investimento público tem um multiplicador fiscal de 0,8 no primeiro ano e acima de 2,0 no horizonte de quatro anos. Para os países mal classificados, as estimativas indicam um multiplicador fiscal quatro vezes menor.
De modo a assegurar os benefícios de crescimento a longo prazo, é necessário manter a qualidade dos projetos de investimento. Isso exige não só o planejamento e a preparação de projetos sólidos, mas também uma estratégia que não amplie o investimento público muito rapidamente.
O estudo adverte que aumentos rápidos no investimento público podem facilitar a corrupção. A seleção e licitações de projetos de investimento público são, em geral, particularmente vulneráveis à corrupção, uma vez que os funcionários públicos se beneficiam de um maior nível de discricionariedade para tais projetos do que para as despesas correntes. Além disso, as características exclusivas de projetos complexos dificultam o uso de comparadores de preços, favorecendo a prática de sobrepreço.
O risco de corrupção pode ser, contudo, reduzido com a utilização de diversas práticas de gestão de investimentos públicos e transparência fiscal, tais como a publicação de critérios de seleção de projetos, o uso de sistemas de compras governamentais eletrônicas (e-procurement) e plataformas de monitoramento de projetos, e a implementação de sistemas de alerta ("bandeiras vermelhas"). Tais ações podem ajudar a garantir que os projetos sejam selecionados objetivamente e licitados de forma competitiva.
Outra fonte de preocupação relativa à rápida expansão de projetos de investimentos públicos, destacada pelo estudo, reside no baixo cumprimento das metas pretendidas. A execução de vários novos projetos simultaneamente esbarra na limitação de recursos técnicos e gerenciais, os quais não podem ser expandidos no curto prazo. Desse modo, restrições de capacidade de absorção e gargalos de fornecimento podem inflar custos e atrasar a implementação e conclusão do projeto.
Aumentos de custos e atrasos são bastante comuns em projetos de investimento público, contribuindo para que os resultados do aumento do investimento público fiquem aquém das expectativas. Dados coletados em mais de 2.200 relatórios de projetos individuais financiados pelo Banco Mundial, cobrindo 110 economias de mercados emergentes e em desenvolvimento, indicam que quase 40% dos projetos superaram o custo estimado e 75% dos projetos não foram concluídos na data incialmente projetada.
De acordo com o estudo, um bom planejamento de projeto e a qualidade das políticas e instituições são importantes para os resultados obtidos. Os países com melhor gestão do investimento público estão em melhor posição para implementar projetos dentro do prazo e do orçamento.
Porém, atrasos e custos maiores podem ocorrer até mesmo em projetos planejados por profissionais especializados e sujeitos a procedimentos rigorosos quando aprovados e executados em um momento de forte expansão do investimento público.
Projetos individuais podem custar de 10% a 15% mais simplesmente porque são realizados em um momento de investimento público particularmente alto. Em países em desenvolvimento de baixa renda, o aumento do investimento em 3% do PIB leva a um aumento nos custos de 6% acima dos custos de avaliação, bem como atrasos na extensão do projeto em 2,5% além do planejado.
Importância do investimento público para criação de empregos
A pandemia da Covid-19 resultou no aumento mais acentuado do desemprego desde a Grande Depressão de 1929. Por essa razão, a criação de empregos deve ser um critério essencial na decisão sobre o tamanho e a composição dos pacotes de estímulo fiscal.
Segundo o estudo do FMI, evidências sugerem que os estímulos fiscais possuem uma intensidade de empregos significativa. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei de Recuperação e Reinvestimento, adotada pelo governo Obama em 2009 em resposta à recessão associada à crise financeira de 2008, criou de seis a oito empregos no curto prazo para cada US$ 1 milhão gasto.
O gráfico abaixo reúne informações levantadas sobre receitas e empregos para 5.679 empresas privadas e estatais em setores selecionados, cobrindo 27 economias avançadas e 14 economias mercados emergentes, no período 1999-2017.
Os dados apresentados mostram que a intensidade do emprego variou de cerca de dois empregos por $ 1 milhão investido em escolas e hospitais a três empregos em eletricidade nas economias avançadas a cinco empregos em estradas a oito empregos em água e saneamento em economias de mercado emergentes.
Já os gastos do governo com pesquisa e desenvolvimento (P&D) geraram cerca de cinco empregos de alta qualidade por US $ 1 milhão investido nos países membros da OCDE.
A classificação setorial de intensidade de emprego é semelhante em todos os grupos de economia segundo o nível renda. Os investimentos nos setores de água, saneamento e eletricidade exibem maior intensidade de emprego do que estradas, escolas e hospitais.
Os dados mostram também que a intensidade do emprego aumenta à medida que a renda do país diminui. É menor nas economias avançadas e maior nos países em desenvolvimento de baixa renda. Além de os salários serem mais baixos, a tecnologia em uso nos países mais pobres é mais intensiva em mão de obra, o que evidenciado pela maior participação da renda do trabalho no PIB.
Os pesquisadores do Fundo ressaltam, contudo, que a capacidade do investimento público em criar empregos pode ser maior do que a estimada no exercício. São duas as razões principais.
Em primeiro lugar, os dados não incluem os empregos terceirizados para empresas não incluídas na amostra nem os empregos criados indiretamente por meio de maior demanda por outros produtos e serviços. Em segundo lugar, os projetos com um componente maior de mão de obra não qualificada têm potencial para criar mais empregos e reduzir a desigualdade.
No que se refere ao investimento ambientalmente amigável, o estudo destaca que nas economias avançadas, a intensidade do emprego parece ser maior para o investimento verde do que para o investimento tradicional.
Por exemplo, a intensidade do emprego, líquida de perdas de empregos, nas indústrias tradicionais, é estimada em 8 empregos por $ 1 milhão investido em eletricidade verde, 2–13 empregos em novos edifícios eficientes, como escolas e hospitais, e 6–14 empregos em água verde e saneamento por meio de bombas agrícolas eficientes e reciclagem.
Embora a criação de empregos seja um objetivo crítico nesta crise, pode haver, no entanto, um trade-offs entre qualidade e quantidade de empregos. Apoiar a criação de empregos com baixos salários e baixa produtividade por meio de programas de trabalho público ou investimento em setores intensivos em mão-de-obra poderia reduzir o desemprego rapidamente, mas criaria menos empregos com altos salários e alta produtividade em setores capital-intensivos.
Na avaliação do FMI, a geração de empregos formais de alta qualidade será mais difícil se o ajuste à pandemia exigir mudanças permanentes na alocação setorial da força de trabalho, já que tais mudanças exacerbariam o descompasso de habilidades entre os desempregados e os empregos oferecidos.
Os governos precisarão alocar recursos, incluindo recursos para investimento digital, para treinar trabalhadores deslocados e permitir que eles mudem para empregos que satisfaçam as necessidades da pandemia e pós-pandemia.
Multiplicadores fiscais na recuperação da crise da Covid-19
De acordo com o FMI, a magnitude potencial dos multiplicadores fiscais na recuperação econômica da pandemia pode ser afetada pelas condições macroeconômicas iniciais e pelas características únicas da crise da Covid-19. Fatores importantes são: o nível da dívida pública, a restrição da oferta, a incerteza em relação à trajetória do vírus e a situação dos balanços patrimoniais das empresas.
O estudo destaca que, antes mesmo da eclosão da pandemia, os níveis do endividamento público já estavam em máximos históricos em todo o mundo. Altos níveis de dívida pública podem diminuir os multiplicadores fiscais se o investimento financiado pelo déficit levar a maiores spreads soberanos e, portanto, maiores custos de financiamento privado. Um aumento menor do investimento público mitigaria, contudo, esse efeito.
Os multiplicadores fiscais tendem a ser mais importantes nas recessões mais profundas. Porém, na pandemia da Covid-19, em razão das restrições de oferta decorrentes as políticas de distanciamento social, os multiplicadores fiscais deverão ser menores na fase de abertura parcial do que na fase de recuperação.
A incerteza aguda em relação à trajetória do vírus e da economia, em particular na ausência de vacina, pode reduzir o multiplicador fiscal se o gasto privado não reagir ao estímulo governamental.
Nesse caso, ao invés de uma elevação da demanda, ocorreria um aumento da poupança precaucional. Todavia, mesmo nesse contexto de alta incerteza, a percepção de compromisso firme do governo com a estabilidade econômica poderia acarretar uma reação da demanda privada e, portanto, a uma maior magnitude do multiplicador.
O tamanho do multiplicador fiscal também pode ser afetado pelas restrições de caixa e os altos níveis de alavancagem corporativa decorrentes do impacto econômico adverso da pandemia.
Empresas, cujas atividades foram fortemente afetadas pelo confinamento, distanciamento social e pela recessão resultante, utilizarão, muito provavelmente, seus lucros futuros para repagar seus débitos em vez de financiar novos investimentos. Tais ações podem reduzir o multiplicador fiscal.
Os pesquisadores do FMI realizaram um exercício empírico para um conjunto de setenta e duas economias avançadas e emergentes para avaliar a influência da incerteza macroeconômica sobre o multiplicador fiscal, em termos dos desvios padrões das projeções do PIB.
Foram encontrados multiplicadores fiscais superiores a 2% no horizonte de dois anos, em períodos de grande incerteza, sugerindo que a demanda reage fortemente aos choques de investimento público, possivelmente porque sinalizam o compromisso do governo com o crescimento e a estabilidade.
O estudo empírico também apontou que o investimento público tem fortes efeitos sobre o emprego. Os resultados obtidos indicam que em períodos de incerteza, o emprego cresceria entre 0,9% e 1,5% ao longo de dois anos em resposta a um choque de 1% do PIB no investimento público.
Como o emprego total nas economias avançadas e emergentes é da ordem de 2,2 bilhões de trabalhadores, a ampliação do investimento público em volume equivalente a 1% do PIB criaria entre 20 e 33 milhões de empregos, diretos e indiretos.
Embora o nível e a natureza da incerteza nessa crise da Covid-19 dificultem extrapolação dos padrões históricos, essas descobertas, segundo o FMI, sugerem que o multiplicador do investimento público pode ser maior do que em tempos normais. No entanto, alta eficiência e boa qualidade institucional são condições necessárias para colher esses grandes benefícios do investimento público.
Os pesquisadores do FMI estimaram igualmente os efeitos cumulativos no investimento privado de um aumento de 1% no estoque do capital público para avaliar a influência restrições financeiras das empresas sobre o multiplicador fiscal. Para isso, utilizaram de uma amostra de 400 mil empresas em oito setores de atividades em 26 economias avançadas e 23 economias emergentes.
As estimativas mostram que o incremento do investimento público tende a estimular o investimento privado tanto entre as empresas com restrições de caixa quanto entre as empresas sem essas restrições de liquidez. No entanto, o impacto é maior para empresas com menores restrições financeiras.
De igual modo, a resposta a um choque de investimento público é mais forte para empresas com baixa alavancagem: aumento das taxas de investimento líquido em 2,5% em resposta ao choque inicial e 11% acumulado em um período de seis anos, enquanto para empresas com alta alavancagem, o multiplicador é estatisticamente insignificante.
Segundo o estudo, esses resultados indicam que a provisão de liquidez para as empresas e um sistema eficaz de resolução da dívida não só ajudariam a preservar a capacidade produtiva de longo prazo da economia, mas também fortaleceria a capacidade da política fiscal para combater a recessão.
Esse mecanismo funcionaria com mais força se o apoio fosse direcionado a empresas vulneráveis, mas economicamente viáveis. Nas economias avançadas, onde o apoio às empresas tem sido amplo, esperar-se que o multiplicador seja superior a 1,0.
No exercício empírico ao nível de empresa, os pesquisadores do Fundo também examinaram quais setores se beneficiariam mais com um aumento do investimento público e quais tipos de investimento público é mais eficiente para estimular o investimento privado.
Os resultados encontrados são apresentados no gráfico abaixo e mostram que investimentos públicos em saúde e outros serviços sociais têm forte impacto nos investimentos privados no horizonte temporal de um ano.
Em termos dos setores de atividade, os efeitos do investimento público são mais significativos para o investimento privado em setores que são críticos para a resolução da crise de saúde (por exemplo, comunicações e transporte) ou para a recuperação (por exemplo, construção e indústria de transformação).
Ainda de acordo com o estudo, além dos multiplicadores de curto prazo, os benefícios de longo prazo de investir na prevenção e mitigação de crises estão bem documentados na literatura. Gastos com infraestrutura de energia limpa, melhorias de eficiência energética para edifícios e espaços verdes teriam multiplicadores consideráveis de longo prazo.
Conclusão
O estudo do FMI sustenta que o investimento público é um elemento potencialmente poderoso de qualquer pacote de estímulo fiscal. Criaria milhões de empregos diretamente a curto prazo e também poderia criar muitos empregos adicionais indiretamente e a longo prazo.
As características distintivas da crise do Covid-19 tornam difícil prever o tamanho do multiplicador fiscal que resultaria de tais investimentos. Mas, segundo o FMI, é razoável esperar que, em economias avançadas e várias economias emergentes sem restrições financeiras, o multiplicador seja maior do que em tempos normais e bem acima de 1,0, se os projetos escolhidos forem de boa qualidade.
Tal resultado seria possível porque os recursos estão ociosos, as taxas de juros estão em seus mínimos históricos e os pacotes fiscais podem aumentar a confiança das empresas privadas na recuperação.
Todavia, o argumento macroeconômico em favor do investimento público é mais fraco em algumas economias emergentes e nos países em desenvolvimento de baixa renda que enfrentam restrições mais severas de financiamento e/ou que possuem baixa capacidade institucional de gestão.
Além de ser urgentemente necessário em setores essenciais para controlar a pandemia, tais como saúde, escolas, infraestrutura digital, edifícios seguros e transporte seguro, o investimento público tem importante papel a desempenhar nos pacotes fiscais voltados à reativação da economia.
A ampliação do investimento públicos deve promover, no curto prazo, a criação de empregos, o investimento privado e o aumento da produtividade, e fortalecer a sustentabilidade, avançando em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em infraestrutura, e a resiliência às crises no longo prazo.
Embora reconheça que a natureza multifacetada da crise da Covid-19 e a enorme pressão que exerce sobre os governos, para ser oportuno e eficiente, na avaliação do Fundo, qualquer aumento de investimento público deve atender as seguintes condições:
• Em primeiro lugar, deve ser dada prioridade aos gastos com manutenção da infraestrutura existente;
• Em segundo lugar, os governos devem identificar e criar uma carteira de projetos cuidadosamente avaliados e prontos para implementação nos próximos 24 meses. Essa carteira deve incluir igualmente projetos de investimentos mais complexos que reduzam a probabilidade ou impacto de crises futuras, incluindo pandemias e mudanças climáticas, e promovam a digitalização.
• Terceiro, os procedimentos de seleção e licitação de projetos de investimento público devem ser reforçados imediatamente para coibir corrupção, atrasos e elevação de custo.