Carta IEDI
Respostas fiscais para a retomada pós-pandemia, segundo a Unctad
Esta Carta IEDI retoma a discussão a respeito de políticas necessárias para uma recuperação sustentada do PIB no pós-crise da Covid-19. Este tema já foi tratado em edições anteriores por diferentes prismas, em geral resumindo documentos oficiais de países ou blocos de países e publicações de organismos internacionais. São exemplos: “Europa Pós Covid-19: o plano de reativação da União Europeia”, “Brasil pós-Covid-19: as propostas do IPEA”, “Medidas Econômicas para o pós lockdown”, “Indústria e Sustentabilidade no Pós-Pandemia” e “O papel do investimento público para reativação da economia pós Covid-19”.
Desta vez, foi tomado como base o trabalho da Unctad intitulado “Recuperar melhor: ampliar o espaço para a política fiscal”, que integra o relatório Trade and Development de 2020. O documento destaca o papel anticíclico do gasto público, com sugestões de como as economias podem estruturar uma política fiscal em resposta ao choque da Covid-19. A Unctad também examinou opções para ampliação do espaço fiscal nos países em desenvolvimento, que enfrentam maiores restrições externas à expansão do gasto público.
Na avaliação da instituição, em períodos de crises severas e profunda incerteza, como a da Covid-19, o governo é o único agente capaz de tomar grandes empréstimos contra a renda futura, de modo que as iniciativas de mitigação da crise e a recessão econômica terão como efeito o aumento da dívida pública.
Com a pandemia, os coeficientes da dívida pública / PIB irão se elevar no mundo todo e não retornarão rapidamente aos valores anteriores à crise da Covid-19, segundo a Unctad. A instituição alerta que esse aumento dos coeficientes da dívida pública tende a ser temporário e não deve ser motivo de pânico ou de cenários apocalípticos.
A dívida pública adicional incorrida para financiar uma recuperação rápida e sustentada poderá ser paga, no logo prazo, com o aumento do produto potencial da economia, especialmente se a expansão fiscal for direcionada para aumentar o investimento e a produtividade. E, ainda que a expansão se mostre insuficiente, a lacuna poderá ser, de acordo com a Unctad, suprida por um ajuste de tributação e / ou gasto público no futuro.
Após a recessão de 2020, a maioria das economias avançadas estará, devido à política monetária de quantitative easing, em uma situação onde taxa de juros real (“r”) será menor que a taxa de crescimento real do PIB (“g”), o que o viabiliza uma expansão fiscal direcionada e autossustentada.
Tal como ocorreu após a crise financeira internacional de 2008-09, a Unctad lembra que essa combinação de taxas de juros reais negativas e crescimento positivo do PIB permite aos governos incorrer em déficits primários e, ao mesmo tempo, estabilizar a relação dívida pública líquida em relação ao PIB.
As economias avançadas sem soberania monetária, entretanto, podem enfrentar restrições externas para financiar a ampliação do espaço fiscal. Restrições ainda mais fortes devem ser impostas aos países em desenvolvimento, que costumam emitir dívida pública denominada em moeda estrangeira.
A Unctad reconhece que, mesmo naqueles países em desenvolvimento com reservas internacionais expressivas, uma expansão fiscal substancial pode levar à depreciação da moeda e a prêmios de risco mais elevados. Ademais, onde ainda prevalece taxas de câmbio fixas, a restrição do balanço de pagamentos poderia rapidamente se transformar em restrição monetária e fiscal.
É importante, contudo, segundo a Unctad, que tanto a magnitude como a composição do impulso fiscal sejam planejadas de forma a ter o máximo impacto positivo sobre o crescimento da renda, o emprego e o bem-estar. Isso pode diferir substancialmente dependendo das circunstâncias específicas de cada país.
Em sua avaliação, a política fiscal em países avançados e em desenvolvimento pode atuar por meio de cinco frentes para estimular a recuperação da economia após a crise da Covid-19:
• Fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, com a adoção de programas nacionais ou orientado à missão;
• Reforço do sistema de seguridade social, com inclusão dos trabalhadores informais, autônomos e independentes;
• Promoção da digitalização e investimento público em inclusão digital;
• Garantir o acesso ao crédito às famílias e pequenas empresas por meio do oferecimento de garantias adequadas tanto para o risco de liquidez quanto para o risco de crédito.
• Estratégia de investimento, público ou induzido pelo governo, para criar empregos, promover a inclusão social e combater as mudanças climáticas.
A Unctad destaca que, nas últimas quatro décadas, arranjos e acordos internacionais impuseram restrições à capacidade dos Estados em ampliar o espaço fiscal, assim como a competição tributária internacional entre países e a hiperglobalização, que facilitou maior utilização de paraísos fiscais. Essas tendências foram reforçadas pela concentração de mercado e disseminação das cadeias de valor globais.
Embora algumas dessas restrições possam ser relaxadas dentro de acordos multilaterais existentes, incluindo ações como ampliação dos direitos especiais de saque (SDR) pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), cancelamento e alívio de dívida pública soberana, entre outras, a Unctad defende reformas mais radicais da arquitetura de governança econômica global. Em sua avaliação, tais reformas deveriam incluir:
• Cooperação internacional em questões tributárias, com a introdução de uma alíquota mínima global efetiva de imposto sobre as sociedades corporativas.
• Maior transparência e melhoria no intercâmbio de informações para fins fiscais, mediante a criação de um registro financeiro global dos detentores de ativos, de modo a reduzir os fluxos financeiros ilícitos.
• Governança internacional nas indústrias extrativas para evitar incentivos fiscais e permitir que os governos capturem uma parte justa das rendas dos recursos naturais.
• Adequação da arquitetura tributária internacional à era da digitalização para reverter a perda crescente de receita fiscal para países em todo o mundo.
Introdução
A Carta IEDI de hoje sumariza o capítulo “Recuperar melhor: ampliar o espaço da política fiscal” do relatório Trade and Development 2020, recém publicado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
A Unctad destaca, neste trabalho, o papel anticíclico do déficit orçamentário e da dívida pública, faz sugestões de como as economias podem estruturar uma política fiscal eficaz em resposta ao choque da Covid-19 e examina opções para ampliação do espaço fiscal, sobretudo, nos países em desenvolvimento, que enfrentam restrições externas à expansão do gasto público.
Em resposta ao choque da Covid-19, os governos em todo mundo agiram para salvar vidas e meios de subsistência, ampliando os gastos públicos. Inúmeros bancos centrais deixaram de lado seus mandatos exclusivamente focados na inflação.
Nesse contexto em que o papel do Estado voltou ao centro das atenções, a Unctad defende que os governos aproveitem o espaço político para desenvolver estratégias para aumentar sua capacidade de expansão fiscal e para adotar medidas fiscais direcionadas à reativação do crescimento e à promoção do desenvolvimento inclusivo e sustentável.
No âmbito doméstico, a Unctad sugere uma reorientação dos objetivos da política monetária e de uma regulamentação financeira mais rígida em direção a estratégias de crescimento e desenvolvimento nacional equitativos, formulando política econômica sem se restringir à avaliação dos mercados financeiros e ao julgamento das agências de classificação de risco do crédito.
À escala internacional, propõe a realização de acordos globais que ajudem a reduzir as assimetrias no acesso ao financiamento (que limitam a capacidade de intervenção dos governos, sobretudo nos países em desenvolvimento) e a ampliar as receitas fiscais.
Papel Anticíclico do Déficit Orçamentário e da Dívida Pública
O choque da Covid-19 gerou uma resposta monetária e fiscal ativa para interromper o colapso econômico global. Como os governos costumam ser o único agente capaz de tomar grandes empréstimos contra a renda futura em períodos de crises severas, a recessão global e as iniciativas de mitigação dos impactos da pandemia irão acarretar o aumento da dívida pública em todo o mundo.
Os coeficientes da dívida pública / PIB irão se elevar e não retornarão rapidamente aos valores anteriores à crise da Covid-19. Segundo a Unctad, o aumento temporário dos coeficientes da dívida pública não deve, contudo, ser motivo de pânico ou de cenários apocalípticos.
Desde que o poder de compra criado pelo governo seja bem utilizado, a dívida pública adicional incorrida para financiar uma recuperação mais rápida e melhor poderá ser paga, no logo prazo, com o aumento do PIB potencial da economia, especialmente se a expansão fiscal for direcionada para aumentar o investimento e a produtividade. E, ainda que o dinamismo econômico se mostre insuficiente, a lacuna poderá ser suprida por um ajuste de tributação e / ou gasto público no futuro.
Para ilustrar o papel anticíclico dos déficits orçamentários e da dívida pública, a Unctad analisa a dinâmica da relação dívida pública líquida em relação ao PIB, que por definição, pode ser dividida em quatro componentes:
• o saldo primário do governo, definido como receitas menos despesas, excluindo pagamentos de juros líquidos;
• os juros líquidos pagos sobre a dívida do governo;
• crescimento econômico, que reduz o coeficiente da dívida ao aumentar o seu denominador); e
• efeito-riqueza, ou seja, o efeito das mudanças no preço de mercado dos ativos e passivos do governo.
Juntos, esses quatro componentes somam-se à mudança observada nos coeficientes da dívida pública. Segundo a Unctad, supondo que os efeitos da riqueza se equilibrem ao longo do tempo, se a taxa de juros que se aplica ao estoque da dívida for superior à taxa de crescimento do PIB, o orçamento primário deve ser superavitário para que a relação dívida pública / PIB permaneça estável ou diminua.
Entretanto, se a taxa de crescimento do PIB ultrapassar a taxa de juros, determinada nos mercados financeiros, a estabilidade dessa relação dívida/PIB é compatível com os déficits fiscais primários.
Em países que emitem moeda reserva, como os EUA com o dólar, os bancos centrais podem influenciar prontamente o preço de mercado e manter os rendimentos dos títulos públicos sob controle, preservando assim o espaço fiscal.
Mas esse não é o caso de governos que possuem dívida denominada em moedas estrangeiras e cuja moeda é mais volátil, bem como daqueles que não têm controle sobre a política monetária, casos dos países da área do euro ou das economias dolarizadas.
Para os governos destes países, como destaca a Unctad, o custo da dívida depende das expectativas dos agentes financeiros privados, o que os torna vulneráveis a “profecias autorrealizáveis” de insustentabilidade da dívida, independentemente de seus esforços para aumentar o superávit primário.
No caso das economias em desenvolvimento, nas quais uma grande parte da dívida pública é emitida em moeda estrangeira e / ou possuem um elevado estoque de reservas internacionais, o efeito-riqueza (derivado dos movimentos na taxa de câmbio) pode, igualmente, ter um impacto significativo nos coeficientes da dívida pública, em particular se os bancos centrais recorrem a operações de swap em moeda estrangeira para administrar a vulnerabilidade da economia a choques internacionais.
Após a grande crise financeira internacional de 2008-09, diversos países registram aumento dos déficits primários. Todavia, a trajetória da situação fiscal variou consideravelmente.
De acordo com a Unctad, em países como Estados Unidos, Japão e Reino Unido, foi possível aos governos incorrer em déficits primários sem consequências explosivas de dívida devido à política monetária acomodatícia, incluindo a aquisição de títulos públicos de longo prazo pelo banco central.
No caso norte-americano, as baixas taxas de juros reais e o crescimento da economia foram suficientes para estabilizar a relação entre a dívida pública líquida e o PIB de 2013 em diante. No Japão, mesmo em um cenário de crescimento lento ou estagnação, a política monetária acomodatícia criou espaço fiscal para déficits primários não explosivos, embora estruturalmente elevados, por parte da autoridade fiscal.
No Reino Unido, o déficit primário que disparou em 2009-2010, caiu gradativamente a zero em 2013, e a dívida pública líquida registrou queda a partir de 2016, uma vez que os pagamentos de juros líquidos permaneceram baixos em termos de PIB apesar do efeito Brexit.
A situação foi menos favorável nas economias avançadas que não possuem soberania monetária (caso dos países da União Europeia), bem como nos países em desenvolvimento que enfrentam restrições de balança de pagamentos. Nesses dois grupos de países, os pagamentos líquidos de juros do governo costumam ser maiores, mesmo com aumento do saldo primário.
Por exemplo, na Itália, em razão dos juros relativamente elevados, a dívida pública líquida cresceu mesmo com o superávit primário registrado desde 2011, resultado da política de austeridade rapidamente adotada após o choque.
Com déficits bem menores que a maioria de seus congêneres na União Europeia, a Alemanha também realizou um rápido ajuste, voltando a posição fiscal superavitária também em 2011. Mas, em contraste com a Itália, os encargos financeiros mais baixos, juntamente com uma recuperação do crescimento relativamente mais rápida, impulsionada pelo desempenho das exportações, contribuíram para a redução do coeficiente alemão de dívida líquida/PIB já a partir de 2011.
No México, onde saldo primário voltou a ficar positivo em 2016, após sete anos consecutivos de déficit, os pagamentos líquidos de juros pelo governo no período recente foram maiores que no período dos déficits primários, não obstante o ajuste fiscal realizado.
Em contraposição, o Brasil que registrou superávits primários ininterruptos desde o início dos anos 2000 até 2013, com um pagamento líquido de juros relativamente elevado, passou a registrar déficit primário a partir de 2014. Após um aumento temporário em 2015-16, o nível médio do pagamento de juros líquidos registrou redução.
Já na Turquia, o choque financeiro acarretou um pequeno déficit primário em 2009, mas desde então o governo turco teve, em média, um orçamento primário praticamente equilibrado. Diferentemente de outras grandes economias emergentes, os pagamentos líquidos de juros do governo turco diminuíram desde a crise financeira internacional e permaneceram em patamares relativamente baixos na presente década. Na avaliação da Unctad, alto grau de repressão financeira que prevalece naquele país contribui para diminuir o custo da dívida pública.
Como a crise financeira internacional empurrou a taxa de juros nominal média dos títulos do governo para baixo da inflação, a maioria das economias avançadas se encontrava, às vésperas da Covid-19, em uma situação na qual o crescimento do PIB (g) superava a taxa de juros real paga pelo governo (r). Essa situação de “r menos g” negativo, expressa no gráfico abaixo, tornou possível para muitos governos financiar a expansão fiscal com taxas de juros reais abaixo de zero.
Na avaliação da Unctad, o mundo caminha para uma repetição dessas circunstâncias. A profunda recessão econômica em 2020 deve ser seguida por uma recuperação ainda incerta em 2021. Ainda assim, devido a política monetária de relaxamento quantitativo, a maioria das economias avançadas estará em uma situação onde “r” é menor que “g”, o que o viabiliza uma expansão fiscal direcionada e autossustentada.
A combinação de taxas de juros reais negativas e crescimento positivo do PIB permite ao governo incorrer em déficits primários e, ao mesmo tempo, estabilizar a relação dívida pública líquida em relação ao PIB.
Ademais, quando a economia está em recessão profunda, é muito mais fácil para a política fiscal ter um efeito positivo sobre o produto potencial. O custo de não expandir os gastos públicos líquidos também é mais alto. Uma elevada taxa de desemprego de longa duração reduz gradativamente o estoque de capital humano da economia, e um longo período de crescimento lento tende a adiar ou cancelar as decisões de investimento e inovação, com impacto permanente no produto potencial.
Mas, de acordo com a Unctad, mesmo que a expansão fiscal não se mostre autofinanciável, as baixas taxas de juros reais esperadas para os próximos anos em muitas economias indicam que o valor presente do superávit primário adicional necessário para estabilizar a dívida pública no futuro é muito menor do que a dívida adicional emitida para financiar uma política expansionista hoje.
Em outras palavras, uma expansão fiscal pode não se pagar totalmente, mas com “r” abaixo ou próximo de “g”, ela certamente se paga por uma grande parte de si mesma.
A Unctad alerta, contudo, que esse espaço fiscal deve ser bem aproveitado para não comprometer o crescimento sustentável e a estabilidade de preços. Tanto a magnitude como a composição do impulso fiscal devem ser planejadas de forma a ter o máximo impacto positivo sobre o crescimento da renda, o emprego e o bem-estar. Obviamente, isso pode diferir substancialmente dependendo das circunstâncias específicas de cada país.
Como será visto a seguir, a Unctad propõe ações que os governos devem empreender na área fiscal para a recuperação sustentada nas economias avançadas e em desenvolvimento.
Recomendações da Unctad de Política Fiscal Eficaz
A Unctad sugere que os governos atuem em várias frentes para estimular a recuperação da economia após a crise da Covid-19. A primeira dela, cuja importância foi ressaltada pela pandemia, é o fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde.
A necessidade de melhores sistemas de saúde pública é mais urgente nos países em desenvolvimento e nos poucos países avançados que não possuem um sistema de saúde pública adequado, com predomínio ou exclusividade de medicina privada.
Assim, em muitos países, a criação de um programa nacional (ou orientado à missão) visando melhorar a saúde pública, incluindo melhor qualidade de água e saneamento para famílias de baixa renda, seria, portanto, um candidato óbvio e urgente para uma política fiscal eficaz e socialmente sustentável. Esse tipo de política criaria empregos, aumentaria a produtividade e a inovação.
Outra frente de ação para os governos, também destacada na pandemia, é o necessário reforço dos esquemas de seguridade social. Tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento, uma grande parte da população é vulnerável a interrupções repentinas na atividade econômica, tal como mostrou a crise de Covid-19.
Nas economias desenvolvidas, com a redução do emprego formal e o avanço da “economia de bicos” (gig economy), muitos cidadãos não têm mais acesso adequado às redes existentes de seguridade social. Já nas economias em desenvolvimento, onde trabalho informal precário sempre foi uma constante, grande parte da força de trabalho fica de fora dos programas sociais.
A pandemia mostrou a necessidade de um sistema mais abrangente de seguro de renda, cobrindo não apenas o risco de desemprego para trabalhadores formais, mas também o risco de perda de renda para trabalhadores informais e autônomos.
Vários governos adotaram programas emergenciais de transferência de renda para mitigar os impactos econômicos da Covid-19 e assegurar meios de subsistência para a população mais vulneráveis. Evidências preliminares indicam que esses programas temporários foram bem-sucedidos. Além de elevar a poupança, reduziram a pobreza em comparação com o período anterior à pandemia.
Essas evidências contribuíram para reavivar o debate em torno da criação de programa permanente de renda básica universal. Propostas nesse sentido vem sendo discutidas há séculos. Segundo a Unctad, a novidade é que o mundo de hoje dispõe de recursos e tecnologia para sustentar um nível de renda permanentemente mais alto para grande parte de sua população, sem comprometer a produtividade e a estabilidade financeira.
O debate em curso em torno da renda básica universal não deve, contudo, segundo a Unctad, impedir que os governos, sobretudo dos países em desenvolvimento, invistam em uma melhor seguridade social. Com a tecnologia da informação de hoje, a Unctad afirma ser simplesmente inaceitável que alguns países tenham uma grande parte de sua população de baixa renda invisível para programas de seguro-desemprego e de ajuda em momentos de crise.
A digitalização da economia, que era uma prioridade política crescente de muitos governos antes da pandemia, tornou-se ainda mais essencial desde então. A crise da Covid-19 exacerbou as desigualdades existentes no acesso à informação eletrônica, tanto nas redes de trabalho quanto nas redes de ensino.
A resposta fiscal à pandemia deve, portanto, incluir mais investimento público em inclusão digital, especialmente nas economias em desenvolvimento, tanto no que se refere ao treinamento de habilidades direcionadas como também na educação básica pública.
Para Unctad, a ação governamental deve igualmente promover o acesso ao crédito às famílias e pequenas empresas. Em razão dos vieses existentes no sistema de crédito privado, esses tomadores não conseguem ter acesso ao crédito de que necessitam para se manterem à tona.
Em resposta à crise da Covid-19, inúmeros governos agiram rapidamente com a criação imediata de muitas linhas de crédito ou facilidades para ajudar famílias, empresas e administrações regionais. No entanto, tal como ocorreu na crise financeira de 2008-09, essas iniciativas ficaram aquém das expectativas, indicando a permanência de problemas de incentivo e de informação, bem como de resistência política mais profunda para mudar o sistema financeiro.
Segundo a Unctad, particularmente para os países em desenvolvimento, as relações assimétricas de poder na provisão de crédito privado durante períodos de estresse financeiro complicam os esforços de alívio. Os agentes financeiros privados simplesmente não fornecerão o crédito necessário devido ao risco sistêmico envolvido. Nesse contexto, somente o governo pode reduzir este risco, por meio de garantias públicas adequadas.
A assistência à liquidez pode ser facilmente fornecida pelos bancos centrais. No que se refere à mitigação do risco de crédito, nos países que contam com bancos públicos, a maior parte da assistência de crédito pode ser fornecida por meio de ações governamentais fora do balanço do governo geral.
Nos demais países sem bancos públicos, a redução do risco de crédito exige que as autoridades econômicas e financeiras públicas apropriadas injetem capital em fundos de propósito específico destinados a suportar grande parte de perdas devido ao aumento da inadimplência durante a crise e a recuperação.
A quinta área de ação fiscal é o investimento público. A Unctad recomenda a adoção de uma estratégia de investimento para criar empregos, promover a inclusão social e combater as mudanças climáticas, destacando as seguintes oportunidades de investimento público direto ou induzido pelo governo:
• Meio ambiente: preservação de florestas, rios e oceanos, incluindo a recuperação de biossistemas degradados, com reflorestamento maciço e pesados investimentos em sistemas de reciclagem e gerenciamento de resíduos.
• Desenvolvimento urbano: renovação e transformação da cidade, especialmente em transportes urbanos melhores e mais verdes, bem como melhores condições de habitação, água e saneamento nos países em desenvolvimento.
• Energia: descarbonização da geração de energia e aumento da eficiência energética, por meio de melhor regulamentação e mais investimentos, bem como maior uso de tecnologias de informação em redes inteligentes de distribuição de energia e comunicação máquina a máquina.
• Serviços públicos universais: expansão e melhoria na saúde pública e educação, também com tecnologias mais verdes e melhor uso da tecnologia da informação e investimento inteligente em segurança pública para reduzir as taxas de criminalidade e melhorar o sistema judicial e penitenciário, especialmente nos países em desenvolvimento.
A Unctad sustenta que o investimento público deve ter como objetivo atrair novos investimentos privados (efeito de crowding in). Porém, considera que algum grau de coordenação governamental será necessário mesmo naqueles países onde projetos críticos, especialmente em infraestrutura são dominados por investimento privado.
Isso porque o desafio de promover mudanças estruturais nos padrões de produção e consumo necessárias para preservar o meio ambiente, e, ao mesmo tempo, elevar o padrão de vida de milhões de pessoas envolve muitos monopólios naturais, grandes projetos de investimento indivisíveis e novas tecnologias.
Os desafios políticos para a reconstrução econômica podem ser pronunciados nas economias avançadas, dados os altos custos irrecuperáveis nos padrões atuais de produção e consumo e os poderosos interesses adquiridos que se beneficiam deles. No caso das economias em desenvolvimento, o custo irrecuperável nos modos de produção e consumo existentes é menor e, portanto, a economia pode teoricamente saltar para novas tecnologias.
Na prática, contudo, as coisas não são tão simples, pois nos países em desenvolvimento muitos outros gargalos impedem a transformação econômica. Isso inclui impedimentos materiais, como a falta de capital humano adequado ou oferta limitada de alimentos e energia, bem como gargalos financeiros frequentemente severos, como a escassez de moeda estrangeira para financiar a crescente demanda de importação de insumos intermediários.
As restrições de balanço de pagamento enfrentadas, sobretudo pelas economias em desenvolvimento, são examinadas a seguir.
Política fiscal e restrição de balanço de pagamento
Os países que emitem moedas-reserva internacionais, como os EUA, têm espaço fiscal mais amplo do que o resto do mundo porque estão em posição de financiar seus déficits orçamentários em moeda nacional. Ainda que a restrição fiscal possa se materializar por meio do prêmio de risco adverso e da volatilidade da taxa de câmbio, esses países estão em situação melhor do que os países em desenvolvimento que emitem dívida pública denominada em uma divisa estrangeira. Esses últimos precisam manter um nível mínimo de reservas internacionais para enfrentar os choques externos.
De acordo com a Unctad, em teoria, as economias em desenvolvimento com taxas de câmbio flutuantes e um mercado doméstico de títulos podem financiar uma expansão fiscal internamente. Na prática, porém, tal expansão pode piorar rapidamente o saldo em conta corrente do país se a economia mundial estiver estagnada, resultando em uma escassez de divisas se não houver entrada compensatória de capital estrangeiro para financiar a expansão doméstica.
Em outras palavras, as economias em desenvolvimento geralmente enfrentam uma restrição de balanço de pagamentos mais severa do que as economias avançadas.
No mundo em desenvolvimento, contudo, a natureza da restrição varia. Em grandes economias com taxas de câmbio flutuantes e um estoque considerável de reservas estrangeiras, uma expansão fiscal substancial geralmente leva à depreciação da moeda e prêmios de risco mais elevados.
Já em economias menores com taxas de câmbio fixas, a restrição do balanço de pagamentos rapidamente se transforma em restrição monetária e fiscal, por meio de redução do crédito, aumento de impostos e corte de gastos.
No entanto, como destaca a Unctad, ao se analisar a restrição do balanço de pagamentos, deve-se levar em consideração a possibilidade de variações puramente especulativas nos preços dos ativos, por exemplo, por meio de operações sintéticas em mercados de derivativos, sem grandes entradas ou saídas de capital.
As crises cambiais e a restrição do balanço de pagamentos também podem operar por meio da volatilidade da taxa de câmbio originada em operações de arbitragem em mercados estrangeiros.
Se parte da dívida interna está indexada à taxa de câmbio, essas flutuações especulativas podem criar problemas graves, como quedas abruptas de gastos e produção devido a efeitos de balanço, sem grandes variações nos fluxos financeiros da economia com o resto do mundo.
Os “realinhamentos” repentinos e substanciais da taxa de câmbio e as perdas de capital a eles associados podem, portanto, transformar uma restrição fiscal em uma crise financeira, bloqueando a recuperação econômica.
A Unctad destaca que no caso das economias em desenvolvimento, o elo entre a restrição fiscal e do balanço de pagamentos depende crucialmente de duas questões: a avaliação dos mercados financeiros sobre a política econômica do país e a capacidade do governo de resistir a uma reação adversa destes mercados se e quando tenta ir contra a visão convencional.
Em muitas economias em desenvolvimento, os coeficientes da dívida pública em relação ao PIB e outros indicadores de vulnerabilidades gerais da dívida já estavam em patamares elevados antes da pandemia.
Portanto, de acordo com a Unctad, o sucesso dos países em desenvolvimento na resposta ao choque da Covid-19 será impossível sem a atuação ativa das economias avançadas e das instituições multilaterais no sentido de promover uma regulamentação mais eficaz dos fluxos de capital voláteis e empurrar a opinião do mercado na direção certa.
Da mesma forma que o quantitative easing criou mais espaço para a política fiscal expansionista nas economias desenvolvidas, a flexibilização financeira coordenada internacionalmente das restrições do balanço de pagamentos nas nações em desenvolvimento pode criar mais espaço para a reconstrução econômica nesses países.
Obviamente, o financiamento externo não garante, por si só, uma reconstrução econômica bem-sucedida nas nações em desenvolvimento. Para isso é necessário que as estratégias de desenvolvimento nacional canalizem, como já assinalado, os recursos dos fluxos de financiamento externo, público e privado, para projetos de desenvolvimento produtivos e de longo prazo.
Opções para ampliação do espaço fiscal dos países pós pandemia da Covid-19
Segundo a Unctad, o espaço fiscal, amplamente definido como financiamento sustentável disponível para o orçamento do setor público, está principalmente associado ao apoio institucional e político a nível nacional, mas também é determinado, em grande medida, por regras e práticas multilaterais.
Nas últimas quatro décadas, restrições cruciais foram impostas à capacidade dos Estados em ampliar o espaço fiscal por meio de arranjos e acordos internacionais. Além de condicionalidades políticas sobre empréstimos internacionais, a capacidade fiscal foi enfraquecida pela competição tributária internacional entre países e por uma intensificação da hiperglobalização, a qual precipitou uma maior mobilidade de capital, fluxos financeiros ilícitos (IFFs) e um maior utilização de paraísos fiscais. Essas tendências foram reforçadas pela forte concentração de mercado e pela disseminação das cadeias de valor globais.
Embora algumas dessas restrições possam ser relaxadas dentro de acordos multilaterais existentes, a Unctad defende a necessidade de reformas mais radicais da arquitetura de governança econômica global.
Ações dentro dos arranjos existentes. Para ajudar a criar condições para uma resposta adequada ao choque da Covid-19, a Unctad defende que a comunidade internacional adote medidas para ajudar a expandir o espaço fiscal dos países em desenvolvimento no curto prazo.
Uma primeira medida poderia ser o relaxamento das restrições de financiamento por meio de uma expansão dos direitos especiais de saque (SDR), ativo de reserva internacional, criado pelo Fundo Monetário Internacional para complementar as reservas oficiais de seus países-membros de acordo com as necessidades globais de longo prazo.
O valor do SDR, unidade de conta das transações entre o FMI e os bancos centrais do países-membros, é baseado em uma cesta de moedas, compreendendo o dólar, o iene, o euro, a libra esterlina e o renminbi chinês, fixado diariamente pelo FMI, com base nas taxas de câmbio do mercado.
Além de manter o SDR como reservas internacionais, os países podem trocá-los por moedas livremente utilizáveis, vendendo SDR a outros países-membros do FMI, incluindo um comprador designado pelo FMI. Também podem emprestar ou doar alocações de SDR não utilizadas sob o sistema de cotas para países que necessitem de reservas adicionais.
E finalmente, podem usá-los em operações com o FMI para financiar facilidades de empréstimos concessionais, como, atualmente, o Fundo Fiduciário para Redução da Pobreza e Crescimento (PRGT) e o Fundo Fiduciário de Contenção e Mitigação de Catástrofes (CCRT).
Atualmente, existem 204 bilhões de SDR (cerca de US$ 288 bilhões) em circulação, valor muito aquém das necessidades de liquidez dos países em desenvolvimento, estimadas em cerca de US$ 2,5 trilhões no início da crise da Covid-19. De acordo com a Unctad, uma nova alocação geral de SDR é necessária para reforçar as posições de reserva internacional desses países.
A redistribuição adicional de SDR não utilizados em países avançados, por meio de doações e/ou transferências para fundos do FMI também ajudaria a ampliar o espaço fiscal nos países em desenvolvimento para responder à crise sanitária e econômica.
Outra medida, com efeito mais direto, seria um acordo global com suspensões temporárias das obrigações e alívio da dívida, liberando recursos fiscais existentes para a resposta da saúde pública à pandemia.
Uma ação desse tipo foi adotada no âmbito do G20-Clube de Paris, com a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), voltada exclusivamente para os países mais pobres que atendam a uma série de condicionalidades, incluindo uma situação de empréstimo ativo com o FMI, uso comprovado dos recursos temporariamente liberados para aumento de gastos em resposta à crise Covid-19 e divulgação completa de suas obrigações de dívida pública.
Até o final de julho de 2020, 41 dos 73 países em desenvolvimento elegíveis já havia se beneficiado de suspensão em pagamentos de principal e juros devidos, da ordem de US$ 7 bilhões, a credores bilaterais oficiais no período de maio a dezembro de 2020.
Embora reconheça que a DSSI ofereceu aos países participantes uma bem-vinda margem de manobra fiscal no curto prazo, a Unctad destaca que a iniciativa explicitou deficiências sistêmicas na efetivação de moratórias abrangentes da dívida para responder às crises globais, como a pandemia Covid-19.
Além de não implicar adesão dos credores privados e das instituições multilaterais, vários países com acesso aos mercados financeiros internacionais preferem não participar de iniciativas de suspensões temporárias de dívida por temer o rebaixamento da classificação de risco pelas agências internacionais de rating, as quais interpretam tal suspensão como inadimplência. Outra limitação séria da DSSI é sua cobertura limitada aos países mais pobres, deixando de fora os países de renda média altamente endividados.
Na avaliação da Unctad, não há, portanto, em vigor um mecanismo internacional eficaz para empregar suspensão temporárias automáticas (ou moratórias) na escala necessária em situações de desastre definidas. Tal mecanismo teria que ir além da suspensão de pagamento do serviço da dívida, incluindo também disposições para controle de capital e de taxas de câmbio, financiamento do devedor em posse e empréstimos em atraso, de modo a minimizar os problemas de liquidez e solvência surgidos durante a suspensão.
Para proporcionar um espaço fiscal incondicional o mais rápido possível, a Unctad considera que a melhor opção no curto prazo são os programas de recompra voluntária de dívida soberana. Esse tipo de programa usa basicamente os fundos dos próprios doadores e dos países para recomprar sua dívida externa bilateral e / ou comercial (ou parte dela) com descontos em mercados secundários, liberando um espaço fiscal considerável.
Como não vinculam o alívio da dívida a planos de gastos fiscais e de investimento público específicos, esses programas têm a vantagem de proporcionar um espaço fiscal mais amplo, ao mesmo tempo em que facilitam o acesso contínuo ao mercado pelos países em desenvolvimento participantes.
A Unctad defende igualmente uma moratória imediata em todas as reivindicações de solução de controvérsias entre investidores e Estados (ISDS) contra governos sob tratados internacionais de investimento (bilaterais ou multilaterais). Tal iniciativa protegeria temporariamente as receitas dos países em desenvolvimento.
Finalmente, uma outra opção para liberar espaço de forma duradora seria o cancelamento imediatos da dívida, em particular das economias em desenvolvimento mais pobres e altamente endividadas. Por meio do Fundo Fiduciário para Contenção e Mitigação das Catástrofes (CCRT), constituído a partir de doação dos países-membros, o FMI cancelou o pagamento de serviço da dívida de 29 países em desenvolvimento mais pobres no período de maio a novembro de 2020, no valor total de cerca de US$ 215 milhões.
A ampliação desses cancelamentos, com a participação dos credores unilaterais e multilaterais nos moldes da Iniciativa para Países Pobres Altamente Endividados (HIPC) e da Iniciativa de Alívio da Dívida Multilateral (MDRI) do final dos anos 1990 e meados dos anos 2000, seria bem-vinda.
Ainda que não possa ser montada rapidamente nem muito menos garantir o envolvimento significativo de credores privados, quando relevante, a Unctad considera que essa opção é a que forneceria o espaço fiscal mais imediatamente disponível e incondicional para as economias em desenvolvimento mais pobres durante a pandemia. Ademais, tal iniciativa evitaria o cenário bastante provável de cancelamento desordenado da dívida, com perdas muito maiores para todas as partes envolvidas.
Reformas tributárias internacionais. Na avaliação da Unctad, as restrições impostas por regras e práticas multilaterais à capacidade dos governos de mobilizar recursos só podem ser enfrentadas adequadamente por meio do redesenho da arquitetura de governança econômica global.
Esse redesenho contribuiria para a ampliação do espaço fiscal, um dos elementos cruciais necessários para garantir que uma economia global mais resiliente, socialmente inclusiva, orientada para o desenvolvimento e ambientalmente sustentável emerja da crise Covid-19.
A reforma da arquitetura econômica global deve, de acordo com Unctad, incluir:
a)Cooperação internacional em questões tributárias. A competição para atrair investimentos estrangeiros diretos (IED) ao acarretar o nivelamento por baixo dos impostos corporativos tem privado os governos de valiosos recursos fiscais. A principal proposta de reforma é introduzir uma alíquota mínima global efetiva de imposto sobre as sociedades corporativas, que poderia ser fixada em 20-25%. Essa iniciativa simplificaria o sistema tributário global e aumentaria as receitas fiscais de todos os países. A cooperação internacional é essencial para lidar com os vários mecanismos empregados pelas empresas multinacionais (MNEs) para fins de elisão e evasão fiscal corporativa.
b) Maior transparência e melhoria no intercâmbio de informações para fins fiscais. As melhorias na transparência e no intercâmbio de informações para fins fiscais reduziriam os fluxos financeiros ilícitos. Um passo importante nesse sentido seria a adoção de um registro financeiro global que registrasse os proprietários de ativos financeiros em todo o mundo e os proprietários beneficiários das empresas. Garantir o acesso público a esses registros reduziria a carga de supervisão das administrações tributárias, beneficiando, assim, os países em desenvolvimento com capacidade institucional limitada. Relatórios sobre a distribuição país por país dos principais dados financeiros das MNEs, incluindo impostos pagos, também seriam importantes, pois permitiriam comparações entre países e detecção de incompatibilidades.
c) Governança internacional nas indústrias extrativas. A geração de receitas públicas graças às indústrias extrativas e seu uso para financiar o desenvolvimento são centrais para as estratégias de muitos países em desenvolvimento. Capturar uma parte justa das rendas dos recursos naturais de um país e decidir como eles serão usados para o desenvolvimento é responsabilidade do seu governo, que não pode ser transferida para as empresas privadas que exploram os recursos. Por considerar que a cooperação internacional para evitar incentivos fiscais nas indústrias extrativas é indispensável, a Unctad defende que iniciativas de transparência, como a Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (EITI), sejam obrigatórias em vez de voluntárias. Ademais, tais iniciativas devem ser estendidas a empresas produtoras e empresas de comércio de commodities, ao invés de se concentrar apenas nos governos.
d) Adequação da arquitetura tributária internacional à era da digitalização. A crescente digitalização das transações econômicas é uma causa crescente de perda de receita fiscal para países em todo o mundo. Com a expansão da economia digital, o atual arcabouço tributário internacional, baseado no conceito de “estabelecimento permanente”, torna-se cada vez menos relevante para determinar onde o valor tributável é criado e como medi-lo e alocá-lo entre os países. Além disso, a digitalização inclui cada vez mais transações econômicas baseadas em ativos intangíveis, como software, algoritmos e propriedade intelectual, que são difíceis de precificar e de tributar. A Unctad sugere que se cobre IVA sobre as transações digitais. No caso da tributação das empresas, a melhor reforma, do ponto de vista dos países em desenvolvimento, seria basear as normas tributárias internacionais na “presença econômica significativa”. Isto criaria um nexo tributável para uma empresa que opera em um ambiente digital, se ela estiver presente em uma jurisdição fiscal, seja do lado da oferta (ativos físicos, funcionários) ou do lado da demanda (vendas, dados e entrada de conteúdo pelos usuários).