Carta IEDI
Sem reação no emprego industrial
Após o choque da Covid-19 no segundo trimestre de 2020, a recuperação do mercado de trabalho tem se mostrado difícil e lenta. Levantamento feito pelo IEDI mostra que o setor privado perdeu entre o 1º e 2º trimestres 9,6 milhões de postos de trabalho, segundo a PNAD Contínua do IBGE. No 3º trim/20, embora tenha havido importante amenização, a tendência se manteve e 352 mil vagas a mais foram extintas em relação ao trimestre anterior.
Apesar disso, frente ao quadro de um ano atrás a situação permanece dramática. O número de ocupados no setor privado total regrediu -13,1% no 2º trim/20 e -14,0% no 3º trim/20. Foram perdidos cerca de 11,5 milhões de empregos do 3º trim/19 para o 3º trim/20.
A indústria não foi poupada deste movimento adverso. Apesar disso, contribuiu menos do que outras atividades para o declínio do emprego no período. Suas perdas, de 1,3 milhão de postos entre o 3º trim/19 e o 3º trim/20, representam pouco mais do que 10% da redução total. Comércio e serviços, juntos, responderam por cerca de 75%.
Na comparação interanual, o resultado de -11,9% para o emprego na indústria de transformação mostrou-se em linha com o do 2º trim/20 (-11,1%) e, mais uma vez, inferior ao declínio do total do setor privado. A deterioração adicional ficou principalmente por conta de serviços, que registrou -13,9% no 2º trim/20 e -16,7% no 3º trim/20.
Dos 24 ramos da indústria de transformação analisados, a ocupação diminuiu em 22 deles em jul-set/20, embora tenha sido observado aumento de vagas em alguns segmentos, como em equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+25,6%) e em de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (+15,1%), na comparação interanual.
No primeiro caso, pode ter contribuído para esta evolução positiva o perfil do surto de coronavírus no estado do Amazonas, que foi muito mais intenso no início, mas que começou a retroceder antes de outras regiões do país, possibilitando a retomada antecipada das atividades industriais da Zona Franca de Manaus. No segundo caso, como se sabe, a natureza sanitária da crise poupou o setor de perdas profundas.
Quanto ao emprego formal, a exemplo do que se viu desde o início da pandemia, o declínio foi menos intenso do que em outras formas de trabalho. Nem por isso deixa de passar por fortes adversidades. O emprego com carteira assinada recuou -11,2% no total do setor privado e -9,4% na indústria de transformação. A ocupação privada total sem carteira assinada, por sua vez, despencou -23,9% ante o 3º trim/19.
Vale observar ainda que em todos os setores pesquisados pelo IEDI houve piora adicional do trabalho com carteira na passagem do 2º para o 3º trimestre do ano. Na indústria, 54% de seus ramos intensificaram a queda de vagas com carteira no período. Isso sugere que o pior da crise do emprego formal ainda pode vir a ocorrer, sobretudo, se os programas emergenciais foram extintos na virada de ano e o PIB entrar em uma fase de baixo crescimento.
A massa de rendimento real dos ocupados no setor privado recuou -7,6% frente ao 3º trim/19, em ritmo semelhante ao do segundo trimestre (-7,1%). A reação deste indicador é importante para a recomposição do consumo das famílias. Houve encolhimento adicional da massa de rendimento para os setores da construção, comércio e serviços. Na indústria de transformação, o quadro se aproximou da estabilidade, chegando a -0,8%, depois de ter registrado -3,6% no 2º trim/20, sempre em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Além do emprego recuar menos que no restante do setor privado, o rendimento médio da indústria de transformação também teve desempenho superior. Vale notar que os resultados observados desde o início da pandemia indicam que os postos de trabalho de menores salários foram os mais afetados com a redução da ocupação, elevando o rendimento médio dentre aqueles que conseguiram preservar seus empregos.
Apesar dos indicadores de nível de atividade econômica terem mostrado, de certa forma, rápida reação, permitindo que alguns setores, como a indústria e o comércio varejista, retomassem patamares anteriores à pandemia, o emprego não seguiu a mesma trajetória.
Tradicionalmente, o mercado de trabalho responde com defasagem à recuperação de outros indicadores econômicos, enquanto os empregadores aguardam uma retomada consistente da economia para fazer novas contratações de trabalhadores. Nesse sentido, políticas de manutenção da renda e do emprego, que por ora conseguiram mitigar parte dos efeitos negativos da Covid-19, podem continuar sendo necessárias até que o crescimento da economia esteja robusto e consistente o suficiente para ensejar a retomada do emprego.
Desempenho da ocupação na indústria de transformação
Esta Carta IEDI tem como base os microdados da PNAD Contínua e atualiza o acompanhamento do emprego na indústria de transformação. Esta edição é centrada nos resultados do terceiro trimestre de 2020, ou seja, período imediatamente posterior à fase mais aguda da pandemia da Covid-19. O foco da análise é o desempenho do emprego da indústria em relação aos resultados do total do setor privado da economia e dos demais setores de atividades.
O impacto do isolamento social do 2º trimestre de 2020 foi intenso sobre o mercado de trabalho. O setor privado perdeu, entre o 1º e 2º trimestres, 9,6 milhões de ocupados. Na indústria de transformação a redução foi da ordem de 1 milhão de empregos.
Frente a esse quadro dramático do emprego, o governo federal lançou mão de medidas de proteção do mercado formal com a implementação do Benefício Emergencial de Preservação de Emprego e da Renda (BEM), instituído pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Medida Provisória nº 936, de 2020).
Este programa permitiu a suspensão e/ou redução de rendimentos e jornada nos contratos de trabalho por tempo determinado, o que deu sobrevida a um contingente expressivo de empresas e permitiu, assim, que postos de trabalho fossem preservados, impedindo uma elevação explosiva do desemprego em 2020.
A flexibilização das medidas de isolamento iniciada no final do 2º trimestre resultou em efetiva recuperação da atividade industrial, lastreada pelo aumento do consumo, que foi parcialmente preservado pelo Auxílio Emergencial oferecido para parcela menos favorecida da população.
A volta da atividade econômica se deu pela utilização da capacidade ociosa, com as empresas mantendo, até recentemente, baixo nível de estoques e menor uso de horas trabalhadas na produção, sem acelerar a contratação de novos empregados. Neste contexto, a combinação destes auxílios e a retomada do nível de atividade foi suficiente para, até agora, estancar a velocidade da queda do emprego observada no 2º trimestre.
De fato, os indicadores do mercado de trabalho ainda permaneceram negativos no 3º trimestre de 2020. Nos meses de julho a setembro, a ocupação total no setor privado registrou nova redução de -0,5%, o equivalente a -352 mil pessoas ocupadas, em relação ao trimestre anterior (sem ajuste sazonal).
Na comparação interanual, os recuos verificados no 2º e 3º trimestres foram próximos de, respectivamente, -14,0% e -13,1%, mas não deixou de haver alguma deterioração adicional. A magnitude dessas quedas decorreu do fato de que, além da redução da ocupação entre o segundo e terceiro trimestre de 2020, havia ocorrido incremento da ocupação nesses mesmos trimestres em 2019, aumentando a “distância” entre os estoques de trabalhadores entre 2019 e 2020.
Os únicos setores que apresentaram resultados positivos no 3º trimestre de 2020 foram a agropecuária e a construção civil, com altas de 3,8% e 7,6%, em relação ao 2º trimestre (sem ajuste sazonal), e acréscimos de, respectivamente, 304 mil e 401 mil ocupados, neste período.
Dentre os setores que continuaram reduzindo o emprego no 3º trimestre, a indústria de transformação e os serviços apresentaram variações negativas próximas, (-0,6% no primeiro caso e -0,5% no segundo), na passagem do segundo para o terceiro trimestre. Estes resultados apontam na direção de um quadro de estabilidade do emprego nestes setores.
Em relação aos valores absolutos, na indústria de transformação o número de ocupados diminuiu em 56 mil pessoas no 3º trimestre, já no setor de serviços essa queda foi da ordem de 926 mil ocupados. Na comparação interanual, o recuou no 3º trimestre na indústria de transformação (-11,9%) foi inferior ao registrado nos setores de serviços (-16,7%), na construção civil (-16,6%) e no comércio (-13,5%).
Desempenho do emprego com e sem carteira
Após ter caído 8,9% no 2º trimestre, o emprego com carteira assinada do setor privado continuou a trajetória de queda no 3º trimestre, porém a variação foi menor (-2,6%), o que significou uma perda de 788 mil empregos, que foi parcialmente compensada, neste período, por um acréscimo de 374 mil no contingente de ocupados sem carteira assinada, na comparação com o trimestre imediatamente anterior.
A indústria de transformação respondeu por 14,4% da queda do emprego com carteira assinada no 3º trimestre com decréscimo de 114 mil trabalhadores, patamar inferior às perdas ocorridas no setor de serviços (-506 mil) e próxima ao registrado no comércio, reparação de veículos e motocicletas (-109 mil). Este desempenho negativo do setor mais formalizado da economia ainda demonstra a fragilidade do mercado de trabalho no pós pandemia.
Apesar disso, a indústria de transformação ampliou a sua participação no total do emprego com carteira em 2020, de 19,9%, no 1º trimestre, para 20,5% no 3º trimestre, devido à menor intensidade da queda. Nos demais setores econômicos importantes, verifica-se diminuição da participação no total do emprego com carteira assinada na construção civil e no comércio, ou manutenção como no caso de setor de serviços.
Na comparação interanual da ocupação com carteira assinada, a indústria de transformação apresentou no 3º trimestre resultado menos adverso (-9,4%), na comparação com os demais grandes setores, como a construção (-16,9%), serviços (-12,1%) e comércio (-11,0%). Em números absolutos, em relação ao 3º trimestre de 2019, a indústria de transformação perdeu cerca de 629 mil trabalhadores com carteira assinada, enquanto que a redução nos serviços foi de quase 1,8 milhão e no comércio, menos 896 mil.
Em relação à criação de vagas sem carteira assinada no 3º trimestre de 2020, a indústria de transformação ampliou as ocupações em 82 mil pessoas, em relação ao trimestre anterior, o que representou 21,8% do total do emprego sem carteira assinada neste período. Cabe salientar que, na construção civil o incremento foi da ordem de 213 mil empregados com 57% do agregado deste tipo de vínculo trabalhista. Nos serviços, nota-se continuidade da diminuição do emprego, mesmo aquele sem carteira assinada (-178 mil trabalhadores, entre 2 º e o 3º trimestres).
Por dentro do emprego industrial
A queda da ocupação da indústria no terceiro trimestre de 2020 se espraiou pela maioria dos setores. Dos 24 segmentos com informações, 22 deles registraram quedas, que variaram entre vinte por cento e reduções na faixa de um dígito, na comparação interanual.
Destacaram-se dentre aqueles setores com piores resultados, a Fabricação de produtos de madeira (-27,4%), Fabricação de produtos do fumo (-26,7%); Fabricação de bebidas (-24,5%) e Metalurgia (-24,5%). As indústrias produtoras de bens-salários, como a de alimentos, conseguiram preservar mais o emprego e acusaram redução de -5,7%. Os setores mais intensivos em capital, como máquinas e equipamentos e química, e com mais capacidade financeira, como a indústria de veículos, também protegeram melhor os empregos, com quedas de, respectivamente, -2,3%, -3,2% e -4,6%.
O aumento do trabalho remoto em home office e a maior permanência em casa elevou a procura por equipamentos de informática e produtos eletrônicos. Neste setor, o emprego cresceu 25,6% no 3º trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. O mesmo aconteceu com os produtos farmacêuticos, cujas empresas ampliaram o emprego em 15,1%
Do ponto de vista do emprego com carteira assinada, registrou-se aumento em três segmentos, ainda que na Fabricação de produtos alimentícios (+1,3%) o resultado tenha sido relativamente pequeno. Destacam-se Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (+25,2%) e Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (15,7%). As maiores perdas de emprego com carteira ocorreram na Impressão e reprodução de gravações (-37,0%), Fabricação de celulose, papel e produtos de papel (-29,8%) e Fabricação de bebidas (-24,8%).
Desempenho da massa de rendimento e do rendimento médio real
A massa de rendimento real dos ocupados no setor privado recuou -7,6% no 3º trimestre de 2020, na comparação com o mesmo trimestre de 2019. Na passagem do 2º para o 3º trimestre de 2020, esse indicador ficou praticamente estável: +0,4%. Nesta base de comparação, a massa de rendimento na indústria de transformação cresceu 2,5%, patamar superior aos resultados do comércio (1,7%), construção (1,5%) e da queda observada nos serviços (-1,5%).
A massa de rendimento na indústria, na comparação interanual, recuou -0,8%. Esse resultado difere muito das quedas observadas na construção (-16,8%), nos serviços (-9,5%) e no comércio (-7,8%). Com isso, a massa da indústria aumentou sua participação no total do setor privado, no 3º trimestre de 2020, atingindo 15,2%, ante 14,9% no trimestre anterior, e 14,5% no 3º trimestre de 2019.
O diferencial positivo da evolução da massa de rendimento da indústria de transformação deveu-se a dois fatores. Como vimos acima, a redução da ocupação no 3º trimestre na indústria foi menor, na comparação com o 2º trimestre, e ajudou a preservar a sua massa de rendimento. Todavia, o principal fator foi o maior crescimento do rendimento médio real da indústria de transformação neste período. No total dos trabalhadores do setor privado, o aumento do rendimento médio real, neste período, foi de 1,1%, sendo que na indústria de transformação a expansão foi de 2,9%.
Na comparação interanual, a indústria de transformação também se destacou com elevação do rendimento médio real de 12,5%, bem acima da média do setor privado (7,7%). A alta do rendimento médio real ocorreu em conjunto com a redução da ocupação, o que sugere que o fechamento de postos de trabalho, nesse período, aconteceu principalmente em postos de menores rendimentos, fazendo com que a média salarial captada pela PNAD-contínua daqueles que permaneceram trabalhando aumentasse. Esta lógica se sobressaiu na indústria de transformação
O rendimento médio dos empregados com carteira assinada também teve elevação no 3º trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, de 3,4%, ao passo que na passagem do segundo para o terceiro trimestre de 2020, ficou praticamente estável (0,2%). Na indústria de transformação, esse indicador acusou alta de 8,8% no terceiro trimestre de 2020 na comparação interanual, variação bem superior ao observado na construção (4,2%), no comércio (1,8%) e nos serviços (0,8%).
Dos 24 segmentos analisados na indústria de transformação, houve aumento do rendimento médio dos empregados com carteira em 10 deles, e redução nos demais 14 ramos. Houve intenso incremento no rendimento médio na Fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (42,8%) e na Fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos (39,5%), na comparação interanual. Por outro lado, maiores perdas de rendimento médio na Metalurgia (-19,8%) e Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,6%).
Em termos de agrupamento dos segmentos da indústria segundo a intensidade tecnológica, nota-se que apenas as indústrias de alta tecnologia registraram elevação do emprego com carteira assinada (18,3%), na comparação interanual, resultado maior que no segundo trimestre. Já nos demais grupos houve redução: média-alta tecnologia (-6,3%), média tecnologia (-13,8%) e média-baixa tecnologia (-11,8%).
Em relação ao rendimento médio real dos empregados com carteira assinada, com exceção da indústria de média tecnologia, as demais aberturas por intensidade tecnológica obtiveram altas no 3º trimestre na comparação interanual. Novamente, destaque para o crescimento nas indústrias de alta tecnologia (+42,5%), mas também na de média baixa tecnologia (5,3%) e média alta tecnologia (4,5%). Nas indústrias de média tecnologia, o rendimento teve recuo de 2,9%, na comparação interanual.