Carta IEDI
Estratégia industrial e heterogeneidade setorial
A UNIDO - Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – em documento recente, intitulado “Industrialization as the driver of sustained prosperity”, discute, entre outros temas, critérios para o desenho de políticas industriais setoriais de sucesso. A Carta IEDI trata deste assunto que vem ganhando cada vez mais destaque no mundo, depois de anos de priorização de políticas industriais consideradas horizontais.
Em primeiro lugar, a UNIDO sintetiza evidências estatísticas que relacionam a industrialização com o desenvolvimento dos países. Ou seja, a experiência internacional mostra que o avanço do valor adicionado industrial está diretamente associado ao aumento do PIB per capita dos países.
O ganho de participação da indústria no PIB dos países é o motor central do desenvolvimento, em um processo nomeado na literatura econômica de “mudança estrutural”. A partir de determinado ponto, o crescimento e diversificação dos serviços assumem a dianteira. Entretanto, a composição da indústria também se altera ao longo deste processo.
Com a progressão da renda per capita dos países, ou seja, com o seu desenvolvimento econômico, alguns setores industriais que primeiro se consolidam, geralmente produtores de bens essenciais, começam a perder participação no valor adicionado per capita da indústria, como têxteis e vestuário, ao passo que outros, como alimentos e bebidas tendem a preservar sua participação.
Há também quem sofra transformações profundas, passando a incorporar maior conteúdo tecnológico e a diversificar seus produtos, tal como o setor químicos, que continuam a manter sua importância com a expansão da renda per capita.
E existem alguns setores industriais que só se desenvolvem quando o país alcança um nível mais elevado de renda, que permite alargar mercados e gerar economias de escala. São os casos da indústrias de veículos e de máquinas e equipamentos, para quem o progresso tecnológico é fundamental.
A velocidade com que as mudanças na composição dos setores no PIB mudam em uma economia está relacionada, segundo à UNIDO, a condições que determinam a evolução da produtividade.
Algumas condições são ubíquas, isto é, têm impactos semelhantes sobre os setores industriais em qualquer país, com diferenças apenas de grau. Por exemplo, o desenvolvimento de setores mais intensivos em tecnologia, em qualquer lugar, vai depender do nível e da intensidade da dotação deste fator nos países em que estiverem.
Existem, contudo, condições não facilmente discerníveis, isto é, que constituem uma vantagem (ou desvantagem) específica do país para o desenvolvimento de determinados setores, o que envolve suas características institucionais, políticas e sociais.
De acordo com a UNIDO, o fator crítico são estas condições não facilmente discerníveis, uma vez que condicionam até que ponto as dotações de fatores específicos de cada país irão ser utilizadas para impulsionar o desenvolvimento industrial. É sobre estas condições que age a política industrial.
Para ser bem sucedida, a política industrial deve considerar as experiências bem sucedidas e levar em conta a heterogeneidade intrínseca entre os setores industriais, de modo a identificar parâmetros de sucesso específicos de cada um deles. Este mapeamento é o que permite concentrar esforços nos parâmetros fundamentais.
Por exemplo, na indústria automotiva, um nível mínimo de escala de produção é vital para a competitividade, assim como a intensidade tecnológica para a indústria farmacêutica e a oferta abundante de trabalho para a indústria de vestuário. A partir desses parâmetros é possível lançar luz sobre as ações do governo por meio da política industrial.
Para a UNIDO, mesmo que as empresas de determinado setor consigam ter um bom desempenho em outros parâmetros, se a política industrial não abordar o parâmetro específico requisitado por seu setor, a produtividade e a competitividade necessárias serão muito difíceis de serem alcançadas pelas empresas.
A Quarta Revolução Industrial (4RI) cria a oportunidade para novas políticas industriais. Como as tecnologias digitais vinculadas a ela não são distribuídas igualmente entre os países, a UNIDO afirma que alguns países precisam de políticas industriais específicas para habilitar suas empresas a adotá-las.
Caso recente de sucesso têm sido as políticas para incorporação das tecnologias da 4RI no setor de dispositivos médicos na Costa Rica. Atualmente, o país já conta com mais de 70 empresas de equipamentos médicos e o setor corresponde a 30% das exportações totais do país.
A UNIDO estabelece cinco princípios para uma política industrial setorial.
• Políticas públicas podem desempenhar um papel fundamental na construção das capacidades produtivas, tecnológicas e organizacionais necessárias e específicas de um determinado setor.
• Os governos podem ajudar as empresas a compreenderem as razões da sua falta de sucesso em determinado setor, comparando-as com suas congêneres de outros países, a fim de identificar quais parâmetros industriais são mais importantes.
• Os governos podem moldar e criar mercados em um setor, por meio de compras públicas e outras políticas direcionadas, além de regulamentação e política de concorrência, no nível microeconômico, e da política fiscal, monetária e cambial, no nível macroeconômico.
• Alguns parâmetros industriais são redesenhados por mudanças tecnológicas e os governos podem agir como um grande empreendedor tecnológico criando infraestrutura tecnológica e com investimentos em ciência básica, padronização e ofertando serviços de intermediação tecnológica.
• A mudança tecnológica tem o papel de redefinir as fronteiras setoriais e isso faz com que os parâmetros industriais específicos do setor também mudem, oferecendo oportunidade para padrões de industrialização alternativos que podem beneficiar alguns países que desenvolvam capacitações para aproveitá-la. Os governos podem ajudar a identificar e aproveitar estas janelas de oportunidade.
Introdução
A industrialização é importante e envolve desafios, segundo a UNIDO. Um destes desafios é a ausência de espaço, por parte dos países em desenvolvimento, para utilizar instrumentos de políticas industriais, que foram anteriormente utilizados por países que se industrializaram primeiro.
Há fatores e condições setoriais específicas que são vitais para o sucesso da industrialização. Dentre as especificidades dos setores, podemos destacar a existência daqueles que dependem mais de um recurso natural específico; dos que podem ser menos ou mais intensivos em energia do que outros e; há diferenças na escala eficiente de produção e no grau de integração vertical. Do ponto de vista tecnológico, inclusive, alguns setores contam com tecnologias mais sofisticadas e maior intensidade de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do que outros.
Isto implica que os setores industriais possuem uma configuração composta por empresas de diferentes portes; cadeias de valor nacionais, regionais ou globais; diferenças nos tipos de mercados em termos de escala, distribuição, composição e elasticidade da demanda e; alguns setores possuem produtos mais comercializáveis internacionalmente do que outros.
Nos próximos itens, a carta trata da evolução dos setores na economia e as condições, específicas aos setores e fomentadas pela política industrial, que permitem o aumento da produtividade industrial.
Em seguida, discute o que são os parâmetros industriais e a importância de seu mapeamento para o desenho de política industrial. Os setores industriais são caracterizados por uma série de especificidades que irão determinar as condições do seu sucesso nas dimensões produtiva, organizacional, tecnológica e de mercado.
Os formuladores de política precisam ter clareza dos parâmetros industriais que são mais importantes para cada setor. Por exemplo, para um setor como o de produtos químicos, a condição de sucesso na dimensão tecnológica está relacionada à sua dependência com ciência básica do país.
O desenho de política industrial deve se atentar ao fato de que alguns parâmetros são mais críticos do que outros e, individualmente ou em combinação, determinam as condições de sucesso de um setor. Na segunda parte, o documento discute o caso específico de políticas que fomentam as tecnologias da 4RI na Costa Rica, a importância dos parâmetros industriais e as lições para as políticas industriais.
1. A evolução dos setores na economia e a produtividade do trabalho
A UNIDO enfatiza em seu relatório que os países que conseguiram se desenvolver avançaram em seu processo de industrialização, segundo um “padrão normal” de mudança de sua estrutura produtiva. Entende-se como mudança estrutural típica o ganho de participação de setores da indústria manufatureira na estrutura produtiva pari passu ao aumento do PIB per capita de um país, que por sua vez contribui para a diversificação das atividades econômicas.
Assim, a manufatura atinge seu ponto máximo e abre espaço para que outros setores contribuam mais para a agregação de valor e emprego da economia, sem comprometer a trajetória de elevação do PIB per capita, mesmo em estágios avançados de desenvolvimento.
Para ilustrar esse ponto, a UNIDO apresenta um estudo econométrico que permite dividir os países analisados em dois padrões de mudança estrutural. Para isso, o estudo faz um recorte, a partir do limite de uma população de 12,5 milhões, para definir países pequenos e grandes.
O estudo relaciona, então, este fator referente ao tamanho do país com a dinâmica de diferentes setores industriais, aferida por meio do valor adicionado industrial per capita, e o nível de renda per capita (a preços internacionais constantes em paridade poder de compra – US$ PPC – de 2005). Indica assim, as trajetórias de industrialização em países de diferentes tamanhos à medida em que há progressão de renda. O período de análise vai de 1963 a 2010.
Os gráficos a seguir exibem, para países grandes e pequenos, a relação entre o aumento do PIB per capita e a evolução de 10 setores industriais: (i) alimentos e bebidas; (ii) têxteis; (iii) vestuário; (iv) borracha e plásticos; (v) produtos químicos; (vi) metalurgia; (vii) produtos de metais; (viii) máquinas e equipamentos; (ix) material e aparelhos elétricos; e (x) veículos motorizados.
Estes são setores com diferentes características em termos tanto de sua essencialidade para a população dos países, como de seu papel no processo de desenvolvimento tecnológico.
Os setores de alimentos e bebidas, têxteis e vestuário são normalmente os primeiros a aumentar a sua participação no valor adicionado per capita da indústria. À medida que os países se desenvolvem, isto é, com o avanço da renda per capita dos países, o setor de alimentos e bebidas tendem a permanecer importante, especialmente entre os países grandes, enquanto a participação dos setores têxteis e vestuário tendem a diminuir após atingirem um pico em torno de US$ 8.000 per capita.
Estes dois setores industriais produzem produtos essenciais para a população e requerem baixo esforço tecnológico; por isso, são os primeiros a se desenvolverem quando o processo de industrialização dos países tem início.
Outros setores, por sua vez, como o de produtos químicos, passam por transformações profundas à medida que um país se desenvolve. Algumas de suas atividades surgem muito cedo para a oferta de produtos químicos básicos, como materiais de tingimento ou fertilizantes (especialmente em países grandes). Com a progressão da renda per capita, os produtos químicos continuam se diversificando para insumos e produtos tecnologicamente avançados, como os produtos farmacêuticos.
Há ainda o caso de setores que ganham importância apenas quando o país atinge um nível maior de renda per capita, como são os casos de máquinas e aparelhos elétricos e veículos motorizados. Sua fase de expansão se sustenta por mais tempo do que as primeiras indústrias analisadas (alimentos, bebidas, têxteis e vestuário etc) devido ao desenvolvimento de produtos com progressivo conteúdo tecnológico incorporado.
Nos veículos motorizados, as economias de escala tendem a desempenhar um papel importante. Isto é, um mercado consumidor crescente, tende a aumentar a quantidade produzida e, com isso, reduzir o custo médio da fabricação do produto. Como resultado, os países com uma população maior possuem uma vantagem comparativa neste setor.
Segundo o estudo, a velocidade com que a mudança estrutural ocorre é resultado da relação entre taxa de crescimento do valor adicionado do setor dividido pela população do país e a produtividade do trabalho neste setor. A correlação entre essas duas variáveis é mais alta para os setores que são intensivos em capital e tecnologia e é mais baixa para as indústrias intensivas em trabalho.
A UNIDO enfatiza que quanto maior o crescimento da produtividade do trabalho, mais rápido o país irá se mover nas trajetórias de desenvolvimento. Há duas condições específicas de determinação desta produtividade:
1. Condições ubíquas. Isto é, são condições que possuem padrões semelhantes de impacto sobre os setores industriais em qualquer país, com diferenças apenas no grau ou na intensidade dessas condições. Por exemplo, setores que são mais demandantes do fator tecnologia, em qualquer lugar, vão depender do grau e da intensidade da dotação deste fator nos países em que estiverem.
2. Condições não facilmente discerníveis. Isto é, aquelas condições que constituem uma vantagem (ou desvantagem) específica do país para o desenvolvimento de determinados setores – por exemplo, características institucionais, políticas e sociais.
Segundo o documento, o fator crítico são estas condições não facilmente discerníveis, uma vez que condicionam até que ponto as dotações de fatores específicos de cada país irão ser utilizadas para impulsionar o desenvolvimento industrial.
Cabe citar o exemplo da Coréia do Sul, cuja experiência histórica mostrou que a falta de minério de ferro em seu território não impediu a expansão da indústria do aço no país. Ou seja, em determinados casos, a política industrial é capaz de criar condições que permitem fazer da falta de um determinado fator de produção uma oportunidade para o desenvolvimento industrial bem-sucedido.
2. Taxonomia dos parâmetros industriais
Cada setor manufatureiro é caracterizado por uma série de especificidades que irão determinar as condições de seu sucesso nas dimensões produtiva, organizacional, tecnológica e de mercado. A UNIDO chama essas especificidades de “parâmetros industriais”, conforme exibidos na tabela a seguir.
Na indústria automotiva, um nível mínimo de escala de produção é vital para a competitividade, assim como a intensidade tecnológica para a indústria farmacêutica e a oferta abundante de trabalho para a indústria de vestuário. A partir desses parâmetros é possível lançar luz sobre as ações do governo por meio da política industrial.
Para a Unido, mesmo que as empresas de determinado setor consigam ter um bom desempenho em outros parâmetros, se a política industrial não abordar o parâmetro específico requisitado por este setor, a produtividade e a competitividade necessárias serão muito difíceis de serem alcançadas pelas empresas.
Para a Unido, a taxonomia dos parâmetros industriais exibida na tabela anterior fornece uma estrutura para analisar a heterogeneidade setorial com referência a três questões principais.
1. Mapeamento dos parâmetros específicos dos setores produtivos, que são vitais para a competitividade industrial. Isto permite levar em consideração esses parâmetros no desenho do sistema de incentivos e contrapartidas das políticas industriais, dessa forma, melhorando as interações governo-empresa.
2. Uma vez que os principais parâmetros dos setores produtivos tenham sidos identificados, esta taxonomia ajuda a concentrar os esforços do governo naqueles que são fundamentais para a expansão setorial. A taxonomia é como um dispositivo focalizador para priorizar intervenções específicas. Sem essa priorização, as intervenções de política pública correm o risco de serem ineficazes.
3. A taxonomia dos parâmetros industriais é útil ao captar diversas especificidades setoriais e não apenas a intensidade tecnológica que costuma ser alvo das políticas industriais. Note que as classificações setoriais existentes podem envelhecer devido à evolução tecnológica, tornando-as ineficazes quando as políticas industriais são guiadas por classificações estáticas.
3. Características globais da 4RI: parâmetros e segmentação
A Quarta Revolução Industrial (4RI) abrange diferentes tipos de tecnologias de produção digital, que estão alterando as atividades de produção e serviços dentro de cada segmento industrial e a relação entre eles. A coleta e análise de dados são centrais nos novos projetos de produto e de processos, no controle, na codificação e rastreamento, em uma mesma empresa e ao longo de sua cadeia de suprimentos.
Algumas tecnologias têm aplicações específicas em um determinado setor, mas a maioria delas são tecnologias transversais que podem ser implantadas em vários outros setores e atividades. A figura a seguir mostra a difusão - medida em termos de produção e uso - de tecnologias de produção digital nos diversos países do globo. Apenas 50 economias no mundo podem ser consideradas como ativamente engajadas com estas tecnologias, conforme tratado na Carta IEDI nº 978 .
A figura permite observar que as oportunidades da 4RI não são distribuídas igualmente, visto que empresas e países enfrentam desafios distintos para a sua implementação.
A adoção efetiva das tecnologias de produção digital pressupõe a existência de organizações produtivas dotadas de capacidades de produção básicas e intermediárias e apoiadas em uma infraestrutura habilitadora, como eletricidade confiável, padronização e conectividade. Essas condições estão ausentes em muitos países em desenvolvimento e mesmo em outros países elas precisam ser construídas por meio de política industrial.
A próxima seção trata de um exemplo concreto de adoção das tecnologias digitais destacado pelo relatório da UNIDO. Trata-se da experiência da Costa Rica em dispositivos médicos.
4. O fomento das tecnologias da 4RI: o exemplo da experiência da Costa Rica
Nas últimas duas décadas, a Costa Rica emergiu como um centro global de dispositivos médicos contando com mais de 70 empresas especializadas, incluindo as multinacionais americanas Baxter e a Medtronic.
Entre 2007 e 2018, as exportações de dispositivos médicos no país triplicaram e se tornaram a maior parcela das exportações costarriquenhas (pouco menos de US$ 3 bilhões de dólares americanos, quase 30% das exportações totais). Hospitais e universidades da Costa Rica estão incorporando progressivamente novas gerações de robôs humanos para treinamento avançado e robôs de simulação têm sido utilizados para treinamento de pessoal médico.
Segundo a UNIDO, a produção de dispositivos médicos possui algumas especificidades como (i) alto nível de habilidade, o que implica na exigência de uma combinação de diferentes recursos científicos e de fabricação e (ii) é uma indústria altamente regulamentada com padrões muito rígidos. Uma infraestrutura fundamental para o desenvolvimento desse setor são os hospitais que permitem aprender a utilizar as tecnologias.
A política industrial tem desempenhado um papel importante na formação do setor de dispositivos médicos na Costa Rica e ajudado na superação dos desafios relacionados ao uso da tecnologia 4IR. Entre as ações adotadas, a UNIDO destaca:
IDE e desenvolvimento de capacidades específicas. Desde os anos 1980, o país tem direcionado o IDE e investido em infraestrutura e habilidades para promover avanços ao longo de sua cadeia de valor. O resultado é que em 1987, a empresa de equipamentos médicos Baxter abriu uma fábrica na Costa Rica e a Intel escolheu o país, ao lado da China e da Malásia, como um dos três locais fora dos Estados Unidos para fabricar microprocessadores.
De acordo com a UNIDO, o governo costarriquenho e sua agência de promoção de investimentos (CINDE) planejavam se afastar da eletrônica devido à volatilidade do setor e suas margens baixas. Entretanto, com base na experiência da Baxter e da Intel, o governo desenvolveu uma política de incentivos e a combinou com investimentos direcionados ao desenvolvimento de capacidades em dispositivos médicos no país.
Incentivos fiscais. A Costa Rica deu incentivos fiscais para atrair multinacionais para atuar em sua zona de livre comércio. Estes incentivos incluíam isenção total do imposto de renda, de tarifas de importação (sobre bens de capital intermediários, matérias-primas e insumos, de impostos locais (sobre vendas, IVA, municipal e royalties) e livre gestão de divisas.
Com o passar do tempo, estes incentivos foram ajustados e alguns renovados. O limite de exportação inicialmente estabelecido foi removido, ao passo que os limites mínimos de emprego e investimento foram mantidos para investidores selecionados.
Capacitação dos fornecedores locais. A partir do estabelecimento de uma Agência de Promoção de Exportações (PROCOMER), o governo desenvolveu um sistema de correspondência (supplier matching system) no qual as necessidades de compras das multinacionais eram atendidas por meio dos fornecedores locais.
O governo costarriquenho incumbiu a Agência de promoção de investimentos (CINDE) responsável por fazer uma avaliação detalhada da capacidade dos fornecedores locais e identificar lacunas de capacidade na produção, organização e tecnologia a fim de estabelecer intervenções direcionadas.
A agência acumulou também o papel de facilitador e intermediário, por exemplo, gerenciando um fórum internacional para conscientizar os fornecedores nacionais sobre os desenvolvimentos tecnológicos e de mercado.
Educação e política tecnológica. Existem cerca de 30 instituições de pesquisa e quase 7.000 pesquisadores especializados no setor de dispositivos médicos costarriquenho. Por um longo período, o governo comprometeu cerca de 8% do PIB com a educação.
O Instituto Tecnológico de Costa Rica (TEC), uma das principais universidades públicas da Costa Rica, estabeleceu um programa de treinamento de mestrado especializado em dispositivos médicos, em colaboração com a Universidade de Minnesota (EUA).
Outras colaborações com as principais universidades de pesquisa foram lançadas, como Georgia Tech (EUA) e o Copenhagen Institute for Interaction Design (Dinamarca), para desenvolver habilidades de alta qualidade e permitir o envolvimento com tecnologias de ponta que estão transformando o setor.
Todo esse investimento permitiu que, mesmo realocando algumas de suas fábricas de microprocessadores para a Ásia, a Intel mantivesse seu Centro de Serviços Globais e o Centro de Engenharia e Design da empresa na Costa Rica.
Estratégia de Transformação Digital 2018-2022. O setor de dispositivos médicos foi um dos principais alvos do pacote de políticas industriais para a digitalização da economia lançada pelo governo costarriquenho em 2017.
Entre seus seis pilares estratégicos, está o de que o governo iria promover o desenvolvimento de parques tecnológicos, nos quais as empresas pudessem alugar escritórios, centros de dados, serviços de internet de alta velocidade e outras facilidades.
5. Parâmetros e Política Industrial
Há alguns parâmetros industriais, nas diferentes dimensões, que são considerados obrigatórios para a competitividade do setor de dispositivos médicos na Costa Rica, que ficam mais evidentes a partir das ações governamentais.
Na dimensão da produção, destacam-se a intensidade de capital, o nível de habilidades específicas e os processos de padronização, que envolvem a infraestrutura básica e digital. Já no âmbito tecnológico, todos os seus parâmetros, desde a dependência da ciência básica, até o escopo para diversificação tecnológica, ficam evidentes.
Já os parâmetros industriais obrigatórios para o setor de eletrônicos, discutido pela UNIDO, são a estrutura organizacional e governança do setor. O documento ressalta, no entanto, que com as transformações na cadeia global de valor (CGV) da eletrônica, ao longo dos anos, estes parâmetros foram se modificando.
Isto é, o desenvolvimento da cadeia de valor da eletrônica esteve inicialmente relacionado a um movimento de outsourcing, que consistia na busca de redução de custos e na obtenção de mão de obra barata, em países como Taiwan, Hong Kong, China e etc. Isso que exigia destes países uma capacidade crescente de organização e uma boa estrutura de governança. Nesse sentido, a existência de zonas econômicas especiais e incentivos ao IDE foram peças importantes no estímulo de investimentos eletrônicos nesta região.
As empresas-líderes, localizadas principalmente nos EUA, focaram em competências industriais como design de chips, marketing e branding, enquanto processos intensivos em capital eram terceirizados domesticamente, e, a posteriori, internacionalmente. Ao longo do tempo, as principais empresas de eletrônicos se tornaram firmas de alta tecnologia, com foco na proteção da propriedade intelectual, licenciamento, altos gastos com P&D e com proteção de segredos comerciais.
Para as economias emergentes, adentrar nesse setor altamente competitivo da cadeia global de valor requer, atualmente, a busca por vantagens competitivas, tanto na produção quanto em sua estrutura organizacional, como a padronização de processos, economias de escalas, habilidades de entregas on-time, enquanto exploram as vantagens dos custos de trabalhos.
Isto é, os parâmetros industriais críticos a serem levados em consideração atualmente estão relacionados à demanda crescente por eletrônicos e às mudanças trazidas pelas tecnologias da 4RI. Para a UNIDO, este é um ponto importante relacionado ao avanço do setor de dispositivos médicos na Costa Rica.
A demanda de produtos eletrônicos tem diminuído em mercados de alta renda e vem aumentando em economias emergentes, que estão experimentando a digitalização em seus setores agrícola, manufatureiro e de serviços.
Essa demanda também é capaz de alterar e estabelecer novos parâmetros industriais nos setores destes países, nos quais a automação da produção e a robotização, novos sistemas de energia e mobilidade, a conectividade digital, saúde digital e dispositivos médicos estão vivenciando mudanças baseadas, especialmente, na massificação de semicondutores. Isso tem sido possível graças ao advento dos novos materiais avançados da 4RI.
Os parâmetros industriais na dimensão tecnológica ficam evidentes no estudo de caso das políticas industriais da Coréia do Sul, país no qual o sucesso do setor eletrônico é fruto de uma conjunção de fatores, a saber: (i) visão estratégica do governo, (ii) competição entre empresas líderes, (iii) institutos de pesquisa no monitoramento da viabilidade tecnológica do projeto e da identificação de futuros vencedores e (iv) cooperação entre a iniciativa privada e pública.
Ademais, o modelo coreano de consórcio de pesquisa, concentrado na transferência e absorção de tecnologia, estabelecido entre agentes públicos e privados, representou uma solução institucional para a necessidade de agregar capacidades complementares na aceleração do processo de aprendizagem, bem como para a geração de novas capacidades.
Uma linha geral das políticas setor-específicas será discutida na próxima seção.
6. Recomendações da UNIDO para políticas industriais setoriais
Os parâmetros industriais para os setores devem ser levados em consideração no desenho de uma política industrial apropriada, segundo a UNIDO. O quadro a seguir provê um guia para o desenho de políticas industriais, conforme os países e setores analisados pelo documento.
A UNIDO analisou seis setores, em cinco países diferentes, e sumarizou os principais instrumentos utilizados em cada um dos casos, como pode ser visto no quadro acima. Os cinco princípios gerais estabelecidos pela instituição para uma política industrial setorial são elencados a seguir.
Por ora, é interessante destacar que, a despeito da diversidade dos setores analisados, o papel das políticas e instituições de tecnologia é reforçado como aspecto principal em todos eles, inclusive, em setores de baixa intensidade tecnológica, como em alimentos e vestuário.
O documento mostra que, no setor de alimentos e bebidas no Chile, por exemplo, a Fundación Chile teve importância equivalente à da Embrapa no Brasil, desenvolvendo e disponibilizando tecnologia e serviços especializados ao setor, de modo a alavancar sua produtividade e competitividade internacional.
No caso do setor de vestuário, em Bangladesh, a Unido lembra que vários incentivos foram oferecidos às empresas estrangeiras para que transferissem tecnologias para as empresas locais.
Nos setores automotivo e de máquinas e equipamentos, na Tailândia e China, a Unido destaca a relevância de políticas relacionadas à robotização. É o caso da criação de um ecossistema para robótica na Tailândia, para o qual foi destinado um fundo de U$S 6 bilhões para o setor automotivo e, na China, o investimento do governo em robotização, que favoreceu a indústria de máquinas e equipamentos.
A iniciativa chinesa compreendeu investimentos em nove centros de fabricantes de robôs, como o Shenyang Siasun e além de sete centros de P&D, incluindo o Beijing Research Institute of Automation for Machinery Industry, no âmbito do programa Made in China 2025.
O benchmarking de política da UNIDO inclui não apenas as políticas relacionadas especificamente aos setores industriais, mas também às políticas e instrumentos que atuam de maneira complementar, a exemplo do caso da Costa Rica.
Com base nos casos analisados, a UNIDO estabelece cinco princípios para uma política industrial setorial.
(1) Capacidades específicas do setor. O governo pode desempenhar um papel fundamental na construção das capacidades produtivas, tecnológicas e organizacionais necessárias e específicas de um determinado setor, a partir de três maneiras principais: (i) direcionar os recursos para a construção de capacidades onde elas são necessárias; (ii) oferecer incentivos às empresas, a fim de que elas invistam em capacidades que atendam necessidades específicas do setor; (iii) fornecer serviços industriais e de tecnologia às empresas.
(2) Conscientização sobre as restrições do setor. O governo pode ajudar as empresas a compreenderem as razões da sua falta de sucesso em determinado setor. Algumas empresas podem não estar cientes das razões por trás de sua baixa produtividade e de seu insuficiente desempenho competitivo. O governo pode comparar as empresas nacionais com as de outros países, a fim de identificar quais parâmetros industriais são mais importantes, bem como apontar a distância que as empresas nacionais estão de determinadas empresas que são referências internacionais.
(3) Criação e formação de mercados setoriais. O governo pode moldar e criar mercados em um setor por meio da utilização de compras públicas e outras políticas direcionadas, além de utilizar as formas tradicionais de influenciar os mercados, por meio de regulamentação e política de concorrência, no nível microeconômico, e da política fiscal, monetária e cambial, no nível macroeconômico.
(4) Alteração dos parâmetros industriais. Alguns parâmetros industriais são redesenhados por mudanças tecnológicas. Por exemplo, as tecnologias de produção digital estão redesenhando os parâmetros de produtividade e a automação inteligente está mudando o escopo da robotização. No caso da Costa Rica, o governo agiu como um grande empreendedor tecnológico criando infraestrutura tecnológica e com investimentos em ciência básica, padronização e ofertando serviços de intermediação tecnológica.
(5) Captura de janelas de oportunidade. A mudança tecnológica tem o papel de redefinir as fronteiras setoriais. Nos últimos anos, tais fronteiras tornaram-se cada vez mais difusas, por conta da interdependência entre diferentes setores desencadeada pelo surgimento de novas tecnologias associadas à 4RI. Isso fez com que os parâmetros industriais específicos do setor também mudassem.
Por exemplo, embora as economias de escala permanecessem como uma restrição fundamental em alguns setores, a manufatura aditiva e os novos materiais avançados afetaram a cadeia de abastecimento de peças de reposição e a personalização de componentes. Mudanças em parâmetros industriais e nas fronteiras setoriais oferecem uma oportunidade para padrões de industrialização alternativos que podem beneficiar alguns países que desenvolvam capacitações para aproveitá-la.
Para a UNIDO, os formuladores de política precisam, assim, ter clareza dos parâmetros industriais críticos e obrigatórios para cada setor, de maneira que possam criar e ajudar nas condições que permitam o desenvolvimento de determinados setores manufatureiros.