Carta IEDI
A economia na segunda onda de Covid-19
No 1º trim/21, a economia pode não ter se saído tão mal quanto se esperava diante da forte deterioração do quadro sanitário, mas nem por isso passou ilesa. Voltaram a ocorrer quedas do nível de atividade, ainda que não tão intensas como no início da primeira onda de Covid-19, já que não se conseguiu avançar muito no lockdown e porque houve algum aprendizado, permitindo adoção de protocolos de segurança e um quadro de menor incerteza.
Na passagem de fev/21 para mar/21, já descontados os efeitos sazonais, o endurecimento de medidas restritivas, o alto desemprego e a ausência dos programas emergenciais contra os efeitos da pandemia provocaram declínio em todos os grandes setores da economia, em uma intensidade que só perdeu para abr/20, o pior mês da crise da Covid-19.
As vendas reais do comércio varejista em seu conceito amplo, que inclui os segmentos de veículos, autopeças e material de construção, recuaram -5,3% e o faturamento do setor de serviços, -4,0%. A indústria caiu menos, mas já estava no vermelho: -1,0% em fev/21 e -2,4% em mar/21, com ajuste sazonal.
Com isso, todos estes setores perderam muito daquilo que haviam conquistado nestes últimos meses de recuperação. O varejo ampliado, que em nov/20 chegou a ficar 4% acima do nível de vendas pré-pandemia (fev/20), submergiu a um patamar 3,6% abaixo desta marca. Os serviços, por sua vez, que mal chegaram a se recompor do choque de mar-abr/20, também retornaram ao vermelho: -2,8% ante fev/20.
A indústria, ao menos, não regrediu tanto quando os demais setores e manteve-se exatamente no nível anterior aos primeiros efeitos da pandemia, mas passou por uma acomodação, dado que no final de 2020 encontrava-se 3% acima do nível de produção de fev/20.
Com estes resultados, o indicador IBC-Br do Banco Central, que funciona como uma proxy do PIB, também acusou retração na passagem de fev/21 para mar/21: -1,59%, já descontados os efeitos sazonais, perdendo o crescimento adicional da segunda metade de 2020 e voltando ao patamar em que estava no pré-pandemia.
A contar pelos dados do IBGE, os maiores freios à atividade econômica em mar/21, com taxas de declínio de dois dígitos, foram as vendas do comércio de bens de consumo duráveis e semiduráveis, serviços prestados às famílias e ramos da indústria produtora de bens de consumo.
No varejo, a maior queda coube ao segmento de vestuário e calçados, com -41,5% ante fev/21, livre de efeitos sazonais, impactado pelo fechamento de lojas e menor adaptação ao comércio online. Também caíram muito os ramos mais dependentes da confiança do consumidor e do acesso ao crédito, como móveis e eletrodomésticos (-22%) e veículos e autopeças (-20%).
Nos setor de serviços, aqueles prestados às famílias foram os mais prejudicados, registrando -27,0% ante fev/21, sobretudo devido ao seu componente alojamento e alimentação (-28,0%), diretamente impactados pelo maior isolamento social, o que também levou a um recuo de -10,2% dos serviços de transporte aéreo. Resultados ruins também marcaram outros serviços pessoais e serviços administrativos e complementares, que geralmente compreendem funções terceirizadas pelas empresas.
Na indústria, por sua vez, o quadro mais grave tem sido o de bens de consumo duráveis, em queda desde jan/21. Agora em mar/21 registraram -7,8% ante fev/21. Entretanto, ficou por conta de bens de consumo semi e não duráveis o recuo mais intenso: -10,2%, com ajuste. Regionalmente, a involução recente marcou sobretudo os estados do Sul, notadamente o Rio Grande do Sul (-7,3%) e o Nordeste como um todo (-4,2%).
Para todas estas atividades econômicas mencionadas acima, a crise da Covid-19 é uma realidade bem presente, pois se encontram muito distantes dos níveis pré-pandemia. Os serviços prestados às famílias estão nada menos do que 44,4% abaixo de fev/20, o varejo de vestuário e calçados está 50,1% abaixo e as vendas de móveis e eletrodomésticos e de veículos e autopeças estão 18,1% e 21,7% aquém deste patamar.
Na indústria esta defasagem é de -12,1% em bens de consumo duráveis e de -8,6% em bens de consumo semi e não duráveis. Ponto de vista regional, o parque industrial mais distante de seu quadro em fev/20 compreende o Nordeste como um todo, cuja produção está 11,2% inferior, refletindo, em boa medida, a redução e posterior interrupção do auxílio emergencial pago às famílias.
Indústria
Em mar/21, a indústria recuou -2,4% na série com ajuste sazonal e variações negativas também marcaram quinze dos vinte e seis ramos identificados pelo IBGE e nove dos quinze parques regionais acompanhados, isto é, uma difusão de 58% entre o total de ramos e em 60% das localidades industriais.
Entre os macrossetores, o único a escapar na região negativa praticamente não cresceu, ficando muito próximo da estabilidade. Foi o caso de bens intermediários, com +0,2% ante fev/21 com ajuste, que a despeito dos sinais de escassez de alguns insumos ao longo de todo o sistema industrial, vem se mantendo em um quadro de relativa estagnação desde a entrada de 2021.
A queda mais intensa foi registrada por bens de consumo semi e não duráveis: -10,2%, com ajuste. Bens de consumo duráveis, por sua vez, em no vermelho desde jan/21, é quem apresenta a pior sequência de resultados. Agora em mar/21 registraram -7,8% ante fev/21, já descontados os efeitos sazonais. Por fim, bens de capital registraram -6,9%.
Do ponto de vista da indústria regional, Sul e Nordeste foram as mais afetadas. São Paulo, que é o parque mais diversificado do país, não chegou a perder produção, como em fev/21, mas também pouco cresceu, registrando nos últimos meses um quadro que se aproxima mais da estabilidade.
Quem melhor se saiu nos dados livres de efeitos sazonais foi a indústria do Amazonas, cuja variação chegou a +7,8% ante fev/21, mas este desempenho sucedeu uma sequência de recuos que se iniciou em dez/20 e atingiu forte intensidade em jan/21 (-11,6%).
Além do Amazonas, outros casos de reação em mar/21 após uma fase recente de perdas incluem Minas Gerais, Espírito Santo e também Goiás, cujo declínio em out/20-jan/21 deu lugar a variações positivas em fev/21 e mar/21.
São Paulo, como dissemos, não caiu, mas também não progrediu muito, tanto é que seu nível de produção em mar/21 encontrava-se apenas 0,9% acima daquele de dez/20. Apesar disso, a indústria paulista se mantém em situação melhor que o total Brasil, superando patamar de produção do pré-pandemia. Enquanto a indústria brasileira está exatamente no nível de fev/20, São Paulo encontra-se 7,1% acima. Por isso, a fase atual pode ser vista mais como uma acomodação.
Nas regiões que concentraram os resultados adversos na passagem de fev/21 para mar/21 há três trajetórias. A primeira e mais grave é a do Nordeste como um todo, cuja indústria vêm declinando sistematicamente desde dez/20 e a taxas cada vez maiores.
Muito disto deve-se provavelmente à redução e posterior interrupção do auxílio emergencial no primeiro trimestre de 2021, cuja reedição em abr/21 pode vir a amenizar a tendência negativa da indústria nordestina. Seria algo muito bem vindo, dado que o Nordeste está 11,2% abaixo do nível de fev/20, isto é, antes do choque da Covid-19.
A segunda trajetória refere-se ao Sul, com quedas reincidentes, mas por um período não tão longo quando as do Nordeste. Neste caso, a maioria dos estados continua com um nível de produção superior ao pré-pandemia: 9,8% acima em Santa Catarina e 6,3% acima no Paraná. O Rio Grande do Sul voltou a ficar 1,3% abaixo de fev/20, mas devido à intensidade das perdas de fev-mar/21, pois até janeiro superava o pré-pandemia em 8,7%.
A terceira trajetória, por fim, reúne aqueles casos cujas perdas em mar/21 na série com ajuste podem vir a ser apenas pontuais, como as do Rio de Janeiro e de Mato Grosso. Como estes parques ainda são superaram o choque da Covid-19 (-5,5% e -5,2% ante fev/20, respectivamente), seria conveniente que voltassem aos trilhos da recuperação nos próximos meses.
Comércio
Como já era esperado, o desempenho do comércio apresentou nova queda em mar/21 diante do endurecimento das medidas restritivas e da ausência do auxílio emergencial. O resultado com ajuste sazonal de -0,6% no seu conceito restrito e de -5,3% no conceito ampliado, que inclui veículos, autopeças e material de construção, interrompeu o movimento que havia levado a taxas positivas em fev/21.
Deste modo, à exceção do segundo mês de 2021, as vendas reais do varejo têm se mantido no vermelho desde nov/20, em resposta à redução do valor do auxílio pago pelo governo a trabalhadores informais e desempregados, a despeito da manutenção em níveis recordes da taxa de desocupação do país.
Este retrocesso trouxe o varejo de volta a patamares de venda inferiores ao pré-crise, colocando em marcha a ré este setor que por algum tempo liderou a retomada econômica, após o choque da Covid-19 em mar-abr/20. Em mar/21 as vendas do varejo restrito ficaram 0,3% abaixo do nível de fev/20 e no caso do varejo ampliado, 3,6% abaixo.
Consolida o mau resultado deste último mês, o fato de 90% dos dez ramos do comércio acompanhado pelo IBGE terem ficado no vermelho. A única exceção foi o ramo de supermercados, alimentos, bebidas e fumo, o que pode estar associado ao anúncio, no final do mês, de uma nova fase de restrições mais duras da mobilidade em importantes cidades do país.
Não fosse o crescimento do ramo de supermercados e alimentos, embora bem menos intenso do que na primeira onda de contágio, o varejo teria tido uma performance muito pior, dado que este ramo responde por cerca de 1/3 das vendas do comércio ampliado e metade do comércio restrito.
Os mais prejudicados foram os segmentos cujas vendas podem ser adiadas, que encontram maior dificuldade para serem realizadas on line ou, então, que exigem endividamento e maior confiança do consumidor. Foram os casos de tecidos, vestuário e calçados (-41,5% ante fev/21 com ajuste), móveis e eletrodomésticos (-22%) e veículos e autopeças (-20%).
Todos estes ficaram muito aquém do patamar de vendas pré-crise: vestuário e calçados, 50,1% abaixo de fev/20, móveis e eletrodomésticos, 18,1% abaixo, e veículos e autopeças, 21,7% abaixo de fev/20. Ou seja, nestes casos, e em alguns outros, não há recuperação e a crise da Covid-19 é uma dura realidade.
As vendas de outros ramos também caíram bastante, embora em uma intensidade mais moderada que os anteriores. Foram os casos de outros artigos de uso pessoal e doméstico (-5,9% ante fev/21 com ajuste), combustíveis (-5,3%) e equipamentos de escritório, informática e comunicação (-4,9%). Todos ficaram abaixo do nível de fev/20.
Aqui também se enquadram as vendas de material de construção, que recuaram -5,6% na passagem de fev/21 para mar/21, já descontados os efeitos sazonais, mas neste caso a deterioração é mais recente. Permanece em um patamar 14% acima do pré-pandemia, mas já esteve muito melhor, já que entre set/20 e mar/21 retrocedeu nada menos do que -12%.
Serviços
O novo surto de Covid-19 e o endurecimento das medidas restritivas cobraram em mar/21 um preço elevado do setor de serviços, que apresentou seu pior desempenho desde abril do ano passado. A queda foi de -4,0% frente a fev/21, já descontados os efeitos sazonais.
Embora não tenha sido o único a sentir o impacto negativo da deterioração sanitária e da suspensão dos auxílios emergenciais às famílias e às empresas, já que a indústria e o varejo também ficaram no vermelho, o setor de serviços mal havia retomado o patamar de faturamento pré-pandemia em fevereiro último e, em mar/21, voltou a submergir.
Em comparação com fev/20, isto é, antes dos choques iniciais da Covid-19, o nível de faturamento real dos serviços ficou 2,8% abaixo em mar/21. A indústria e o comércio varejista, a seu turno, ficaram acima deste patamar a maior parte da segunda metade de 2020 e só perderam este diferencial positivo na entrada de 2021. Isso sugere que para os serviços, a crise só deve passar de fato com o avanço da vacinação e o total controle da pandemia.
Ainda em relação aos dados com ajuste sazonal, que dão o tom mais de curto prazo do setor, o recuo de mar/21 foi acompanhado pela maior parte dos ramos de serviços: 3 dos 5 identificados pelo IBGE ficaram no vermelho, com destaque para os serviços prestados às famílias, que foram os que mais caíram.
A queda de -27,0% nos serviços prestados às famílias se aproximou muito daquela de mar/20, de -31,7%, com ajuste sazonal, e foi ensejada por perdas expressivas em seus dois componentes: serviços de alojamento e alimentação (-28%) e outros serviços pessoais (-7,2%). Com isso, este ramo ficou 44,4% abaixo do pré-crise, algo comparável apenas ao segmento de transporte aéreo (38,2% abaixo), fortemente prejudicado pela redução da mobilidade das pessoas.
Os demais ramos que ficaram no negativo na passagem de fev/21 para mar/21 não tiveram uma performance tão negativa e, antes disso, vinham acumulando uma sequência de meses de crescimento. Foram os casos de serviços profissionais, administrativos e complementares e serviços de transporte, sendo que este último ramo conseguiu se manter em um patamar de faturamento real superior ao de fev/20 (+1,4%), diferentemente dos serviços profissionais (-3,6%), cuja reação nunca foi suficiente para tanto.
Entre os ramos resilientes, estão os serviços de informação e comunicação, cuja demanda tende a ser beneficiada pelos períodos de maior isolamento social e home office, e outros serviços, em que o IBGE reúne um conjunto diversificado de atividades, como financeiras, imobiliária, etc.
Estes dois ramos também são aqueles que melhor se encontram em relação ao quadro pré-pandemia: em mar/21, ambos ficaram 4,7% acima do faturamento de fev/20. Além disso, estão entre as maiores altas em relação ao mesmo período do ano passado: +6,2% no caso de informação e comunicação e +7,3% no caso de outros serviços, enquanto o setor de serviços como um todo, muito ajudado por bases baixas de comparação, registrou variação de +4,5%.