Carta IEDI
A retomada mundial em 2021
O cenário básico do FMI de abril de 2021 projeta um crescimento da economia global de 6% em 2021 e 4,4% em 2022, após a contração estimada de -3,3% em 2020. Ambas projeções são mais otimistas frente às divulgadas em janeiro último (5,5% e 4,2%, respectivamente) em função, sobretudo, do impacto favorável de estímulos fiscais adicionais em alguns países e do avanço da vacinação.
Um quadro menos favorável é desenhado tanto pela OCDE como pela UNCTAD, cujas projeções para o PIB mundial em 2021 são menos otimistas que a do FMI: expansão de 5,6% e de 4,7%, respectivamente. Para 2022, a OCDE também prevê um crescimento um pouco menor que o FMI, de 4%.
Apesar do aumento da cobertura da vacinação, o surgimento de novos variantes do Covid-19 e a assimetria na recuperação econômica entre países e regiões são motivos de preocupação. O desempenho efetivo da economia global em 2021 e 2022 dependerá dos seguintes fatores, segundo os organismos multilaterais:
• da trajetória da pandemia, ou seja, da batalha entre o vírus e suas variantes e o ritmo e eficácia das vacinas;
• da efetividade das iniciativas de política econômica adotadas neste contexto altamente incerto de limitar os danos econômicos da crise sem precedentes;
• da evolução das condições financeiras e dos preços das commodities;
• da capacidade da economia de se ajustar ao impacto das medidas de confinamento e distanciamento social sobre o nível de atividade.
As principais hipóteses subjacentes ao cenário atual do FMI, por sua vez, compreendem: acesso desigual às vacinas em âmbito global; políticas fiscais heterogêneas; altas dos preços das commodities e recuperação do volume do comércio internacional; condições monetárias e financeiras favoráveis.
Se o cenário atual do FMI se confirmar, a recuperação no biênio 2021-2022 será mais intensa do que no biênio que sucedeu a crise financeira global (CFG) de 2008. Este desempenho era de se esperar diante da intensidade da crise da Covid-19 e consequentemente de bases muito baixas de comparação.
De acordo com as estimativas do FMI, a recessão global de 2020 teria sido três vezes mais intensa na ausência das políticas monetárias e fiscais contracíclicas adotadas nas Economias Avançadas (EAs) e nas Economias de Mercado Emergente e em Desenvolvimento (EMDE).
No âmbito de cada grupo de países, as divergências no ritmo projetado da retomada dependem de vários fatores, segundo o Fundo, dentre os quais a intensidade da crise sanitária, a extensão das interrupções na atividade econômica (associadas ao grau de importância de atividades intensivas em contato físico), grau de abertura econômica e a efetividade das políticas públicas em limitar os impactos negativos da crise sobre a economia.
As economias avançadas registrarão uma expansão de 5,1% em 2021, de acordo com o FMI, sob a liderança dos Estados Unidos (+6,4%) graças ao robusto pacote fiscal do presidente Biden. Espera-se que a economia americana retorne para o patamar de atividade econômica do final de 2019 no primeiro semestre de 2021.
A segunda maior taxa de crescimento entre os avançados será do Reino Unido (+5,3%), mas neste caso o patamar pré-crise só deve ser atingido em 2022. A área do Euro, por sua vez, vem em seguida, com um crescimento de 4,4%, também retornando para esse patamar em 2022.
A economia japonesa continuará ocupando posição inferior do ranking de crescimento do PIB 2021 de acordo com o FMI. Sua expansão deve ser de 3,3% em 2021, mas devido à recessão mais suave que no Reino Unido e na área do Euro, retomará o nível pré-crise no segundo semestre desse ano.
No caso das economias emergentes e em desenvolvimento, a projeção atual aponta para um crescimento de 6,7% após uma recessão de -3,3% em 2020. O cenário atual é mais favorável em relação ao de jan/21 para todas regiões, embora a revisão para cima tenha sido menor do que nas EAs.
Os dados disponíveis sugerem, segundo o FMI, que grande parte da população não terá acesso à vacinação em 2021 e medidas de confinamento e distanciamento social serão provavelmente mais frequentes neste ano e em 2022 do que nos países avançados, aumentando a probabilidade de efeitos adversos mais duradouros no produto potencial.
Ademais, entre os emergentes a assimetria nos desempenhos regionais é maior do que nas EAs. A Ásia emergente e em desenvolvimento, única região que não entrou em recessão em 2020 (devido ao desempenho da China), deve crescer 8,6% sob a liderança chinesa país.
Já a América Latina e Caribe, que foi a região mais atingida pela crise da Covid-19 ao registrar contração de -7% em 2020, deve registrar a segunda maior taxa de crescimento em 2021: +4,6%, ancorada na retomada do volume do comércio mundial e na alta dos preços das commodities.
Para o Brasil, o FMI projeta um crescimento do PIB de 3,7% em 2021, praticamente o mesmo patamar do cenário anterior. Ou seja, diferentemente de outras regiões e países, o Fundo não viu melhora do quadro econômico brasileiro entre a virada de ano e esta última projeção de abr/21.
O balanço de riscos de não concretização do cenário atual está com viés neutro no curto prazo, isto é, riscos negativos e positivos se neutralizando mutuamente. No médio prazo, contudo, o viés é positivo.
Para que os riscos negativos não se materializem e se sobreponham aos positivos, o FMI apresenta um conjunto de recomendações de política, escalonadas em três fases, que correspondem, respectivamente, ao curto, médio e longo prazos:
• ações imediatas para a superação da crise: prioridade ao gasto em saúde; manutenção da política fiscal de acordo com a evolução da pandemia; política monetária acomodatícia; políticas macroprudenciais para conter os riscos de instabilidade financeira.
• niciativas para garantir a recuperação: limitar a falência de empresas viáveis; apoiar os setores mais atingidos (como cultura e entretenimento); políticas para evitar o desemprego de longo prazo; investimento em educação, P&D, qualificação profissional e infraestrutura.
• medidas para construir uma economia mais resiliente, inclusiva e ambientalmente sustentável: reestruturação das dívidas externas soberanas das EMED que enfrentam problemas de solvência; medidas para aumentar a produtividade e o PIB, como investimentos em inteligência artificial e automação, combate à desigualdade e ao desemprego; reformas tributárias para ampliar o raio de manobra da política fiscal; apoio à economia de baixo carbono etc.
Nas três fases, o Fundo afirma que a cooperação internacional será fundamental para, por exemplo, viabilizar a distribuição universal da vacina a preços acessíveis, apoiar a reestruturação da dívida das economias emergentes e em desenvolvimento com problemas de solvência externa; e ampliar as políticas de mitigação das mudanças climáticas.
Introdução
Esta Carta IEDI apresenta o cenário atual do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o desempenho da economia global em 2021 e 2022 divulgado no World Economic Outlook de abr/21. A primeira seção sumariza esse cenário e, a título de comparação, os cenários da UNCTAD e da OCDE divulgados em março. A segunda seção sumariza os riscos subjacentes a esse cenário e a terceira seção apresenta as recomendações de política do FMI tanto para a superação da crise do Covid-19, como para viabilizar uma economia de baixo carbono e menores desigualdades sociais no médio e longo prazo.
Cenário para a economia global
De acordo com o cenário básico do FMI de abril de 2021, após a contração estimada de -3,3% em 2020, a economia global registrará um crescimento de 6% em 2021 e 4,4% em 2022, contra os percentuais de, respectivamente, 5,5% e 4,2% divulgados em janeiro. Essa revisão favorável decorre, sobretudo, do impacto positivo de estímulos fiscais adicionais em alguns países e da perspectiva de aceleração do crescimento no segundo semestre devido ao avanço da cobertura da vacinação.
Já as projeções da OCDE e, sobretudo, da UNCTAD para 2021 são menos otimistas: expansão de 5,6% e 4,7%, respectivamente. Para 2022, a OCDE também prevê um crescimento um pouco menor que o FMI, de 4%.
Se o cenário atual do FMI se confirmar, a recuperação no biênio 2021 será mais intensa do que no biênio que sucedeu a crise financeira global (CFG) de 2008, resultado que era de se esperar diante da maior intensidade da crise do Covid-19. De acordo com as estimativas do FMI, a recessão global de 2020 teria sido três vezes mais intensa na ausência das políticas monetárias e fiscais contracíclicas adotadas nas Economias Avançadas (EAs) e nas Economias de Mercado Emergente e em Desenvolvimento (EMDE).
Contudo, as perspectivas para a economia global continuam muito incertas. Apesar do aumento da cobertura da vacinação, o surgimento de novos variantes do Covid-19 e a assimetria na recuperação econômica entre países e regiões são motivos de preocupação. O desempenho efetivo da economia global em 2021 e 2022 dependerá dos seguintes fatores:
(i)da trajetória da pandemia, ou seja, da batalha entre, de um lado, o vírus e suas variantes, e, de outro lado, as vacinas;
(ii)da eficácia das iniciativas de política econômica adotadas neste contexto altamente incerto de limitar os danos econômicos dessa crise sem precedentes;
(iii)da evolução das condições financeiras e dos preços das commodities;
(iv)da capacidade da economia de se ajustar ao impacto das medidas de confinamento e distanciamento social sobre o nível de atividade.
As hipóteses subjacentes ao cenário básico atual do Fundo são detalhadas a seguir.
1. Acesso desigual às vacinas: com base nas informações disponíveis sobre os contratos de compra e o progresso da inoculação, a distribuição das vacinas seguirá escalonada e desigual entre as regiões. A ampla disponibilidade de vacinas nas EAs e em algumas economias de mercado emergente (EME) é estimada para o verão do corrente ano e na maioria das economias em desenvolvimento (ED) de baixa renda os países para o segundo semestre de 2022. Adicionalmente, assume-se que as vacinas e demais terapias de combate à pandemia serão disponíveis a preços acessíveis para todos países.
Neste contexto, a proteção efetiva combinada com a melhora nos métodos de teste e rastreio garantirá baixos níveis de transmissão local em todo globo no final de 2022. Até essa data, o impacto das restrições devido a novas variantes deverá ser menor do que nos episódios precedentes devido à adaptação ao trabalho remoto e ao ritmo mais moderado nas atividades intensivas em contato físico.
2. Políticas fiscais heterogêneas: o estímulo fiscal também continuará diferenciado tanto entre dois grupos economias como no interior de cada grupo. Nas EAs, a União Europeia iniciará a distribuição entre os países membros do Next Generation EU funds e tanto Japão como Estados Unidos anunciaram pacotes fiscais para 2021.
O pacote de US$ 1,9 trilhões do presidente Biden é o mais expressivo e não somente significará um forte estímulo ao crescimento da economia americana, mas também terá impactos positivos sobre os parceiros comerciais dos Estados Unidos. Adicionalmente, o serviço da dívida pública americana e dos demais países avançados permanecerá reduzido diante da predominância de títulos de longo prazo com rendimento muito baixo ou negativo.
Já no caso das EMED, o estímulo fiscal seguirá mais limitado, mas os déficits diminuirão com a recuperação das economias devido ao efeito positivo sobre as receitas tributárias e à redução dos gastos associados à crise sanitária e econômica. Ademais, os maiores custos da dívida pública limitaram a capacidade dessas economias de fazer face ao negativo legado social da pandemia (aumento da pobreza e da desigualdade).
3. Alta dos preços das commodities e comércio internacional: coerente com a recuperação da atividade manufatureira global e com corte de produção pela OPEC+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, Rússia e outros países exportadores não-membros da OPEC) em jan/21, o FMI projeta um crescimento de 30% dos preços do petróleo em 2021, ou seja, a manutenção da trajetória ascendente iniciada em agosto de 2020, na esteira de notícias positivas sobre as vacinas e a retomada do crescimento na Ásia.
A alta será menos intensa (na faixa de 16%) no caso dos preços das commodities agrícolas e metálicas, mas a partir de um patamar mais elevado já que o índice composto desse grupo avançou 6,7% em 2020 sob a liderança dos preços dos metais.
Alguns fatores comuns estão subjacentes à alta de todas modalidades de commodities, como a recuperação econômica nos Estados Unidos e na China, a depreciação do dólar e a especulação nos mercados de derivativos fomentada pelas políticas monetárias expansionistas, agora em escala ainda maior, mas fatores específicos têm atuado nos diferentes mercados (ver Carta IEDI n.1072).
No caso dos metais, além da alta da demanda pelos metais utilizados em setores tradicionais, como construção civil (minério-de-ferro e cobre) num contexto de aceleração do crescimento chinês e dos Estados Unidos, a demanda por alguns metais utilizados em projetos de energia renovável e na produção de baterias para carros elétricos (como cobalto e zinco) está especialmente elevada devido ao avanço das políticas de mitigação das mudanças climáticas (Sanderson, 2021).
Já os preços das commodities agrícolas, especialmente de alguns cereais (soja e milho), estão pressionados pois a oferta não está sendo suficiente (devido aos estoques baixos e safras menores do que o esperado) para atender o aumento da demanda associada à recuperação da economia global e à recomposição do rebanho suíno na China afetado pela febre suína em 2019.
As projeções para 2022 de deflação dos preços dos dois grupos de commodities (-6,3% do preço do petróleo e -1,9% das commodities metálicas e agrícola) indica que o FMI não compartilha a visão de alguns analistas e investidores de que estamos presenciando um novo superciclo de preços das commodities – o que têm fomentado a alta dos preços (Hume et al., 2021).
O crescimento previsto para volume do comércio global é de 8,4% após uma contração de 10,4% em 2020, principalmente em função do comércio de bens. No setor de serviços (sobretudo turismo), a atividade seguirá moderada até o controle da pandemia em todo globo.
4. Condições monetárias e financeiras favoráveis: a política monetária seguirá acomodatícia nessas economias e na maioria das EMED, ingressando numa trajetória contracionista gradual quando a recuperação se consolidar.
No caso das EMED, a evolução do EMBI spread (indicador de risco-país) indica que as condições financeiras praticamente retornaram para o patamar pré-crise em função, sobretudo, do retorno dos investimentos de portfólio para as EME a partir de abril, que atingiram o maior patamar histórico em termos trimestrais no período outubro-dezembro de 2020.
Como detalhado no Global Financial Stability Report de abril de 2021 (IMF, 2021b), esse retorno foi praticamente generalizado, com 2/3 das EME registrando ingresso líquido dessa modalidade especialmente volátil de fluxos de capitais. Duas conjecturas estão subjacentes.
A primeira é que o aumento da volatilidade nos mercados acionários e cambiais, bem como das taxas de juros longas nas EAs (ou seja, do rendimento dos títulos públicos de 10 anos) no primeiro trimestre de 2021 terá vida curta. Esse aumento foi desencadeado pelas expectativas de retorno de pressões inflacionárias devido ao pacote fiscal do presidente Biden, que resultariam no início do “tapering”, ou seja, da alta da taxa de juros básica nos Estados Unidos e da desmontagem da política de “quantitative easing” (afrouxamento quantitativo). Este contexto também contaminou os investimentos de portfólio para as EME, que perderam fôlego no primeiro bimestre de 2021.
A segunda é de que o aumento da volatilidade da inflação em função da alta dos preços das commodities será temporário devido à alta do desemprego e do subemprego em função da crise, bem como à atuação de fatores não-cíclicos (como crescimento modesto dos salários, fraco poder de barganha dos trabalhadores, globalização e automação).
No cenário atual do FMI, as EAs registrarão um crescimento de 5,1% em 2021 e as EMED de 6,7%. Ambas projeções aumentaram em relação do cenário de janeiro devido aos estímulos fiscais adicionais em alguns países e ao esperado efeito positivo da vacinação no segundo semestre do ano.
Nota-se que, para o FMI, a assimetria no desempenho entre os dois grupos de economias na recuperação pós-pandemia será bem menor do que a observada na esteira da CFG, quando ocorreu uma “double speed-recovery” (numa tradução livre, “recuperação em duas velocidades”) sob a liderança das EMDEs.
Isto decorre, em grande medida, das especificidades de cada crise (ver Carta IEDI n.994), mas também da mudança do perfil e do ritmo de crescimento da China, bem como da sua resposta nas duas crises. A política contracíclica do governo chinês foi muito mais expressiva na CFG, resultando numa forte aceleração econômica e da demanda por commodities, que alavancou o crescimento das demais EMED.
No âmbito de cada grupo de países, as divergências no ritmo projetado da retomada dependem de vários fatores, dentre os quais a intensidade da crise sanitária, a extensão das interrupções na atividade econômica (associadas ao grau de importância de atividades intensivas em contato físico), grau de abertura econômica e a efetividade das políticas públicas em limitar os impactos negativos da crise sobre a economia.
Nas EAs, restrições localizadas podem ser necessárias para conter as novas variantes do vírus, mas à medida que a população vulnerável seja vacinada, as atividades intensivas em contato físico (como restaurantes e bares) serão reabertas, estimulando o crescimento num contexto de demanda reprimida e acumulação de poupança pelas famílias.
A revisão positiva do crescimento previsto para esse grupo dos países avançados (0,8 p.p. acima da projeção de jan/21) decorreu, em grande parte, da alta da taxa de crescimento prevista para os Estados Unidos (5,1% para 6,4%) associada ao pacote fiscal do presidente Biden. A principal economia do mundo será a líder da retomada, retornando para o patamar de atividade econômica do final de 2019 no primeiro semestre de 2021, após uma recessão mais suave que nos seus congêneres em 2020 (-3.5%), desacelerando para 3,6% em 2022.
O cenário para as demais EAs também melhorou frente ao de janeiro, mas em menor intensidade. A segunda maior taxa de crescimento será do Reino Unido (5,3%), contudo o patamar pré-crise só deve ser atingido em 2022 devido à maior intensidade da recessão em 2020 (-9,9%, a recessão mais profunda entre as principais EAs, com exceção da Espanha).
A área do Euro vem em seguida, com um crescimento de 4,4% após uma contração de 6,6% em 2020, também retornando para esse patamar em 2022. A economia japonesa continua ocupando a posição de “lanterninha”, com uma expansão de 3,3% em 2021, mas devido à recessão mais suave que no Reino Unido e na área do Euro, retomará o nível pré-crise no segundo semestre desse ano.
No caso das EMED, a projeção atual aponta para um crescimento de 6,7% após uma recessão de 3,3% em 2020. O cenário atual é mais favorável em relação ao de janeiro para todas regiões, mas a revisão foi menor do que nas EAs. Os dados disponíveis sugerem que grande parte da população não terá acesso à vacinação em 2021 e medidas de confinamento e distanciamento social serão provavelmente mais frequentes em 2021 e 2022 do que nas EAs, aumentando a probabilidade de efeitos adversos mais duradouros no produto potencial. Ademais, a assimetria nos desempenhos regionais é maior do que nas EAs.
A Ásia emergente e em desenvolvimento, além de ter sido a única região que não entrou em recessão em 2020 (devido ao desempenho da China), deve crescer 8,6% sob a liderança da China e da Índia (nesse caso, a projeção de crescimento do FMI, de 12,5%, não deve se confirmar pois foi realizada antes da nova onda da pandemia; a projeção da UNCTAD, de 5%, parece mais realista).
A América Latina e Caribe foi a região mais atingida pela crise do Covid-19 (contração de 7% em 2020), mas deve registrar a segunda maior taxa de crescimento (4,6%), ancorada, em parte, na retomada do volume do comércio mundial e na alta dos preços das commodities. Projeta-se um crescimento de 3,7% para a economia brasileira, praticamente o mesmo patamar do cenário anterior.
Contudo, nas duas regiões acima, as projeções de crescimento foram revistas para baixo nas economias dependentes do Turismo (sobretudo, as ilhas do pacífico e do Caribe). Na Europa emergente e em desenvolvimento, a retomada será um pouco mais suave (+4,4%), seguida pelo Oriente Médio e Ásia central (3,7%) e pela África subsaariana (3,2%).
Balanço de riscos
Como nos cenários anteriores, o FMI destaca que a profunda incerteza em relação à evolução da pandemia torna muito difícil a avaliação quantitativa do balanço de riscos associados ao cenário básico resumido acima (ver Carta IEDI n.994).
Entretanto, enquanto em out/20 o balanço tinha viés negativo, no cenário atual o viés é neutro no curto prazo e positivo no médio prazo. O avanço da vacinação e a aprovação de novas vacinas sinalizam o controle da pandemia, mas ainda é incerta a sua efetividade em relação às novas variantes do vírus.
O atraso na inoculação em alguns países (sobretudo nas EMED) pode levar ao surgimento de novas variantes ainda mais resistentes às vacinas disponíveis. A incerteza em relação à duração desse ritmo “stop and go” torna difícil prever outros fatores, como a intensidade da resposta do investimento privado, a extensão das políticas públicas contracíclicas voltadas para a mitigação do impacto econômico e social da pandemia e dos efeitos duradouros da pandemia.
O quadro abaixo sintetiza os fatores que podem afetar esse cenário favoravelmente e adversamente.
Recomendações de política
O FMI separa as recomendações de política em três fases, que correspondem, respectivamente, ao curto, médio e longo prazos: (i) ações imediatas para a superação da crise; (ii) iniciativas para garantir a recuperação; (iii) medidas para construir uma economia mais resiliente, inclusive a ambientalmente sustentável após a crise do Covid-19.
Nas três fases, a cooperação internacional será fundamental para, por exemplo, viabilizar a distribuição universal da vacina a preços acessíveis, prover liquidez internacional para que as economias que enfrentam restrições financeiras possam superar a crise e manter os gastos necessários em saúde, educação e infraestrutura para aumentar os níveis de renda per capita; e ampliar os esforções de mitigação das mudanças climáticas .
As principais políticas recomendadas para cada fase são:
• Fase 1: prioridade ao gasto em saúde; manutenção da política fiscal contracíclica de forma compatível com a sustentabilidade da dívida pública, mas priorizando medidas focalizadas e calibradas de acordo com a evolução da pandemia; a política monetária deve seguir acomodatícia sempre que possível; adoção de políticas macroprudenciais para conter os riscos de instabilidade financeira.
• Fase 2: limitar a falência de empresas viáveis e apoiar os setores mais atingidos pela pandemia (como cultura e entretenimento); políticas trabalhistas para evitar o desemprego de longo prazo; investimento em educação e infraestrutura associada, especialmente nas economias em desenvolvimento de baixa renda onde grande parte dos estudantes não tiveram acesso ao ensino à distância durante a pandemia; políticas fiscais com foco no crescimento no médio prazo e no aumento da igualdade, como investimento em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento, educação e qualificação profissional.
• Fase 3: reestruturação das dívidas externas soberanas das EMED que enfrentam problemas de solvência nas linhas recomendadas no “Common framework for Debt Treatment” do G20; medidas para aumentar a produtividade e o crescimento, como a manutenção dos investimentos em inteligência artificial e automação, que devem ser combinadas com políticas para evitar seus efeitos adversos em termos de desigualdade e desemprego nos setores tradicionais; reformas tributárias com aumento da progressividade para ampliar o raio de manobra da política fiscal; políticas monetárias não-convencionais nas EMEs, como compra de ativos, que podem contribuir para aumentar esse raio de manobra; iniciativas para viabilizar a economia de baixo carbono, como aumento do preço do carbono, investimentos em infraestrutura verde; subsídios à pesquisa em tecnologias verde; e transferências compensatórias para atenuar os efeitos adversos das políticas de mitigação das mudanças climáticas.
Bibliografia
Hume, N. et al. (2021) Commodities supercycle arrives as pandemic recedes, Financial Times, 5 de Maio.
OECD (2021) Economic Outlook, Interim Report, Abril. Disponível em: http://www.oecd.org/economic-outlook/
IMF (2021A) World Economic Outlook, cap. 1, Abril.
IMF (2021b) Global Financial Stability Report, cap. 1, Abril.
Sanderson, H. (2021) Investors see ‘gold rush on steroids’ for green battery metals, Financial Times, 13 Março.
UNCTAD (2021) Trade and Development Report update, Set.