Carta IEDI
Superando a dependência das commodities: visão da Unctad
A Carta IEDI de hoje aborda o estudo “Escapando da Armadilha da Dependência de Commodities através da Tecnologia e Inovação” recém publicado pela Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas (Unctad).
Na definição adotada pela Unctad, um país é considerado dependente de produtos básicos (minerais, petróleo/gás e produtos agrícolas) quando obtém dos setores de commodities pelo menos 60% de suas receitas com exportação de bens. Em 2018-2019, cerca de dois terços (64%) dos países em desenvolvimento eram dependentes das exportações de produtos básicos ante apenas 13% dos países desenvolvidos. Por isso, a dependência de commodities é, sobretudo, um fenômeno de países em desenvolvimento
Ainda segundo a Unctad, de modo geral, a experiência internacional indica que os países em desenvolvimento dependentes de commodities permanecem presos por longos períodos em uma situação que se caracteriza por: baixo crescimento do PIB e fraco desenvolvimento socioeconômico, instabilidade macroeconômica, alta exposição a choques e à volatilidade dos preços internacionais das commodities, entre outros problemas.
Estes países primário-dependentes registram, igualmente, baixa diversificação produtiva quando comparados com países em desenvolvimento não dependentes de exportações de matérias-primas com nível semelhante de PIB.
Todos estes são motivos de preocupação para países que, a exemplo do Brasil, vêm apresentando um peso cada vez maior de setores primários em suas estruturas produtivas e uma simplificação de suas economias.
Segundo a mesma fonte, os países em desenvolvimento dependentes de commodities também apresentam, usualmente, menor nível de desenvolvimento tecnológico em comparação com outros países em desenvolvimento e países desenvolvidos.
O estudo ressalta que, nos últimos 25 anos, diversos países obtiveram ganhos significativos de desenvolvimento tecnológico. Porém, para a grande maioria dos países em desenvolvimento dependentes de commodities os ganhos foram mínimos. As principais exceções foram Brasil, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã e Peru.
A persistência da dependência de commodities contribuiu para o recente renascimento das discussões sobre política industrial ou, pelo menos, para o debate sobre sua lógica nos círculos acadêmicos e políticos.
O estudo procura mostrar que, embora seja um processo demorado, escapar da armadilha da dependência de commodities e alcançar a diversificação econômica e de produtos, além de desejável, pode ser possível mediante a execução de políticas governamentais ativas de estímulos ao fortalecimento das competências industriais, à aquisição de capacidades tecnológicas, à inovação e à difusão de tecnologias.
Isso requer, contudo, “forte vontade política e uma visão de desenvolvimento de longo prazo, juntamente com uma estratégia de implementação ambiciosa, mas razoável”.
A mudança tecnológica é o principal motor da transformação da estrutura produtiva em direção a maiores níveis de produtividade e competitividade, sendo um componente essencial de uma estratégia de desenvolvimento econômico bem-sucedida, construída em torno do aprimoramento e da expansão das capacidades produtivas.
De modo geral, a mudança tecnológica ocorre por meio da inovação, seja inovação de produto, seja inovação de processo, que modifica os métodos existentes aumentando a produtividade e reduzindo custos. Em países em desenvolvimento dependentes de commodities, a inovação de produto é crítica para a diversificação econômica, segundo a Unctad, bem como para a criação de novos setores com novas oportunidades de emprego e maiores ganhos de produtividade.
Na avaliação dos autores do estudo, a definição de uma estratégia destinada a promover a mudança estrutural e, eventualmente, a diversificação da produção e das exportações em países em desenvolvimento dependentes de commodities deve levar em conta as características e contingências específicas do país, bem como as condições externas.
O conjunto de intervenções políticas necessárias para apoiar a transformação tecnológica será, então, definido pela combinação de objetivos de curto e longo prazo com relação ao aumento da capacidade produtiva e, em última análise, o caminho de diversificação escolhido pelos países.
O percurso recomendado é uma mudança em direção à indústria manufatureira, geralmente caracterizada por maior produtividade. Essa mudança pode ocorrer por meio da promoção de setores e produtos não relacionados ao conjunto de commodities produzidas ou por meio da exploração de vínculos diretos dentro de um processo de integração vertical. Já a diversificação também pode ser obtida promovendo a produção de outras commodities ou mediante a elevação da qualidade do conjunto de commodities atualmente produzidas.
Segundo o estudo, os principais facilitadores horizontais da transformação estrutural são: o acesso à tecnologia, a capacidade empreendedora na adoção da tecnologia, a capacitação dos trabalhadores, a apropriabilidade da inovação, o acesso a recursos financeiros, integração comercial.
A capacidade fiscal e os investimentos (nacionais e estrangeiros) seriam os principais facilitadores verticais para os países em desenvolvimento dependentes da exportação de commodities minerais e energéticas, enquanto que para os países dependentes das exportações de commodities agropecuárias os facilitadores verticais seriam o acesso ao capital produtivo e às informações sobre as inovações e tecnologias.
Na avaliação da Unctad, o avanço da digitalização e a adoção de uma ampla gama de tecnologias de ponta, como Internet de Coisas (IoT), robótica, blockchain etc., irão impactar profundamente os setores de commodities. Espera-se que essas tecnologias aumentem consideravelmente a demanda por algumas delas e reduzam os custos associados à extração, produção e comercialização de outras, além de viabilizarem o surgimento de novas commodities.
Os países em desenvolvimento dependentes de commodities devem, então, aproveitar as oportunidades que estão se abrindo e reduzir a lacuna tecnológica com os países desenvolvidos, alcançando níveis socioeconômicos superiores.
Para promover a transformação estrutural por meio da diversificação econômica e modernização tecnológica, a Unctad sugere aos países em desenvolvimento dependentes de commodities considerar a adoção de uma estratégia industrial e de inovação.
Aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pela tecnologia e inovação dependerá de vários fatores, sendo o principal deles o nível de compromisso das lideranças e dos governos. Outro fator importante será o papel da comunidade internacional em apoiar os países em desenvolvimento que dependem de commodities neste esforço.
Neste sentido, será essencial, segundo a Unctad, que os parceiros internacionais públicos e privados de países em desenvolvimento dependentes de commodities facilitem a transferência de tecnologia e participem por meio de financiamento dos esforços destes para construir as capacidades físicas, humanas e institucionais necessárias para a adoção e adaptação das tecnologias relevantes.
Introdução
A Carta IEDI de hoje aborda os quatro últimos capítulos do estudo recém publicado pela Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas (Unctad) no relatório Commodities e Desenvolvimento 2021 (disponível em https://unctad.org/system/files/official-document/ditccom2021d1_en.pdf). Intitulado “Escapando da Armadilha da Dependência de Commodities através da Tecnologia e Inovação”, o estudo define como dependente de produtos básicos (minerais, petróleo/gás e produtos agrícolas) o país que obtém dos setores de commodities pelo menos 60% de suas receitas com exportação de bens.
De acordo com a Unctad, a dependência de commodities é, sobretudo, um fenômeno de países em desenvolvimento: cerca de dois terços (64%) dos países em desenvolvimento eram dependentes das exportações de produtos básicos em 2018-2019 ante apenas 13% dos países desenvolvidos. De modo geral, os países em desenvolvimento dependentes de commodities permanecem presos por longos períodos em uma situação que se caracteriza por: baixos crescimento e pouco desenvolvimento socioeconômico, instabilidade macroeconômica, alta exposição a choques e à volatilidade dos preços internacionais das commodities, entre outros problemas.
Porém, na avaliação dos pesquisadores da Unctad, escapar da armadilha da dependência de commodities e alcançar a diversificação econômica e de produtos pode ser possível mediante a execução de políticas governamentais ativas de estímulos ao fortalecimento do setor industrial, à aquisição de capacidades tecnológicas, à inovação e à difusão de tecnologias.
Em outras palavras, livrar-se de uma situação de dependência de commodities exige um processo de mudança estrutural estreitamente associado a um aumento da produtividade, com a transformação da economia de um sistema de produção baseado em extrativismo ou em agricultura em um sistema de produção baseado na indústria de transformação. Isso requer, contudo, “forte vontade política e uma visão de desenvolvimento de longo prazo, juntamente com uma estratégia de implementação ambiciosa, mas razoável”.
Transformação Estrutural mediante mudança tecnológica
Na avaliação dos pesquisadores da Unctad, a dependência dos países em desenvolvimento em relação às exportações de commodities é persistente, difícil de superar e está associada a níveis mais baixos de produtividade no setor da indústria de transformação. Suplantar esta dependência exige intervenção política ativa no sentido de promover a transformação estrutural da economia e alcançar a diversificação produtiva, elevando as capacidades tecnológicas e a produtividade no setor industrial.
A mudança tecnológica é o principal impulsionador da transformação estrutural em uma economia. A mudança tecnológica ocorre por meio da inovação, seja de produto, em que um novo bem ou serviço passa a ser comercializado, seja inovação de processo, que modifica os métodos existentes para aumentar a produtividade e reduzir custos.
Tanto a inovação de processo como a de produto podem resultar em transformação estrutural. Porém, em países em desenvolvimento dependentes de commodities, a inovação de produto é crítica para a diversificação econômica e à criação de novos setores com novas oportunidades de emprego e maiores ganhos de produtividade.
Ambas as formas de inovação, segundo a Unctad, desencadeiam mudanças na renda, no consumo, no emprego e na produção, que resultam em transformações na estrutura da economia, ou seja, nas participações relativas da produção e do emprego em diferentes setores.
A inovação tecnológica também afeta a estrutura econômica por meio de alterações nas relações de insumo-produto entre setores, bem como pelas mudanças nos preços relativos. Igualmente, têm impacto na estrutura da economia, o processo schumpeteriano de destruição criativa e as mudanças de longo prazo na economia e na sociedade devido ao surgimento de novos paradigmas tecnológico-econômicos.
A transformação tecnológica leva à transformação estrutural quando a inovação muda a estrutura de uma economia, movendo o emprego e a produção de setores de baixa produtividade para setores de maior produtividade. Setores de alta produtividade geralmente estão associados a níveis mais altos de tecnologia.
A inovação é uma combinação de tecnologias novas ou existentes em novas configurações ou atividades econômicas. Portanto, a inovação depende do conjunto de tecnologias já acumuladas em uma economia.
Alguns produtos se conectam a muitos outros produtos. Por exemplo, a produção de máquinas e eletrônicos requer tecnologias que podem ser empregadas na produção em vários setores diferentes. Portanto, a diversificação em direção a esses produtos pode facilitar ainda mais a diversificação produtiva no futuro.
Porém, outros produtos podem ser vistos como becos sem saída, pois uma vez que um país atinge seu nível de produção, é difícil usar os recursos de que dispõem para mudar para outro produto. A maioria desses produtos “becos sem saída” são commodities, dado que a produção de produtos primários geralmente envolve tecnologias que oferecem menos possibilidades de novas combinações e, portanto, de diversificação.
O relatório destaca que a inovação requer a troca de conhecimento entre os principais atores dos sistemas nacionais de inovação, a saber, governos, empresas, centros de pesquisa, universidades, consumidores e instituições financeiras. As empresas e seus empreendedores têm o papel crítico de assumir o risco de inovar, trazendo um novo bem ou serviço para o mercado. Os inovadores precisam de financiamento para obter os recursos para inovar. A decisão de inovar depende, portanto, de muitos fatores, não apenas da disponibilidade e do acesso à tecnologia. A demanda global por produtos novos ou aprimorados afeta os incentivos à inovação.
Embora seja o mais importante motor da transformação estrutural, a mudança tecnológica não é, contudo, o único. Modificações na demanda doméstica e global e nos padrões de comércio internacional também afetam a estrutura da economia.
Mudanças na demanda afetam a dinâmica da transformação estrutural por meio de diferenças na elasticidade da demanda em relação a aumentos na renda e na saturação da demanda. Já as mudanças nos preços e padrões do comércio internacional afetam a estrutura da economia por meio de diferenças na elasticidade-renda da demanda por exportações e importações.
Outros fatores críticos, em particular em países em desenvolvimento dependentes de commodities, são a “maldição dos recursos” devido às tendências de longo prazo de queda dos preços das commodities e à sua volatilidade, bem como os efeitos da doença holandesa na taxa de câmbio.
Os autores destacam que os preços elevados das commodities, embora tenham vida curta em comparação com os períodos de preços baixos, criam incentivos nos países em desenvolvimento dependentes das exportações de produtos primários para produzir mais dos mesmos produtos e, portanto, permanecerem dependentes das commodities, reduzindo assim o incentivo para inovar e diversificar a economia. Igualmente, contribuem para a desindustrialização devido à tendência de sobrevalorização da moeda.
Em períodos de baixos preços das commodities, os desafios para a transformação estrutural relacionam-se à redução dos recursos, principalmente de divisas para importação de bens de capital. As restrições fiscais enfrentadas pelos governos podem impedir os investimentos em infraestrutura complementar necessária e em educação de qualidade para aumentar a capacidade de aprendizado da economia e a inovação tecnológica.
As relações centro-periferia, ou seja, as diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento na difusão tecnológica, especialização do produto e impacto nos termos de troca, são igualmente fatores de impacto na dinâmica da mudança estrutural uma vez que restringem o crescimento econômico e reduzem a probabilidade de diversificação fora dos setores de commodities. A deslocalização de plantas produtivas e os avanços das cadeias de valor globais também afetam as mudanças na estrutura da economia.
Diversificação Produtiva
A maioria dos países em desenvolvimento dependentes de commodities são menos diversificados do que os países em desenvolvimento não dependentes de commodities com níveis semelhantes de PIB. Segundo os pesquisadores da Unctad, essa menor diversificação ajuda a explicar por que permanecem em uma situação de dependência de poucos produtos primários por muito tempo.
De acordo com o estudo, cada produto requer tecnologias específicas para ser produzido e essas tecnologias não se limitam às de uma empresa ou fazenda, mas abrangem toda a cadeia necessária para criar e levar o produto ao mercado. Incluem, portanto, tecnologias incorporadas ao capital, como máquinas, veículos, edifícios e infraestrutura, e tecnologias incorporadas à mão de obra, como modelos de negócios, procedimentos operacionais e know-how.
Por consequência, quanto mais diversificada for uma economia, maior será o seu nível de desenvolvimento tecnológico, e quanto maior o nível do desenvolvimento tecnológico de produtos, menos países serão capazes de produzi-los e comercializá-los. Assim, níveis mais altos de diversificação também estão associados a concorrência menos intensa nos mercados de exportação.
O gráfico abaixo relativo à diversificação das exportações em 2019 mostra que a maioria dos países em desenvolvimento dependentes de commodities tem níveis de diversificação inferior ao da média global (3.877 produtos) e enfrenta a concorrência de um número maior de países com cesta de produtos semelhante do que média de 82 países da ubiquidade das exportações. As principais exceções são Arábia Saudita, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Peru.
Panorama e Lacunas Tecnológicas
O relatório apresenta um panorama do desenvolvimento tecnológico dos países em desenvolvimento dependentes de commodities em perspectiva comparada com países em desenvolvimento não dependentes de commodities, economias em transição e países desenvolvidos.
Pelos indicadores apresentados na tabela abaixo é possível observar que os países em desenvolvimento dependentes de commodities apresentam um nível inferior de produtividade do trabalho (produção por trabalhador), de capacidade de exportação de bens de alta tecnologia e serviços de entrega digital, de capacidade humana e de infraestrutura habilitadora da tecnologia de informação.
Utilizando o conceito de complexidade econômica como um proxy para o nível de desenvolvimento tecnológico e capacidade produtiva de uma economia, os pesquisadores da Unctad calcularam os índices de desenvolvimento tecnológico de 196 países, dos quais 86 são países em desenvolvimento dependentes das exportações de commodities. Medido em termos da complexidade econômica dos Estados Unidos, o índice de desenvolvimento tecnológico possui valores de zero a 100.
A tabela abaixo traz o ranking de desenvolvimento tecnológico em 2019 para um conjunto selecionados de países, desenvolvidos e em desenvolvimento, dependentes ou não de commodities. Entre os países dependentes de exportação de commodities, Brasil (32,7), Emirados Árabes Unidos (29,7) e Argentina (14,9) registravam os maiores índices de desenvolvimento tecnológico. No extremo oposto, a Guiné-Bissau e Federação da Micronésia possuíam os valores mais baixos, respectivamente, 0,1 e zero.
Com intuito de comparar o nível de capacidade tecnológica de países em desenvolvimento dependentes de commodities com o de outros grupos de países, os pesquisadores da Unctad calcularam a mediana do índice de desenvolvimento tecnológico em cada grupo, como mostra a tabela a seguir. Para os países em desenvolvimento dependentes de commodities, a mediana encontrada de 1,55 é muito menor do que a de outros grupos: economias em transição (4,80), países em desenvolvimento não dependentes de commodities (5,17) e países desenvolvidos (34,36).
Um padrão semelhante é visto nos valores máximos de cada grupo: países em desenvolvimento dependentes de commodities (32,69); economias em transição (34,75); países em desenvolvimento não dependentes de commodities (53,92); e países desenvolvidos (100).
Entre os países em desenvolvimento dependentes de commodities, a mediana daqueles dependentes das exportações de produtos agrícolas (1,1) foi inferior à mediana entre os países dependentes da mineração (1,79) e de produtos relacionados a combustíveis (2,24). Isso reflete o fato de que os setores de combustíveis e mineração são mais intensivos em capital do que a agricultura, embora operem, geralmente, como enclaves dominados por empresas multinacionais. Entretanto, em geral, como destacam os autores, parece não haver nenhuma vantagem ou desvantagem sistemática em qualquer tipo de dependência de produtos básicos. A maioria dos países em desenvolvimento dependentes de diferentes tipos de commodities tem níveis igualmente baixos de desenvolvimento tecnológico.
Os autores apontam igualmente para a grande dispersão entre os valores máximos e mínimos do índice de desenvolvimento tecnológico em cada grupo. Mesmo entre os países desenvolvidos, as economias na parte inferior do ranking apresentam valores semelhantes de desenvolvimento tecnológico muito baixos. Isso se deve, principalmente, ao fato de serem economias com pequenas populações que atingiram um alto nível de PIB per capita devido a serviços de alto valor como finanças e turismo de alto padrão.
O estudo ressalta que, nos últimos 25 anos, alguns países conseguiram ganhos significativos em desenvolvimento tecnológico, como mostram as próximas figuras. O progresso foi mais rápido entre os países em desenvolvimento não dependentes de commodities de rápido crescimento (China, Índia, México, Turquia e Vietnã) e os países desenvolvidos (Bulgária, Tcheca, Lituânia, Polônia e Eslováquia). A Lituânia e o Vietnã fizeram progressos significativos em relação aos baixos níveis iniciais de desenvolvimento tecnológico.
Entre os países em desenvolvimento dependentes de commodities, porém, a grande maioria obteve ganhos mínimos de capacidade para preencher lacunas tecnológicas. As principais exceções foram Brasil, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã e Peru, que registram progresso mais expressivos no período 1995-2019.
De modo geral, o nível de complexidade dos bens exportados em economias dependentes de commodities permanece relativamente baixo. Portanto, um esforço abrangente para a transformação tecnológica seria uma condição necessária para promover a transformação estrutural sustentada em direção a atividades de maior produtividade e, eventualmente, a diversificação da estrutura produtiva. A seção a seguir discute quais seriam os principais facilitadores (enablers) da transformação tecnológica.
Facilitadores da Transformação Tecnológica
De acordo com a Unctad, a persistência da dependência de commodities contribuiu para o recente renascimento das discussões sobre política industrial ou, pelo menos, para o debate sobre sua lógica nos círculos acadêmicos e políticos. A transformação tecnológica tem se mostrado um componente essencial de uma estratégia de desenvolvimento econômico bem-sucedida, construída em torno do aprimoramento e da expansão das capacidades produtivas.
A definição de uma estratégia destinada a promover a mudança estrutural e, eventualmente, a diversificação da produção e das exportações em países em desenvolvimento dependentes de commodities deve, contudo, levar em conta suas características e contingências específicas, bem como as condições externas. Nesse contexto, as políticas podem ser de natureza geral para reduzir o fosso com a fronteira tecnológica internacional e, portanto, desvinculadas de qualquer política setorial. As políticas também podem, na visão da Unctad, ter um escopo específico, apontando para o desenvolvimento de determinados setores.
Os países e, em particular os dependentes de commodities podem perseguir os dois tipos de objetivos para prevenir a inércia e as armadilhas na capacidade produtiva. Todavia, os pesquisadores das Unctad destacam que mesmo os tipos horizontais de intervenções políticas podem de fato incluir algum viés setorial.
O conjunto de intervenções políticas necessárias para apoiar a transformação tecnológica será então definido pela combinação de objetivos de curto e longo prazo com relação ao aumento da capacidade produtiva e, em última análise, o caminho de diversificação escolhido pelos países. Em outras palavras, o conjunto de facilitadores variaria entre as diferentes opções em termos de aumento e expansão da capacidade produtiva.
Os governos em economias dependentes de commodities que desejam promover a diversificação da produção doméstica precisam enfrentar vários níveis de decisão. Porém, para a Unctad, devem primeiro identificar a estratégia de diversificação a ser implementada. Como mostra a figura abaixo, a diversificação para além da produção de produtos básicos pode seguir caminhos diferentes.
Segundo a Unctad, o percurso frequentemente recomendado é uma mudança em direção à indústria de transformação, geralmente caracterizada por maior produtividade. Essa mudança pode operar por meio da promoção de setores e produtos não relacionados ao conjunto de commodities produzidas ou por meio da exploração de vínculos diretos dentro de um processo de integração vertical. A integração vertical também pode operar explorando ligações com produtos ou serviços a montante. A diversificação também pode ser obtida promovendo a produção de outras commodities. Outra importante fonte de diversificação é a elevação da qualidade do conjunto de commodities atualmente produzidas.
Os requisitos tecnológicos para realizar alguma transformação produtiva serão diferentes de acordo com o tipo de caminho de diversificação escolhido pelos formuladores de políticas. Além disso, espera-se que a capacidade dos governos de empreender com eficácia alguma estratégia de transformação estrutural vincula-se ao tipo de dependência de commodities que caracteriza sua estrutura produtiva atual. Consequentemente, diferentes tipos de dependência de commodities podem exigir diferentes tipos de facilitadores dentro de uma estratégia de diversificação semelhante.
Na discussão dos caminhos para a diversificação, os pesquisadores da Unctad ressaltam que é importante distinguir dois tipos de dependência de commodities: dependência de commodities minerais e energéticas, que em uma tradução livre o estudo denomina de “origem pontual”, e dependência de commodities “leves” (produtos agrícolas). A utilidade de tal categorização seria dupla.
Em primeiro lugar, embora ambas as categorias sejam recursos naturais, o primeiro tipo de dependência é de produtos que são essencialmente extrativos, ao passo que as commodities leves não são, estritamente falando, embora dependam da abundância doméstica de terras cultiváveis. A Unctad defende que essa diferença não pode ser ignorada quando se considera a estrutura produtiva geral de uma economia e a justificativa para a escolha de um caminho de diversificação. Em segundo lugar, a abundância de recursos naturais extrativos geralmente está associada a rendas mais altas. Se essas rendas são ou não distribuídas de forma justa entre os vários atores envolvidos na exploração desses recursos naturais de origem pontual é parte da questão da dependência.
Porém, de acordo com o estudo, independentemente do tipo de dependência de commodities e do caminho de diversificação escolhido, alguns facilitadores para a transformação tecnológica são sempre necessários, embora raramente sejam suficientes.
Facilitadores horizontais
Um primeiro catalizador crucial para a transformação tecnológica é o acesso à tecnologia e possivelmente sua transferência. Juntamente com a invenção, a transferência de tecnologia é um dos principais motores da transformação tecnológica. A falta dela continua sendo um grande problema em muitos países em desenvolvimento, o que explica em grande parte seu relativo afastamento no que diz respeito à fronteira tecnológica.
O investimento estrangeiro direto tem se mostrado um papel central na transferência de tecnologia e know-how técnico, principalmente no contexto de fragmentação e terceirização da produção observada nas últimas duas décadas. Porém, a transferência de tecnologia é eficaz apenas se os produtores ativos no mercado interno forem capazes de adaptar as tecnologias existentes às condições locais. Nesse sentido, a inovação também está em ação, mas está relacionada ao processo de produção mais do que à tecnologia em si.
Para se tornar totalmente eficaz, a transferência de tecnologia deve levar à inovação local, pelo menos no médio prazo. Isso exige que os sistemas nacionais de inovação sejam criados ou reforçados. Também é necessária uma estrutura institucional eficaz, capaz de coordenar os diversos atores envolvidos na inovação e no aprendizado: centros de pesquisa e desenvolvimento, universidades e escolas de tecnologia, serviços de extensão e as próprias empresas inovadoras. Além disso, os investimentos podem ter de ser redirecionados a longo prazo para novas capacidades e uma estratégia educacional ambiciosa de apoio a esses processos.
Outro facilitador intimamente ligado ao anterior refere-se à capacidade de empresários e trabalhadores qualificados adotarem novos processos produtivos de forma eficaz e eficiente. Na avaliação dos autores, ter as empresas como os principais atores na implementação bem-sucedida de políticas ajudaria a refinar as reformas institucionais, removendo em primeiro lugar quaisquer procedimentos administrativos excessivos. Também seria necessário facilitar a identificação de necessidades em habilidades e em qualquer elemento ausente ou insuficiente e que pudesse encorajar a transferência de tecnologia, a adoção e, em alguns casos, inovação.
O apoio público direto pode ser relevante se a lacuna em tecnologia e know-how tecnológico que as empresas estão enfrentando não for muito grande. Um processo inovador requer uma gestão ativa de empresas inovadoras. Tal processo requer investimento em aprendizado e em capital físico, bem como em intangíveis, incluindo aprendizado tecnológico. Quando as capacidades produtivas das empresas se distanciam da fronteira tecnológica, as políticas públicas devem ter como objetivo promover a inovação em uma escala muito maior e definir os objetivos das políticas durante um período de tempo relativamente longo.
Uma força de trabalho relativamente qualificada, caracterizada por habilidades gerenciais e competências técnicas difundidas, é comprovadamente essencial para definir a capacidade de uma economia de se engajar na atualização tecnológica sustentada. Mesmo que os objetivos de curto a médio prazo não sejam necessariamente consistentes com o investimento na acumulação de capital humano, como saúde e educação, parte dos recursos envolvidos devem ser destinados a estes últimos, a fim de estabelecer as bases para o sucesso de projetos futuros de forma independente das forças políticas em ação.
Um facilitador adicional é a apropriabilidade total da inovação tecnológica. Como esta última pode sofrer de externalidades de apropriação padrão e, portanto, de propriedade intelectual, a regulamentação tem sido uma política corretiva há muito aceita. Diferentes combinações de instituições públicas e privadas também podem ser contempladas e devem estar de acordo com a tradição de cada país.
O acesso ao crédito, especialmente nos países em desenvolvimento, é um dos principais determinantes da acumulação de capital e, eventualmente, da adoção de tecnologia. Todavia, os mercados de crédito podem não gerar volumes ideais de transações em face de assimetrias de informação ou garantias inadequadas na ausência de direitos de propriedade devidamente definidos e legalmente. Portanto, é necessário reduzir tanto quanto possível a prevalência de falhas de mercado para facilitar a adoção e o desenvolvimento de novas tecnologias.
Outro importante facilitador horizontal da transformação tecnológica é a infraestrutura. Nas economias dependentes de commodities há, frequentemente, falta de infraestrutura, incluindo infraestrutura básica de tecnologia da informação (TI). O desenvolvimento da infraestrutura também pode ser orientado à promoção ou ao reforço de clusters geográficos de empresas que possam promover a transformação tecnológica. Para tornar eficaz o estabelecimento de clusters de empresas, facilidades de infraestrutura, como fornecimento ininterrupto de eletricidade e de internet de banda larga, são cruciais.
A integração comercial também pode permitir significativamente a atualização tecnológica e pode estar associada a qualquer caminho de diversificação em todo tipo de economia dependente de commodities. Todas as formas de liberalização do comércio podem aumentar a produtividade ao induzir uma melhor alocação dos fatores de produção. A integração comercial também pode levar à adoção de tecnologias mais avançadas pelas empresas mais produtivas.
Facilitadores Verticais
No fomento à transformação estrutural, outros facilitadores podem ser importantes conforme o tipo de dependência de commodities que um país enfrenta e / ou o caminho de diversificação adotado.
Em princípio, os países amplamente dotados de recursos naturais minerais e combustíveis devem ser capazes de mobilizar financiamento público mais facilmente graças às receitas elevadas que derivam das atividades extrativas. Porém, os governos que se beneficiam das receitas dos recursos naturais podem ter um incentivo reduzido para investir na capacidade fiscal. A disponibilidade de dotações de recursos naturais é vista como uma fonte de receita fácil de obter em comparação com outras fontes tradicionais de receita tributária, como o imposto sobre o valor agregado e o imposto de renda.
A baixa produtividade agrícola continua a ser um desafio de desenvolvimento fundamental em países em desenvolvimento dependentes de commodities. A maioria das empresas nos países em desenvolvimento emprega apenas alguns trabalhadores, se algum. Uma das principais preocupações é que o pequeno tamanho das empresas pode impedi-las de adotar a tecnologia na busca pela diversificação da produção, seja por meio da diversificação horizontal no setor agrícola, seja por meio da melhoria da qualidade dos produtos.
A adoção de novas tecnologias é frequentemente incorporada em grandes máquinas, e a maioria das empresas pode não ter escala para tornar o investimento lucrativo. A promoção da adoção efetiva de tecnologia deve, portanto, ser baseada em características de mercado e institucionais que permitiriam alguma combinação de recursos financeiros.
Apoiar estruturas coletivas para fornecer às pequenas empresas o equipamento necessário para adotar tecnologias e técnicas agrícolas mais avançadas pode ser eficaz para relaxar as restrições de escala de produção existentes. As empresas podem ter a oportunidade de alugar máquinas em vez de comprá-las. Eles também podem se beneficiar de alguns serviços de consultoria para atualizar o conhecimento técnico. Esses serviços podem ser prestados por entidades públicas ou com financiamento público. Além disso, a difusão, por quaisquer meios, de informações sobre inovações pode ajudar na difusão e adoção de tecnologia, contribuindo para o aumento da produtividade agrícola.
A adoção de tecnologia também pode ser facilitada pela participação em cadeias de valor globais. De acordo com o estudo, tornar-se parte das cadeias de valor globais de corporações multinacionais contribui para transformar as economias em desenvolvimento por meio da melhoria do desempenho das empresas nacionais, dado que os compradores de corporações multinacionais não apenas fornecem maior demanda por seus produtos, como também oferecem oportunidades de aprendizagem associadas à atualização tecnológica.
Inúmeras pesquisas empíricas comprovam, entretanto, que, em razão do grau de controle e assimetrias de poder ao longo de uma cadeia de valor, países pequenos ou economias menos avançadas extraem benefícios mínimos da participação em cadeias de valor globais em comparação com as economias de alta e média renda. Portanto, melhorar o acesso dos produtores locais aos compradores estrangeiros seria eficaz para melhorar as condições de produção e a capacidade tecnológica apenas dentro de uma estrutura regulatória e institucional capaz de evitar posições dominantes ao longo da cadeia de produção.
O investimento estrangeiro direto (IED) desempenha um papel central na transferência de tecnologia e know-how técnico, sobretudo nas economias com abundantes recursos naturais de origem pontual. No entanto, o IED pode impor algumas restrições ou limitações ao caminho de diversificação escolhido.
Segundo os pesquisadores da Unctad, a maior parte da literatura em contextos de países em desenvolvimento não encontra evidências de efeitos de transbordamento horizontais e enfatiza spillovers verticais por meio de vínculos para trás de empresas estrangeiras a fornecedores domésticos como a principal fonte de efeitos de produtividade.
As evidências disponíveis também sugerem que o tipo de investidor estrangeiro, seja uma joint venture ou uma empresa totalmente estrangeira, é importante para a extensão dos spillovers. Há também fortes evidências que uma predominância de empresas estrangeiras a montante tem um impacto negativo sobre a produtividade das empresas domésticas a jusante.
Superação da dependência de commodities
O relatório apresenta alguns exemplos bem-sucedidos de transformação e adoção tecnológica que ocorreram em diferentes grupos de países dependentes de commodities ao longo de diferentes caminhos de diversificação. Um resumo dos casos de sucesso é apresentado no quadro abaixo.
Como já mencionado, países dependentes de exportação de petróleo e gás podem se beneficiar de receitas elevadas geradas pela exploração de seus recursos naturais. Se administradas de forma adequada, essas receitas podem servir a propósitos de diversificação, permitindo o financiamento de grandes investimentos em infraestrutura.
Alguns países dependentes de exportação de combustível ampliaram suas cestas de exportação explorando vínculos a jusantes imediatas. Casos de Omã e Trinidad Tobago, países que foram capazes de aumentar a quantidade de produtos intensivos em energia e produtos petroquímicos diversos. Outros, como a Noruega, adotaram outro tipo de estratégia de diversificação, explorando vínculos para trás com o setor de commodities, promovendo o desenvolvimento de atividades de serviços e indústria com um alto potencial de comercialização.
Na Noruega, o Estado adotou então uma abordagem fortemente intervencionista para fomentar a transferência de tecnologia e promover a inovação, tendo como principal objetivo a criação e desenvolvimento de um cluster local de empresas domésticas de serviços de petróleo de alta tecnologia. Além de o processo de licenciamento exigir que os operadores estrangeiros definissem planos para desenvolver as competências dos fornecedores locais, o governo norueguês determinou, no final dos anos 1970, que pelo menos 50 por cento dos fundos de pesquisa e desenvolvimento necessários para desenvolver um campo de exploração fossem gastos em entidades norueguesas.
Segundo a Unctad, esse bem-sucedido cluster domésticos de empresas de alta tecnologia ajuda a explicar como a Noruega se tornou um dos países mais ricos do mundo, apesar da forte dependência das exportações de petróleo e dos efeitos perversos que originalmente teve sobre outros setores de produtos comercializáveis.
De acordo com o estudo, Indonésia e Malásia são exemplos de países que superaram a dependência de exportações mediante a execução de uma estratégia de diversificação setorial para longe das indústrias extrativas.
Na Indonésia, a mudança estrutural foi promovida usando os recursos do petróleo do país para aumentar a produtividade agrícola. Os recursos do petróleo também foram usados para desenvolver depósitos de gás natural não apenas para exportação, mas também como insumo para a produção de fertilizantes, que utilizado domesticamente ajudou a aumentar, de forma significativa os rendimentos agrícolas. Nas últimas duas décadas, o país conseguiu expandir as exportações de produtos industrializados, com destaque para calçados, veículos automotores e produtos de madeira, incluindo papel.
No caso da Malásia, várias fases podem ser identificadas no processo de transformação estrutural em que a transformação tecnológica desempenhou um papel fundamental. O país que foi uma economia agrária até a década de 1960, dependente da exportação de borracha e óleo de palma, se tornou um importante produtor de petróleo e gás nos anos 1970. Inicialmente, as receitas com exportações de commodities foram utilizadas para financiar investimentos em pesquisa e desenvolvimento para aumentar a qualidade e produtividade da borracha natural, o que, por sua vez, permitiu aos produtores fazer novos produtos de borracha, como pneus e luvas, promovendo a diversificação vertical na indústria da borracha.
A partir da década de 1970, contudo, o governo da Malásia adotou políticas significativas e direcionou os esforços financeiros para diversificação da economia longe dos recursos naturais, com execução de uma estratégia de industrialização orientada às exportações. Com essa estratégia, a participação das exportações de manufaturados nas exportações totais subiu para mais de dois terços na década de 2000.
No que se refere aos países dependentes de exportações de commodities agrícolas, o estudo destaca que são poucos os casos de sucesso em diversificar a produção não apenas fora do setor agropecuário, mas também dentro do próprio setor. A diversificação horizontal intersetorial exige um elevado volume de investimentos, que, em geral, os países agrários não capazes de arcar.
As notáveis histórias de sucesso da Coreia, Hong Kong, Singapura e Taiwan, em termos de diversificação horizontal, atualização tecnológica e redução dos diferenciais em relação às economias avançadas, nunca foram replicadas em uma escala comparável e, por essa razão, na muitas vezes são consideradas particulares. Nas experiências desse grupo de países, denominados Tigres Asiáticos, a política industrial, baseada em três pilares, desempenhou um papel proeminente.
O primeiro pilar foi a intervenção pública para criar novas capacidades em indústrias sofisticadas. O segundo pilar era a promoção sustentada das exportações, na qual esperava-se que qualquer novo produto industrial fosse exportado dentro de um curto período de tempo. O terceiro pilar era a exigência de forte desempenho competitivo nos mercados doméstico e internacional para se beneficiar de subsídios.
Contudo, na avaliação dos pesquisadores da Unctad, nos dias atuais, mesmo que uma economia partisse de condições iniciais semelhantes e implementasse o mesmo conjunto de políticas e regulamentações, é muito improvável que os resultados fossem os mesmos, pois as condições externas mudaram drasticamente.
Com a fragmentação internacional da produção e a evolução do sistema de comércio internacional, a Unctad argumenta que o conjunto de opções estratégicas que os governos dos países em desenvolvimento dependentes de commodities podem considerar diminuiu significativamente e pode necessitar ajustes finos complexos e respostas adaptativas. Por essa razão, há quem sugira que “em vez de buscar a diversificação horizontal clássica, os países dependentes de recursos naturais devem se concentrar na promoção de vínculos para trás e para a frente com o setor de commodities”.
Todavia, nos países dependentes de commodities agrícolas, embora a diversificação intrassetorial possa representar uma estratégia mais fácil de adotar, para os autores, é altamente improvável que possa promover uma diversificação produtiva ampla. Ademais, a exploração dos vínculos a jusante, como a produção de agroquímicos e agricultura inteligente, que se refere à aplicação da agricultura de soluções de Internet das Coisas, pode envolver know-how tecnológico ou processos baseados em tecnologia que, em geral, um país dependente de commodities não possui.
Revolução digital, Indústria 4.0 e Oportunidades de Diversificação
De acordo com a Unctad, a revolução digital, que teve início na década de 1970, se caracteriza pelo uso da Internet, conectividade móvel e tecnologias da Web 2.0. Entre outras mudanças, a revolução digital resultou na diminuição dos custos de comunicações e transações e em uma participação crescente de cadeias de valor global na produção global, bem como o surgimento do comércio eletrônico.
Embora a revolução digital já tenha atingido uma fase madura nos países desenvolvidos, em inúmeros países em desenvolvimento, incluindo inúmeros países dependentes de commodities, ainda está no período de instalação e até agora não alcançou os setores mais tradicionais. A implantação da infraestrutura de comunicação exigida sob o paradigma econômico e tecnológico da revolução digital e as modificações nos padrões de consumo, como vista ao uso de telefones inteligentes e comércio eletrônico, tem sido as primeiras mudanças observadas nos países da periferia.
Já a implantação de novas tecnologias em setores de produção é, em geral, a última etapa. Inicialmente, essas tecnologias são introduzidas mediante investimentos diretos estrangeiros e só mais tarde começam a ser incorporadas em empresas domésticas.
Os autores destacam que em inúmeros países em desenvolvimento dependentes de commodities, a revolução digital ainda está limitada ao uso de telefones celulares e plataformas digitais. De igual modo, em muitos deles, em diferentes atividades econômicas ainda estão sendo introduzidos elementos de paradigmas das revoluções tecnológicas anteriores, como: a mecanização (1ª revolução industrial) nas atividades agrícolas; a universalização do acesso à eletricidade (3ª revolução industrial) e o aproveitamento de economias de escala (4ª revolução industrial) em diversos setores produtivos para a ampliar a competitividade internacional.
Um novo paradigma econômico-tecnológico, a indústria 4.0, está em andamento desde 2010, mas ainda se encontra em fase de instalação mesmo nas economias desenvolvidas. O paradigma dessa que seria a 6ª revolução tecnológica, na visão da Unctad, é caracterizado por tecnologias fronteiriças, como inteligência artificial, robótica, tecnologia de blocos e edição de genes, bem como pela utilização de tecnologias de energia renovável.
Ainda que a 5ª e 6ª ondas tecnológicas estejam nos estágios iniciais na maioria dos países em desenvolvimento dependentes de commodities, em particular naqueles menos desenvolvidos, diversas possibilidades de aplicação dessas tecnologias poderiam contribuir para aumentar a produtividade em setores baseados em recursos naturais, bem como para a diversificação produtiva. Segundo os pesquisadores da Unctad, não obstante os desafios envolvidos, essas tecnologias poderiam ajudar os países em desenvolvimento dependentes de commodities a diversificar e transformar estruturalmente suas economias.
Em muitos países em desenvolvimento dependentes de commodities, em uma grande parte do setor agrícola, nomeadamente, no subsetor da agricultura de subsistência é provável que prevaleça tecnologias, regras e expectativas que se assemelham àquelas do período anterior à 1ª revolução industrial. Em contraste, nas principais cidades, os hubs de inovação promovem a disseminação das mais novas tecnologias de inteligência artificial, robótica e impressão tridimensional. Este descompasso de paradigmas cria novos desafios para intervenções governamentais que buscam promover a transformação estrutural.
De modo geral, nos países em desenvolvimento, duas questões são particularmente desafiadoras no que diz respeito ao uso mais amplo e adoção dessas novas tecnologias, a saber: a atualização da infraestrutura digital e o aumento dos níveis de competência ou habilidade técnica.
Os autores afirmam que a maioria dos países em desenvolvimento dependentes das exportações de produtos básicos tem infraestrutura inadequada para conexões de Internet fixas de alta velocidade, como conexões de fibra ótica e banda larga ou de alta velocidade. Além disso, essa infraestrutura digital não está amplamente disponível para grandes parcelas da população.
Utilizando o Índice de Prontidão para a Tecnologia de Fronteira - calculado com base em indicadores em cinco áreas: implantação de TIC; habilidades; atividade de pesquisa e desenvolvimento; atividade industrial; e acesso ao financiamento -, os autores do estudo constataram que os países em desenvolvimento dependentes de commodities (0,25) estão menos preparados para adotar e adaptar novas tecnologias do que os países em desenvolvimento não dependentes de produtos primários (0,45), as economias de transição (0,47) e os países desenvolvidos (0,8).
Dentre os países em desenvolvimento dependentes de commodities, aqueles que dependem das exportações de produtos agrícolas (0,2) são os menos preparados para adoção de tecnologias de ponta em comparação com os dependentes da exportação de minerais e minérios (0,23) e de produtos relacionados aos combustíveis (0,32).
Impactos potenciais das novas tecnologias nos setores de commodities
A digitalização, a Internet das Coisas (IoT) e as novas tecnologias verdes vão impactar fortemente a demanda e o a oferta de commodities. Acelerações na adoção de tecnologias verdes, como energia eólica, energia solar e armazenamento de energia deverão influenciar significativamente o mercado de commodities em razão do aumento da demanda por minerais, como terras raras, lítio, cobalto bem como para alumínio, níquel, cobre, índio, ferro, chumbo, prata e bauxita.
Previsões indicam que se os países seguirem firmemente o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, a demanda pelos metais necessários para o fornecimento de tecnologias de armazenamento de energia poderia aumentar em 1.000 por cento até 2050. Essa demanda crescente pode servir como uma oportunidade econômica para os países que têm grandes reservas dessas matérias-primas.
No lado da oferta, as tecnologias da fronteira podem ser implantadas para produção de novas matérias-primas cuja extração não era anteriormente econômica. Por exemplo, os avanços na biotecnologia têm permitido a exploração comercial em escala de algas tanto para consumo humano como para a produção biocombustível. Resultados de novos estudos podem servir como suporte para a criação de novas bioindústrias baseadas nos oceanos, minimizando “a dependência de recursos terrestres para alimentos, energia e produtos químicos”. O relatório também destaca que novas tecnologias podem mudar significativamente a forma de extração do lítio, minimizando o uso de água e acelerando o processo de recuperação.
Segundo os pesquisadores da Unctad, as tecnologias de ponta, incluindo a IoT, blockchain, robótica e drones, devem, igualmente, acarretar transformações profundas nas cadeias globais de valor das commodities, resultando em melhorias contínuas. Essas melhorias incluiriam a diminuição nos custos de transação a partir da utilização da tecnologia blockchain para registros dos pagamentos digitais aos produtores; maior eficiência e lucratividade nos cultivos agrícolas com utilização de soluções de IoT; melhor transparência, confiabilidade e rastreabilidade dos produtos baseados em recursos naturais.
As novas tecnologias podem, além disso, facilitar o comércio internacional de commodities, que tradicionalmente envolve um grande volume de documentos que precisam ser autenticados e processados a cada transação. Contratos inteligentes usando tecnologia de blockchain, que são executados automaticamente quando as condições predefinidas são atendidas, podem ser utilizados para automatizar acordos comerciais, assim como inteligência artificial pode ser empregada para melhor a previsibilidade dos preços das commodities, que registram grande volatilidade em razão da ação dos especuladores.
Na avaliação da Unctad, as tecnologias que exigem maior capital, como a robótica e a IoT, podem ser mais difíceis de difundir em países em desenvolvimento de baixa renda do que aquelas que são principalmente digitais, como a tecnologia blockchain, inteligência artificial e plataformas digitais. Ademais, a natureza de rede das tecnologias digitais, em que o valor do uso de um aplicativo aumenta com o número de usuários, cria incentivos para a difusão de tecnologia de empresas em países desenvolvidos para aquelas em países em desenvolvimento.
A digitalização e o impulso para adotar tecnologias digitais e de fronteira no comércio eletrônico e nas cadeias globais de valor podem, segundo a Unctad, abrir novas janelas de oportunidade nos países em desenvolvimento, incluindo aqueles dependentes de exportações de commodities, para alcançar e reduzir a lacuna tecnológica com os países desenvolvidos.
Recomendações da Unctad
Na avaliação da Unctad, a digitalização e a adoção de uma ampla gama de tecnologias de ponta, desde a energia renovável até a Internet de Coisas (IoT) vão impactar profundamente os setores de commodities. Espera-se que essas tecnologias aumentam a demanda por commodities e por energia renovável de baixo carbono e reduziram os custos associados à extração e produção das commodities. Esses impactos ocorrerão independentemente da capacidade dos países em desenvolvimento dependentes de commodities em usar, adotar e adaptar essas tecnologias. Portanto, os formuladores de políticas e outras partes interessadas nesses países devem estar cientes dos impactos potenciais dessas tecnologias, para melhor preparar e fazer esforços para aproveitar essas mudanças.
Com vistas a promover a transformação estrutural por meio da diversificação econômica e da modernização atualização, a Unctad sugere aos países em desenvolvimento dependentes de commodities considerar a adoção de uma estratégia de inovação em três etapas:
• A primeira etapa é a identificação de oportunidades de diversificação realisticamente viáveis, dada a atual capacidade tecnológica e produtiva, e que tragam mais benefícios. A promoção da diversificação econômica para produtos mais complexos deve ser iniciada com aqueles próximos do atual espaço de produção nacional;
• A segunda etapa é o desenho de instrumentos de política tanto para a promoção da implementação da revolução digital, que é o atual paradigma econômico-tecnológico, como para lançar as bases para uma diversificação mais profunda, com preparação para a implementação da Indústria 4.0 e tentativa de inserção em possíveis cadeias de valor relacionadas a este paradigma; e
• A terceira etapa é a implementação que deve mobilizar todo o Governo, incluindo diferentes ministérios e agências que estarão envolvidos em cada uma das etapas.
Esta estratégia deve ser orientada por planos de desenvolvimento nacional, bem como pelos objetivos e prioridades dos países.
No que se refere, por exemplo, à adoção e disseminação da Internet das coisas (IoT) na agricultura, uma estratégia de política bem-sucedida poderia ser, segundo a Unctad, baseada em quatro módulos principais de ação política.
O primeiro módulo consistiria em disponibilizar informações sobre soluções da IoT acessíveis aos agricultores. Uma parceria com firmas de consultoria agrícola inteligente pode ser estabelecida e financiada por um governo ou parceiros internacionais para que as informações possam ser fornecidas gratuitamente aos agricultores.
O segundo módulo de ação política relaciona-se com a reforma do quadro regulamentar para promover a certificação e o reconhecimento da qualidade, tanto a nível nacional como internacional. Como o cumprimento de regulamentações, como medidas sanitárias e fitossanitárias e barreiras técnicas ao comércio que prevalecem em um determinado mercado, é condição sine qua non para acessá-lo, os governos precisam estar dispostos a reformar o quadro regulatório doméstico para reduzir as lacunas regulamentares com as economias mais avançadas.
A Unctad observa que esquemas de subsídios podem ser introduzidos para aliviar qualquer impacto de custo da certificação sobre os agricultores de menor escala, dado que laboratórios especializados na emissão dos certificados de conformidade podem não estar ativos em um país específico.
O terceiro módulo de ação de política, em conjunto com o anterior, estabeleceria esquemas de financiamento para permitir que qualquer agricultor participasse de esforços de difusão por meio de atividades de capacitação de seus pares.
O quarto módulo de ação política deve ter como objetivo promover a adaptação das tecnologias às condições locais e fornecer incentivos para inovar mediante soluções de IoT. Tal módulo seria implementável com a utilização de todos os dados coletados por meio das soluções adotadas originalmente. Há um claro potencial de aprender produzindo, fomentado por uma análise sistemática das informações coletadas. Instituições de pesquisa nacionais devem ser envolvidas ou mesmo criadas para lidar com o desafio da coleta e exploração de dados.
Aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pela tecnologia e inovação dependerá de vários fatores. O principal deles será o nível de compromisso da liderança e dos governos de países em desenvolvimento dependentes de commodities para promover a tecnologia e a inovação como forma de romper com essa dependência.
Como sucesso em escapar da armadilha da dependência da exportação de produtos básicos demora a acontecer, é preciso que a decisão política dos líderes vá além da duração de seus mandatos.
Outro fator importante será o papel da comunidade internacional em apoiar os países em desenvolvimento que dependem de commodities neste esforço. Nesse sentido, será essencial que os parceiros internacionais públicos e privados de países em desenvolvimento dependentes de commodities facilitem a transferência de tecnologia e participem por meio de financiamento dos esforços desses países para construir as capacidades físicas, humanas e institucionais necessárias para a adoção e domesticação das tecnologias relevantes.
A Unctad considera necessária a criação de uma estrutura internacional para transferência de tecnologia para países em desenvolvimento dependentes de commodities, nos moldes do Mecanismo de Tecnologia do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Os países desenvolvidos seriam obrigados a fornecer e relatar sobre a transferência de tecnologia e o apoio à capacitação para países em desenvolvimento dependentes de commodities, com base na avaliação das necessidades de cada país. O financiamento poderia ser canalizado por meio de fundos especiais criados para esse efeito, como também é o caso do Acordo de Paris.